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FAA O0 IUANCA Literatura Comparada Literatura-Mundo A perspectiva comparatista da literatura permite considerar de forma inovadora questies como o ensino das Humanidades, a aproximacdo a Literatura-Mundo ou diversos olhares p sobre o estudo da Literattira Portuguesa, E essa perspectiva que aqui subjaz a defesa do entusiasmo como modo de entender a experiéncia da leitura enquanto inesperada construgao de “bons vizinhos”; e como 0 que nos ¢ oferecido'de incomum. na experiéncia pessoal ¢ da comunidade. literatura Ch Literatura Comparada e Literatura-Mundo » Helena Carvalho Buescu Do entusiasmo: humanidades, literatura comparada “0 objectivo da arte, da poesia, 6, de alguma forma, reparar 0 que esta danificado, Se tudo fosse reparado, a arte estaria acabada — mas palavras de Seamus Heaney, em entrevista etem a conviegio de Cesério Verde, a0 dizer: "Se eu nfo morresse, nunca! E etemamente/ Buscasse e conseguisse a perfeigio das coisas! aa his eee desenvolver reside na tensio implicada pela “impossibilidade” de que aqui fala Heaney (e de que falara Cesério). \Verei como ambas sio 0 reverso uma da outra,e que ¢ pois ria impossi- bilidade de reparar tudo quanto esta danificado que radica, também, a possibilidade de tudo reparar. Sublinharei o cardcter inéompleto € por isso sempre renovador da literatura, do conhecimento dela que os estu- dos literdcios permitem, bem como de uma ideia de humanidades que a caracferiza como apraxintando de nos 0 passado, ao pono de dele ter- ‘mos uma experiéncia presente, sem que seu cardcte? revoluto (e mesmo por vezes anacrénico) desaparega. Estamos, pois, perante uma tensio © ‘um aparente paradoxo que fazem parte da peculiar relacio com o tempo que 0s estuclos literézios, enquanto parte do discurso das humanidades, manifestam e praticam O terrtério em que Heaney coloca a poesia literatura e por exten- __ sfo a arte é como vimos, aquele em que a intervengio de uma vor al se dirige também a0 colectivo, reflectindo por um lado, a ‘dade de identficar 0 que esté danificado e, por outro, a possi- de de enderecar esse dano pela imaginagio ou até pela invencio en nadaria ent ranavarin fmndemamente fala-se menos div ane .ereve-se, nas palavras de Heaney, neste inacab: e do seu horizonte de mundo potencialmente i fala que apenas existe porque éarticulada pelo ia de que, como sempre sublinharam, entre out Mikhail Bakhtin, aquilo que nela se agita ¢ I dade, Aquilo a que ela se dirige mela se cris ‘a meméria dessa comunidade, qué dé assim s trucio antropolégica do homem. Manuel Gusmao re sobre esta questio num ensaio sobre a. configures humano (Gusmao 2011") e sobre formas da historicidad que inevitavelmente dao corpo ao humano es comunidades pessoal e inventa: Acredito que sem essa mem: nogio de colectividade seria sdimentacao e da e: jas, continuas e desct ‘por acompanhar brevement ticdo, sedimentacio e escolha imagindria), para deixar claras algumas das implicagSes que tém no desenho de uma concep¢ao da literatura como decisiva inscrigéo de uma meméria cultural q) mente, uma imaginacai devemos tomar a sério a sobre o mundo - aquilo: reed eee Pog vases teaptnacinnsss (outa ore de existéncia), ‘mos a conviccio de que ela ¢ feita, tamb identificar 0 padrao da repeticao. Este permi as diferengas e por isso a estratificacao dos algumas implicagoes complexas, que me limit ~oliterdrio nao é ensinvel numa das duas dimensdes apenas, entrelagamento entre elas que nasce a literatura como ex Por seu lado, a cultura, entendida por Lotman e Uspenski como +a nlo-horeditéria de uma comunidade” (Lotman e Uspenski 1981, 40) discurso e de préticas; isto significa que qualquer cultura, enquanto lugar de meméria de ima comunidade, nio s6 pode ser objecto de aprendizagem (ndo ha que ter medo da palevra, como no hé que ter ‘medio da palavra ensino, que designa uma actividade nobre, mesmo s¢ hoje muitas vezes socialmente desqualificada) como depende intima- ‘mente dela para poder consttuit-se, exercer-se ¢, assim, atravessar 08 tempos. A tensio pedagégica encontra-se assim co-implicada na ideia de cultura que aqui defendo, o que naturalmente teré especificas conse- sgotow jé 0 seu (limitado) papel hist6rico, como se viu ultrapassada Por outras formas instrumentalmente mais eficazes, com especial desta- que para as passiveis de uma mediatizacéo preferencial (para uma reflexdo mais pormenorizada sobre esta questdo, remeto agui para 0° Liltimo capitulo do presente livro). \Nao ¢ pois num quadro de uma exclusiva (ou sequer preferencial) legitimacio nacional aue teremos de procurar e argumentar a necessi- hermenéutica literérias, ¢ atenta a expressio de problemas cxttico que ndo se exaura numa dimensio tecnocratica. Estou entretanto persuadida de que temos de procurar e argumentar a sua necessidade, consiste em entendé-los como determinista face a qual a atitude de re a tinica possivel),e que Por isso a solucao exclusiva seria a de rec Feri absoluto 0 pensa- Imente mais de acordo- do a que eu chamaria ). pés-critico (e em certo sentido também ele pré-« Entre um e outro, entre a fuga pré-critica ea fuga cimento proveniente desta estandardiza: escala bem diferente. Rey Chow apont matizagio do i (0s textos fazemos, Se quisermos: nfo como um con- isciplinar mas, como no ini refer, um reforgo da ) disciplinar, De semelhante ponto de vista, endo por acaso com idénticas preoci- ppacies sobre os tempos que vivemos, Vitor Aguiar e Silva dirige & rea das humanidades o decisivo gesto pelo qual o patriménio cultural no € remetido para o passado apenas, e no é deglutido pela ideia homoge- neizante de uma comunidade feita tio-s6 de partilhas a-historicas de aquilo que se herda 6, talvez, coincidéncia de descontinuidades e mesmo ¢ um papel fundamentais difusio desse pasiménio. iva 2010, 90) Para esta ideia de literatura que aqui défendo, parece-me pois deci- sivaa operacao comparatista, esta ideia de um compar limita a ficar pela conformagio nacional de uma analogia inter-nagées téncia de uma comunidade reconfigura eos trans- slo passado mas, sob como experiéncia do presente, eternamenterepetivel no presente. E ida por quem conhecer também Isto nie significa dizer que ‘uma trancdisciplina. Porque ni por isso entendemos uma disci ‘mente emoldurado. Aquilo disciplinar apenas assinal Literaturas que el iteratura comparada é, ou dever para. literatura, comparatista da defesa da supranaci oje que o arguinento em nihar as fronteiras entre o qui dades ea transformagdo (deformacio) que elas i sustentam a apreensio do tempo: Itis part ofthe very nature of the documents and o € aarte em geral. A qualidade mimética da formagio cult ‘passar despercebida & nossa prépria concepcao de literatura comparada, Se esta costuma ser associada & nogéo de diferenga, eu goslaria por meu turno, de sublinhar 0 quanto ela ganha em ser também associada a cons- cto ‘como processo de preseroar a memériae, simultaneamente, de atransfr- mar. Um dos melhotes exemplos em que podemos pensar 6 0 paradoxo de Borges sobre Pierre Menard, “autor do Quijote, E também esta mesma repetigéo compleza que, em minha opiniao, atta vvessa a argumentagio de Hans-Ulrich Gumbrecht, ao considerar a lenti- dio ¢ a assungio do risco como ctuas das caracteristicas decisivas para 0 ‘actual repensar das humanidades. Talvez pudéssemos ser tentados,pri- moira vista, a considerar a repeticdo como incompativel com a assuncio do risco: Do meu ponto de vista tal nao acontece. Apenas uma concepio que acolhe a repetisio como parte integrante do dinamismo cultural Pode na realidade compreendé-la enquanto factor de assungio do risco, Convite ao entendimento do modo como, para citar ainda Gumbrecht, ‘num seu outro ensaio (2003), estamos sempre a ser confrontados com objecios complexes com os qusis do sabemos a partia id £ por seo, | ue oIouvor da fauldade do juizo em que tanto ele 2005) como Susan ‘Stewart concordam ver um lugar central para a concepeio das humani-

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