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A NARRATIVA SERIADA Como se sabe, a programacio televisual é muito fregjentemente concebida em forma de blocos, cuja duragio varia de acordo com cada modelo de televisio. [Em geral, televises comerciais tém blocos de menor durago que as televisbes piblicas, pela razdo Sbvia de que precisam vender mais intervalos comerciais, Uma emissao didria de um determinado programa é normalmente constituida por lum conjunto de blocos, mas cla propria também & um segmento de uma totalida- de maior ~ © programa como um todo ~ que se espalha ao longo de meses, anos, em alguns casos até décadas, sob a forma de edigdes difrias, semanais ou men- sais. Chamamos de serialidade essa apresentagio descontinua ¢ fragmentada do sintagma televisual, No caso especifico das formas narrativas, 0 enredo & geral- ‘mente estruturado sob a forma de capitulos ou episédios, cada um deles apresen- {ado em dia ou horatio diferente e subdividido, por sua ver, em blocos menores, separados uns dos outros por breaks para a entrada de comerciais ou de chamadas para outros programas. Muito freqiientemente, esses blocos incluem, no inicio, ‘uma pequena contextualizagio do que estava acontecendo antes (para refrescar a meméria ou informar o espectador que nao vit o bloco anterior) e, no final, um _gancho de tensio, que visa mantero interesse do espectador até o retorno da série depois do break ou no dia seguinte. Os episédios da série de David Lynch Twin Peaks (1990-91), por exemplo, comegavam sempre com uma répida retrospecti- ‘no momento mais -va dos episodios anteriores ¢ terminavam invariavelms quictante. 84 + A TELEVisio LEvADA A séaio Existem basicamente trés tipos prineipais de narrativas seriadas na televi- sito. No primeiro caso, temos uma tnica narrativa (ou virias narrativas entrelagadas « paralelas) que se sucede(m) mais ou menos linearmente a0 longo de todos os capitulos. E 0 caso dos teledramas, telenovelas ¢ de alguns tipos de séries ou minisséries, Esse tipo de construgio se diz teleolégico, pois cle se resume funda- ‘mentalmente num (ou mais) conflito(s) basico(s), que estabelece logo de inicio tum desequilibrio estrutural, ¢ toda evolugdo posterior dos acontecimentos con- siste num empenho em restabelecer 0 equilibrio perdido, objetivo que, em geral, 86 s¢ atinge nos capitulos finais. No segundo caso, cada emissio é uma histéria completa ¢ auténoma, com comeco, meio e fim, € 0 que se repete no episédio seguinte sio apenas os mesmos personagens principais ¢ uma mesma situagio narrativa, Nesse caso, temos um protétipo basico que se multiplica em variantes diversas a0 longo da existéneia do programa. E o caso basicamente dos seriados = por exemplo, o célebte Malte mulher (1979-81) ~ e de programas humoristicos do tipo Monty Python's Flying Circus (1969-74). Nessa modalidade, um episo- dio, via de regra, nao se recorda dos anteriores nem interfere nos posteriores: 0 personagem principal aparece ferido no final de um episédio, 0 vilio é colocado na cadcia, mas no episédio seguinte jé no hi mais sinal do ferimento nem 0 vilio esté mais na prisfo. O caso mais absurdo é 0 desenho dirigido por Trey Park South Park (desde 1998), que tem wm personagem, o Kenny, que morre em todos 0s episédios, mas sempre retorna vivo nos episédios seguintes. Nesse tipo de ‘estrutura, a contrério da modalidade anterior, nio ha ordem de apresentagio dos episédios: pode-se inverté-los ou embaralhé-los aleatoriamente, sem que a situa- ‘io narrativa se modifique. Finalmente, temos um terceiro tipo de serializagio, em que a inica coisa que se preserva nos virios episédios & 0 espirito geral das historias, ou a temitica; porém, em cada unidade, nfo apenas a historia comple- tae diferente das outras, como diferentes também so 0s personagens, os atores, ‘08 ceniitios ¢, as vezes, até os roteristas ¢ diretores. 0 caso de todas aquelas ‘em comum apenas o titulo genérico e o estilo das séries em que os episédios i historias, mas cada unidade é uma narrativa independente, A série The Outer Limits (Quinta dimensao; primeira versio: 1963-64), por cxemplo, é constituida de episédios em que a tinica coisa em comum é a presenca em cena de monsiras, do espaco extraterrestre, sejam eles insetos gigantes, microorganismos parasité- rios ou rochas ineligentes, Na mesina categoria se poderia enquadrar também a série brasileira Comedia da vida privada (1995-97), em que as diferentes hist®- rias mensais tm em comum apenas o fato de focalizarem sempre a vida domés tica€ 0 eterno conflito homem-mulher (akém, naturalmente, dos arrojados estilos ‘A wagnata SERADA + 8 de mise-en-seéne ¢ ediglo). Neste livro, seguindo principalmente sugestdes de Renata Pallottini, adotaremos, sempre que pertinente, a seguinte terminologia, vamos chamar de capitulos os segmentos do primeiro tipo de serializagio, de «episédios seriados os segmentos do segundo tipo e de episédias wnitérios as narrativas independentes do terceiro tipo." Naturalmente, 05 trés tipos de narrativas podem as vezes s2 confundir. As telenovelas brasileras pertencem, sem divida a primeira modalidade, ou seja, 4a(s) histria(s)iniciada(s) no primeiro capitulo se desenrola(m) teleologicamente a0 longo de toda a série, até 0 desfecho final nos iltimos eapitulos, mas pode(n arrastar-s indefinidamente, repetindo ad infinitum as mesmassituay6es ou criando situagdes novas, enquanto houver altos indices de audiéneia, Isso significa que as mbémn earacteristicas de seriado, Por outro lado, exis telenovelas ineorporam tem seriados em que, malgrado se possa verificar uma estrutura bisica de episé- dios independentes, permitindo, portanto, que possam ser assistides cm qualquer nimero ou ordem, ha uma situagio teleologica, um inicio que explica as razdes ‘do($) eonflito(s) © uma espécie de objetivo final que orienta a evolugio da narra- ‘iva, Aqui também a série pode desdobrar-se ao infinito, enquanto houver audin- cia, mas ha um episédio inaugural que explica 0 contexto da sére e & possivel ainda que, em algum momento, os realizadores resolvam colocar um ponto final histéra, fazendo com que os personagens principais possam atingir uma meta prefixada, A situagao basica do seriado Matte mulher, por excmplo, se explica no prinwiro episéaio, com 0 conflito conjugal, a separagio do casal e o trauma da filha, Todos os demais episédios serio derivagées do fato de Malu estar descasa- da, ter de iniciar uma nova vida sozinha e ainda trabalhar 0 trauma da filha, No seriado The Fugitive (1964-67), temos uma situagdo bisica também apresentada no primeiro epis6dio: 0 Dr. Richard Kimble, equivocadamente acusado de matar 4 sua esposa, passa seus dias interminavelmente fugindo da policia e tentando encontrar o verdadeiro assassino, antes que ele préprio seja capturado. Cada um dos episédios seguintes sera uma variacio cm torno da fuga ¢ da imvestigagio do crime, Finalmente, tr8s anos depois do inicio do seriado, o crime édesvendado © © assassino fuzilado pelo mesmo policial que perseguia Kimble, finlizando, pot tanto, a narrativa, Hi virias explicagdes sobre as razies que levaram a televisio a adotar ® ago como a principal forma de estruturagio de seus produtosaudiovisuais- "Renata Plot, Dromanwia de televido ($0 Paulo: Maden, 1998), wp. 31.4. 86 + A reLewsio Levaoa A séno Para muitos, a televisio, muito mais do que os meios anteriores, funciona segun- do um modelo industrial e adota como estratégia produtiva as mesmas prerroga- as da produgio em série que jé vigoram em outras esferas indusrias, sobretudo na indistia automobilistica. A necessidade de alimentar com material audiovisual ‘uma programagio ininterrupta t judo da televisto a adogdo de modelos de produgdo em larga escala, onde @ serializacio ¢ a repetiglo infinita do mesmo protétipo constituem a regra. Com isso, & possivel produzir um nimero bastante clevado de programas diferentes, utilizando sempre os mesmos atores, 0S mes- ‘mos cendrios, 0 mesino figurino e uma tinica siningo dramitica. Enquanto pro- utos como o livro, 0 filme e o disco de misica slo concebidos como unidades ‘mais ou menos independentes, que demoram um tempo relativamente longo para serem produzidos, o programa de televisio & concebido como um sintagma pa- dro, que repete 0 scu modelo bisico ao longo de um certo tempo, com variagdes maiores ou menores, O fato mesmo da programagao televisual como wm todo constituir um fluxo ininterrupto de material audiovisual, transmitido todas as hhoras do dia ¢ todos os dias da semana, aliado ainda ao fato de que uma boa parte 4a programasio é constituida de material 20 vivo, que iio pode ser editado pos- teriormente, exigem velocidade ¢ racionalizagio da produgio. A tradigdo parece demonstrar que tm certo “fatiamento” da programagao permite agilizar a produ 420 (0 programa pode jé estar sendo transmitido enquanto ainda esti sendo pro- duzido) ¢ também responder as diferentes demandas por parte dos distintos ssegmentos da comunidade de telespectadores. Mas € preciso considerar que nio foi a de narrativa, Ela jé existia antes nas formas epistolares de literatura (cartas, ser= mbes, ete), nas narrativas miticas intermninéveis (As mil e wma noites), depois {eve um imenso desenvolvimento com a técnica do folhetim,utilizada na lite rapublicada em jomais no século passado, continuou com a radio do radiodrama ‘ou da radionovela e conheccu a sua primeira versio audiovisual com 0s seriados do cinema, Na verdade, foi o cinema que forneceu o modelo bisico de serializagio Audiovisual de que se vale hoje a televisio. O seriado nasce no cinema pot volta de 1913, como decorréncia das mudangas que estavam acontecendo no mercado de filmes. Nessa época, parte considerivel das salas de cinema era ainda os {805 nickelodeons, que s6 passavam filmes curtos, inclusive porque o piiblico fi- cava em pé ou sentado em incdmodos bancos de madeira sem encosto. Os Jongas-metragens (feature films), que comegam a surgir nessa época, s6 podiam ser exibidos nos saldes de cinema, mais confortiveis ¢ mais caros, embora nume- ricamente ainda pouco expressivos. O filme atender is duas evisio que criou a forma seriada ‘A nanRarva SERIADA + 87 Lorenzo Wiehe, “Pay I Again Sim", daa 9, 1984, 9p $7-70 ‘Anny Marin Balogh, “Televisie.sraldade, par.d upto" em Face 3, 818 jm, 1990, p12. ts Leuman, 4 exratr do text artic (Lisboa: Fstamp, 1978) pp. 187236. 90 + A reLevisto Levana A sno sas s8 depois de haverentrado a fundo nos earacteres stuagBes, visto que a grag, mente eambiante, das es- A ternura ou 0 iso nascom somente da repetigo, iti ‘quemas, nascem da Fidelidade &inspiracéo basics erequerem do leitor um ato con- tno e fil de simpatia® Omar Calabrese, por sua vez, rjeitando 0 senso comum que considera 0 repetitivo e 0 serial como o contririo do original e do antstico, vem a afirmar que '§ produgio seriava du t!evisdo nos permite pensar numa coisa nova, uma espécie de “estética da repetigao”, baseada na dindmica que brota da rel: elementos invariantes ¢ os variveis.? [Essa “estética da repetigio” acontece numa variedade quase infii sibilidades, mas para efeitos de um estudo mais genérico, vamos agrupar as ten- déncias predominantes em trés grandes categorias: aquelas fundadas nas ‘ariagdes em tomo de um eixo tematico, aquelas baseadas na metamorfose dos ‘lementos narrativos e aquelas estruturadas na forma de um entrelagamento de situa diversas. No primeiro caso, podemos situar todos aqueles exemplos de narrativas seriadas que procuram extrair 0 méiximo do jogo entre variantes ¢ invariantes ao longo do process de repeticia. A esse propésito, Calabrese ‘rememora a série norte-americana Columbo (1972-79), que tem um tnico perso- nagem principal - 0 detetive que da titulo ao seriado ~ e uma situagao bisica gidamente estabelecida e infinitamente repetida: um crime quase perfeito, 0 ‘cultamento das provas, a competigdo de inteligéncias entre 0 criminoso ¢ o in- vestigador, a descoberta de um minisculo erro do culpado e o desmascaramento al." O inleresse da série esté justamente em promover sutis variagdes em torno ico. Na verdade, cada episodio ¢ real- desse cixo temitico aparentemente est mente um exercicio de variagdes diegéticas esti tral, sempre assinado por um diretor diferente (alguns nomes relacionados com a strie sho bastante expressivos, como John Cassavetes ¢ John Boorman, por exem- plo), quase como se fossem encenagdes diferentes da mesma histéria Os seriados que adotam a estrutura dos episédios unitérios costumam per tencer, de modo geral, a essa categoria. The Outer Limits, por exemplo, é uma colegio de histérias completamente diferentes entre si, mas que repetem sempre ‘a mesma situaglo bisiea: a Terra (isto €, os EUA) €invadida por seres ali € 0 enredo consiste em descobrit os meios de destrui-los ou devolvé-los aos seus ticas em torno do tema cen- Umberto en, dpocainica © dnxrado (So Palo: Papestna, 12). p. 286 ‘Omar Colbese, Laem neatarrca (Mai; Cited, 1987). p84 © Bid, pp. 5657 ‘A nannaniva SEAMOA © 91 territrios de origem. Na verdade, essa série transforma em metifora narativa 0 redo real ¢ inexprimivel do cidado comum norte-americano de alguma agres- slo externa, proveniente sobretudo do mundo comunista, durante os piores tem- pos da guerra fria. Mas a série faz referéncia também a um outro terror reprimido: ‘0 medo da propria televisio. Como ji havia acontecido antes com outros meios (© livro e 0 cinema sio os melhores exemplos), 0 surgimento de um meio novo como a televisio provoca, nos seus primeiros momentos, reagdes de pinico ¢ incerteza, expressas na forma de vis6es apocalipticas de um mundo centralizado © dominade por esse meio. The Outer Limits explora, néo sem uma ponta de perversidade, as inquictudes geradas pela prépria televisio. J4 a vinheta de aber- tura do programa era um verdadero achado em termos de auto-referéncia perver- sa. A imagem mostrada na tela ~ na verdade, apenas o padrio grifico utilizado has emissoras para teste ¢ ealibragem cla imagem — comega a ser distorcida, desfocada e descentralizada, os controles de vertical ¢ horizontal entram em co- lapso, enquanto a vor de um locutor diz: “There is nothing wrong with your television se. Do no attempt to adjust the picture, ‘We are controlling transmission, We will contol the horizontal. We will contol the vertical. For the next hou, st quietly and we wll control all you see and hear You ‘are about to experience the awe and mystery that reaches from the ner mind tothe ‘Outer Limits?” [Nessa época (a sétic inicia em 1963), as transmissées de televisio cram ‘muito precérias. Freqientemente a imagem era distorcida por causas técnicas as ‘mais variadas ¢ havia sempre um locutor de plantio para anunciar que a emissora estava tendo problemas de transmissio, naturalmente prometendo 0 restabelecimento do sinal dentro de pouco tempo. The Outer Limits tira proveito «dessa precariedade técnica da primeira televisio ea associa muito astuciosamente 4 terror orwelliano de uma sociedade dominada pela televisio. O mais interes- sante nessa série (que teve varios episédios dirigidos por Byron Haskin) € 0 fato de a incrivel galeria de monstros que ela cria nos seus sucessivos episédios ser composta de figuras imprecisas ¢ distorcidas que tram todo o partida possivel da instabilidade iconogritica da televisio dos primeiros tempos. Jé 0 episédio inau- No nada de era com sex spacbo de eleva. Notte csgr 2 imagem. Nos estamos coatto- lana trasmisso, Nos ves conolar3 horizontal Mb vamos conta vertical. Dara a prox ma hor, sents ead edie qu ns conlema deo que voc ai ver cour, Vee ext press | expermemaro pavor€@ mitre que sc extend ds funders da mete aos Limtes do Exterior, 92 + A teLevisio Levan a sén10 ural da série ~ The Galaxy Being (1963), dirigido por Leslie Stevens ~ mostra tum engenheiro de uma estagio de ridio, Allan Maxwell, que nas horas vagas tenta captar sinas tlevisuais do espaco ¢ acaba inadvertidamente teletransportando para a terra um alicnigena da gakixia de Andrdmeda, Uma vez que o extraterres- tre foi materializado num aparetho de televisio afetado por toda sorte de estética interestela, ele aparece como uma criatura translicidla, uma espécie de monstro- ues Raanas «Jofimidas, continamcnte afetado por distorgdes de toda espécic, como se nao estivesse “bem sintonizado”. Os demais monstros que assaltario as casas dos espectadores 20 longo dos dois anos posteriores (na primeira série) nio serio muito diferentes em termos de definigio plastica. Sio monstros “de televi- io”, cada um deles uma variagdo em torno da lablidace iconogrifica da televi- sio dos primérdios e sobre 0 tema dos perigos que chegam através do tubo iconoscépico."” (0 segundo modo de serializagio ~ a metamorfose dos elementos narratives esta bem exemplificado por Calabrese na anélise que ele faz do seriado norte amerieano Bonanza (1960-73), que teve virios de seus episédios dirigidos por Robert Altman. Os elementos invariantes da série correspondem a iconografi biisica do western, celebrizada pelo cinema: boiadeiros, aldcias, saloons, bailes na praga, manadas de gado, corridas nas pradarias, indios, pancadaria, tirotcio, couniry music € 0 duelo Final. Aos poucos, variiveis vio sendo introduzidas, ‘manchando essa platitude inicial: surge um boxeador da Inglaterra, um japonés que nio consegue integrar-se a0 grupo, um quixotesco parente do México, 0 pistoleiro que fica cego € assim por diante. No plano tematico, os papéis que personificam o bei ¢ 0 mal também vo sofrendo continua redefinigio a0 longo do seriado. No episédio Desert Justice (dirigido por Lewis Allen), por exemplo, © personagem David Walker, tradicional amigo ¢ companheiro de luta dos Cartwright, revela-se, de repente, um assassino foragido da justiga. Assim, os valores classics do western, que parecem tipicos nos primeitos episddios, vao soffendo revises nos episédios posteriores, até redirecionar completamente a narrativa." ‘Além disso, temos aqui una situagio ficcional mais afinada com uma es- trutura seriada do que com um padrio narrative de tipo clissico, no sentido aristotético do termo. A histéria é vaga: acompanha a saga da familia Cartwright, ' settrey Sconce, “The Outer Limits of Oblivion", em 1. Spiegel M. Catn (orgs) The Revi ign Televised (Nowa York: Routledge, 1997), pp. 21-45. Omar Calabrese, La en neabaroce ci pp 5556 ‘A wasnanva Semon © 93 proprietria do rancho Ponderosa, em Virginia City, Nevada, composta basica- mente pelo pai Ben ¢ 0s filhos Adam, Hoss ¢ Joe, e narra os problemas que a familia tem de enfrentar com bandidos e indios ov a ajuda que prestam a0s outros colonos em perigo, Nao ha um enredo linear, uma trama a ser seguida, um obje- tivo final a ser perseguido (a nao ser a autoprescrvagdo da familia), mas hi um 'mecanismo interno de mutagdo que modifica o estatuto dos personagens de wm episédio a outro, exigindo que o espectador reconsidere permanentemente o seu conhecimento ¢ a sua apreciagdo da histéria. De repente, 0 cagula da familia, Lite Joc, se apaixona por uma vizinha, produzindo na audiéncia um certo suspense, pois, se ele se casa, com certeza vai consttuir uma nova familia, rom endo a unidade familiar anterior, que até entio era a garantia de unidade da série. Mas logo o namoro é destocado para a margem da histéria, com a introdu: so de um problema novo: a garota pela qual Joe se apaixona ¢ surda-muda e tera dificuldades de comunicagio. O episédio ~ Silent Thunder, um dos melhores 's por Robert Altman ~ se concentra, 2 maior parte do tempo, na dente os {entativa do jovem Cartwright de ensinar & garota o cédigo de comunicagio dos surdos-mudos. Embora a presenga de um rival na disputa da mulher produza wn certo conflito marginal, 0 episédio jé nao guarda sendo palidos vestigios da temética clissiea do western. Assim, em cada semana, alguma coisa acontece ‘que modifica (ou ameaga modificar) 0 rumo posterior dos acontecimentos, a ‘meméria dos episédios anteriores ou a propria unidade temitica ¢ estilistica da série, Como decorréncia, esboga-se, a0 longo de toda a série, uina vaga promessa 4e continuidade e progressio, embora cada episédio continue mantendo-se mais ‘ou menos independente dos outros, podendo ser acompanhado sem problemas pelo espectador ocasional. No dizer de Calabrese, Bonanza consegue criar diver- sos desniveis narrativos ¢ temporais: “a historia acabada em cada episédio, a historia aberta da série © um modelo intermediario que consiste em uma historia aberta para um nimero detinido de capitulos”® No que diz respeito is metamorfoses internas do mecanismo de serializagio, rio hi como deixar de citar um seriado brasileiro bastante inovador, 0 Armagao itimitada (1985-88), realizado para a Rede Globo sob a dirego geral de Guel ‘Arracs, Entre as suas varias virtudes, 0 seriado se distingue pela sta imensa capa- cidade de transformagao (ele nunca é a mesma coisa a cada novo episédio) ¢ pela sua voracidade em “deglutit” antropofagicamente todos 0s outros formatos {elevisuais, para devolvé-los em seguida sob a forma de pardsia. Comparado mid, p86 94 + A TELEWSKO LEvADA A sém0 ‘comas outras séries brasileiras do mesmo periodo - Malu mulher, O bem amado, Carga pesada, Plantio de policia, Amizade colorida, etc. ~ 0 programa aparece nitidamente como um seriado atipico, pela mancira como joga com os esquemas da produgio seriada, De um lado, ha uma estrutura fortemente repetitiva, funda- da iio quarteto bisico um tanto quanto estercotipico ~ Juba e Lula, os protétipos dos garotdes esportisas ligeiramente alienados; Zelda, a jornalista protofeminista; enor abandonado” nada carente ~ ¢ nas suas peripécias em tomo da Bacana, 0 € suspeita comunidade/empresa Armagio llimitada. administragdo da estran Mas 0 tom farsesco da séric demole todo © qualquer principio de estabilidade, garantindo a variabilidade infinita das combinagies iconograficas, tematicas € narrativas. Dependendo das rumos que toma(m) a(s) trama(s), Zelda tanto pode parecer como uma feia e desengongada dona de casa, uma intelectual vetusta estribica, uma vamp sensual ¢ iresistivel ¢ até mesmo uma Iracema alencariana (no episétio Programa de indio). Um dos personagens mais desconcertantes & 0 camalesnico de Zelda, 0 editor do jornal Correia do Creptisculo. Cada vvez.que ele aparece, em cada bloco ou episédio, sua personalidad muda comple- tamente: ora ele parece rigido ¢ autoritério como um ditador, ora décil esubmis- ‘50 como tim cachorrinho de estimagao, ora ele parece estar apaixonado por Zelda ¢ faz tudo por ela, ours veres trata cruelmente, como a mais baixa das funcio- arias, As vezes, cle também se transforma visualments cm porco, flor ou mario- nete, de acardo com o humor do bloco ov episéxlio. Além disso, 0 estilo narrative da série & bastante indefinido, permitindo variar o tempo todo entre um sem= inimero de possibilidades estilisticas. As vezes a narrativa € conduzida como se fosse um programa de ridio (as continuas interrupcdes de Black Boy, 0 locutor- narrador dos primeiros episddios), outras vezes como uma chanchada ou progra- mma de auditério, outras vezes ainda como uma parédia debochada dos seriados norte-americanos (os episédios Mew amigo Mignum ¢ A dama de couro), no taro absorvendo elementos formais da telenovela, do telejornl, do videoelipe, da ficgio ciemtfiea (0 bebé Zeldinha, fruto da relagio de Ronalda Cristina com al- gum ser extraterrestre) ¢ fazendo citagaes explicitas dos outros programas da Rede Globo ¢ de toda a histéria do audiovisual Finalmente, uma terecira tendéneia das narrativas seriadas consiste em cons- truir um entrelagamento de um enorme nimero de situagdes paralelas ou diver- gentes, gerando como resultado uma complexa trama de acontecimentos nio necessariamente integradas. Embora esse modo de engendramnento narrative possa ser encontrado também na literatura e no cinema, foi sem dlivida a televisio que Ihe dew maior conseqiiéncia, em razio principalmente da longa duragio dos pro- A nannativa SERA + 95 imento de tramas paralelas, e em razio Bramas, que torna inevitivel flores também das caraeteristicas do proceso produtivo (a produgao se di 30 mesmo tempo que a recepgio, ou com uma pequena diferenga dle tempo), que permite incorporar a0 programa os acidentes do acaso ¢ as demandas da audineia, ara- vés da expansio, enxugamento ou supressio das tramas paralelas. Parece que foi Hill Street Blues (1981-89), um expressivo seriado policial norte-americano criado por Steven Bochco ¢ Michael Kozoll, que introduziu na televisto a estrutura de narrativas miltiplas entrelagadas, com uma galeria bas ‘ante extensa de personagens ¢ um paine! mais complexo de situagdes diegéticas, abrangendo histérias mais curtas, que comecavam ¢ acabavam no mesino epis dio, historias mais longas, que atravessavam varios episédios, quando niio anos intciros de programagdo, e até mesmo hist6rias que permaneciam em aberto sem encontrar solugdo em nenhum dos episédios. O proprio modo de engendramento narrativo favorceia o encavalamento temporal das diversas tramas paralelas: cada piséio focatizava um dia inteco na vids dos habitantes do bairro Hill iret, tl como ela se refletia na rotina da delegacia local, com suas diversas ocorréncias paralelas e entrelagadas, © grau de complexidade das diversas tramas se pode ‘medir pelo modo de caracterizagao dos personagens: poiciais e bandidos, cida- «dos comuns ¢ marginais, os que vivem bem integrados e os que rompem com as rnormas, todas essas categorias parecem vagas e indiscerniveis, Estar do lado de Hi ou do lado de ci & apenas uma questio de tempo e citcunstinci Mas o melhor exemplo dessa tencéneia pode ser apontado na atormentada © Pperturbadora série dinamarquesa Riget (Parte I: 1994, Parte II: 1997), ditigida Por Lars Von Trier ¢ Morten Arnfred. A série 6 ambientada num sinistro hospital de Copenhague conlecide como Riget (O reino), que passa a ser palco de estra- ‘hos acontecimentos, Uma ambulncia vazia estaciona todos os dias na frente do edificio, um fantasma freqiienta a sala de cirurgia, gritos sio ouvidos no eleva- dor, uma médica grivida faz abortar um feto precoce que, depois de rés meses de concepcio, jé é um homem adulto © monstrueso. Ao longo da, tulos (agrupados em duas partes), descobre-se que o Dr. Kriger, un dos fundado- res do hospital, assassinou a prépria filha ilegitima e colocou seu corpo em ampola, para utilizé-lo em experiéncias; médicos fazem pesquisas proibidas com seres hhumanos; hi wafico de drgios nos labicinticos corredores da insttuigS0; uma

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