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ROBERTO BURLE MARX ARTE&PAISAGEM Conferéncias escolhidas JOSE TABACOW organiza ago e comentarios Studio Nobel Sumario 1 13 15 23 41 51 69 77 85 97 105 109 115 127 139 147 153 159 171 177 181 191 199 207 215 221 Agradecimentos Preficio a primeira edigao Prefacio 4 segunda edigao Apresentacio Depoimento pessoal Conceitos de composicao em paisagismo Horticultura no Brasil Projetos de paisagismo de grandes areas jardim como forma de arte Consideragées sobre arte brasileira Jardim ¢ iluminagio artificial Jardim e ecologia Jardins residenciais A Igreja dos Martitios de Recife Parques, jardins e pracas publicas Paisagismo e flora brasileira Recursos paisagisticos do Brasil Depoimento no Senado Federal Problemas de conservagio da natureza ‘A escalada da devastagio Paisagismo e ecologia ‘A respeito do Jardim Botinico do Rio de Janeiro ‘A patticipacéo dos botinicos na minha formagio profissional O paisagismo na estrutura urbana Arvores floriferas Paisagismo e devastacio A fangio do jardim Arte, ciéncia e paisagismo Notas biogrificas © 2004 Livros Studio Nobel Ltda. Proibida a reproducio toral ou parcial desta obra sem a autorizagio do editor. Impresso no Brasil / Printed in Brazil Dados Internacionais de Catalogagio na Publicacio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘Marx, Roberto Basle, 1909-1994, Ane & pasysm (conferncias escothidas) / Roberto Burle Marx José Tubacow, ‘rzaizagio €comentirios .—2. ed rex € ampl. Sio Paulo : Studio Nobel, 2004, ISBNES, SS.0518 Patagamo- Dscusos,ensio,conferéncas I. Tabacon, Titulo. 08 ensaios, conferéncias I. Tabacow, José. TI, 04506 is ara catélopo sistem: Sct et ttag 3 Pannen Ae 202 Agradecimentos C onsidero que minhas realizagdes foram possiveis gracas a colaboragio de meus amigos botinicos, arquitetos, desenhistas, jardineiros, motoristas todos aqueles que, de alguma forma, participaram. A eles dedico este trabalho. Meus agradecimentos a todos que colaboraram e contribuiram para que estas conferéncias pudessem ser realizadas. Em especial agradeco a Clarival do Prado Valladares, Luiz Emygdio de Mello Filho, José Tabacow, Klara Kaiser Mori, Agnes Claudius e Lélia Coelho Frota. Tobe Ban Marys Prefacio a primeira edicao + que pudessem representar, da maneira mais fiel possivel, o pensamento do paisagista, parecia, a principio, tarefa bastante dificil. Abrangendo um periodo de pouco menos de quarenta anos, poderia tomnar-se problemitico decidir que conceitos, que maneiras de pensar, que atitudes pro- ‘onais sio menos ou mais importantes, no tio amplo universo do artista. oO | elecionar, entre as muitas conferéncias proferidas por Roberto Burle Marx, algumas poucas \ primeira preocupago de que procurei me descartar foi a de evitar repetigGes. Se inicialmente pcnsava escolher entre conferéncias e palestras cujo conteiido fosse o mais variado e abrangente, 1ando, assim, configurar uma trajet6ria profissional de maneira completa, logo percebi que, a0 : sinat as repetigGes, estaria privando © leitor da possibilidade de avaliar toda a coeréncia com © essa obra se desenvolveu, E mais, faria desaparecer algumas facetas de sua personalidade, muito ajudam a compreender 0 caminho que, em sua atividade artistica, ele se tragou. Despreocupado de que temas ou conceitos repetitivos pudessem tornar enfadonha a leitura, centre minha atengio nas revelagdes que essas proprias repetigdes me faziam. Assim, pude perceber a ica como legitima manifestacio de arte, tio coerente preocupasio de situar a atividade paisagis com a maneira de trabalhar, desprovida de “metodologias” e tecnicismos, tio de gosto da maioria dos paisagistas atuais. Percebi também a importincia que ele di a0 conhecimento da planta, & necessidade do contato com os botanicos, com as ciéncias da natureza. Nas conferéncias, sio comuns as citagées a respeito de Martius, que ele tanto admira, ou de Mello Barreto, que considera decisivo na sua formagio profissional. Isso evidencia, de maneira insofismavel, o papel fundamental dado a vegetagio, como elemento de composicio paisagistica. Roberto nunca diz: “Eu quero algum arbusto de porte médio, de flor amarela”. Em vez disso, ele di o nome da planta, porque Wo poderia ser diferente com quem, como ele, se ibilidades de “aumentar 0 maiores meios de expresso, sabe exatamente 0 que quer € por que quer, E Preocupou sempre com as plantas, com sua utilizagio, com as po: vocabulitio usado nos jardins”, buscando um elenco que Ihe permitiss pois “a planta é o ator principal”. O leitor vera que, a0 longo desses quarenta anos, conceitos mudaram, foram reformulados, outros se fortaleceram, se consolidaram e foram incorporados em definitive. Lembro-me muito das conversas de domingo, na varanda do Sitio, com o saudoso Clatival Valladares, que acompanhou, passo a asso, a longa traetéria de Burle Marx. Clarival insstia muito em ver as ativdades do Roberto paisa gista como a de um pintor que usa como tinta as Sto Roberto Burle Mare, Barra de Guaratiba. Ri plantas c, como tela, 0 terreno, Essa idéia tinha a ‘Amajocombromélassobre esrutsametica.nosto —-_concordancia de Roberto, como esti claramente Sarto Awénio ch Ba, aul tio Roberto Bust Manx ‘expressa na primeira das conferéncias selecionadas 7 (Gem data definida, mas que se origina nos anos 10 a Cingiienta), Hoje, entretanto, Roberto contesta esse conccito, Embora reconhecendo pontos em comum, paralclismos, convergéncias nas duas formas de manifestacio artistica, ele deixa clato que as encara em sua individualidade, sua propria mancira de se realizar, Apontando fatores como © continuum da paisagem, em contraposicio ao reténgulo limitado da tela, em pintura, € mais, 0 fator tempo participando da composicio, a instabilidade, ditada por variagdes sazonais, firma agora sua posigio de que paisagismo “é uma arte altamente elaborada, que resulta de uma trama de concepgdes ¢ de conhecimento”. E, em outra ocasiio, afirma que deve “considerar o jardim como manifestagio de arte, com suas préprias caracteristicas, com sua personalidade”. Esse artista que rompeu com 0 servilismo ao modelo europeu na maneira de compor jardins, ¢ mais, deu uma contribuicZo inquestionavel na definigio do jardim moderno, consegue trilhar aquele caminho pot ele mesmo definido, logo apés “descobrir a flora brasileira nas estufas do Jardim Botinico de Berlim”, gracas ao Sitio que projetou, construiu, manteve e consolidou durante longos anos, quando construit uma das maiores colegdes de plantas vivas de todo o mundo. Consciente do valor dessa obra, doou-a 20 governo brasileiro, como forma de perpetué-la, que sua importincia extrapolou as fungdes de um simples laboratério, ganhando dimensio mundial como testemunho de uma das mais ricas floras do planeta, a nossa. Diante do universo ctiado por Burle Marx, minha tarefa de selecionar algumas conferéncias transformou-se numa agradivel maneira de ler um livro, antes de sua edicio. Agora, com ele pronto, 6a ver do leitor. A intengio é que este livro faga-o pensar, pereeber por que o contetido da obra de Roberto Burle Marx vai muito além da beleza fisica, pois suas atividades de paisagista ¢ de conser- vacionista se confundem, sem frontciras definidas, a planta sendo, ao mesmo tempo, seu material de composicio ¢ um simbolo de amor 8 vida. José Tabacow Juno de 1987 Prefacio a segunda edicao E sta segunda edicio de Arte & Paisagem surgiu como oportunidade de concretizar uma antiga aspiracio, compartilhada com Roberto Burle Mars, de explicar, por meio de ilustracdes € comentétios suplementares, a filosofia, a coeréncia de aplicagio ¢ a fidelidade a principios por ele mesmo estabelecidos, como norte em seu trabalho de composicéo paisagistica. Assim que percebemos a importincia ¢ a imediata acolhida da primeira edicio, hoje esgotada, imaginamos uma nova, enriquecida por conferéncias que no haviam sido incluidas ¢ usando os textos como referéncias remissivas As imagens fotogrificas. Além de ilustrar principios de com- posigio, as fotos dio ensejo a uma legenda-comentitio que busca traduzir, de forma clara, as diretrizes de um projeto ou a base conceitual de uma intengio. Todas estas conferéncias foram realizadas em diversos locais e datas. A cada nova vez, eram modificadas, acrescendo-se € suprimindo-se trechos, de acordo com as circunstincias. Mas a estrutura ¢ a esséncia permane- ceram sempre. Por esse motivo, é impossivel mencionar datas ¢ locais, embora a ordem em que estio aqui dispostas seja cronolégica Parques e jardins sio manifestagdes de arte frigeis, no sentido de serem facilmente passiveis de vodificagdes. O vento ou o passarinho que traz uma semente, as alteragdes microclimiticas apés © desenvolvimento da vegetagio, mudangas de necessidades funcionais sto algumas das muitas causas de deturpagio das propostas originais. Mas sfio todas facilmente controliveis. Ao contririo le outras, infelizmente mais freqientes, como 0 abandono ou as interferéncias diretas, inten- ciomais, de pessoas no preparadas sequer para entender as diretrizes da obra, Refletindo sobre essas preocupacdes, permanentes em Butle Marx, percebo com clareza a dor aque, para ele, significava ver um trabalho mutilado ou alterado, Em legitima defesa, 0 paisagista ‘gia quase como um fiscal de seus jardins, visitando-os sempre que tinha oportunidade, criticando € instando os responsiveis a manter a obra integra ¢ lamentando sua impoténcia quando as alte- rages eram irreversiveis. Ele jd havia sentido, em diversas ocasides, 0 estrago que pode fazer um simples arbusto, inadvertidamente plantado, comprometendo toda uma intengio de composigio. Como aconteceu em Belo Horizonte, no antigo Cassino da Pampulha, hoje Museu de Arte, em que alguém plantou um cacto, de clima semi-irido, a beira do espelho dégua. Inconformado diante da interferéncia visual de um destaque injustificado e da gritante incoeréncia ambiental, reclamou energicamente da Diretoria do Museu, mandou cartas 20 Secretitio de Cultura ¢ a0 Prefeito, tudo em vio, Talvez o cacto esteja lé até hoje. E siga sendo o simbolo de uma incompreensio que destruiu, através dos tempos, obtas notaveis de paisagismo. Fatos como este, seguramente, inspi- raram a estrutura de apresentagio deste livro. i 1 ' ee A 12 ‘\ referencia mais importante em ilustragio fotogrifica da obra paisagisica de Burle Mary, é 9 arquivo de Marcel Gautherot, um dos melhores fotdgrafos do século XX, falecido em 1996, rf quase diariamente, a0 longo de muitos anos, Tendo 0 laboratério junto 20 escritstio do paisagist, acompanhou de perto a evolucio dos projetos, a formacio da colegio de plantas ¢ mesmo a + excelente profissional teve importincia singular na vida de Burle Matx, com quem convivew coleta botinica pelo interior do pais, tornando-se dos amigos mais presentes. Marcel dedicou sua vida aos temas da arquitetura modernista ¢ das festas populares brasileras, reunindo um acervo precioso, em cerca de 20.000 negativos, dos quais, algo em torno de 1.300 dos jardins de Burle Marx ¢ 1.600 fotos a cores documentando © movimento modemista da arquitetura brasileira € eventos foleléricos em todos os cantos do pais, Seja pela qualidade técnico-artstica, seja pela importincia documental, 0 acervo de Marcel Gautherot, hoje pertencente 20 Instituto Moreira Salles, é um patriménio fundamental. Esta mencao ao seu trabalho, fago-a sem qualquer receio. Sei que Burle Marx aprovaria. Finalizo enfatizando que o fato de o paisagista criar uma area experimental para aplicagdes paisagisticas €0 fandamento de sua postura de buscar, permanente e sistematicamente, novas solugdes para velhos problemas de composi¢io, Consciente, doou seu laboratério — antes Sitio Santo Antonio da Bica, hoje Sitio Roberto Butle Marx — 20 Governo Federal, com as colecdes de inestimavel valor ¢ os resultados das experiéncias ali realizadas, garantindo assim sua perenidade, O Sitio é, hoje, érgio do Instituto do Patriménio Hist6rico ¢ Artistico Nacional do Ministério da Cultura, de acordo com a vontade € as ditetrizes expressas por seu ctiador. José Tabacow Albi de 2004 Apresentacao er este livro permite transladarmo-nos a um momento privilegiado: aquele em que Roberto Burle Marx expunha uma de suas conferéncias e ilustrava seus conceitos com projecio de imagens. © paisagista cativava a audiéncia, transmitindo suas experiéncias, reflexdes acerca de seu trabalho, le algumas de suas conviegdes, seus questionamentos e diividas (algumas sem resposta), discor- dincias de seus criticos etc. Ele escrevia suas conferéncias para serem lidas tanto no Brasil quanto vm diversos outros paises que 0 convidavam, de acordo com a época em que as palavras eram ditas, seus julgamentos ¢ suas opinides foram swuclando, como a prépria vida. Este trabalho deixa intacta a riqueza da evolugio de suas idéias, no também de suas eventuais contradigies. 1 inter ante observar as datas de cada escrito e verificar que seus projetos cram a vanguarda e ram caminhos que, anos mais tarde, outros paisagistas colocariam em pritica. Um exemplo, entre tantos, € a necessidade de pensar um paisagismo para o trem-bala: isso ja se prenunciava em sua proposta de utilizar grupos de arvores de uma mesma espécie, para serem observados de um automével a 60 km/h, no caminho para 0 Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. \inda que no seja um manusctito revisado pelo autor, este trabalho materializa seu velho desejo de publicé-lo desta forma. A escolha das ilustragdes, assim como sua interpretacio, corre por conta de quem trabalhou com ele por anos ¢ conhecia intimamente a esséncia de seu pensamento. c, portanto, de uma obra interpretada “a quatro mios”, em dois tempos diferentes, ‘Trata- Os eriticos que analisamos sua obra « posterion’ podemos talvez discordar de alguns desses conceitos, mas nenhum de nés participou, como José Tabacow, da génese de seus jardins, como discipulo, depois como co-autor. Para aqueles que se interessam pela vida ¢ obra de Roberto Burle Marx, esta dupla leita preenche um vazio de fundamental importincia, que nos «ki acesso & fonte. Permite conectarmo-nos com a origem. de sua eneigia ctiadora, Ao mesmo tempo, rechaga o conceito incorreto, tantas vezes citado, que © catacteriza como um artista pragmético, que no costumava teorizar € nio deixou textos, a no ser algumas entrevistas. Fundamentalmente, 0 trabalho realizado por José Tabacow nos permite ir além dos diferentes intéepretes © pesquisadores da obra (entre os quais me incluo), que ele mesmo denominava, “butlesco-marxista” e conhecer, por fim, © ponto de vista do proprio criador. Marta Montero Mi sie Mare pi ko iin, Bara in 19971" abe ¢ "Ba Mat. The Vee ee Met aris «pains anni, tar fe ie pa ct ts GiB “ans yg, Boeke Na ste, Thoms dan Land Cabos Pe, Cari: ak aes, pas rn G Tavs iqcs Bake Nar WS Pani 01; 2 13 Sse anne ete Depoimento pessoal — “4. ste relato é um depoimento tirado de minha propria formacio, em cuja historia a planta se 4 tornou 0 personagem principal. \ planta se achava estreitamente ligada 4 minha vida pelo exemplo de duas mies que tive a felicidade de possuir: uma, a verdadeira, e a outra, a que ajudou na minha criagio. Lembro-me de minha mie, em manhas de sol do inverno paulista, podando roseiras. E eu jé interessado por aqueles esqueletos de plantas, que dias depois se cobriam de brotos ¢ desabrochavam em flores. utra impressio forte foram os calédios e as begdnias que cla fez vir de Pernambuco, ¢ que cultivava m1 estufa, com habilidade e invulgar amor, qualidades essenciais para quem quer cultivar plantas. Depois a outra mie, Ana, introduzindo-me na arte de semear ¢ cultivar. O prazer de retirar da tors © primeito rabanete semeado por mim € ainda bem vivo na minha meméria \os sete anos, comecei a ter minha colegio de plantas. Nessa fase, travel conhecimento com as alocisias, como a Alocasia cuprea, por exemplo, que tinha, para mim, o sentido de um verdadeizo milagre. 0s anos foram se passando € meu pai, sentindo os meus pendores, deu-me a possibilidade de importagio da Europa e fez-me assinante de uma revista que tratava das plantas cultivadas nos grandes centros europeus. Esta revista deu-me uma preciosa indicagio daquilo que nio se deve cultivar em clima tropical. Em seguida, outras revistas vieram as minhas mios, destacando-se, entre elas, a publicagio Garten Schoenbet, dsigida por Camilo Schneider ¢ Karl Forster. O segundo ainda hoje vive. Foi e € um fendmeno no que concerne ao cultivo de plantas. Introduziu os Debbinium vindos de paises de clima anilogo a0 da Alemanha, Essa minha primeira experiéncia Figura |. Espécies omamentais introduzidas por Burle Marx no Brasil Sitio Roberto Bure Marx, Barra de Guaratia, Ri ‘Ao descobrirem Beri, aenorme diversidade da fora ‘tropical, Burte Marx despertou para a possibiidade de contar om especies inéditas, que o levou a umafebsle permanente atvidade de colecionamento, apart de 1949 no Sto Santo AntBnio da ica, hoje So Roberto Bare Marx, Na busca constante da renovacio vegetal em seus jardins,ceaizou coletas no interior do pas, importou plantas eestabeleceu acordos de permuta ‘cominsituigdes botzricas da Europa e Estas Unidos. Em primeira plano, Colocasia esculenta Black Magic™ ‘aris, asfolhas gigantescas de Crtosperma merkusi ‘orhecida popularmente como “orelha-de-elefate". {as espetaculares introdugbes de Bure Marx nos bards brasleres, serviu como principal lema de minha vida, [As plantas brasilciras que niio vi no Rio de Janeiro, encontrei-as nas estufas de Dahlem, em Berlim. Foi gragas a essas visitas que naseeu em mim o desejo de conhecer nossa flora (Figura 1) © nosso Brasil encontra-se numa latitude que per- ‘mite o crescimento da flora numericamente mais rica em espécies de todo 0 globo. Pela configuracio ¢ extensio geogrifica, ¢ pela vatiedade de climas, possui plantas de ambientes muito diferentes. 15 | Sitio Roberto Burle Mars, Barra de Guaratiba, ea a pedrerasdovale do 0 Sto Sarto Antno do Bea de propredat de Rover Bure Man. Terao pone con colegio de plantas do sto, num terreno sem grande \ ‘dnersidade de ambientes. E de considerar como | Gorouqmrten Onmbeneresner ees Oepermeno da sxtptdace cu porta concn choco oe ongrsfopra corsarte Ox opps res ‘erodo de deers de espsons naar oy Seucomporanertosshaito copenseae Iho afb cones ae cpiveselaidaedevarspirte Onan nresce, entudots tase pra omrqeico cores ‘estético, demonstrando-seal. mas queem qualquer outro, pdm queabeleae nomads deveraeonees temaspecio ti tunconal como quilgces nen 16 Poderiamos definir regides tais como a floresta amazénica, rica em ariceas, helicénias e arvores de gtande porte. Os cerrados, em Vachysia, Kilmeyera numetosas leguminosas ¢ uma quantidade enorme de Atvores de troncos retorcidos, folhas largas, revestidas de pélos. Essas drvores assemelham-se aos bonsai, em que as formas estranhas traduzem uma longa experiéncia de adaptagio. Elks esto ligadas as condigdes ecolégicas do ambiente, um problema ainda insuficientemente resolvido. A caatinga, com tum niimero infindavel de plantas xerdfilas, como as cacticeas, mimoséceas ¢ euforbidceas. As mon- tanhas pedregosas e as escarpas, que so jardins botinicos em miniatura, onde vel6zias, barbacé- nas, palmeiras e brom natural. As matas dimidas, costeiras, com suas ardiceas, orquideas, bromélias € palmeiras. ss Vicejam em seu habitat Outtas zonas ha, como o Pantanal de Mato Grosso, onde as aguas transformam os campos em ala- gadicos. Isto é apenas um ripido resumo de um quadro tio bem descrito por Martius. Inspirado no trabalho de Engler, que construiu 08 grupos de diferentes floras no Jardim Botinico de Berlim, foi que realizei meu primeiro grupo ecolgico, com o qual marquei uma diregio que continuou em muitos outros trabalhos. Com a deficiéncia de nosso meio em relagio a bons cultivadores de plantas, senti que havia uma forte necessidade de preencher essa Sade descobrr um mundo para mim desconbcido, onde \cuna, Era uma curio~ © nascer, 0 viver € © morrer sio expresses do determinismo da vida. Todas essas so fases mar. Gan Por um tipo de beleza inerente. O processo do ctescimento, que relaciona as diferentes fases, fem a mesma esséncia do vir-a-ser que existe em todos os outros processos do mundo ext x ‘minha experiéncia é muito valida para 0 Brasil, onde 8 excursio é uma aventura ¢ o entusiasmo pela descoberta€ plenamente compensado para quer vai buscé-la sem temer os possiveis imprevistos. I rota 5 amazd embro-me de uma viagem por igapé amazénico, onde as ilhas de vegetacio deslizam pelas Aguas serenas, como as préprias casas construidas em jangada uma terra onde as oscilagdes das fguas criam um mundo transitorio ¢ adaptado a essa transitoriedade. As vezes, estava viajando em uma zona onde havia érvores que exibiam, emerso, um porte enorme, embora a parte submersa do tronco medi cerca de quatorze metzos. Em geral, nas copas, acumu- lavam-se bromélias ¢ ariceas, associadas a uma infinidade de pequenos animais. Essa luta pela vida é sentida a cada momento, A maravilha é que a natureza jé encontrou seu equilibrio. Dessas excursdes, trouxe helicénias e um grande niimero de ariceas, que serviram de base is colegies especializadas que mantenho, consideradas atualmente como as mais ricas em espécies. Se hoje tenho uma colegio que muitos botinicos julgam importante, em parte foi devido a0 convivio que com eles tive. Sou grande amigo de alguns botinicos e fui amigo de outros, ja falecidos, da grandeza de Ducke, Kubllman ¢ Mello Barreto. Gozo da amizade de alguns botinicos atuantes, como Aparicio Pereita e Graziella Barroso, Todos eles me ajudaram no que concerne 20 entiquecimento de minha colegio, que, em grande parte, foi feita em excursdes, as quais recordo pelas experiéncias vividas e pela dramaticidade de situagdes. Niesse convivio, estabelece-se uma troca de impressdes € conhecimentos, ¢ muitas vezes também de conclusses que nos levam & compreensio desse emaranhado de mistérios que é a natureza no alterada pela mio do homem, onde muita coisa fica ainda envolta no impenetrivel. Apesar de nem sempre chegatmos a um perfeito conhecimento, existe a intencio de compreender as formas de vida por elementos como a cor, 0 volume, 0 ritmo ¢ 0 movimento. Sé por essas experitncias & que consigo compreender as plantas em seu hibitat. Nio € por mero acaso que uma planta se reveste de pélos ou que uma flor desabrocha durante a noite (Higa 2) Nessa minha constante busca de novas plantas, com novas form Lembro-me de uma viagem a0 bando com a morfologia local, onde uma séric de montanbas de forma cdnica circundavam 0 vale, 80 ual ori era uma grande serpente onlante (Fin). Gyr iat frac has na planicie, coer as inflorescéncias oscilando a0 vento. Foi nessa regio que encontrei o mais importante onjunto de plantas saxicola, plantas lageniformes, gorda, armazenando reservas para épocis desfavoriveis; plantas casméfitas ancoradas nas fendas s smais belas que jv. Encontrei velzias que nos desafiavam em sua necessiade de mutagio, subor “Tandon as oscilagdes de tempo ¢ de umidade, ora se retraindo, perdendo a cor, fcando amare ¢ Togo apds uma chav, voltando a um verde intenso ¢ luminoso, para desabrochar numa florasio tee linda que Martius, comovido com o espeticulo, a denominou de “Irio-da-montanha vivi momentos de climax. irito Santo, em que, 20 penetrar na regiio do Pancas, fiquei deslum- pedras, formando associagdes entre as, Essas viagens trouxeram para mim toda uma compreensio da planta em seu habitat da maneira las e, muitas vezes, de associar plantas que, embora de regides diversas, se irma- justa de associa navam nas suas atitades ¢ exigéncias. 17 a govermador do Estado, ug Drotegida soba forma de um par sido aterdido na época Em dezer Dressionado por ambersalstas e pesqisatores Snalmerte © Govemo Federal crov Parque Nacional os Pontes Capes, agens em busca do desconhecido, enquanto chegivamos 4 marnvilha que é a descoberta da planta, com todo o seu ineditismo, a revelagio da forma e da cor atingia o paroxismo. Houve horas em que morte, Nessa excursio a0 -s estive a ponto de despencar de coletar a planta desejada. acidente rodoviirio que nos per io dlevemos exquecer o estado de atraso de ccertas partes do pais, especialmente em ex Quero dizer-thes algo sobre a atragio violenta que sinto pelas viagens em busca de i ovas plantas. E como se a floresta estivesse a oferecer um te souro, que existe apenas pa Cada dia que p 4 minha vida para conhecer ¢ explorar todos 08 tesouros da flora brasileira. E uma situagio que definicei como a envbarnas de rchese, onde a8 €0- aquele que © busea mais sinto © quanto é breve res se repetem em tons diferentes e as formas se organizam em extensas séries, em que eada tema € submetido a uma multiplicidade de solugdes. Outras vezes, 0 que nos impressiona sio as rela- ces analégicas € a complementagio dos carac- teres, como no caso das Tibouchina granulosa em relagio as Chorisia, ou no das Vacbysia, cujo amarelo ‘ouro encontra uma correspondéncia no colorido fureo das Jussiena, A correspondéncia aquilembrada se estende as relagdes entre 0 mundo animal e 0 mundo vegetal. Assim, 0 vermelho brilhante dos mulungus se projeta na coloragio de passaros como 0s tiés € 08 sangue-de-bois, Outras ve vergéncia de formas, que é, na realidade, uma mera expressio das leis de simetria a que obedecem as ss, a con plantas, pode associar seres longamente afasta- dos na série filogenética, como, por exemplo, na inflorescéncia de Costus, cujas brictens imbricadas ‘¢ com movimento helicoidal nos trazem A lem- ranga as pinhas das coniferas (Rigas 4 ¢ 5). Creio mesmo que 0 estudo da forma em seus diversos planos, do molecular a0 megascépico, seria um dado indispensivel a qualquer nova formulag3o dos problemas da filosofia da natu- reza, Dentro desse campo de observacio ¢ de estudo da forma, cabe salientar que, na natuteza, hha solugdes ambientais que expressam, nitid mente, a vida em face do bindmio forma-fun Figuras 4 5. Aecquerda, sementes de pinheiro e & Greta, ivores nca de Costus sp. A dposcic helicadal das sementes do pinheiro, com desenno corwergerte com as brcteas do Costus no cescapava 3 cbservagio, servirdo no apenas para uso a planta em jac pela belezarrinseca, mas tarnbérn como sugestio geomeétrca paratracados de canteiros, rmurosecutroselementosde composga0. Sues corsantes es com outs formas de manifestacio de lem ue nme, texura, cox wolume, frequéncia ‘ever se levacas em consideraco num corqsnto Que \alindivduslzara obra, atestam sua preocupagio em umentar sempre seus proprios meies de compar Para taro, aplanta, "ator pancpa. 60 pncal materia de construgio, aquele que he di possbidades de buscar lem cada projeto, uma solugio peculiar. Sua afrmagio que "meupro porarteé0 ima!" revelava a.atena dispose de fg da receita, da formula. Eo exemple que sempre mencionava, da ctaglo de Passo, quando af {queamm mesmo consolda talattude 1, por exemplo, impressionante a visio de uma Ceiba erianthos, concentrando uma imensa raz numa pequena porgio de solo (Figunt 6). Eo equilibtio no desequilibrio. Eo que dizer das Meriania, com ramos em forma de dedos intumescidos, cuja fungio é armazenar alimentos ¢ agua para os periodos adversos. E. certos cactos (Cyphalocerens flaminens), que escorrem, como serpentes pilosas sobre a rocha e, na estagio propria, desabrocham numa floragio fugaz e magnifica, prelidio de frutificacio, para a perpetuagio da vida Para compreender a planta ou a forma, seria necessirio compreender toda uma série de perfis que definem a planta no espaco/tempo. Analisando-a, encontra-se uma sucessio de estados necessirios, dependentes ¢ complementares. A getminacio, 0 crescimento, a oragio e a frutficagio sio fenbmenos que traduzem ‘uma posigio no espago € uma projec no tempo. E preciso compreender que ha uma razao profunda para que as céssias flotesgam todas em conjunto, em época determinada, O mesmo fazem as Exythrina Parece existir um nexo nessa simultaneidade de floragdes. So como que acordes cromaticos, nos quais ‘a natureza se compraz em assumir, em determinados momentos, roupagens de festa (Figura 7). ‘Toda a experiéncia que adquiri em viagens, em tantos anos de trabalho, induziu-me a procurar compreender a natu riqueza manifestada pela flora de meu pais, onde as mais inusitadas adaptacdes se verificam Nelas, forma, cor e funcio criam ritmos, que também expressam a vida. Dai querer poder aplicé-los aos jardins, consciente de que, sem essa com- preensio, jamais poderia chegar a um resultado da profundidade a que aspiro. za, tanto em superficie quanto em profundidade. Preocupei-me com a Mas € preciso nfio esquecer que todos esses ele- mentos serio usados pelo arquiteto paisagista como partes de uma composigio. Devem ser usados segundo leis ¢ principios validos para qualquer manifestacio de arte, sendo o partido escolhido ¢ tratado de maneira nitida, clara, legivel. Podem ser usadas repeticdes, analogias, contrastes, aproximagées, afastamentos, relagdes de volumes, de superficies ¢ linhas, a: sim como de formas, Figura 6. Ceiba eranthos sobre pedra, no Stio cores texturas. Roberto Burle Marx, Barra de Guaratiba, Rj. Este recanto uma pequena amosta da vegetao © espectador deve ser conduzido através desses que ocorre nos aloramentos de rocha do Brasil ras elementos div i particularmente de Minas Gerais, Bahia. Goids, Rio de versos, de forma a se sentir dentro de aeaeee eee cee eee um todo, onde a riqueza de detalhes se apresenta pels plantas das pedras devia-se& possibildade de uso como numa miisica, em tempo € em espaco. em jardins com camadas pequeras de terra, como ccoberturas de edificos e outros jardins sobre lajes, onde No campo do paisagismo, nao é possivel falar de apouca profundidade de solo permite obter volumes Soe ettetee tron estética isoladamente. O jardim esta ligado a todas essas fangdes que existem na natureza e que for- mam um todo orginico. Por outro lado, esse todo se prende igualmente a vida do atribulado ser humano em busca de equilibrio, de felicidade e de identificacao com o meio. Essa comunhio se mani- festa em todas as pequenas nuances capazes de despertar emogdes de ordem poética, As emogdes processos fis 1 que me refiro, o sentir prazer, o sentir beleza, e mesmo o sentir calor ¢ sentir frio, descem até os ncluindo, quero dizer que o jardim, como ora o fago, decorre di relate. Todo o meu esforco icos € quimicos, que se situam na b: de todas as manifestagdes vitais. s experiéncias que vivi e que orienta para que minha realizagio nio seja o fruto de uma 1 de composigio, muito menos a expressio de algum preconceito estético. | > a uma criag! s de minha compreen: > livre, em sua formulagai (0, porém profundamente comprometida com as ‘0 global do mundo ¢ da natureza. Bessa visio é ¢ de minha vis cia por dois sentimentos, de que Sao Francisco de Assis foi um paradigma — 0 amor que nos visiona ¢ a humildade que nos cortige. Figura 7. Colegbes de plantas de meiauz Ha, no Sto catorge ni metros quacrados de ambi composes praca sem soko. Se a miuras comaluzdoel trad pea copa de Snore weer ctuk one once de dence bras or tes ensombeeads ‘Smear, Sho coleges importantes para us rtadas ao longodos eas, mararas. hehe, Sto porta que eugem ur ttradae umiade, condiSesevstentes em seus habtats rata, Aor ‘stra perience aura drvre amazénia do gnero Chua, tazda de uma vagema Venezuela 21 or -_‘_-—-‘--“' Oooo Conceitos de composicao em paisagismo Conferéncia proferida em 1954 \ \ larga e muito ampla experigncia de meu trabalho de paisagista, criando, realizando € con- 1 & servando jardins, parques ¢ grandes reas urbanas, praticamente desde a terceira década deste século, permite-me agora formular a conceituagio que fago do problema jardim, como sind- nimo de adequagio do meio ecolégico para atender as exigéncias naturais da civilizacio. Este conceito, isto é, meu pensamento atual, baseado numa razoavel experiéncia, nio pretende nenhuma originalidade, nenhuma descoberta, sobretudo porque toda a minha obra responde por uma tazao de percurso histérico € por uma consideragio do meio natural ‘m relacio A minha vida de artista plistico, da mais rigorosa formacio disciplinar para o desenho 4 pintura, o jardim foi, de fato, uma sedimentacio de circunstincias. Foi somente o interesse de Vicar sobre a prdpria natureza os fundamentos da composicio plistica, de acordo com o senti- nto estético da minha época. Foi, em resumo, 0 modo que encontrei para organizar e compor new desenho € minha pintura, utilizando materiais menos convencionais. Vin grande parte, posso explicas, pelo que houve em relagio a minha geracio, quando os pintores rceebiam 0 impacto do cubismo ¢ do abstracionismo. A justaposigio dos atributos plisticos des- ses movimentos estéticos aos elementos naturais constitui a atracdo para uma nova experiéncia, Decidi-me a usar a topografia natural como uma superficie para a composi¢io ¢ os elementos da natureza encontrada — minerais, vegetais — como materiais de organizacio plistica, tanto quanto qualquer outro artista procura fazer sua composicio com tela, tintas ¢ pineéis (Figura 1). Os eriticos mais interessados na minha obra tém, repetidas vezes, assinalado a ligagio estilistica entre a pintura e o paisagismo que fago. Geraldo Ferraz € Clarival Valladares tém indicado toda a minha obra como dentro de uma unidade plistica, ¢ eu mesmo sou © primeiro a reconhecer no haver diferencas estéticas Resdéncia Odette Monteiro, Coreas. Rl. 1948, mento simulineo de texturas,ritmes, cores € | Fiewa Onn demais elementos de composicio era imperative nas concepgbesde Burke Marx, Mas a possbildade de inci jogar com texturas exercia um ascinio todo ‘espedal no artista, desacando se em suas preceupaxbes facimente perceptive ndo apenas em projetos passagisma, mas também em pintura, escultura, tdesenho de jas. O conjunto de frragbescontrastantes, aguiulizado, & um dos exemplos mais conheads. Bale Marx mencionava requentemente fato de tr 1160 intevalnerdace para desenhar este jardim, sem que houvesse qualquer interer@ncia os propnetirios, ‘essa liberdade atribuiu 0 prémio que 0 projeto sanhoura Bienal Ge Sgo Paulo. em 1949. entre 0 objeto-pintura ¢ 0 objeto-paisagem construida. Madam apenas os meios de expresso (Figara 2). Com o passar do tempo, crescendo cada vez mais a minha experiéncia junto 4 natureza e ao trabalho a ela destinado, forme, gradativamente, melhor consciéacia da obra que deseavolvia, Nao me interessa julgé-l, ‘mas sobtetudo vé-la cada vez mais compreendida em suas razdes € em sua funcio, para o meio e a época. 23 2 en ie ererteg fe Sots 1938 Feucagio e Saide, obra fundamental da uramodersa do Bras, Nas formas lresdos oe tarrecerisa. omper defntvarnente com sac ireas preach, disernaco wamenteaotado po todos o3 cans dopa pins do Riode ane, notadarmerte Aveda Rech. Figura 2. Terrago do MEC, Rio de Janeiro, | Praca Pas, prc Por que a propria civilizagio perdetia sua Peninsula Ibérica. Com o propésito de mencionar, a atitude sedentivia, a atividade ag moradia, defesa e cetimica), Recuso-me, insistentemente, a reconhecer o jul- gamento mais freqiiente ¢ comum que se costuma fazer do meu trabalho, apontado como original dade. Nunca a originalidade me preocupou como qualidade ou finalidade. ‘A minha conceituagio filoséfica da paisagem construida, seja 0 jardim, o parque ou o desenvol- vimento de Areas urbanas, baseia-se na direcio histérica de todas as épocas, reconhecendo, em cada periodo, a expressio do pensamento estético que se manifesta nas demais artes. Neste sentido, a minha obra reflete a modernidade, data em que se processa, porém jamais perde de vista as raz6es da propria tradicao, que sio vilidas e soli: citadas (Figura 3). Se me indagassem qual a primeira atitude filoséfica assumida para o meu jardim, logo responderia ser exatamente a mesma que traduz 0 comportamento do homem neolitico: aquela de alterar a natureza topogrifica, para ajustar a existéncia humana, individual ¢ coletiva, utiitéria e prazerosa. Existem duas paisagens: a natural, existente e a huma- nizada, construida, Esta thtima corresponde a todas as interferéncias impostas pela necessidade. alm das implicagdes decorrentes das tazdes econdmicas (transportes, suprimento, cultivo, moradias, agrupamentos fabris etc), ha, sem diivida, a paisagem definida por uma necessidade estética, que nio é luxo nem desperdicio, mas necessidade absoluta para a vida humana, sem © ética, Ha periodos histérico: iOS a cert cf Fd prods re wie poet ES rtas regides, em que 0 equilibrio da ordem social se projeta 24 as odo ps ae Criado. Nao ha exagero em se afirmar que a historia do jardim (sto é, da responde & historia dos iddeais éticos € estéticos da época correspondente. E verdade que os ocidentais 18 ocidentais tém uma historia da paisagem difere pobre, ale de mas recente. De outro modo, sabe-se guonns ge cna: Difeente¢ at de influéncia do oriental a partir do século XIV, be-se quanto o paisagismo do Ocidente recebeu m relagio 4 Itilia ¢, muito antes, em relagio 4 no peu ition remo toma 0 pose! rept sua Papago em tar ns eg ae icone Portamento neolitico, ou seja, a partir do primeito esti “ach a partir dos exemplos do com- igio da civilizagio, quando se caracterizam ricola © a formaca la ¢ a formacao artesanal utilittia orientada (construgio de \ forma dos vasos ¢ utensilios neoliticos, assim como seus elementos decorativos, revelam a presenga capreferéncia pelos motivos biomérficos, isto é, pelos elementos vegetais ¢ animais da natureza rcundhunte ¢ j participantes de uma realidade esté- ries, Por essa razio € que os objetos assumem a forsia dlos exemplos naturais, jé ligados & per. ee vvuina, numa sitwagio emocional, jé vistos ¢ iw do belo, além da situagio de stil. 1s exemplos de estilizagio da figura uimal - do comportamento neolitico 0 cin ide contemplativa estabelecida uma consciéncia artistica determina Y do objeto, fora de sua realidade fisica, ssulias vezes transformada em simbolo, porém sempre resolvida em termos de uma orga~ nizacdo plastica. No momento em que a civilizagao se organiza em cstruturas social € politica mais definidas (Egito ¢ Mesopotimia) toma-se mais incisiva a interferéncia da ctiagio artistica sobre a superficie topogrifica natural. B quando a arquitetura assume o grande desempenho da presenca do pensamento € dos anseios sobre a natureza fisiea ocupada, pro- curando alte: Ja de seu estado original para uma visio de dominio humano. O surgimento da civi- lizagio caracteriza-se, pois, no s6 pelo primeiro telato de episédio e de cédigo, mas, sobretudo, pela interferéncia consciente da paisagem fisica, @ ponto de transformé-la em paisagem Figura 3, Petrobras, Rio de janeiro, R), 1969. Carnal Valadares tentavacaracerizaro pasagsta como ‘opintor que utiliza terreno como tela eas plantas otinta.O proprio Burle Marx aceitou ess dia inicalmente, Posteriormente.recusou este conceto, pela consderagio de itoesasentesem prt comootempo, trad.zido peodesevohimenie morte dis plantas, a sazonaldade, que traremada corese texturas, os aspects funcionais que um jar deve cure, € geo, 2 ‘ridenensoraicace presentona vegetacdo, nas consvugbes ‘enopprépnotereno. E natural ue se poss identifica, ‘comfaclidade, paraklos entre prtra,escuiturae jardin, ra obrade Roberto Burle Mark. Enietanto, o artsta ‘nha sempre presente as peculandades de cada uma essasforras de maniestagso e jamais desconsiderava as Caracteisticase sutlezas nerentesa clas E mportante ainda mencionar que urra compos, ‘quando obzervada de cra, fuce o cbsenvador por 2 achatarem os volumes. evdencando muito os aspects bidmersonais, 0 que pode induzia iia de uma grande tela prada construida, capaz de estabelecer o impacto da visio dos conceitos éticos (telgiosos ¢ politicos) e dos conceitas estéticos (preferéncia da forma, definigio de materiais nobres, formacio dos estilos) Contidos na cultura de cada comunidade (Figura 4 De acordo com 0 meio ecologico definiram-se tanto a arquitetura quanto a paisagem construida. As condicGes fisicas do antigo Oriente Préximo haveriam de corresponder aos materiais escolhi- dos e is solugdes preferidas para a obra artstica © texto mitoldgico de cada civilizagio prende-se, freqiientemente, a uma idéia paisagistica ou entio, diretar si Hetamente, a uma descrigio de jardim construido. \ forma dos vasos € utensilios neoliticos, assim como seus elementos decorativos, revelam a presenga ca preferéncia pelos motivos biomérficos, isto é, pelos elementos vegetais e animais da natureza clante e ja participantes de uma realidade esté- Por essa razio € que os objetos assumem a los exemplos naturais, jé ligados & per umana, numa situagio emocional, jé vistos sacio do belo, além da situagio de uti los os exemplos de estilizagio da figura animal ~ do comportamento neolitico sna atitude contemplativa estabelecida uma consciéncia artistica determina io do objeto, fora de sua realidade fisica, muitas vezes transformada em simbolo, porém sempre resolvida em termos de uma orga: nizagao plastica No momento em que a civilizacZo se organiza em estruturas social e politica mais definidas (Egito Mesopotimia) torna-se mais incisiva a interferéncia da ering natural. artistica sobre a superficie topogrifica juando a arquitetura assume o grande desempenho da presenga do pensamento ¢ dos anseios sobre a natureza fisica ocupada, pro- curando alteré-la de seu estado original para uma visio de dominio humano, O surgimento da civi- lizagio caracteriza-se, pois, no s6 pelo primeiro relato de episédio € de cédigo, mas, sobretudo, Pela interferéncia consciente da paisagem fisica, @ ponto de transformi-la em paisagem Figura 3, Petrobris, Rio de Janeiro, Rj, 1969. Clara Valadarestentavacaracterzaro paisagita como opirtar qe utliza 0 terreno como tla eas plantas comotrta,Opréro Bue Marc aceitou essa ida incaknente. Posterormente, recusou ete conesto, pe fgoresasertsempreur comooteTpo, vmertoerorte ds paras, a sszoraldade, que rarsmuda cores texturas, csaspects funconaisqueum jr deve emer e, €épeo a ‘ridmensoraidae reser ra vegeta, nas corsnuyses eroprépnotemeno.Eraturalquese possaidendicar comic. paaleosentre prin, exutuae ards, racbrade Roberto Bute Marx Erretart, oartita ‘nha serrore presente a pecuardaces de cada ura desas tomas de mandesago ejruis desconsdernaas caracersicasesutleaasinerertes aes Emporante ah mercionar que uracomposto. quando cbsen ade cra, de 0 Sbsenaor por se ‘rhstarem or volumes, exdencando muto os 35pecOs bidmensonas, o que pode induz aida de ura construida, capaz de estabelecer 0 impacto da visio dos conceitos éticos (religiosos ¢ politicos) e dos conceitos estéticos (preferéncia da forma, definigio de materiais nobres, formagio dos estilos) contidos na cultura de cada comunidade (Figura 4). De acordo com 0 meio ecoldgico definiram-s tanto a arquitetura quanto a paisagem construida. As condigées fisicas do antigo Oriente Préximo haveriam de corresponder aos materiais escolhi- dos © as solugdes preferidas para a obra artistica. © texto mitolégico de cada civilizagio prende-se, freqiientemente, a uma idéia paisagistica ou entio, dretamente, a uma descrigio de jardim construido. 25 eee As quatro filhas de Hesperus eram as jardineiras de um pomar de mags de ouro, perto de Agadir, da i 4 guardado por a dragio que nunca dormia. Hi, no Vale dos Reis do Antigo Egito, uma inscrigio tumular de um jatdineito dos farads, Toda a mitologia heléni sardine ont . sn ft ce se desenrola entre jardins oniricos e elementos de natureza botinica. tio oF Fi : proprio ornato da ordem da coluna corintia, a folha de acanto e a sua lendiia origem, mostra a interacio estética entre o homem e a sua paisagem natural, tomada como motivagio da arquiterura, Todo o sentido da existéncia dionisiaca (Baco), ou toda a fibula de Artemis (Diana) ou de Afrodite (Vénus) implicam idéias de um mundo paisagistico. No surgimento dos mais remotos impérios da civilizagio caldew-asssia, como o da Babilbnia, hé a referéncia de fantisticos jardins j4 explicando 0 fausto, o poder. Vale anotar o lendario exemplo dos jardins suspensos de Semiramis, definido como integragio da construgio do jardim 4 arquitetura. [As diversas civilizagdes que passaram pela Asia Menor (Ira, Iraque e costa mediterrinea da Siria) sio relembradas em associacdes de episédios € de construgées relativas 4 paisagem. Os povos sumerianos, babilénios caldeus, os hititas, os hebreus, os assitios, os persas € todos os demais dessa érea firmaram texto histérico do homem em relagio a paisagem. Toda a Mesopotimia, entre 6 Tigre e 0 Eufrates, por sua natural fertilidade, ganhou a lenda de ser 0 berco da humanidade, 0 local onde teria sido o Eden, o paraiso de Adio e Eva. Apenas para mencionar uma das ancestralidades da civilizagio ocidental atual, a de origem hebraica, vale ressaltar que a génese descrita na Biblia desenvolve-se dentro de um quadro paisagistico completo. Deus, ciador do mundo e da vida, é, no texto do livro hebraico, 0 construtos, oO attista de um mundo paisagistico, que entregou ao homem, como paraiso ¢ na forma de jardim e pomar, A expulsio de Adio ¢ Eva desse jardim leva-os, para sempre, a uma realidade de vicissitudes, de sofrimento permanente, restando, como ideal, a lembranga, 0 sonho, a visio da paisagem perdida, A perda do paraiso transforma-se no sentimento de frustragio perene ¢ entio caberia as artes plisticas relembré-lo. Na era cristi, quando a histéria atinge a Idade Média ¢ 0 comeco da Renascenca, ha, na pintura religiosa, a visio de uma paisagem, de um jardim indicado como o paraiso perdido. E quando a Renascenga se afirma, tendo por base elites bem constituidas ¢ diferenciadas em habtos © exigencias estticts, sorgem entio os grandes exemplos da pasagem artifical encarre- gada de conferir 0 ambiente ideal entre objero arquitetural € topografia, 6 regido por um propésito de composisio plistca, de tratamento arqui- jardim renascentista ito de ¢ ‘de formas ¢ dimensdes propostas. tetural ¢ de absoluta contencio Seguem-se os jardins franceses (Figura 5), isto € 0 jardim e a paisagem construida, que se firmaram_ para o gosto da nobreza do Absolutismo ¢ dos ‘grandes reis de Franca, com solugdes geometrizadas, com attificios (Fontes, cascatas, fepuxos, estatudtas et), porém determinados sob uma nova preo- eupacio plistica: a A eramento espacial, isto a d0 uso do espago como elemento da construgio, rane onferiro deslumbramento, 0 impacto do Fmosument (Figura 6). 27 ‘Assim, vimos que cada periodo estilistico que se sucede id refletir-se, de uma forma ou de outra, no jardim, Essa cosrespondéncia ocorreu sempr 20 longo da historia, até atingirmos a época arual. Com relagio & historia do jardim e da paisagem organizada no Brasil, poderia resumir do seguinte modo: desde o primeiro relato do descobrimento até a implantacio do Império, no comeco do século passado, registra-se 0 predominio da paisagem natural ¢ poucos exemplos de paisagem Figura 5. Palio de Versahes, Versahes, Fraga, Sé. XV construida, Destacam-se 0 trabalho de urbani- Projetado por André Le Nétre, por encomenda de zacio de Recife e Olinda pelos holandeses, na Luz XIN. Rei So, a concep dos jardin tina fortes f scorpio corer primeira metade do século XVII, por iniciativa Spode dore Ocmopropd.qeparedosapsencs do principe Mauricio de Nassau, e os jardins reais, perde-se nohorizonte, smnbolzando ainintude (ptacas ajardinadas) do fim do século XVIII, no See ea nesviniaatuearanee Rio de Janeiro, a partir de 1753, quando a cidade se tomou a capital do Brasil (Figura 7). Sob outros aspectos, socidlogos brasileitos, entre os quais Gilberto Freyre, indicam uma tradicio de jardim iniciada nos moldes da civilizago rural agucareira nos antigos engenhos de Pernambuco, Alagoas, Paratba, Sergipe e Bahia. Explicam a unidade arquitetural da casa-capela-engenho, acres- ida de tratamento paisagistico embelezador que se fez quanto ao pomar, as plantas decorativas ¢ 0 interesse do enobrecimento da propriedade. Na arquitetura reigiosa brasileira dos tés primeiros séculos, conhecem-se os exemplos de claustros dos mosteiros e dos conventos, onde se cultivavam plantas ornamentais em vasos removiveis, destinados 4 decoragio do templo, em dias de festa, Conhecem-se, igualmente em gravuras e desenhos de artistas visitantes, areas urbanas ¢ rurais tratadas com certa regularidade de ajardinamento, ou pelo menos tomando a configaragio de uma composicio e de escolha dos seus elementos. Entretanto, sio exemplos insuficientes, sem segu- ranga documental, pois nota-se muita variacio entre os desenhos de diferentes autores Nio se pode caracterizar um jardim brasileiro tradicionalizado, do ponto de vista de trabalho urbanistico ou de hibito da vida privada. Pode-se, a0 contritio, indicar na primeira fase, por todo o longo periodo colonial (séculos XVI, XVII e XVIII), a paisagem artificial embelezadora da vida privada, urbana e rural, em relacio ao pomar, is arvores frutiferas ix : importadas (man- guciras, abacatciros, sapotizeiros, limoeiros etc.) e as areas de ctiagio de ave > , s ¢ de animais domésticos. Desse habito, formaram-se, oméstic no Brasil, as solugdes denominadas de “quintal”, “sitio” ¢ “toga”, para corresponder as pequenas e médias areas da propriedade 7 rivada, mesmo que de localizacio urbana. ° 7 Em relacio & paisagem natural, a pritica das quei madas com a finalidade de obtencio de fe0 aprO- priada ao plantio é 0 traco mais definidor do fenémeno rural brasileiro. Formam-se, muito cedo, em quase todo o pais, as idéias da constituigio da natureza virgem, exuberante e demasiada para jo da terra, Contudo sempre a ocupagio € util se conservou, na propriedade rural, rechos de mata virgem, as vezes como necessidade de suprimento de gua para o aproveitamento meciinico dos engenhos ¢, em outros casos, ji para atividades de lazer, como reserva de caga A cnorme extensio geogrifica brasileira (oito milhoes de quilémetros quadrados) € @ concentragio populacional predominante nas cidades, diluida no interior, explicam a diversidade e a dispersio da paisagem construida. Figura 6. Centro Chico, Santo André, SP 1967. Irspiraco no parterre dos jarins ranceses do século 05.0560, rmuitas vezes oxogonal mesmo, Centro Civica de Santo André. percepgio doppracesso catico de crescimento das edades, rompendo o equine entre dreas ives € construidas. levaaprviegaro homem em detrmento Yas: com economiade canterose de vegeta senhos de piso assumem papel de destaque "2 compose, Apedra portuguesa, ssentads como resta-se perfetamente a essa fnaidade Gio de garantir espago ao habtante da sabelece a diererga: 0 espaco do parterrendo é pens para ser vito, coro em Versahes ouVaule \Vicomte, mas para ser percorido, Tal preocupacio exressa-se de forma dlaratarrbémn nos cakades de Copacabana, onde apenas inerompemasuperfce decomposes. SSS 8 Np ene sr oi et nentos das pasagens naturais orcundantes, como: > VI, disposto a implantar © Império brasileiro em moldes da definitivas, por uma total mudanca das caracteristicas culturais: primeiro, determinou a abertura dos portos, permitindo a universalizagio do pais, € depois, ao se mudar para o Brasil, ele proprio estimulou numerosos empreendimentos culturais: criou escolas de engenharia, ensino de artes e oficios, e o enorme interesse do estudo da natureza local, a comegar pelo fantistico (ao seu tempo) Jardim Botinico. Ao comecar o século XIX, D. Joa iviliza numa série de iniciativ (0 européia, decidiu Data de D. Joio VI 0 conhecimento naturalistico da terra, antes estudado somente durante 0 Periodo holandés (comeco de 1600 até 1625), pot meio dos trabalhos de Barléus, Piso e Marcprave, © documentado na pintura ¢ desenho de Franz Post, Fckhout e Zacharias Wagner (Figura 8). A corte imperial, a missio artistica francesa e os naturalistas visitantes do século pas. Spix, Humboldt, Saint-Hilaire, Gardner e outros) foram os fatores da completa modificacio em lo (ME tius, telagio & construgio da paisagem, Numerosas plantas silvestres foram selecionadas para cultivo passa procedéncias, foram importadas, com sucesso imediato de aclimatagio. Grandes botinicos brasi- leiros aparecem no século passado (Rodtigues, Vellozo etc). ‘am ao uso decorativo privado. Outras, de origem oriental, antilhana, africana e de outras A agricultura, com a imigragio fortemente presente no plantio das fazendas de café (Sio Paulo, Rio de Janeiro), é um novo fator de interferéncia, como paisagem construida, No periodo da corte € no decurso do Império (1822-1889) registra-se excelente desenvolvimento. das construcdes civis e privadas, destacando-se os projetos e as obras de Grandjean de Montigny, no Rio, de Vauthier, em Recife, ¢ do paisagista Glaziou, autor do parque da mansio imperial (Quinta da Boa Vista) ¢ do Campo de Sant’Ana, também no Rio. A tiltima metade do século passado se caracteriza por uma obra de carter académico, europeu, preo- ‘cupada em mostrar sincronismo com os centros civilizados ¢ exibir a fortuna de uma nobiliarquia recente. Com a queda do Império, em conseqiiéncia da abolicio da escravatura e da imediata crise eeonémica, forma-se um periodo de recomposicio da fortuna, que se estabelece nos estados do Sul, gracas 20 brago do imigrante agricultor. Esse periodo, de 1890 a 1920, esti marcado pela riqueza e perda da exploracio da borracha na Amaz6nia, pelo desenvolvimento agricola ¢ pecuatio ¢ grande importacio de materiais e trabalhos europeus Surgem uma elite ¢ uma burguesia avidas de nivel e habitos civilizados, que haveriam de se mani- festar mais na c6pia dos modelos europeus do que na produgio artistica propria Desenvolve-se, nas principais cidades (Rio, Sio Paulo, Salvador, Recife, Porto Alegre ¢ outras), extraordinirio niimero de construgdes de utilidade coletiva e privada, com a mio-de-obra de artesios europeus fixados (imigrantes portugueses, alemies, italianos ¢ outros), dentro de novos modelos € recursos caracterizadores da contemporaneidade européia, do perfodo ¢ estilo denominados art nonreat No Brasil, ficou mais conhecido como “estilo florea”, para indicar o motivo predominant Ha uma inegivel correspondéncia da bell époque do romantismo eutopeu decadente. Mas é neces- sirio esclarecer 0 exageto que se operou no Brasil, a ponto de se demolir 0 nosso acervo artistico ¢ histdrico, incluindo obras religiosas e palicios antigos, tudo em nome de um capricho de aovos- icos e de uma ansia de civilizagio. Desse periodo, reflete-se, no Brasil, 0 gosto pela jardinagem ¢ pelo cultivo de flores e plantas exéticas. A rosa imperou em todas as artes, desde a poesia até 0 ‘estuque de todas as casas. Avencas, bambus-chineses, palmeirinhas em vasos, cravos, crisintetnos, dilias, samambaias etc. constitu‘am © consumo botinico de finalidade decorativa, Esse poderoso residuo do romantismo da belle poque perdurou no Brasil até a quarta década dos novecentos. Esse foi 0 legado, 0 acervo da experiéncia artistica que eu, pessoalmente, encontrei quando, de vyolta da Alemanha, me dispus a set um simples artista plistico, de minha gera¢io, em minha terra Por esse motivo, quando me perguntam onde eu teria percebido as qualidades estéticas dos ele mentos nativos da flora brasileira, onde tomei a decisio de construir, com a flora autdctone, toda uma ordem de nova composi , © até atingir a pais © 0 jardim, que fazem a parte mais conhecida de © plistica, para 0 desenho, para a pintu gem minha criagio, sinceramente respondo que foi como estudante de pintura, diante de uma estufa de plantas tropicais brasileiras, no Jardim Bota nico de Berlim, Sim, foi ali que via forca da teza genuina tropical, pronta ¢ em minhas mao. Para a intencio que tt como matéria adequada para a obra plistica que Procurava (Figura 9). , entio pouco defini Desde entio tenho usado 0 elemento genuino, da natureza, em toda a sua fora ¢ qualidade, como matétia, organizada em termos € propdsitos le uma composigio plastica. Pelo menos é assim ‘ue entendo o paisagismo, como uma forma de manifestacio artistica. 33 BND RR ny wD Be gk CER LE OE Sgt Seg. Horticultura no Brasil A $ latitudes entre as quais se situa o Brasil permitem a distribuigao dos tipos de vegetagio mais vatiados, em virtude da vastidio da area ¢ da diversidade das condigdes climaticas € geol6gicas, Podem-se distinguir seis principais tipos de revestimento vegetal: a) as florestas, com- preendendo a imensa superficie da Hiléia amazénica, cerca de 40% do territétio brasileiro © um dos maiores macigos florestais do mundo, a floresta tropical, do litoral atlintico do interior € a floresta subtropical, também denominada zona dos pinheirais ou zona da araucéria; b) a caatinga, formada por uma multidio de formas de vegetagio de hbito xerofitico, marcada pela abundancia de plantas caducifélias durante as épocas quentes e secas; c) 0 cerrado, que cobre a maior parte da superficie do planalto brasileiro, com disjungdes no meio da floresta amaznica ¢ na floresta tropical do interior; d) os campos, que se podem dividir em subtipos, como sejam: os campos do planalto meridional e a campanha do sul de Mato Grosso, com predominio de gramineas; os campos de altitude, localizados acima de mil metros ¢ marcados pela abundincia de velézias ¢ melastomaticeas diversas; os campos inund: is, ou banhados, cuja vegetacio muda de aspecto nos perfodos de cheia ou de seca; €) 0 complexo do Pantanal, com uma vegetacio rica em espécies aquaticas € confinada na parte sul do Estado de Mato Grosso; f) finalmente, a vegetacio do litoral, com seus manguezais, com a vegetacio das praias e restingas arenosas (Figura 1). Os conceitos sobre a determinagio das zonas de vegetacio do tertitério brasileiro foram primiti- vamente estabelecidos por Martins, que reconheceu as fisionomias mais importantes, atribuindo-lhes nomes de influéncia mitolégica, como Oréades, para as matas costeitas, Hamadriades para a caatinga, Napéias para a floresta subtropical da araucitia etc. Posterior mente, Engler, em seu quadro fitogeo- grifico do globo, seguiu aproximadamente a classificagio de Martius com pequenas modificagées. Um passo significativo nessa diregio foi a contribuigio do iustre professor Alberto de Sampaio, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que adaptou a classificagio de Martius ¢ the deu uma nova formu- lacio, individualizando, inclusive, uma nova zona, a dos cocais, caracterizada pela grande concen- tracio de palmeiras, sob a forma de buritizais, babacuais e carnaubais. Esta zona, a luz de estudos posteriores, mais se caracteriza como uma transigio entre as floras amaz6nica e extra-amazénica, | pane ners eee Gostaria de, em ripidas palavras, mencionar Tendo projetado diversosjardins em dre itoranes, algumas caracteristicas das diferentes zonas de Roper Bale Mane vitaa mato ederteret vegetagio. Assim, as florestas sao marcadas pela wang ondeprocraaenie SS eusa _presenga das grandes drvores, por condigdes erove ata pra suts oles composts especiais de pluviosidade ¢ de insolacio ¢, em | Conhecevem catane a vegtagio dafavaltorines | desde o Estado do Para até os da Bah alguns casos particulares, como no da floresta de arauciria, de carater relativamente mais 35 36 homogéneo que as demais, pela es r éncia de relagdes ecoldgicas mais estrcitas com o mundo animal ¢ com outros fatores, como a altitude, o afastamento do mar ea atureza dos solos, As caatingas sto definidas por uma periodicidade muito marcada, com periodos de repouso estiva em que todo 0 verde se perde, com excecio das cacticens ¢ de algumas arvores, sempre verdes, como, por exemplo, o juazeiro. Toda a paisagem, solo e vegetais desfolhados assumem um tom inéreo, que vai contrastar, depois da época das chuvas, com a expansio rapidissima das liminas foliares ¢ com a floracio exuberante que transforma a caatinga num auténtico jardim. cerrado tem a sua fisionomia definida pela presenga de arvores baixas, tortuosas, de casca espessa, de folhas largas. Assenta-se sobre solos permeaveis, cuja riqueza mineral é enfraquecida pela lixiviacao de seus elementos mais méveis (potissio, fésforo etc.) para os lengdis profundos. Alguns animais sio freqiientes, entre eles, o lobo, a ema, a cascavel. Abaixo do extrato arbéreo, ha um extrato arbustivo ¢ graminoso que seca com facilidade e € 0 combustivel dos grandes incéndios que assolam o Brasil central que tanto impressionaram o biolégico Warming. Os campos, de natureza muito diversa, fazem-se notar pela vegetagio baixa dominante e, sobretudo, pela abundancia de flores de estacio que, no planalto meridional, se desdobram em manchas de cor, cobrindo enormes extensdes. © complexo do Pantanal, vegetando sobre os restos de um antigo mar interno, é todo ele regido pela existéncia de um periodo de inundagio. A vegetacio litorinea é condicionada pela proximidade do mar, com suas influéncias de vento, salsugem ¢ luminosidade. ‘A flora brasileira tem tanta forca, marca de tal modo a paisagem desse imenso pais que, jé no primeiro documento escrito da chegada do europeu, a carta de Pero Vaz de Caminha, fala-se, a0 lado dos indigenas e das aves nativas, de suas arvores ¢ de suas algas. Os franceses, que se esforcaram tanto para firmar uma posicao na terra brasileira, deixaram documentos a respeito da nossa natureza, como sejam, as obras de Thevet e Jean de Léry. Os primeiros estudos de cariter cientifico dessa flora devem-se aos naturalistas trazidos a0 Brasil pelo principe Mauricio de Nassau, Marcgrave ¢ Piso. Do lado portugués, 0 ponto mais ako & a viagem filoséfica empreendida pelo baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, que, durante muitos n08, percorteu territérios hoje distribuidos entre Pari, Amazonas ¢ Mato Grosso, coletando ¢ dese- nhando plantas, animais, minerais e pecas etnogrificas. Lamentavelmente, a imensa documenta- Gio por ele deixada permanece niio publicada até nossos dias. Mais feliz foi o frade José Mariano Ga Conceigio Velloso que, durante anos, explorou os sertdes da provincia fluminense, dai resultando a elaboragio do manuscrito ¢ dos desenhos da Flora Fluminenis, publicada depois de sua morte € prejudicada por uma série de equivocos ¢ de incompreensdes, No século XIX, a botinica brasileira atravessou seu grande periodo, Martius, apoiado pela imperatriz, Leopoldina, langou o programa da monumental obra Flora Brafenss, que mereceu 0 apoio das casas teinantes do Brasil, da Austria e da Baviera, Sessenta e seis botinicos ¢ dezenas de coletores, mum peric do, de 63 anos, reuniram o material sobre 0 qual foi fundada a mais completa das floras tropicais. O século XIX é 0 das grandes viagens ¢ o dos viajantes ilustres. Saint-Hilaire viaj provinci- as do sul e por Minas Gerais ¢ Espitito Santo, Lindman percorre 0 Rio Grande do Sul. Sellow far importantes cole¢des no Brasil meridional e termina por morrer tragicamente na bacia do rio Pe Doce. Gaudchaud visita 0 litoral, Gardner explora a Serra dos Orgios e atravessa o nordeste, em diagonal. O principe de Wied estuda o Espirito Santo ¢ o sul da Bahia (Figura 2) Nesse mesmo século, ¢ nos primérdios do atual, ao lado de estrangeitos ilustres, surgem eminen- tes botinicos brasileitos. Frei Leandro do Sacramento, médico ¢ professor de botinica, publica ‘numerosos trabalhos e ditige a Comissio Cientifica da Provincia do Ceari. Ladislau Neto, diretor do Museu Nacional, faz publicar, nos arquivos daqucla instituigio, 0 texto da Flora Fluminensis de Velloso. No fim do século XIX e comego do século XX, dois cientistas ilustres, Barbosa Rodrigues, do Jardim Botinico do Rio de Janeiro, ¢ Joao Batista de Lacerda, do Museu Nacional, mantém acesa polémica sobre a origem botinica dos curares ¢ projetam a botinica brasileira no cenério internacional através do vigor de sua contribuicio cientifica A primeira metade desse século caracteriza-se pela presenca de um grupo de botinicos de ori- gem germinica: Hoehne, organizador da Flora Brasilia, uma tentativa de atualizagio da Flora de Martius; 0 boténico Kullman, da comis Rondon e diretor do Jardim Botinico, que estudou a nomenclatura de grande nimero de arvores 0 florestais brasileiras; Ducke, 0 botinico do Ama- zonas, que dedica a maior parte de sua vida a0 descobrimento da flora hileana; Brade, orqui- délogo ¢ pteridélogo, embora aposentado, seguiu trabalhando com afinco ¢ entusiasmo, nas suas monografias, Mello Barreto, diretor do antigo Jardim Boténico de Belo Horizonte, e, posterior- mente, do Jardim Zooldgico do Rio de Janeiro, notabilizou-se por seus estudos sobre a flora de Minas Gerais, tendo inclusive publicado um opis: | Fa. Soma es Roberto Burle Marx, , 7 ara de Guat culo sobre a divisio fitogeogrifica do territério Burle Marx foi, provavelmente. o ultimo coletor de minciro. Finalmente, merece destaque, por sua plantas vivas na natureza a atuar de forma sstemiica, cultura geral, 0 botinico Sampaio, do Museu Na- seinto coats feria dopa ere = 7 acompanhar por botiinicas que Ihe indicavam porttos ou cional, que tinka um grande conhecimento em espe de rteresseeacmatando as paras colts quase todos os campos, aliado a enorme capaci- em suas colecbes na Bara de Guaratoa, Ro de jareno, dade didatica, Ele promoveu a Primeira Reuniio Ousrrasoen coarospa cry sub-bosque. que recebem az doo fra pe! de Conservacio da Natureza ¢ deixou uma gran- peers de bagagem cientifica, da qual se destacam a Fitogeografia do Brasil © a Flora do rio Cumind. 37 A floricultura nativa ¢ a introdugio de plantas caminharam lado a k se deu com a criacio, por D. Joio VI, do J lado, € 0 inicio dessas atividades jardim da Actimacio, mais tarde transformado em Jardim € a introducio da Pulna mater, cuja prole se converteu num dos Jementos mais i d ‘mais importantes de nossa paisagem urbana, como uma nota de ligacio entre a arquite- tura, o homem ¢ a natureza, Botinico. Com esse jardim, dew. No Segundo Império, situa-se um novo periodo com Glaziou, cuja presenga se faz sentir até hoje pot meio de trabalhos que deixou, em que associou plantas importadas dos grandes cultivadores europeus, como a tradicional firma Vilmorin & Andricu, ¢ plantas da flora nativa. O paisagista e botinico Antoine Marie de Glaziou coleciona no Brasil central, na area fluminense, e realiza os melhores parques do Rio de Janeiro; a Quinta da Boa Vista e o Campo de Sant’Ana fora outras obras de menor porte. A alameda das Sapucaias, na Quinta da Boa Vista, pela sua beleza intrinseca € capacidade de persisténcia no tempo, mereceu a admiragio de sucessivas geragdes. Glaziou é considerado, sem favor, autor da mais importante obra paisagistica de nosso pais. A floricultura brasileira tem alguns marcos, como as contribuigdes de Binot, também construror de jardins, de Schlick, da Casa Flora, que difundiu uma grande quantidade de espécies omnamentais de sua importagao, e da Chicara Hortulinia, que se destacou no campo da pomicultura e do cul ‘o de palmeiras. Muito importante foi a acio do jardineito Lietze, que produziu um conjunto de tinhordes hibridos, hoje difundidos ¢ cultivados por todo o mundo. Sua meméria é reverenciada numa bela espécie, a Calathea lietzi. © florescimento da horticultura vern como uma conseqiiéncia da época vitoriana, em que 0 navio a vapor contsibuiu pata a exploracio botinica em todos os continentes¢ pars répido transporte das plantas coletadas com destino aos hibernéculos da Europa. ‘Uma fase posterior é dominada pelos alemies, que se cesforgam por superar os resultados da era vitoriana numa competiio tarda, Como resultado de seus trbalhos, emos rosts de qualidade, into- duzidas por Dierberges, juntamente com muitos arbustos ornamentals europee ‘Todos os jardineiros alemes que fizeram jardins pelo Brasil ém, como wma constante de seus trabalhos, uma marca de crectemo do. ambiente europen. Seus jardins slo clissicos ¢ dvorciados da realidade brasileira Um deles, Zimber, de Sao Paulo, merece destaque por ter cultivado uma série de quaresmeiras, hoje muito fregiientes na paisagem paulista, a que emprestam vine ee belt, Riad de Sio Paulo, destaca-se pelo culvo de orquideas, do mesmo modo que ‘Altemburg, no Rio de Janeiro. E stermente, eno inzoduzto mus pans oramenta exes, sober dos grupos Fu, particularmente, 60 tt uivm, plantas aquatica ¢ frwores ornamentals. Isso, sem descurar eee age cn marbetone, resguarando um verdadciro tesouro vegetal, hoje mals do cultivo de plantas 2 eo ana destruicio macica, impiedosa, ripida e defintiva, que caminha do que nnci aase demowic ce com 0 aperfeigoamento das miquinas de exploracio paralelament lost florestal, ao exterminio da cobertura ‘vegetal da terra (Figura J). 39

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