Os caracteres do nivelamento, mediania, publicidade, e o momento constitutivo do falatório como constituição ontológica de a-gente são condição de possibilidade da formação de um mundo fático sedimentado e compartilhado, no qual o ser-aí pode ser absorvido, fugindo da responsabilidade de ter de ser o seu aí
Original Title
Texto Lucas Macedo - Grupo Heidegger- Dos Fundamentos Do Compartilhamento e Sedimentação de Um Mundo No Primeiro Heidegger
Os caracteres do nivelamento, mediania, publicidade, e o momento constitutivo do falatório como constituição ontológica de a-gente são condição de possibilidade da formação de um mundo fático sedimentado e compartilhado, no qual o ser-aí pode ser absorvido, fugindo da responsabilidade de ter de ser o seu aí
Os caracteres do nivelamento, mediania, publicidade, e o momento constitutivo do falatório como constituição ontológica de a-gente são condição de possibilidade da formação de um mundo fático sedimentado e compartilhado, no qual o ser-aí pode ser absorvido, fugindo da responsabilidade de ter de ser o seu aí
Dos fundamentos do compartilhamento e sedimentao de um mundo no
primeiro Heidegger
Lucas Macedo Salgado Gomes de Carvalho
UERJ Grupo Heidegger Dos fundamentos do compartilhamento e sedimentao de um mundo no primeiro Heidegger1
A obra de Martin Heidegger pode ser dividida em periodizaes, ou em caminhos,
como afirmava o prprio autor, mas o todo de seu pensamento sempre se orientou por uma nica questo, a questo acerca do ser. O perodo que se estende at a viragem (Kehre) pode ser entendido como uma tentativa de se colocar de forma explicita a questo acerca do sentido ser em geral a partir do fio condutor de uma analtica existencial preparatria do ser-a (Dasein). De acordo com Heidegger, a filosofia ontologia fenomenolgica universal cujo ponto de partida a hermenutica do ser-a, a qual, como analtica da existncia, fixou a ponta do fio-condutor de todo perguntar filosfico l de onde ele surge e para onde ele retorna 2, isso porque o ser-a o ente que carrega consigo a condio de possibilidade de se colocar de forma expressa a pergunta acerca do sentido de ser. Esse ente que ns mesmos somos possui tal privilgio por ter como momento constitutivo de seu ser uma compreenso de ser (Seinverstndnis), somente por meio da qual se d ser. Como afirma Heidegger: Certamente, s enquanto o ser-a , isto , a possibilidade ntica de compreenso de ser , d-se ser; e s se d ser no ente na medida em que verdade . E esta s na medida e enquanto o ser-a . Ser e verdade so de igual originariedade 3. nessa perspectiva que se desenvolve toda investigao sobre o ente que ns mesmos somos. O projeto filosfico heideggeriano da dcada de 1920 nunca realizou uma antropologia filosfica ou uma filosofia existencialista, sua inteno sempre foi ontolgica, ou, mais especificamente, pensar as condies de possibilidade de toda e qualquer ontologia, de todo e qualquer questionamento acerca do ser do ente na totalidade 4. Ser e Tempo busca desenvolver a analtica do ser-a de um modo que no seja imposto coercitivamente ao ser desse ente nenhuma caracterstica ontolgica, por mais evidente que ela seja, que no corresponda ao seu modo de ser, de forma que o ser-a possa se mostrar em si mesmo a partir de si mesmo. Deve-se, ento, por em
1 Este texto constitui uma verso preliminar do texto definitivo a ser
apresentado no XVI Encontro da ANPOF.
2 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Campinas: Unicamp, 2012, p. 129.
relevo as estruturas essenciais desse ente, aquelas que se mantm ontologicamente determinantes em todos os seus modos de ser. Para tanto a investigao mostra o ser-a como ele de pronto e no mais das vezes, isto , no modo de ser da mediana cotidianidade. O ser do ser-a um fenmeno unitrio com uma pluralidade cooriginria de momentos constitutivos, os quais nunca podem ser entendidos como partes subsistentes que posteriormente se juntam. Essa impossibilidade de decomposio faz com que ao ser pr em relevo um desses momentos constitutivos, os demais sejam tambm evidenciados, de modo que sempre seja visualizado o todo do fenmeno. Assim, para o presente trabalho investigaremos o ser-a partindo do ponto de vista do ente que cada vez no modo do ser-em-o-mundo, sendo postos tambm em relevo os fenmenos ser-em, e em-o-mundo. O ser-a como ser-no-mundo ser-com outros seres-a. Esse ser-com no deve ser entendido como a presena concomitante de outros sujeitos, mas como um modo de ser do ser-a que deixa os seres-a dos outros virem ao encontro em um mundo. De acordo com Heidegger, os outros no significa algo assim como o todo dos que restam fora de mim, todo do qual o eu se destaca, sendo os outros, ao contrrio, aqueles dos quais a-gente mesma no se diferencia no mais das vezes e no meio dos quais a-gente tambm est. A-gente mesma, continua Heidegger, pertence aos outros e consolida seu poder. Os outros, como a-gente os chama, para encobrir nossa prpria essencial pertinncia a eles, so aqueles que no cotidiano ser- um-com-o-outro de pronto e no mais das vezes so-a. O quem no este nem aquele, nem a-gente mesma, nem alguns, nem a soma de todos. O quem o neutro: a-gente ( das Man) 5. A-gente, como quem o ser-no-mundo cotidianamente , tem o caractere de ser da tendncia ao nivelamento de todas suas possibilidades de ser. A-gente esmaga silenciosamente toda precedncia, desgasta o que original tornando-o algo h muito conhecido por todos, torna algo banal as conquistas que foram fruto de muita luta; e, assim, nivelando qualquer exceo que possa sobrevir, a-gente se mantm na mediania de tudo aquilo que se considera possvel, permitido, vlido e digno de xito. Nesse nivelamento das possibilidades de ser do ser-a, que nos mantm na mediania de tudo o que vai indo, so obscurecidos e encobertos tanto o ser-a quanto o mundo, sendo esses, porm, tornados pblicos como algo notrio e acessvel a qualquer um. Desse modo, a publicidade regula, delineando previamente, todas as interpretaes imediatas do mundo e do ser-no-mundo. Nesse delineamento antecipado, a-gente j
5 HEIDEGGER. Ser e Tempo, p.343, p.365.
decidiu o que vem ao nosso encontro e como vem ao nosso encontro, o que significa que a-gente j formou e sedimentou um mundo. Mundo a abertura do ente enquanto tal na totalidade 6, ou, nas palavras de Marco Casanova, o horizonte a partir do qual o ente se manifesta enquanto ente e no qual se pode, por conseguinte, assumir um comportamento em geral, terico ou prtico, em relao a ele 7. Mundo no , de modo algum, um ente com o mesmo modo der dos entes que a partir do mundo se manifestam, tampouco uma espcie de continente presente a priori no interior do qual seriam inseridos um conjunto de entes. Mundo um momento constitutivo do ser do ser-a, do ser-no-mundo, possuindo, assim, o modo de ser da existncia. Para se ter maior clareza em relao a esse existencial faremos uma breve considerao acerca do ser do ser-a. Heidegger apreende formalmente a totalidade existencial do todo-estrutural ontolgico do ser-a como: ser-adiantado-em-relao-a-si-mesmo-no-j-ser-em-(o- mundo-) como ser-junto-a (os entes que vem ao encontro no interior do mundo) [Sich- vorweg-schon-sein-in-(der-Welt-) als Sein-bei (innerweltlich begegnendem Seienden)]. Para designar essa totalidade existencial emprega-se o termo preocupao (Sorge). O momento estrutural do ser-adiantado-em-relao-a-si-mesmo significa que o ser-a tem como constituio ontolgica o j sempre ter se encontrado em seu ser em um determinado estado-de-nimo (Stimmung), sendo cooriginrio a esse encontrar-se (Befindlichkeit) a abertura de ser por meio de uma compreenso (Verstehen), a qual projeta o ser-a no poder-ser que ele mesmo . Como ser-no-mundo, ao encontrar-se o ser-a est entregue responsabilidade de ser o seu a, isto , a abertura compreensiva que projeta possibilidades de ser a formao de um campo de manifestabilidade do ente na totalidade, de modo que o ser-adiantado-em-relao-a-si- mesmo um ser-adiantado-em-relao-a-si-mesmo-no-j-ser-em-o-mundo. Essa formao de um campo de manifestabilidade, de um mundo, se d pelo fato de o projeto compreensivo de ser do ser-a ser sempre em vista de seu prprio ser. A abertura do poder-ser, como o em-vista-de-qu (Worumwillen) se projeta, significa a abertura de uma totalidade de conjuntao (Bewandtnisganzheit), a partir da qual um ente pode vir ao encontro como algo em um todo de remisses. Um determinado todo de remisses da significatividade, isto , um mundo, s pode se dar a partir de um em- vista-de-qu.
6 HEIDEGGER, Martin. Os conceitos fundamentais da metafsica. Rio de
Janeiro: Forense Universitria, 2011 p. 426.
7 CASANOVA, Marco. Eternidade Frgil. Rio de janeiro: Via Vrita, 2013,
p.85. Como afirmado acima, o ser-a na cotidianidade no modo de ser de a-gente. Isto significa que o ser-a se encontra como agente-ela-mesma, ou seja, a-gente aquilo em-vista-de-qu se na cotidianidade. Deste modo, a-gente quem articula o contexto de remisso da significatividade, a-gente quem forma um mundo. E, na medida em que a-gente no somente quem se numa primeira aproximao e na maior parte das vezes, mas tambm quem os outros so, mundo pode ser algo j sempre a cada vez algo compartilhado pelo ser-a com os seres-a-com. sendo mundo-com, e carregando consigo os modos de ser de a-gente (nivelamento, mediania, publicidade) que o mundo pode j ter delimitado previamente o que pode vir ao encontro do ser-a e como deve vir ao seu encontro, decidindo tambm as possibilidades de comportamento em relao a esses entes. A sedimentao de um mundo ftico tem seu fundamento em a-gente. Para a formao de um mundo ftico sedimentado fundamental tambm outro momento constitutivo de a-gente, o falatrio (Gerede). Na preleo intitulada Plato: O Sofista, ministrada entre os anos de 1924 e 1925, Heidegger afirma que o ser desencobridor, o arrancar o mundo ao fechamento um modo de ser do ser-a, sendo que esse desvelamento mostra-se de incio no falar (Reden), de modo que o (falar) a constituio fundamental do ser-a. Explicitando o modo de ser desse falar, Heidegger afirma: Na medida, porm, em que o falar um ter se exprimido, na medida em que ele conquista na posio uma existncia prpria, de tal modo que nela conservado um conhecimento, o (discurso) qua (aquilo que dito) pode ser designado (verdadeiro-desvelador) 8. Como as proposies podem ganhar uma presena prpria se torna, ento, possvel que o ser-a se oriente por elas no levando em considerao as coisas mesmas sobre as quais so emitidas as proposies. Esse modo de ser no qual falamos uns com os outros nos ocupando do que dito, sem se apropriar originariamente do ente sobre que se fala, e, assim, encobrindo-o nele mesmo, o modo de ser fundamental do falatrio. No pargrafo 35 de Ser e Tempo se mostra que de imediato o ser-a se guia por aquilo que desencoberto no falatrio. Enquanto modo de ser de a-gente ele delimita as possibilidades da compreenso mediana e do encontrar-se. No todo articulado de seus nexos-de-significao, o que dito traz consigo uma compreenso de mundo aberto e, cooriginariamente com ele, uma compreenso do ser do ser-a dos outros e do cada vez prprio ser-em 9. 8 HEIDEGGER, Martin. Plato: O Sofista. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2012, p.25.
9 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, p. 473.
Os caracteres do nivelamento, mediania, publicidade, e o momento constitutivo do falatrio como constituio ontolgica de a-gente so condio de possibilidade da formao de um mundo ftico sedimentado e compartilhado, no qual o ser-a pode ser absorvido, fugindo da responsabilidade de ter de ser o seu a. Casanova descreve essa fuga de seu poder-ser-mais-prprio e a consequente absoro em um mundo da seguinte forma: Imerso na semntica sedimentada que se acha em jogo na cotidianidade mediana, o ser-a transfere a responsabilidade pelo seu ser para o mundo circundante, recebendo do mundo circundante os limites no interior dos quais ele necessariamente precisa se movimentar 10.