You are on page 1of 11
Copyright © 2004, Néstor Garcia Canclini Grafaarualinada segundo o Acotdo Ortogrfico da Lingua Porcuguesa de 1990, {que entrou em vigor no Brail em 2008. Ficha catalogrfica elaborada pela Divisho de Processamento Técnico SIBU/UFRI 1. teimp. ~ Rio de Janeito : Editors UFRJ, 2015. 284 ps 14x21 em. ISBN 978-85-7108.291- 1. Esudos 1. Henriques, Luiz I. 3. Globalizagio. DD 306-4 1 edigéo - 2005 Jofo Sette Camars Joserte Bebo Capa ‘Ana Carscizo Editoragio eletriniea ‘Ana Cat Universidade Federal do Rio de Janeiro Férum de Cigncia e Cultura ora UFR) Av. Pasteur, 250 3-902 ~ Praia Vermelha a Livraias Editora UFR) Praia Vermelha e CCMN: SUMARIO AGRADECIMENTOS inTRoDUGAO ‘Teorias da interculturlidade e fiacassos p MAPS chegaram a0 exilio ‘A universidade, 0 shopping e os meics de comunicagio jogo na televisio Ha um lugar para escudar a incerculruralidade? 4.A globalizagéo da antropologia depois do pés-modernismo “Trabalho de campo ou retérica textual © aneropéloge como escritor Da andlise textual 8 critica socoinstitucional © que significa “ir a campo", quando 0 cemos aqui 15 100 129 129 132 137 142 1. A CULTURA EXTRAVIADA NAS SUAS DEFINICOES Hi décadas, aqueles que estudam a cultura experimentam a vertigem das imprecisées. Jé em 1952, dois antropdlogos, Alfed Kroeber ¢ Clyde K. Klukhohn, recolheram num livo cé- lebre quase trezentas maneiras de defini-la. Melvin J. Lasky, que evidentemente desconhecia essa obra, publicou em The Republic of Letters, em 2001, trecho de um livro em preparagéo para o qual diz ter recolhido em jornais alemées, ingleses e estadunidenses 57 uusos distintos do termo cultura. A revista Commentaire traduziu esse artigo no verio de 2003, acrescentando que ha em francés uma banalizagéo semelhante, a ponto de se ter a favra “a um ministério” (Lasky, 2003, p. 367). E facil compartilhar a inquietagio de Lasky. Temos cexplicou sua adesio a Bush na guerra contra o tetrorismo porque ndo é “uma luta entre culturas, mas um combate pela cultura’. Um cortespondente britinico no Oriente Médio fala da da Jihad”. No New York Times, informa-se sobre uma “revol cultural no interior da CIA.¢ do FBI”, E, assim, Lasky continua a 1nos advertir sobre os riscos de nio saber do que falamos por causa da dispersdo de referéncias as “culeuras empresariais’, & “cultura da incompeténcia’ e a uma série de sub, infra e contraculturas, Esse autor se escandaliza com apenas 57 vatiantes ¢ totna a mos- trar sua pobre informacéo quando atribui a origem do “zumbido ensurdecedor” produzido por essa proliferacio de significados a dois fatos: que os marxistas tenham comecado falar de “cultura capitalist” e que 0s antropélogos tenham usado a palavra, a partir do préprio titulo do livro de Sis Edward Tylor, Primitive culture. iva’, sustenta Lasky “Por definicéo, a cultura ndo podetia ser pri (2003, p. 369). ‘Mais do que precisar 0 comego €0 desenvolvimento do zum- bido, cabe compreender como se foi chegando nas i certo consenso em torno de uma definicio sociosser tura e quais problemas colocam a esse consenso as condigées multi- culturais em que esse objeto de estudo varia, Em seguida, ocupar- -me-ei das redefinig6es operadas por jornalismo, mercados e gover- nos. Dado que estas nocdes tém eficicia social, deve fazer parte daquilo que é preciso inv Labirintos do sentido ‘Axé hd poucas décadas, pretendia-se encontrar um paradigma ifico que organizasse o saber sobre a cultura, Mesmo quem re- los paradigmas aspirava aestabele- conhecia a coexisténcia de m cer algum que fosse o mais satisfatério ou o de maior capacidade cexplicativa, Nao se deve abandonar esta aspiragéo, mas 0 relativismo emolégico e 0 pensamento pés-moderno debilicaram, por ca- minhos distintos, aquela preocupacio com a unicidade ea u lidade do conhecimento. A propria pluralidade de culeuras contribui para a diversidade de paradigmas cientificos, ao condicionar a pro- duo do saber ¢ apresentar objetos de conhecimento com confi- a guragées muito variadas. De uma perspectiva antropolégica, poderiamos adotar diante da variedade de disciplinas e definicées de cultura uma atieude se- melhante & que temos com nossos informantes no trabalho de cam- po. Nao preferimos a priori uma versio sobre os processos sociais, mas escutamos diferentes relatos com igual atengao. Podemos per- guntar-nos, entio, quais sio hoje as principais narrativas quando falamos de cultura, a) A primeira nogio, a mais ébvia, 6a que continua a apresen- tar-se no uso cotidiano da palavra cultura, quando se faz com que seassemelhe a educagio, ilustragio, refinamento, informasao ampl: Nesta linha, cultura é 0 actimulo de conhecimentos e aptidées inte- lectuais ¢ estéticas. Reconhece-se esta corrente no uso coloquial da palavra cul- sara, mas ela tem sustentagéo na filosofa idealista. A distingéo en- twe cultura ¢ civilizagéo foi elaborada pela filosofia alema no final do século XIX e no principio do XX: Herbert Spencer, Wilhelm Windelband, Heinrich Rickert. Esse ngava méo de uma distingio muito acessivel para diferenciar cultura ¢ civilizagio. Dizia que um pedaco de mérmore extraido de uma pedreira ¢ um objeto de civilizacio, resultado de um con to de técnicas que petmitem extrair esse material da natureza e converté-lo num pro- duto civilizatério. Mas esse mesmo pedaco de marmore, segundo Rickert, alhado por um artista que Ihe imprima o valor da beleza, torna-se obra de arte, torna-se cultura. Entre as muitas criticas que se podem fazer a esta distingio taxativa entre civilizapéo e cultura, uma é que naturaliza a divisio entre 0 corporal eo mental, entre o material eo espiricual, ¢ portan- to, a divisio do trabalho entre as classes ¢ os grupos sociais que se dedicam 2 uma ou a outra dimensio, Naturaliza, igualmente, uum conjunto de conhecimentos e gostos que seriam os tinicos que valeria a pena difundis, formados numa céria particulas, a do Ocidente moderno, concentrada na drea europeia ou euro-norte- -ameticana. Nao é, pois, uma caracterizacéo pertinente da cultura, no estado dos conhecimentos sobre a integragio de corpo e mente, nem de uso apropriado depois da desconscrucéo do eurocentrismo operada pela antropologia. b) Frente a esses usos cotidianos, vulgares ou idealistas de cultura, surgiu um conjunto de usos cientificos, que se caract por separar a cultura em oposiglo a outros referentes. Os dois con- frontos principais a que se submete o termo sio naturena-cultra 38 sociedade-cultuara. Antes de considerar cada uma destas vertentes, vyejamos brevemente o que se requer para construir uma nogao cien- |. Pelo menos, dois requisitos: + uma definigao univoca, que situe o termo culbura num sis- livre das conoragées equivocas da lin- tema tedrico determinado ¢ guagem comum; * um protocolo de observagio tigoroso, que remeta a0 con- junto de fatos, de processos sociais, nos quais o cultural possa re- gistrar-se de modo sistematico. Durante algum tempo, pensou-se na antropologia, ¢ também na filosofia, que a oposigo cultura-natureza permitia fazer esta de- limitagio, Purecia que desse modo se diferenciava a cultura, aquilo criado pelo homem e por todos os homens, do simplesmente dado, do “natural” que existe no mundo. Esse modo de defini a cultura foi acompanhado por um conjunto de protocolos rigorosos de observaséo, registros de modelos de comportamento de grupos, de costumes, de distribuigéo espacial e temporal, que ficaram consol dados em guias emogréficos, como 0 de George Peter Murdock. Mas esse campo de aplicagéo da cultura por oposicéo & natureza nnio parece claramente especificado. Nao sabemos por que ou de que modo a cultura pode abarcar todas as instincias de uma formacéo social, ou seja, os modelos de organizacio econdmica, as fotmas de exercer 0 poder, as priticas religiosas, artisticas e outtas. E preciso perguntar se a cultura, assim definida, néo seria uma espécie de sindnimo idealista do conceito de formagio social, tal como ocorreu, por exemplo, na obra de Ruth Benedict, segundo a qual a cultura é a forma que adota uma sociedade unificada pe~ los valotes dominantes (Establet, 1966). Esta maneira demasiado simples e extensa de definira cultura, como tudo aquilo que nio é natureza, serviu para distinguir o cultu- ral do biolSgico ou genético e superar formas primérias do emocen- trismo, Ajudou a admitir como cultura 0 que foi criado por todos ‘os homens em todas as sociedades e em todos os tempos. Toda so- ciedade tem cultura — dizia-se ~ e, portanto, néo ha razées para que A CULTURA EXTRAVIADA NAS SUAS DEFINIGOES uma disctimine ou desqualifique as outras. A consequencia politica dessa definigao foi o relativismo cultural, adi tem o diteito de dotar-se das suas préprias formas de organi- zagio e estilos de vida, mesmo quando incluam aspectos que podem set surpreendentes, como os sactificios humanos ou a poligami iio, moral, arte), a nogo perdia eficécia operacional. is, observou-se criticamente que o reconhecimento sem hie- rarquias de todas as culturas como igualmente legitimas i uma indiferenciagéo que as torna incomparéveis e incomensurdveis (Cuche, 1999). Um novo par de oposigées buscou delimitar a cultura de ou- tras partes da vida social: 0 que opde cultura e sociedade, Hi diferen- tes modos de encarar essa distingéo na antropologia e disciplinas afins. A oposicio entre cultura © sociedade aparece, em meados do século XX, na obra de Ralph Linton e adquire sua forma mais consistente em autores como Pierre Bourdieu. A sociedade é con cebida como 0 conjunto de estruturas mais ou menos objetivas que organizam a distribuigo dos meios de producio e do poder entre duos e os grupos sociais, ¢ que determinam as priticas sociais, econdmicas e politicas. Mas, 20 analisar as estruturas s0- ciais ¢ as prdticas, fica um residuo, uma série de atos que néo pa- recem ter muito sentido se analisades com uma concepgio prag- mitica, como realizagio do poder ou administragio da econo- mia, O que significam, por exemplo, as variadas complexi- dades de linguas e rituais? Para que homens mulheres pintam a pele, das sociedades mais arcaicas até a atualidade? O que sig- nifica dependurar coisas no corpo ou dependuré-las em casa, ott realizar ceriménias para alcancar certos objetivos e chegar a atos ow produtos que, afinal de contas, néo pareceriam requerer caminhos to sinuosos? Nao se trata unicamente de uma diversidade existente em sociedades pré-modernas. O desenvolvimento do consumo nas sociedades contemporineas tornou evidentes esses “residuos” ou “excedentes” na vida social, Jean Baudrillard, na sua Critica da eco- nomia politica do signo, falava de quatro tipos de valor na sociedade. Para sair do esquema marxista tio elementar que s6 diferencia valor de uso e valor de troca, reconhecia duas outras formas de valor, que denominava: valor signo e valor simbolo. Se consideramos uma geladeira, ela tem um valor de uso (preservar os alimentos, esftié- -los) ¢ um valor de troca, um prego no mercado, equivalente ao de outros bens ou ao custo de certa quantidade de trabalho. Ademais, a geladeira tem um valor signo, ou seja, 0 conjunto de conotagées, de implicagées simbélicas, que estio associadas a esse objeto. Nao so a mesma coisa uma geladeira importada e outra nacional, uma com design simples e outta com design sofisticado, Nenhum desses elementos significantes contribui para que os alimentos sejam mais bem esftiados ou preservados, nenhum tem nada a ver com 0 valor de uso; com o valor de troca, sim, porque tais elementos agregam outros valores que néo séo os de uso, Remetem aos valo- res signos associados a esse objeto. Isto é algo familiar para os que ‘estamos habituados a ver mensagens publicitétias que operam preci- samente nesse nivel de conotagio, que nos contam histérias sobre 08 objetos pouco relacionadas com seus usos priticos. Baudrillard complicava um pouco mais a questi. Dizia que, além desse valor signo, pode haver um ualor sémbolo, Como valor signo, a geladeira pode ser permutada por um conjunto de outros produtos ou bens que estio na sociedade e dio prestigio ou sofistica- #0 simbélica semelhantes a essa méquina de esfriar. Por exemplo, ter uma geladeira importada pode ser equivalente a ter um carro importado ou passar férias numa praia estrangeira, ainda que os valores de uso sejam obviamente distintos. Mas Baudrillard distin- guia outro tipo de valor, o valor simbolo, vinculado a rituais ou a atos particulares que ocorrem dentro da sociedade, Se me pre- senteiam essa geladeira por ocasidio do meu casamento, esse ato con- fete ao objeto um sentido distinto, que o torna néo permucivel por nenhum outro, Esse presente, como qualquer doagio que se eferua entre pessoas ou entre grupos, confere a0 objeto um valor simbélico diferente do valor signo. Essa classificagio de quatro tipos de valor (de uso, de troca, valor signo e valor simbolo) permite diferenciar 0 socioecondmico do cultural. Os dois primeiros tipos de valor tém a ver principal- mente, néo unicamente, com a materialidade do objeto, com a base material da vida social. Os dois iltimos tipos de valor referem-se & cultura, aos processos de significagdo, Pierre Bourdieu desenvolveu esta diferenga entre cultura € sociedade ao mostrar nas suas investigagées que a sociedade esté estrucurada com dois tipos de relagéest as de forea, correspondentes a0 valor de uso € a0 de troca; ¢, dentro delas, entrelasadas com estas relagbes de forca, hd relagoes de sentido, que organizam a vida social, as relagies de significagéo. O- mundo das significagées, do sentido constitui a culeura. ‘Chegamos assim a uma possvel definigio operacional, compar- tilhada por varias disciplinas ou por autores que pertencem a dife- rentes disciplinas. Pode-se afirmar que a cultura abarca o conjunio dos procesos sociais de significagdo ou, de um modo mais complexo, a cultura abarca o conjunto de proceso sociais de produpéo, circulagdo € consumo da significaréo na vida social Identidades: camisa e pele ‘Ao conceituar a cultura desse modo, estamos dizendo que a cultura néo é apenas um conjunto de obras de arte ou de livros € muito menos uma soma de objetos materiais carregados de signos ¢ simbolos. A cultura apresenta-se como process: sociais,¢ parte da dificuldade de falar dela deriva do fato de que se produz, circula e se consome na histéria social. Néo é algo que apareca sempre da ‘mesma maneira. Daf a importéncia que adquiriram os estudos so- bre recepgio © apropriagio de bens e mensagens nas sociedades a contemporineas. Mostram como um mesmo objeto pode trans- formar-se’ através de usos ¢ reapropriagées sociais. E também como, ao nos relacionarmos uns com os outros, aprendemos, a ser interculturais. Esta concepgio processual e cambiante da cultura torna-se evidente quando estudamos sociedades diversas ou suas incersegSes com outras ¢ suas mudancas na histéria, Para mim, foi iluminador trabalhar com o artesanato no México. Os objetos artesanais costu- ‘mam produzir-se em grupos indigenas ou camponeses, circulam pe- lasociedade ¢ sio apropriados por setores urbanos, turistas, brancos, nfo indigenas, com outros perfs socioculturais, que thes atribuem fung6es distintas daquelas para as quais se fabricaram. Uma panela pode converter-se numa jarra de flores, uma saia indigena em toalha de mesa ou em elemento decorative na parede de um moderno apartamento, Nao ha por que argumentar quese perdeu o significado do objeto: sransformow-se. E emocénttico pensar que se degradou 0 sentido do artesanato, O que ocorreu foi que mudou de significado 20 passat de um sistema cultural a outro, ao inserir-se em novas relag6es sociais e simbélicas. Podemos comprové-lo a partir da pers- pectiva do novo usuétio eas vezes, também, vemos que é um senti- do aprovado pelo produtor. Muitos artesios sabem que 0 objeto vai set utilizado de modo diferente do original, mas, como precisam vender, adaptam a concepgio ou 0 aspecto do objeto artesanal para que seja usado mais facilmente nesta nova fungio, que talvez evoque 0 sentido anterior por causa da iconografia, ainda que seus fins pragméticos ¢ simbélicos predominantes participem de outro sistema sociocultural. De um ponto de vista ancropolégico, nao hé motives para imo do que 0 outro. pensar que um uso seja mais ou menos I Com todo 0 direito, cada grupo social muda a significagio ¢ os uusos. Nesse ponto, as andlises antropolégicas precisam convergir com 05 estudos sobre comunicagio, porque estamos falando de circulagao de bens e mensagens, mudangas de significado, estamos A CULTURA EXTRAVIADA NAS SUAS DEFINIGOES: falando da passagem de uma instancia para outra, de um grupo ara virios. Nesses movimentos, comunicam-se significados, que sio recebidos, reprocessados ¢ recodificados. Também precisamos relacionar a anise inte ral com as relagdes de poder para iden- tificar aqueles que dispéem de maior forca para modificar a signi- ficagio dos objetos. ‘Ao prestar atencio nos deslocamentos de fungo e significado dos objetos, no transito de uma cultura para outra, chegamos 3 ne- cessidade de contar com uma definiséo sociossemidrica da cultura, que abarque o processo de produséo, circulagio e consumo de sig- nificagées na vida social. Configuram essa petspectiva varias ten- déncias, vétios modos de definir ou sublinhar aspectos particula- res da fungio social ¢ do sentido que a cultura adquire dentro da sociedade. ‘Vou mencionar quatro vertentes contemporineas que destacam diversos aspectos desta perspectiva processual, a qual considera, 20 ‘mesmo tempo, o sociomaterial eo significante da cultura. A primei- ra tendéncia ¢a que vé a cultura como a instincia em que cada grupo organiza sua identidade. Dito assim, néo hd nenhuma novidade, porque desde o século XIX os antropélogos estudam como as cul- turas se organizam para dar identidade, pata afirmé-la e renové-la nas sociedades. Mas 0 que tratamos de ver atualmente, dado que as condigdes de producio, circulacio ¢ consumo da cultura nfo ocor- rem numa $6 sociedade, é como se reelabora interculturalmente 0 sentido. Nao s6 dentro de uma etnia nem sequer dentro de uma nagéo, mas em circuitos globais, superando fronteiras, tornando porosas as barreiras nacionais ou étnicas e fazendo com que cada grupo possa abastecer-se de repertérios culeurais diferentes. Esta con- figuracéo transversal do sentido confere complexidade a cada siste- ‘ma simbélico. Os processos culturais nfo séo apenas o resultado de uma relaglo de cultiva, de acordo com o sentido filolégico da pala- vvra cultura, néo derivam unicamente da relagéo com um territério ‘no qual nos apropriamos dos bens ou do sentido da vida nesse “3 lugar, Nesta época, nosso bairro, nossa cidade, nossa nagio sio cenétios de identificacio, de produgio e reprodugio cultural. A par- deles, no entanto, apropriamo-nos de outros repertérios dis- poniveis no mundo, que nos chegam quando compramos produtos importados no supermercado, quando ligamos a televisio ou pas- samos de um pais para outro como tutistas ou ‘Dessa maneira, dizer que a cultura é uma insti nna qual cada grupo organiza sua identidade é dizer muito pouco nas atuais condigGes de comunicaséo globalizada. E preciso analisar a complexidade que assumem as formas de interagio e de recusa, de apreco, disctiminacéo ou hostilidade em relacio aos outros sas situagdes de confrontagéo assidua. Essas interagbes foram tema tizadas na histéria da antropologia por varias correntes, das quais a mais conhecida foi a que agrupou os estudos sobre aculeuragéo (Redfield, Linton, Herskowitz), na sua maioria dedicados a contatos entre povos arcaicos ou desses com missionérios, colonizadores e mi- grantes. A teoria original, desenvolvida principalmente nos Estados Unidos, softeu variagGes em investigagées de outras latitudes, como as de Roger Bastide e Georges Balandier. Neste texto nao vou deter- me em detalhar o itinerério antropolégico do tema; apenas destaco ‘a amplificagio do mesmo ocorrida na segunda metade do século XX em dois cendtios: 0 das indéstrias culturais e 0 das cidades. Como participantes de ambas as instincias, experimentamos inten- samente a interculturalidade, Quando Malinowski deslocava-se para uma sociedade nao curopela ou quando Margaret Mead deixava os Estados Unidos viajava para Samoa, tratava-se de individuos que faziam o esforgo de comunicar-se com outta sociedade, caracterizada por sua vez por uma forte homogeneidade interna. Hoje, milhes de pessoas vio de um lado 2 outro frequentemente, vivem de forma mais ou menos duradoura em cidades diferentes daquela em que nasceram e modi- ficam seu estilo de vida ao mudar de contexto. Essas interagbes tém efeitos conceituais sobre as nogées de cultura ¢ identidade: para A CULTURA EXTRAVIAGA NAS SUAS DEPINIGOES 45 usar a eloquente férmula de Hobsbawm, agora “a maior parte das identidades coletivas so mais camisas do que pele: sio, pelo diveis” (Hobsbawm, 1997, p- 24, apud Alsina, 1999, p. 55). Sé é preciso lembrar quantas ve- es as condutas racistas ontologizam na pele as diferengas de identi- dade. Também seria itil completar a metéfora de Hobsbawm com uma andlise dos variados tamanhos de camisa, menos em teoria, opcionais, nao H4 uma outra direcao, que descreviamos a propésito dos va- lores, segundo a qual « cultura é vista como soma instincia simbilica da produséo e reprodugéo da soviedade, A cultura néo é um suplemento decorativo, entretenimento dominical, aividade de écio ou recteio al para trabalhadores cansados, mas algo constitutive das in- teragées cotidianas, A medida que no trabalho, no transporte e nos cdemais movimentos comuns se desenvolvem processos de significa- ‘glo. Em todos esses comportamentos estio entrelacados a cultura ea sociedade, 0 material e o sim O que é, entéo, a cultura? Nao podemos retornar & velha de- finigo antropolégica que a identificava com a totalidade da vida social, Nas teorias sociossemiéticas,fala-se de uma imbricagéo com- plexa ¢ intensa entre 0 cultural e 0 social, Dito de outra maneira, todas as priticas sociais contém uma dimensto cultural, mas nes- sociais nem tudo é cultura. Se vamos a um posto de ¢ abastecemos nosso carro, esse ato material, econér est repleto de significacées, j4 que vamos com um automeével de certo design, model6, cor, ¢ atuamos com certo comportamento gestual. Toda conduta significa algo, participa, de modo distinto, das interagées sociais, Qualquer prética social, no trabalho e no consumo, con- tém uma dimensio significante que lhe dé seu senti constitui € constitui nossa interagao na sociedade, Entao, quando dizemos que a cultura ¢ parte de todas as priticas sociais, mas nio é equivalente & totalidade da sociedade, estamos distinguindo cultura ¢ sociedade sem colocar uma barreira que as separe, que 46 waras as oponha inteiramente. Afirmamos seu entrelagamento, um vaivém constante entre ambas as dimensées, ¢ s6 por um art merodol6gico-analitico podemos distinguir 0 cultural daquilo que nic o é Mas hi um momento, sempre no fim da anilise, em que devemos chegar & s{ntese, recompor a totalidade e ver como funciona a cultura, ao dar sentido a esta sociedade, Nesse pro- cesso, a cultura aparece como parte de qualquer produgio social e, também, da sua reprodugdo. Isso se tornou evidente com a teoria des ideologia de Louis Althusser, quando dizia que a sociedade se produz através da ideologia. Mas a andlise ficou mais consistente com as investigagées de Pierre Bourdieu sobre a cultura como espago de reprodugdo social e organizacto das diferengas. Uma terceira linha é que fala da cultura como uma instdncia de conformagéo do consenso ¢ da hegemonia, ou seja, de configuragao da culvura politica e também da legitimidade, A culvura € 0 cendtio em que adquirem sentido as mudangas, a administragéo do poder a lura contra o poder. Os recursos simbélicos e seus diversos mo- dos de organizacio tém a ver com os modos de autorrepresentar-se ¢ de representar os outros nas relagées de diferenca e desigualdade, ou seja, nomeando ou desconhecendo, valorizando ou desqualifi- cando, O uso restrito da propria palavra cultura para designar com- portamentos e gostos de povos ocidentais ou de elites ~ a “cultura curopeia” ou “alta” — € um ato culeural pelo qual se exerce 0 poder. ‘A.recusa desta restrigio, ou sua reapropriagio quando se fala de cul- cura popular ou videoculeura, também o sio, ‘A quarta linha & a que fala da culbura como dramaticagéo cuftmizada des conflitos sociais. A frase nfo é de Pierre Bourdieu, mas contém uma palavra que ele usa com frequéncia: refiro-me & sua nogéo de eufemismo. Nao ¢ uma novidade para os antropé- logos, os quais descobriram, hé tempos, que, quando numa so- ciedade se joga, se canta ou se danga, fala-se de outras coisas, nfo amente. Alude-se 20 poder, mens. Também nas sociedades contemporaneas pudemos desco- bri, a partir desta perspectiva indireta que passa pelas sociedades chamadas primitivas, que aquilo que ocorre na vida social, para que nao seja uma luta de vida e morte, para que nem todos os conflitos desemboquem em guerras, tem de incluir formas de eufemizacéo dos conflites sociais, como dtamatizagao simbélica do que nos esté acontecendo, Por isso, temos teatro, artes plisticas, ci nema, cang6es e esportes. A eufemizagao dos conflitos néo se faz sempre da mesma maneira nem se faz a0 mesmo tempo em todas as classes, Esta vertente da cultura como dramatizagdo eufemizada dos conflizos sociais, como teatro ou representagio, foi trabalhada por Bertole Brecht, Walter Benjamin e outros pensadores. Vé-se relacio- nada com a anterior, com a conformacio do consenso e da hegemo- porque estamos falando de lutas pelo poder, dissimuladas ow encobertas. Dito de outra maneira, as quatro vertentes néo estéo desconectadas. Através de qualquer uma delas, podemos chegar a0 que se pensa que é a cultura. Como tornar comp: estas quatro narvativas distintas? O préprio fato de serem quatro leva.a pensar que néo estamos diante de paradigmas. Szo formas com as quais nos narramos 0 que acontece com a cultura na sociedade. Se fosse sé um problema de natracio, de narratologia, nao seria tio complexo compatibilizé-as. Estamos também diante de conflitos nos modos de conheccr a vida social, como veremos em capitulos préximos. E necessério avancar no tra balho epistemolégico, iniciado por autores jé citados, a fim de ex- plorar como as aproximagées que narram os vinculos da cultura com a sociedade, com o poder, com a economia, com a producéo, poderiam ser conjugadas, articuladas umas com as outras. Substantive ou adjetivo? ‘As mudangas globalizadoras imprimem um iltimo giro a cesta viagem pelas definigdes. A definicio sociossemiética da c a7 48 mapas ‘como processos de produgio, circulagso ¢ consumo da significagéo material ¢ o espititual, entre o econémico ¢ o simbélico, ou o indi- vidual eo coletivo. Desauoriza a ciséo entre camisa e pele e, portanto, as bases ideol6gicas do racismo. Mas esta defini cada sociedade e com pretensécs de validade universal, nfo abarca © que constitui cada cultura pela sua diferenga e intera¢éo com ou- tras. Os processos de globalizacéo exigem transcender o alcance na- ional ou émnico do termo a fim de abarcar as relag6es intercul- turais. Assim, Arjun Appadurai prefere considerar 2 cultura nio ‘como um substantive, como se fosse algum tipo de objeto ou coisa, mas como um adjetivo, Segundo ele, o cultural Facilica fa- lar da culeura como uma dimenséo que se refere a “diferencas, con- trastes e comparagées”, permite pensd-la “menos como uma pro- priedade dos individuos ¢ dos grupos, mais como um recurso heuristico que podemos usar para falar da diferenga” (Appadurai, 1996, p. 12-13). Dito de outro modo: no como uma esséncia ou algo que cada grupo traz em si, mas como “o subconjunto de diferengas que foram sclecionadas ¢ mobilizadas com 0 objet de articular as fronteiras da diferenc2 do, o antropélogo néo seria um especialista em uma ou varias cul- turas, mas sim nas estratégias de diferenciagio que organizam a articulagéo histérica de tragos selecionados em varios grupos para tecer suas interagbes. objeco de estudo muda. Em ver da cultura como sistema ignificados, & maneira de Geertz falaremos do cultural como “o nalidade nas préticas sociais correntes” (Ortnes, 1999, p. 7). Ao ‘comentar esse texto, Alejandro Grimson anota que esta concep¢io do cultural como algo que sucede em zonas de cont A CULTURA EXTRAVIASANAS SUAS DERINIEOES 49 atores se enfrentam, se aliam ou negociam” (Grimson, 2003, p. 71) tanto, como imaginam o que compartilham, Néo se trata de simples “choques” entre culturas (ou entre civilizagdes, no léxico de Huntington), mas de confrontagdes que ocorrem — apesar das dife- rengas que existem, por exemplo, entre ocidentais ¢ islimicos — precisamente porque participam de contextos internacionais co- ‘muns ou convergentes. ‘Ao propormos estudar 0 cultural, abarcamos 0 conjunto de processos através dos quais dois ou mais grupos representam ¢ in- ‘uem imaginariamente 0 social, concebem e gerem as relagdes com ‘outros, ou seja, as diferengas, ordenam sua disperséo e sua incomen- surabilidade mediante uma delimitago que flucua entre a ordem que torna possivel 0 funcionamento da sociedade, as zonas de disputa ocal ¢ global) ¢ os atores que a abrem para 0 possivel Cheguei a esta defini¢éo num livro anterior, A globalizacdo imaginada, quando a andlise de diversas narrativas sobre a globaliza- do me exigia reconceituar os modos substancialistas ou intranacio- nais de conceber a cultura, Quero adiantar aqui as consequéncias teéricas desta nogio do cultural, ou melhor, do intercultural, uma vex que a passagem que estamos registrando a de identidades cul- turais mais ou menos autocontidas para processos de frontago ¢ negociacéo entre sistemas socioculturais Rerornamos assim ao problema que estava no pftulor acultura segundo aqueles que afazem ou a vendem, Devemos considerar no s6 as definigées miiltiplas sobre o cultural dadas pe- Jas ciéncias humanas ¢ sociais, mas também as conceituagdes feitas pelos governos, mercados movimentos sociais. As maneiras pelas quais se estéo reorganizando a produgfo, a circulacéo e os consu- ‘mos dos bens culturais nfo séo simples operagées politicas ou mer- aa tauram modos novos de entender 0 que é 0 cultural ¢ is so seus desempenhos sociais. Emboraa maioria dos cropélogos tenda a: esta tiltima cexapa, a do capitalismo globalizado, para outras disciplinas, penso que treinamento antropolégico para trabalhar com situagées inter- srumentos valiosos para tornar visivel 0 que sucede atual da producéo industrial e da circulagio mas- mensagens cultur culeurais da sob o predomi siva e transnacional dos b tropSlogos que se dedicam as culturas tr: veer a necessidade de reconhecer ~ para dizé-lo com palavras que do o ttulo a um dos livos mais apreiados sobre 0 asuntoy 0 5°? Price propée ocupar-se de “objetos fabricados Guerra Mundial no quadro das tradigdes artisticas que sé entraram nos museus de arte depois desta guerra’; “toda tra- digio artistica posterior & dade Média para a qual as fichas dos mu- seus no dio o nome do artista autor dos objetos expostos” ou “dio 10 dados de ctiasio dos objetos expostos em séculos ¢ nfo em anos”; “a arte dos povos cujas linguas maternas nao séo ensinadas nas uni- versidades num curso legitimado por diplomas’; ¢ “toda tradigio artistica na qual o valor mercantil de um objeto ¢ auromaticamente ultiplicado por dez ou mais vezes, desde que esse objeto seja desta sm para ser exportado” (Price, ica que esses esforgos para 40 implicam, além de cado do seu contexto cultural de 1995, p. 19). No entanto, a autora precisat 0s ctitérios objetivos de de estudiosos, museus ¢ marchands, os dispositivos académicos que lizagio das culturas antigas na complexa trama da interculturalida- de contemporinea. Tal como “os afticanos capturados e deportados para paises distances na época do comércio de escravos" os objetos de outras” sociedades foram “apreendidos, transformados em merca- dotia, esvaziados da sua significacio social, recolocados em novos A CULTURA EXTRAVIADA NAS EUAS DEFINIGSES contextos ¢ reconceituados para responder a necessidades econdmi- cas, culturais, politicas ¢ ideolégicas dos membros das sociedades discantes" (ibid, p. 22). Essas operagies de reconceituasio também tém se aplicado a bens culeurais modernos, como as antes chamadas belas-artes ¢ a5 obras de vanguardas recentes. A necessidade de redefinir a arte a cultura tomna-se mais clara ao identificar as mudangas de atores que geram as conceicuagbes ¢ as valorizagées do cultural, Perderam tas sociais e também os especialistas de insti- A queda do investimento e da capacidade regulatéria dos Estados. As politicas govername: concertos, teatro), enquanto as artes ¢ as formas exp: querem altos investimentos idem em puiblicos de massa (cine- ‘ma, televisdo, miisicae especculos que atraem multidées) ficam sob a légica do rating. © consequente predominio do mercantil sobre © estético, sobre os valores simbélicos ¢ a representacéo identitéria implica redefinicées daquilo que se entende por cultura ¢ do seu lugar na sociedade. Se bem que o crescimento das empresas seja decisivo, também a reorganizagéo empresarial das inst pliblicas ~ museus, salas de concerto ~, que deixam de ser servicos socioculturais ¢ se tornam atividades autofinanciéveis e lucrativas, obrigadas a buscar mais clientes do que leitores e espectadores, con- tribui para a mudanga de sentido da produgio ¢ da apreciacio da culeura, Para perceber 0 deslocamento ocorrido, durante os cinquenta anos, na nogéo € no lugar social do cultural, convém con- rar 0 que acontecia quando o desenvolvimento da modernidade “ilustrada’ caracterizava a cultura como um bem desejével para to- dos, que devia ser difiundido amplamente, explicado e tornado aces- sm contraste com a concepgio ne tum conjunto opcional de bens adqui: no ter acesso. ‘imos iberal, que a situa como is, aos quais se pode ou 32 Nao vamos ocultar as semethancas entre as nogées de cultura em todas as etapas do capitalismo. Dentro desse modo de produsio, uma grande parte dos bens simbélicos sempre foi considerada co- ‘mo mercadotia, suas expresses mais valorizadas tiveram sentido suntudtio € 0s comportamentos culturais operaram como procedi- ‘mentos para diferenciar e distinguir, incluir e excluir. Nao obstance, no projeto da primeira modernidade, sobretudo a partir da inflexio que o saber antropolégico Ihe imprimiu, ¢ com a valorizagio da arte ¢ da cultura na formagio das nagées, atribuiu-se valor cultural 4 produgéo simbélica de todas as sociedades. Pretendeu-se que ~ através da educagéo e, em seguida, dos meios de comunicagio - as manifestagées julgadas mais valiosas fossem conhecidas com- preendidas por todas as sociedades e todos os setores. Estou descrevendo o projeto da modernidade ilustrada. Sa- bemos que sua realizagéo foi bastante deficiente, como mostram as. investigag6es sobre 0 acesso desigual & escola ¢ 0 desempenho hete- rogéneo das diferentes classes, sobre os dispositivos de segmentacéo ou excluséo do piblico nos museus, nos teatros, nas salas de concer to € nos meios de comunicagio de massas. Se aqui evoco 0 pro- jeto inclusivo da modemnidade inicial, nfo € porque esquega a parcialidade das suas conquistas, mas sim para contrasté-lo com a etapa em que essa utopia se evapora. Este livro estd organizado a partir da hipétese de que os luga- res atuais do cultural oscilam entre sua concepgio social ¢ universal ampliada na primeira modernidade e, a0 mesmo tempo, as exigéncias ‘mercantis impostas nos tiltimos anos. Dizer que @ reducio do culeu- ral ao mercado ¢ & sua globalizagio neoliberal condiciona todas as relag6es interculturais induz hoje a renovados esterestipos de univer- salizagio inconsistente. Por um lado, a conjectura de que a globaliza~ to da ordem mercansl e dos avangos tecnolégices vai homogencizat © ‘mundo, encurtando as diferengas ¢ as distincias. Talvez a ideologia la das empresas transnacionais e do seu predo- ‘minio tecnol6gico-econdmico, assim como as ilus6es, nutridas pelos neoimpetialismos (Estados Unidos + Otan), de disciplinar politica- mente sem levar a sério as diferencas culeurais Sejam as expresses misticas — ¢ com eficdcia supostamente maior — desse ultimo universalismo. Os movimentos antiglobalizapéo sio, frequentemente, 0 avesso simétrico daquelas fantasias. Diante da globalizaséo neoliberal, a ideologia absoluta de um “outro mundo”: ecologistas, anticapitalistas, indigenas das mais variadas culturas, ou aqueles que proclamam de modos muito distintos sua diversidade sexual, jovens excluidos dos mercados de trabalho junto com os desfavorecidos nos mercados de consumo, e muitos mais, esquecem temporariamente suas dife- rencas ou acreditam que estas diferencas séo precisamente 0 que pode uni-los para reviver utopias de alteridade total. Se bem que esta soma de minorias tenha acumulado forgas a ponto de pertur- bar reuniées e rituais dos globalizadores neoliberais, de Seattle até Caneiin, mais do que resolver pée em evidéncia as dificuldades que persistem quando se quer articular diferengas,desigualdades, proce- dimentos de inclusdo-exclusio e as formas atuais de explorapto, Os capi los quese seguem, nesta primeira parte do livro, con- sideram como poderiam combinar-se no presente esses recursos gualdades, a inclusto-exclusio e os dispositives de exploragio em processos interculturais. Na segunda parte, dedico capitulos especiais para observar como operam esses quatro movimentos de organizacio-desorgani- zasio da interculturalidade em diferentes escalas. O que significam pa- +2 05 latino-americanos, para o cinema falado em espanhol, para os, jovens, para aqueles que aspiram a participar das redes informéticas ¢ da sociedade do conhecimento? Esse tratamento particulatizado das principais perguntas da interculturalidade e da globalizacéo busca especificar algumas das condigées que agora possi dificultam a universalizagio das culturas e suas diferengas, 53

You might also like