Políticas públicas sobre drogas: Importar ou exportar, remeter,
preparar, produzir, fabricar, adquirir,
descriminalizar ou vender, expor à venda ou oferecer, despenalizar, que diferença faz? fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, Pensamos demasiadamente ministrar ou entregar, de qualquer Sentimos muito pouco forma, a consumo substância Necessitamos mais de humildade entorpecente ou que determine Que de máquinas. dependência física ou psíquica, sem Mais de bondade e ternura autorização ou em desacordo com Que de inteligência. Sem isso, determinação legal ou regulamentar; A vida se tornará violenta e (Art. 12, Cap. III). Tudo se perderá. Charles Chaplin Embora a lei 11.346/2006 tenha acompanhado a vertente estadunidense de A lei em vigor sobre drogas no uma política rígida, os legisladores Brasil é a 11.346/2006, produzida no conseguiram certo avanço em relação a lei governo Lula, dentre as alterações anterior quanto ao tema da aplicação das significativas que a diferencia das duas penas aos usuários e dependentes de anteriores (a 6.386/1976 e a lei drogas ilícitas. A lei 10.409/2002 teve uma 10.409/2002, criada no fim do governo de grande quantidade de veto por parte do FHC), estão os artigos do capítulo III, do ministério da justiça, o governo FHC vetou título III, que trata das atividades de quase 70% (dos 59 artigos presentes no prevenção do uso indevido atenção e texto original 35 foram vetados) do projeto reinserção social dos usuários e aprovado na câmara. O texto teve, por dependentes de drogas. O referente exemplo, todo o capítulo III vetado, sob a capítulo inicia-se com a descrição das alegação de que tal capítulo: possíveis penas a serem aplicadas a quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, ...resulta na incapacidade de o transportar ou trouxer consigo, para sistema legal proposto substituir consumo pessoal, drogas sem autorização plenamente a Lei no 6.368, de 21 de ou em desacordo com determinação legal outubro de 1976, que "Dispõe sobre ou regulamentar...” (art. 27). O artigo 28 medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de prevê várias “penas” para o “consumidor substâncias entorpecentes ou que de substâncias ilegais” flagrado nas determinem dependência física ou situações já citadas no artigo 27, que psíquica, e dá outras providências. seriam: I - advertência sobre os efeitos das (Diário Oficial da União - Seção 1 - drogas; II - prestação de serviços à 14/01/2002 , Página 6 - Veto) comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso Desta forma a lei 10.409/2002 da educativo, além de multas. era FHC não trouxe quaisquer alterações no que diz respeito a questão da A lei 6.386/1976 que se manteve criminalização e penalização do uso e em vigor por 22 longos anos, até a criação porte para consumo pessoal de drogas. da lei 10.409/2002 no governo de FHC, Apesar de como muito bem salientou previa em seu artigo 12º, pena de 3 a 15 MAIEROVITCH (2004), a partir de 1984 anos de reclusão para quem: com as mudanças no código penal, foi possível que os juízes substituíssem a pena de prisão contemplada na lei, por multas. (...) o que houve foi, sim, uma Além do mais o surgimento dos juizados descriminalização formal e, ao criminais especiais federais, contribuíram mesmo tempo, uma despenalização. para a não imposição da prisão.1 Primeiro, acabou-se com o caráter criminoso do fato e, em seguida, evitou-se a pena de prisão para o Neste sentido, o mérito da lei usuário de drogas. (PLS – Projeto de 11.346/2006 é exatamente alterar o texto Lei do Senado Nº 227 de 2009). de 1976, tarefa que o governo de FHC recusou a fazê-la. A nova lei “antidrogas”, No projeto do Senador Gerson como ficou conhecida na época, revogou Camata a alteração proposta seria incluir tanto a lei de 6.386/1976, quanto a lei de no texto do art.28 da lei em questão, pena 10.409/2002. Para alguns foi um avanço de detenção de 6 meses a 1 ano, para as significativo, o novo texto daria mais poder situações previstas e descritas no art.28 as políticas de redução de danos e a justiça podendo o juiz substituir a pena restritiva terapêutica. Usuários e dependentes não dos direitos por prestação de serviços. O irão mais dividir uma cela com vários tipos Senador Camata utiliza como argumento de criminosos, mas sofrerão penas que para endurecer a lei contra usuários e incluem a prestação de serviços dependentes uma sucessão de pesquisas comunitários e tratamento compulsório. realizadas por órgãos oficiais dos EUA, Canadá e os relatórios do UNODC Não há, no entanto, consenso no (Escritório das Nações Unidas sobre que tange a positividade e avanço da lei Drogas e Crimes), tais pesquisas 11.346/2006, para alguns especialistas a lei considerariam, na visão do político que o “antidrogas” do governo Lula, manteve a usuário é “o ponto nevrálgico de toda criminalização do uso e do porte para engenharia social que leva do tráfico a consumo pessoal. Isto porque tanto o porte queda da riqueza do país.” quanto o uso continuam sendo crimes, apenas o usuário e dependente não mais A posição que procura colocar o serão punidos com reclusão. Logo a usuário como mantenedor do sistema do mudança, diferente de países como tráfico ilegal é compartilhado entre alguns, Portugal, onde o uso e o porte foram um exemplo é o publicitário João Blota, descriminalizados, sendo o portador ou autor do livro “Noia” e que apesar de ter usuário um infrator e não um criminoso, no sido usuário de drogas, sustenta a posição caso brasileiro, o que ocorreu foi uma de que o usuário deve ser o “foco do despenalização e não uma sistema de repressão.” Há, no entanto, descriminalização. posições semelhantes, isto é, que entendem o usuário como o “motor” do sistema, mas A mudança da lei, todavia, não está tendo como foco a prevenção e não a assegurada como definitiva, visto que repressão, a Suécia é um exemplo deste tramita no senado federal desde 2009 o tipo de posicionamento. O uso e posse de projeto de lei nº 227 de autoria do Senador drogas na Suécia são criminalizados, Gerson Camata, cujo objetivo é alterar o contudo, a pena para tal crime passa por art. 28 da lei 11.343/2006. Sob a alegação multas e integração em programas de de que o referido artigo reside um tratamento, ou seja, não há a intenção de equivoco legal, o projeto justifica-se por criminalizar o usuário apenas o uso de procurar corrigir tal equivoco já que na drogas. opinião do autor: Segundo o Senador Gerson Camata seu projeto não pretende modificar o status 1 Folha de São Paulo, 21 de Fevereiro de legal atual que privilegia o serviço 2004. comunitário em detrimento da detenção, “delitos relacionados ao uso de drogas” e mas assegurar o rigor da medida punitiva encontram-se desassistidos de proteção conforme o que estabelece o código penal. social. Falta ternura e brandura por parte Para LARANJEIRA (2010), nem a do aparelho estatal, este trata a violência descriminalização nem a despenalização com violência, os resultados são os piores resultam em vantagens sociais, visto que possíveis. ambas as medidas deixam intactas o submundo do tráfico e, por conseguinte suas relações, por outro lado, tais políticas também não provocam aumento do Jonatas C. de Carvalho é formado em consumo.2 Caberia então uma pergunta: quais das duas políticas são mais história e é presidente do Conselho de interessantes do ponto de vista do Políticas Públicas Sobre Drogas em Cabo benefício social? Frio.
Se o debate sobre a legalização
ainda encontra uma resistência nos núcleos políticos, sobretudo, naqueles mais conservadores, a descriminalização já é vista com mais tolerância, por outro lado, as medidas repressivas já se demonstraram ineficazes do ponto de vista social. A despenalização, neste sentido, é percebida como um meio de reduzir os efeitos da criminalização, ou seja, mantém criminalizado o uso e porte para consumo pessoal, mas não se criminaliza o usuário/portador.
Se a despenalização pode ser
considerada como um avanço nas políticas sobre drogas no Brasil, os motivos para tal percepção podem ser explicados a dois fatores, um deles seria o entendimento de que a questão das drogas é uma questão de saúde pública e não uma questão puramente criminal. Outro fator pode ser explicado pela tentativa de reduzir a população carcerária no país. A despenalização surge como uma alternativa perspicaz, embora seus efeitos só sejam percebidos entre as classes mais privilegiadas, pois os usuários que vivem nos morros e nas ruas das periferias continuam sendo tratados como “marginais” e “desocupados”, são espancados quando flagrados portando ou consumindo drogas, são encarcerados por 2 Laranjeira. R. Ciência e Saúde Coletiva. Vol.15 nº3 Rio de Janeiro, Maio de 2010.