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- Prefacio -

Grifo Dedos-Verdes inclinou a cabeça pra cima, enquanto fechava os olhos verdes por causa da
forte luz que agora, teimava em agredi-los.
Sentado embaixo daquela enorme e solitária arvore, no campo aberto que ficava ao fundo da
taverna Javali Molhado ("A melhor sopa de costela do reino!") por mais de uma hora, já não era tão
incomum que seus olhos estivessem tão pesados.
Eram tempos calmos para o reino ultimamente. Calmos demais.
Sem guerras, sem facções, sem mercenários, sem Dragões, sem ogros, sem... aventuras.
Dizem que a meta final de um herói, é ser um dia não mais necessário. Quando não existe mais o
mal, pra que serve um herói, afinal?
Mas esse não era o caso de um bardo, como Grifo. Suas historias, todas verídicas e comprovadas
por antigos (e agora, aposentados) heróis que se regojizavam na Taverna após cada vitoriosa
batalha, haviam acabado. E o que é um Bardo sem historias? Ora, um herói sem o mal!
E, acredite, as historias de Grifo não eram poucas. Sua fama no reino era grande ao ponto dele ser o
bardo mais requisitado por heróis de 16 a 30 anos, para expedições e aventuras! Até trovar para o
Rei em pessoa, foi dito que ele já o fez!

Mas tudo isso é gloria de um passado não tão distante, e hoje, Grifo inclina sua cabeça e vê a
corrida das nuvens, concorrendo qual chegara primeiro ao lugar nenhum.
Pensativo, ele agarra uma mão a um velho livro que estava ao seu lado.
Seu velho alaude, descansava em seu colo, como já o fazia a algum tempo. Era como uma espada,
enferrujando em um bau velho por não ter onde ser usada. Inclusive, uma famosa expressão da
taverna era "Essa espada esta tão afiada quanto a linguá do bardo!".
Quem em sã consciência, imaginaria que os tempos de paz trariam tristeza para alguém?

Podia ser egoismo, mas Grifo nunca foi conhecido por ser tão bondoso assim. E trabalhar para a
taverna era muito menos emocionante do que acompanhar batalhas, encantar bestas, cantar para
reis e enfrentar ogros.
Grifo Dedos-Verdes, o bardo desempregado.
Os guerreiros acharam trabalho facilmente em fazendas e lavouras do reino. Os bem sucedidos
ainda tinham muito ouro de tesouros para gastar. Os não tão bem sucedidos assim, trabalhavam para
esses.
Os magos e feiticeiros se dividiam entre professores, gurus, sábios e animadores de festa. Sim,
Grifo ainda tinha que dividir seu quase nulo trabalho com magos, que tiravam todo tipo de animal
imaginável de um minusculo chapéu. E quem vai querer escutar um velho alaude, quando pode ver
um velho de 80 anos soltando bolas de fogo pelos dedos?
Os ladrões, saqueadores de tumbas e caçadores de tesouro eram os mais bem sucedidos. Enquanto
as pessoas ainda morrerem, sempre existirão tumbas para serem saqueadas.

Mas o bardo... ah, o bardo. Suas opções eram Peças teatrais, recontar historias antigas, ou mendigar.

Grifo Dedos-Verdes se tornou orgulhoso o bastante, após anos de sucesso, para não atuar em peças.
Dizia ele "Não me rebaixarei ao nível desses bardos iniciantes..." - tirando seus cabelos negros dos
olhos. - "Eu não atuo em peças... eu atuo em batalhas reais!".
Recontar historias antigas estava fora de cogitação. Ele era conhecido por nunca ter contado uma
mesma historia duas vezes. Inclusive, muitos não sabem qual foi a canção que ele trovou ao Rei,
devido a isso.
E mendigar? Bem, acredito que devido aos comentários anteriores, nada precise ser dito quanto a
isso.

Mas Grifo tinha vários atributos que o ajudaram muito em sua carreira de sucesso.
Primeiramente, era difícil de negar que ele é um rapaz charmoso e tem uma bela aparência. Sem
contar seu inegável talento com o Alaude (e a harpa, o violino, o violão, o piano, o tambor, o
tamborim, a flauta e a ocarina).
Mas o maior defeito de Grifo, era seu orgulho. Era do tipo de homem que o sucesso sobe a cabeça.
E pior do que um bardo sem trabalho, é um bardo orgulhoso sem trabalho.
Os anos de Grifo pelo reino lhe concederam outras habilidades interessantes, como a culinária. E
bem, digamos que se não fosse essa habilidade em especial, ele estaria hoje atuando em peças. Ou
repetindo historias. Ou mendigando.
Ele era o cozinheiro do Javali Molhado. Sim, era embaraçante e vergonhoso, em sua concepção.
Mas era melhor que atuar em peças... ou, você sabe mais o que.
E hoje, pouca gente se importava com o antes, conhecido em todo o Reino, Grifo Dedos-Verdes.

Mas imagine que, ele pudesse voltar a sua gloria do passado e, em todo seu esplendor, cantar não só
para um Rei, mas para todos os reinos.
Bem, digo a você, que Grifo tinha exatamente essa chance em mãos. Mais especificamente,
embaixo de sua mão direita. No enorme e velho livro, já citado.
Tempos desesperados pedem medidas desesperadas.
Liberar um grande mal no Reino, só para ter trabalho e gloria novamente, não é tão ruim, certo?
Pegando o grande livro nas mãos, e passando seus atentos olhos por ele, com um irônico sorriso nos
lábios Grifo pensa que sim.

Afinal, o que são os heróis sem o mal? Ora, um bardo sem historias! E esse bardo, precisava
desesperadamente de uma.
1
- O Alaúde -

A humilde taverna Javali Molhado, estava cheia nessa noite.


Pessoas bebiam e comiam, ao som de uma animada historia, que era contada por um jovem, que
aparentava não mais do que seus 25 anos. Ele tinha os cabelos negros, que se mexiam em sua
cabeça ate a altura de seus ombros, parcialmente escondidos por um chapéu coco verde. Seus olhos
eram grandes, redondos e verdes, e passavam mais personalidade do que rostos inteiros. Suas
roupas, esverdeadas com tons dourados aqui e ali, pareciam caras e confortáveis. E um cachecol
vermelho, protegia seu pescoço naquela noite fria, apesar de todo o calor humano dentro daquela
taverna.
E a historia do jovem, seguia assim.

"5 dias haviam se passado desde a ultima batalha.


Estávamos abrigados na pequena aldeia de Somik, ao sul do reino. Acreditem, meus amigos,
quando digo a vocês que nunca presenciei um silencio tão ensurdecedor quanto aquele.
Era já de consciência de todos que estavam la, atras da porta daquela pequena cabana, que estava
chegando a hora da tão temida invasão. O povo da vila se refugiou entre trancas e cadeados, na
prisão da vila e cabia a nós, 4 homens, o destino daquele povo.

E foi no meio de tanto silencio naquele mar de escuridão, que Perutio, o Caçador, escutou o
primeiro grunhido que vinha ao longe. Suas mãos, tão ágeis quanto o ataque de um lobo, foram ate
sua aljava e com igual graça, uma flecha ele retirou e deixou a postos em seu arco.
Benin, o gigante de aço, vendo a ação rápida de Perutio se colocou a seu lado, colocando
bravamente o ouvido a porta. "São ao menos 2..." disse ele com sua voz, que ouso dizer, me
amedrontava tanto quanto o que nos esperava la fora. "...E estão chegando mais" ele terminou,
levando a mão ao cabo de sua espada.
Foi quando de trás dos dois heróis, surgiu em toda sua altividade, Tchad, o Magnifico. "Muitos
mais..." disse ele, com sua voz rouca e que emanava sapiência. "Mas nada que não tenhamos visto
antes" e então, abriu um grimório, sussurrando baixo algumas palavras.
Me senti um pequeno Gnomo, perto de tão poderosas lendas ao meu lado. E quando finalmente
disse algo, foi apenas "Se nos engolirem, que o façam de uma vez".

Seguido dessa infame frase (e agora percebo isso...), Benin colocou a porta abaixo com um certeiro
chute. A porta, um pedaço velho de madeira protegida por uma trinca enferrujada, não teve vez.
Peço a vocês, que prestem bastante atenção no que irei contar agora. Peço a todos aqui presente,
que tem coração fraco ou se impressionam facilmente, que saiam do recinto.
O que vou relatar agora, é a maior demência que já vi, em todos esses anos como um Bardo.

Centenas de mortos-vivos, rodeavam a Aldeia de Somik. Eram criaturas grotescas, compostas de


carniça e membros faltando. O cheiro era forte como o de um cemitério ao céu aberto e queimava
nossos pulmões. Os grunhidos, que fariam as pernas do mais poderoso mercenário tremer como
arvores ao vento, enchiam nossos ouvidos de duvida e temor.
Mas estávamos ali para fazer um serviço. E faríamos isso, ou sairíamos de la mortos..."

A Taverna estava lotada. O Bardo Grifo Dedos-Verdes e seus três companheiros dessa ultima
aventura, haviam chegado a algum tempo da batalha supracitada. Todos acompanhavam a narrativa
do bardo, que era seguida de dedilhadas gentis ao seu Alaude, com emoção e extrema atenção.
Perutio, o caçador, lustrava seu belo arco em uma mesa ao lado de Grifo. Ele era um homem alto e
esguio, e chamava muita atenção por isso. Suas roupas, em sua maioria de tonalidade verde,
passavam um ar florestal muito grande. Ele era conhecido em toda o Reino de Ertra como um dos
maiores caçadores e domadores de todos os tempos.
Ao seu lado, estava Benin, também conhecido como o gigante de aço. Ele era um guerreiro
extremamente grande e forte. Sua pele era negra, e seu rosto demonstrava uma rara serenidade para
quem voltara de uma batalha tão tensa. Convenha-se talvez dizer, que ele tinha que prestar um
pouco mais de atenção do que os outros, por causa de uma ou outra palavra difícil.
Esse já não era o caso de Tchad, o magnifico. E ele realmente era magnifico. Um dos únicos
feiticeiros capaz de se transmutar, era muitas vezes convocado pelo rei Natan em pessoa, para
conselhos reais. Era também, em tempos de paz, o Grã Mestre do circulo de sábios do reino. Sua
bata era longa e brilhante, e apesar de aparentar bastante idade, Tchad tinha uma jovialidade em
suas ações invejada por muitos.
Com um grupo tão raro e especial de convidados, não era a toa que a humilde taverna Javali
Molhado estivesse lotada de atenciosos admiradores.
Porem, foi surpresa quando toda essa atenção foi quebrada por uma pergunta.

- Com licença, mas... - Disse um garoto ruivo, que estava sentado no fundo da taverna.- Como
vocês sairiam de la... mortos?

- Como é? - perguntou Grifo de volta ao garoto, surpreso por ter sido interrompido no meio de uma
historia. Isso não costumava acontecer muito.

- Como vocês sairiam de la "mortos"? - E o garoto colocou uma forte entonação no "mortos" - Eles
eram ... magos das trevas ou algo assim? Vocês se levantariam dos mortos? - Perguntou o garoto,
aparentando um genuíno ar de duvida.
Benin soltou uma rápida gargalhada, por essa ultima parte da pergunta (O que não agradou o
jovem).

- Não, eles não eram "magos das trevas". - Respondeu Grifo, enquanto bufava por ter perdido o
ritmo de sua historia. - E por favor, sem interrupções! Continuando...

Grifo voltou a gesticular, como se imitasse o gesto de cada um e o que faziam.

"...Assim que Benin derrubou a porta aos nossos pés, Perutio alvejou o máximo de Mortos Vivos
que pode com suas flechas. A cena era realmente impressionante, enquanto eles continuavam a se
rastejar com as flechas presas no corpo.
"Mire na cabeça!!" Gritou Tchad, apontando para um dos Mortos Vivos, enquanto folheava seu
velho Grimório "O ponto fraco deles é o cérebro!".
E assim fomos abrindo caminho entre aquelas criaturas vis, procurando a fonte de todo aquele
mal.
Eu, apenas um bardo sem grandes habilidades de luta, modéstia a parte - E essa parte, Grifo disse
com um sorriso irônico nos lábios - seguia-os como podia, a fim de testemunhar esses grandes
heróis do nosso tempo fazendo historia!
O sangue e pedaços podres já impregnavam nossas roupas, até que Perutio avistou ao longe um
estranho ser, em seu cavalo esqueletal.
"Pelo Único!!! O Grande Liche!" sussurrou ele. Se eu não conhecesse o Caçador, diria que ate
mesmo ele sentiu um pouco de medo naquele momento.
Avançamos com todas nossas forças, derrotando cada um dos mortos que andavam, decepando
suas cabeças, caminhando sobre seus destroços, ate ficarmos de cara com aquela nefasta criatura!
E foi então amigos, que ao ver os 4 a sua frente, o assim chamado de Grande Liche, desceu de seu
cavalo esqueletal.
Estávamos exaustos, e a visão bizarra daquela criatura em nossa frente não ajudou. Era um
homem de aparência esqueletal, vestido em trajes negros e com olhos que mais pareciam saídos de
uma besta vinda diretamente do submundo!
O Grande Liche, senhor dos mortos, abriu sua boca podre, da qual ate vermes poderiam ser vistos
e foi então que ele disse..."

Grifo, a essa altura já em cima da mesa, parou enquanto apontava seu dedo para todos os presentes,
com um ar tão nefasto quanto o próprio "senhor dos mortos" em sua face. Todos ali, inclusive os
presentes na historia, mal se aguentavam de excitação, para ouvir o que iria dizer o tão temível
Grande Liche, segundo Grifo.
Foi então, que ele abriu um sorriso irônico, sua marca registrada.

- ...Que voltem amanhã, para escutar a emocionante conclusão da aventura que tivemos em Somik!
- Ele então se curvou, ao som de grunhidos decepcionados, misturado a risadas dos que já
conheciam os métodos do Bardo. Grifo então jogou seu chapéu verde para os presentes, dizendo: -
E experimentem a sopa de costela! Moedas para o bardo no chapéu!

A Taverna foi lentamente se esvaziando, momentos após a (quase) conclusão da historia de Grifo.
Ele e seus três companheiros, se retiraram para uma sala ao fundo da taverna, logo após o bardo
pegar de volta seu chapéu, que agora continha uma pequena fortuna em moedas de ouro junto a ele.
Os 4 foram acompanhados atentamente pelos olhos do jovem ruivo, que havia interrompido o bardo
anteriormente.
Ao chegar na pequena sala aos fundos, ele se afundou em uma confortável poltrona, começando a
contar suas moedas uma a uma.
Os outros três ficaram calados por alguns instantes, até que Perutio resolveu tomar partido na
conversa.

- Você foi muito bem, Grifo, muito bem mesmo. Não sei de onde um cozinheiro tira tantas historias.
- Disse ele com um sorriso, seguindo calmamente na direção do Bardo. Benin balançava a cabeça
positivamente, enquanto Perutio falava. - Mas, precisamos ter certeza que você não...fale demais. -
O Caçador parecia ter muito cuidado nas palavras que usava.

- Ora, Perutio, pelo amor do Único... relaxe um pouco... - Disse Grifo debochadamente,
derramando as moedas do chapéu para uma pequena bolsa de couro. - Sou um Grifo, não um
papagaio, há! - Benin soltou então outra curta gargalhada das palavras do bardo, levando quase
instantaneamente um discreto cutucão de Tchad.

- Escute, Grifo... - Perutio então se sentou ao lado de Grifo e suspirou profundamente. - Nós
sabemos como você faz bem seu trabalho e também como precisamos ficar bem aos olhos do povo.
Nós temos trabalho, você tem trabalho como nosso guia, e assim a vida segue e todos ganhamos
nossas moedas e fama no final do ciclo, certo? - Perutio então bateu no ombro de Grifo, que já não
parecia tão animado assim. - Mas, caso você abra o bico sobre o porque estávamos atras do Grande
Liche... bem... - Perutio então se levantou e deu um gentil sorriso para o bardo - ...você é um rapaz
esperto, acho que não quer que seus admiradores saibam que você, hoje em dia, não passa de um
cozinheiro, certo? - A frase foi seguida pelo balançar negativo de cabeça de um já longe do animado
bardo que contava a historia.
Perutio então chegou ainda mais perto de Grifo, e sussurrou - E nunca mais diga, em uma de suas
mentirinhas infantis, que eu senti medo de algo.

Os três então se curvaram em comprimento a Grifo e se retiraram da sala com um confuso Benin
perguntando a Perutio o que ele quis dizer com aquilo.

Grifo colocou seu saco de moedas na escrivaninha que estava a sua frente, e levou uma mão a testa
enrugada de preocupação. Mal teve tempo de ensaiar um suspiro, quando a porta que foi fechada
pelo trio que acabara de sair, foi requisitada novamente.
Grifo pediu, desanimadamente, que a pessoa se apresentasse. Entrou na sala então, já se curvando e
com mil pedidos de licença, o jovem ruivo que interrompera a historia.
O vendo mais de perto, o bardo pode notar alguns outros detalhes. Era um jovem que aparentava 16
anos, ou pouco mais. Era magro e esguio, lembrando um pouco Tchad em físico Suas roupas eram
escuras e largas, humildes, quase pobres. Uma longa capa vermelha estava presa aos seus ombros e,
presa a capa, um capuz também vermelho. Sardas cobriam o nariz fino e pontudo do jovem, e seus
olhos eram grandes e alerta.

- Senhor Grifo! - Se embrenhou o garoto para frente do bardo, quase arrancando sua mão para
conseguir um comprimento. Ele balançava a mão do bardo enquanto falava animadamente.- Meu
nome é Eric, Eric Zatan! Sou um grande admirador do senhor, existem muitas historias suas em
minha vila, la ao leste, sabia que deveria procurar você. - Continuou o garoto, enquanto balançava a
mão do bardo.

- Desculpe garoto, mas não posso contar historias agora, tenho outros compromissos e... - Disse
Grifo, puxando a mão com uma certa rudez e se levantando para levar Eric ate a porta. - ...Se puder
voltar amanhã saberá o final da historia. E tente não me interromper de novo!

- Acho que não entendeu, Senhor Dedos-Verdes. - Disse Eric prendendo o pé no chão, enquanto
tirava rapidamente um saco de moedas de sua velha bolsa. - Eu tenho um serviço para o senhor!

Grifo então parou por um segundo, como se mentalmente contasse quantas moedas de ouro
caberiam naquele pequeno saco de couro. Parecia o bastante.

– Porque não se senta? Disse o bardo apontando a poltrona que estava sentado, mudando sua
voz para um tom muito mais cordial e abrindo um longo e irônico sorriso.
2
– O Grimório -

Há tempos atrás.

Ao leste da capital do reino de Ertra, era comum a concentração de Vilas ligadas a religião. Grande
concentrações de Cultos ao Único eram encontrados no local.
Uma dessas vilas, uma das mais antigas da região, era a vila de Kitai.
A vila era extremamente ligada a Cultos ao Único,a divindade maior. Os habitantes da vila de Kitai,
eram incentivados a pensar desde o nascimento que qualquer manifestação de magia, é um insulto
ao Único, e deve ser punida com expulsão da vila e, em casos extremos, até mesmo a execução
sumaria do arcano. A manifestação era tratada como uma doença chamada “Arcania”.

Kitai é uma vila muito rica, vivendo através de pagamentos, doações e até sacrifícios de seus fieis.
Toda o Culto ao único é liderado por um homem, conhecido como Yaman.
Sumo Sacerdote do Culto ao Único, Yaman é um homem baixo e levemente acima do peso. Uma
coroa de cabelos longos e brancos residem em volta de sua lustrosa careca. Seus olhos são caídos e
castanhos, e se seguram acima de uma forte e roxa olheira. Belas vestes, com nítidos fios de ouro se
entrelaçam entre suas vestes, assim como inúmeros anéis, correntes, brincos e pendantes.
O Sumo Sacerdote era conhecido entre outras vilas como um dos homens mais ricos do reino,
abaixo apenas da família real e outros nobres. E ele devia toda essa fortuna, ao Único.
Na enorme Catedral central da cidade de Kitai, estava o Sumo Sacerdote Yaman, presidindo uma
sessão que decidiria o destino de um jovem que havia manifestado Arcania.
Seu nome era Eric Zatan.

Quando uma criança manifestava Arcania, ou também chamada de “magia”, por conta própria, uma
cúpula na cidade era formada analisando o histórico familiar da mesma, e qual seria seu destino.
Caso a criança possuísse um histórico familiar de respeitados cidadãos de fé, a criança era exilada e
deixada a própria sorte em alguma outra vila da região.
Já se a criança que manifestou o Arcania fosse de uma família não seguidora de fé, ou de uma
família pobre, um “exorcismo” era tentado. Caso o mesmo falhasse, e a criança ainda manifestasse
resíduos de Arcania, a mesma era usada como sacrifício para o Único.

Eric era de uma família de nobres de Kitai. A família Zatan sempre foi formada por grandes
Sacerdotes e Sacerdotisas da historia da cidade. Cécil e Helena Zatan, pais de Eric, são parte da alta
cúpula de Sacerdotes do Culto ao Único. Cécil é um homem de longos cabelos ruivos, e vestes e
atitudes parecidas com as de Yaman. Era considerado um braço-direito do mesmo e via a “doença”
de seu filho como uma provação do Único a ele. Já Helena, apesar de na maioria das vezes cega
pelo Culto, tentava de todos os modos fazer com que o filho não manifestasse mais sintomas de
Arcania. Era uma mulher de estatura normal, muito bela, aparentando 35 anos e de curtos cabelos
loiros. Seus olhos castanhos são muito parecidos com os de Eric.
Desde pequeno, Eric foi educado nas artes sacras da igreja. Na sessão com seu julgamento,Eric
escutava com suas mãos presas a frente do corpo, enquanto um Clérigo não tão mais velho que ele,
fazia um resumo de vida e poderes dele aos demais presentes.

– Eric Cécil Zatan. Filho único dos, honrados sejam pelo Único, Santíssimos Cécil Zatan e sua
esposa, Helena Zatan. - O jovem Clérigo lia tudo em um enorme relatório, com a voz alta o
suficiente para que todos os escutassem. - Manifestou Arcania, pela primeira vez aos 8 anos.
Foi trazido imediatamente pelo seu pai para exames adicionais, onde a Arcania foi
identificada e um primeiro tratamento foi feito.

O jovem Clérigo não especificou do como era o tratamento dado aqueles que apresentavam
Arcania, e nem precisava, já que todos ali sabiam muito bem.
O termo “Arcania” foi criado exatamente em Kitai, há muitos anos. É considerado pelos seguidores
do Único como uma doença, diferente do povo de Druk-Yul, que acredita que a Magia (Eles
acreditam, alias, que o termo Arcania é extremamente pejorativo) é uma manifestação natural de
humanos especiais. Druk-Yul é a capital Magica de Ertra.

– Após reações positivas ao tratamento, o jovem Eric passou 7 meses sem apresentar nenhuma
manifestação de Arcania, até que, bem... - O clérigo levou o papel mais perto da face e
começou a citar o que estava escrito - “...Levitou coisas pela cozinha, como garrafas e ate
facas, colocando a vida de todos a sua volta em extremo perigo. Colocou também fogo,
usando apenas o pensamento, em cortinas e tapetes valiosos.”
Um segundo tratamento foi ministrado – Continuou o clérigo – Esse resultando em maiores
resultados. Dos 9 aos 15 anos, Eric Zatan não manifestou nenhum sinal de Arcania em seu corpo, se
tornando um valioso membro da nossa comunidade. Porem, - Continuou ele, limpando sua garganta
uma vez ou outra – na ultima semana, mais uma vez a Arcania foi manifestada pelo jovem, que em
um episodio, ateou fogo em uma casa da cidade, mais uma vez, apenas com o pensamento, ferindo
2 pessoas, entre eles em Sacerdote da cúpula - Eric escutava tudo com tristeza nos olhos.
Ele não sabia se, o que tinha dentro de si, era uma benção ou uma maldição. Ele não sentia que era
algo errado, mas que era sim, uma extensão de si. Mas, indubitavelmente, a magia só havia trazido
tristeza para ele até hoje.
O caso era que, jovens que manifestavam a magia e não tinham o devido treinamento (ou eram até
mesmo reprimidos por isso), poderiam causar acidentes a aqueles que viviam a sua volta. Isso era
comum, mas algo extremamente mal visto em Kitai.

– Acho que já ouvimos o bastante, meu jovem... - Disse com um largo sorriso o Sumo
Sacerdote Yaman, levando as duas mãos juntas a frente do corpo. - Devo confessar que,
considero o pequeno Eric como... um filho! - Yaman então leva as mãos a cabeça de Eric,
que retribui com um olhar nervoso, mas calado. Devido a sua proximidade ao pai de Eric,
Yaman acompanhou de perto o crescimento, e as manifestações, do garoto. -
Porem, a vontade do Único é soberana e incontestável, - “Honrado seja o Único”, repetem
os outros sacerdotes no local. - E por isso, e em respeito ao Santíssimo trabalho feito por
seus pais, a vida desse jovem sera poupada. Porem, temo que ele terá que ser banido de
nossa sociedade, por receio de que uma epidemia aconteça caso mantermos um Arcano entre
nós. Todos de acordo?

Todos os Sacerdotes presentes, os pais de Eric inclusos, levantaram sua voz em coro, concordando
com a sentença dada pelo Sumo Sacerdote ao jovem.
De acordo com Yaman, Eric seria expulso da vila e escoltado por clérigos até a vila mais próxima
pela manhã, onde seria exilado e teria que viver por conta própria. Até lá, deveria ficar sob clausura
na Catedral central de Kitai.
Eric então, foi levado por dois clérigos até uma cela, no subsolo da Catedral, onde la, devera
aguardar até a manhã do dia seguinte.

A mente do jovem estava muito confusa. Eric sempre foi conhecido por ser um rapaz inteligente,
esperto e extremamente bem-humorado. Apesar de nunca ter tido amigos, devido ao preconceito aos
portadores de Arcania na vila de Kitai, nunca precisou disso para se divertir. Porem, sentado
sozinho naquela cela escura, ele não conseguia pensar em outra coisa, que não fosse o que tinha
feito de errado para receber aquela maldição. Ele não sabia nenhuma profissão, não tinha nenhum
talento, não sabia como faria para viver sozinho.
Mas a solidão de Eric, durou pouco tempo.
Durante a madrugada, um vulto se engrenha entre as celas no subsolo da Catedral, chegando ate a
frente de onde estava o rapaz. Era alguém de estatura baixa, segurando uma bolsa de couro com
algo dentro.

Não responda, se mexa, ou respire, Arcano... - Disse o vulto, coberto e indefinível dentro de um
capuz negro que lhe cobria todo o corpo e a face – Os Sacerdotes não irão apenas te exilar, mas te
sacrificar após te levarem daqui pela manhã. Sua única esperança de sobrevivência é sair agora
dessa cela e fugir, o mais rápido possível..

Talvez eu...devia ficar aqui. - Disse Eric ainda sentado, com a cabeça baixa e os longos cabelos
ruivos caindo sobre o rosto. - É o desejo d'Ele, afinal. Eric estava agora, limpando o rosto molhado.

A escolha é sua, Arcano,- O vulto então entre as grades joga uma bolsa ao lado de Eric, levantando
bastante poeira. - Se decidir que sua vida vale mais do que esses “Santíssimos” homens acham,
pegue esse livro e leia o feitiço encontrado na pagina 327. - Ele aponta para a bolsa que jogou ao
lado do garoto. - Acredito que saberá o que fazer. Que o Único te guie e perdoe a nós dois...

Ele então se vira e corre em direção a escuridão, sumindo entre as trevas. Eric estava novamente
sozinho, apenas acompanhado da bolsa jogada pelo estranho em sua cela. Para um garoto na idade
dele a curiosidade é maior do que qualquer tristeza ou duvida.
Ele retira então da velha bolsa de couro um pesado grimório. É impossível não dizer que, naquele
momento, apesar de todas as dificuldades, Eric abriu um singelo sorriso.
Um grimório, é como o diário inseparável de um Mago. Contem todas as magias e feitiços usados
pelo mesmo. O poder e valor de um grimório depende a qual mago ele pertence e, aquele entregue a
Eric, parecia pertencer a alguém muito poderoso. Não é preciso citar que o item, era restritamente
proibido em Kitai. Eric conhecia o item apenas por livros de vendedores viajantes, que lia
escondido de todos.
Ele era extremamente pesado, parecia ter mais de 500 paginas de feitiços escritos a mão e desenhos,
formulas e poesias. Sua capa era feita de couro curtido e no centro, um enorme Pentagrama
vermelho foi bordado. Em sua volta, estava bordada a frase “De nihilo nihil”, que não fazia nenhum
sentido a Eric no momento, mas faria um dia.
O garoto não sabia porque, mas era como se o grimório quisesse guiá-lo a algum lugar. Lhe mostrar
um proposito de vida maior que aquele. Levá-lo a seu verdadeiro destino.

Eric então, abriu o Grimório na pagina indicada pela misteriosa pessoa, 327. Para a surpresa (e
decepção) dele, tudo escrito naquela pagina estava em uma língua estranha, não conhecida por ele.
Porem, um desenho em especial, no canto inferior direito da pagina, chamou a atenção do garoto.
Eram três círculos entrelaçados, como se formasse uma estrela, protegidos entre toda sua volta por
asas de morcego.
E em uma bela escrita, abaixo do simbolo estava escrito

“Oblata occasione, vel justus perit.”

Eric sussurrou a frase, segurando o Grimório com toda a força, ao mesmo tempo que tomava todo o
cuidado com o já velho livro.
Enfim, com um simples brilho azulado (mas um estrondoso som de explosão), o jovem arcano não
estava mais na prisão.
Ele estava sentado em uma clareira, no meio de um vale desconhecido, ainda de madrugada. Suas
roupas estavam queimadas e seu cabelo, cheirava a queimado. Ao passar assustado a mão em seu
rosto, manchas escuras como carvão saiam em sua mão. Porem, para sua tranquilidade, o Grimório
ainda estava intacto em seus braços.
O cansaço e a dor falaram mais forte, e o garoto desmaiou ali, na clareira.

Hoje.

Grifo levou Eric até uma mesa do Javali Molhado, onde negociariam a sua comissão pelo tal
serviço. Eric parecia bastante animado em conhecer Grifo. Já o bardo, parecia animado com o fato
de ter um trabalho de verdade. Qualquer coisa para sair dali, e principalmente, ir para longe da vista
de Perutio. De preferencia, sem que ele soubesse, claro.

– Bebe Gim de Amora, garoto? - Pergunta Grifo, se servindo da Adega enquanto olhava para
Eric.
– O senhor teria leite? - Pergunta Eric inocentemente, tirando o Grimório de dentro da bolsa
de couro que carregava.
– Você tá falando serio? - Suspira Grifo, olhando fixamente para Eric, que retribuía com um
olhar inocente. - É claro que ele tá... Deixa eu adivinhar. Você é do leste, certo?
– Sim senhor, de Kitai, senhor... - Responde Eric abaixando a voz o máximo que consegue,
para não ser ouvido por ninguém alem de Grifo.
– Kitai??? - Replica Grifo um pouco mais alto, com um ar de surpresa. - Você não parece um
dos Mente Vazias de lá... - Grifo então se senta na cadeira a frente de Eric, empurrando um
copo de leite para o garoto. Ele então aponta com a cabeça para o Grimório. - Ainda mais
com um desses na mão... Pensei que isso era proibido para o seu povo.
– Eles não são mais meu povo. - Responde Eric, puxando o Grimório mais pra perto de si,
quase que querendo o tirar da vista de Grifo. - Eu... preciso de um guia até Druk-Yul. -
Gagueja o garoto, com a cabeça baixa, quase com medo de encarar os molhos de Grifo.
– Druk-Yul? Você quer ir longe, garoto. - Sorri ironicamente Grifo, bebendo um gole de seu
Gim de Amora – Eu posso te levar lá... por um preço maior do que essas moedas que você
tem, claro.
– Por favor, Senhor Dedos-Verdes! - Eric levanta os olhos e encara Grifo pela primeira vez –
O senhor é conhecido como o melhor bardo da capital, eu preciso de alguém que possa me
guiar até lá! - Diz o garoto, quase suplicando.
– Bem, mas tudo tem um preço, rapaz... - Grifo então, faz menção de se levantar e joga as
moedas que Eric o tinha dado na sala, de volta na mesa. - Infelizmente, com esse marasmo
que anda o Reino, não posso me dar ao luxo de ser guardião de uma criança até as fronteiras
do Norte. Se me da licença...
– Você... - Pensa Eric antes de dizer, segurando o braço de Grifo antes que ele se levante
completamente. - ..Escute. - Ele chama Grifo com o dedo, e começa a sussurrar – Eu tenho
que levar esse Grimório para alguém muito importante em Druk-Yul. Poderá haver
uma....recompensa. - Sorri Eric. Para perturbamento de Grifo, aquele sorriso lembrava o seu
próprio.
– Recompensa, hum? - Sussurra Grifo de volta. - E de que porcentagem estamos falando? -
Ele se senta novamente, pegando discretamente as moedas que tinha jogado na mesa e
guardando nos bolsos.
– O dinheiro não me importa, senhor Dedos-Verdes... - Sorri Eric, guardando o grimório
dentro da bolsa, pode ficar com toda a recompensa, se for do seu agrado. Seu trabalho sera
apenas me deixar em Druk-Yul e estamos conversados. - Eric então, gentilmente, estica a
mão até Grifo, esperando um comprimento.
– Sei... - Grifo olha para Eric e desvia o olhar para o Grimório que Eric guardava. Aquilo
parecia, de algum modo, familiar. Então, ele olha novamente para Eric. Pesando os prós e
contras, ele iria para o extremo norte, longe de Perutio e companhia, teria uma aventura para
contar e ainda ganharia uma gorda recompensa no final da viagem, apenas para escoltar um
garoto. Não parecia algo tão ruim assim.
– E então? - Pergunta Eric, ansioso pela resposta de Grifo e ainda com a mão em riste.
– As despesas eram divididas por todo o caminho, mas claro, serei reembolsado de qualquer
gasto ao fim da viagem. Minha volta sera bancada a parte da tal recompensa. Eu não luto
por você, eu não cozinho para você, e não faço você ninar! - Diz Grifo, quase apontando o
dedo para o rosto, já um pouco assustado, de Eric. - Eu apenas te acompanho até lá e, se a
recompensa for realmente boa, faço Canções sobre você após tudo. Combinados?
– Sim, claro!! - Para o medo de Grifo, Eric parecia não importar com nenhuma das condições,
apertando a mão dele com força e se levantando animado logo em seguida. - Bem, irei para
a estalagem me preparar, partiremos daqui, amanhã logo após o nascer do sol! Obrigado,
senhor Dedos-Verdes! - Disse ele animado, jogando a mala com seu Grimório no ombro
direito.
– É só Grifo, rapaz... - Responde Grifo, se levantando e vendo o garoto sair pela porta, quase
que correndo.

Por algum motivo, Grifo parecia se arrepender por um momento da decisão que tomou. Tudo
parecia bom demais para ser verdade. E qualquer um sabe, que qualquer coisa que pareça boa
demais para um Bardo, nunca é.

- Bem, que o Único me proteja... - Resmunga ele baixo, se levantando e caminhando até seu quarto
na Taverna, contando no caminho as moedas de ouro dadas por Eric.

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