You are on page 1of 5

BIOÉTICA - Morrer com dignidade

Geni Maria Hoss


2006

A única coisa certa na vida é a morte. Um fator especial que atinge todos, sem
exceção, e não pode ser alterado e superado é o deixar de viver, isto é, a
morte. O ser humano tem consciência de que vai morrer. O fim é inevitável. E a
fé ajuda a refletir sobre a vida e a morte.
Morrer, no entanto, não é um ato isolado que acontece num instante não
definido perante o qual somos indiferentes por não termos o domínio sobre ele.
Esta etapa está recheada de questões complexas que Necessitam de reflexões
éticas e requerem decisões significativas da equipe médica, do doente, da
família.
É para humanizar este momento importante da vida que hoje se dá uma
especial atenção aos cuidados paliativos. A equipe médica, os familiares e o
paciente – quando seu estado de consciência o permite – devem encontrar a
melhor maneira de oferecer condições para uma boa qualidade de vida até à
morte.
Hospices – hospedaria & hospitalidade
Os hospices remontam ao início do cristianismo, no Império Romano. Nestes
era oferecido abrigo e ajuda aos viajantes, órfãos, necessitados e também
doentes. No século IV comunidades cristãs assumiram estes hospices. Na
Idade Média surgiram comunidades que tinham como principal tarefa trabalhar
em hospices. A Reforma tinha como conseqüência o fechamento de muitos
conventos e, com isto, também de hospices.
No século XIX os hospices foram retomados quando Jeanne Garnirt, de Lyon –
França, fundou um hospice, que chamou também de “Calvário”. Acredita-se
que foi ela quem fala de “hospices” e lhes atribui a função de cuidar de pessoas
que estão prestes a morrer.
Em 1918 nasceu Cicely Saunders. Em 1944 ela fez o curso de enfermagem e
em 1947 fez mais um curso, desta vez de Assistência Social. No encontro com
um paciente – David Tasma – que ela conheceu em 1948, começou a refletir
como poderia ajudar os doentes terminais amenizando suas dores e prepará-
los melhor para a morte. Ao morrer aos 40 anos, este paciente lhe deu dinheiro
que seria “uma das janelas do lar”, que Cicely desejava construir. Mais tarde,
em 1951, ela começou a estudar medicina. Sua meta era fundar um hospice.
Para isto ela precisava estudar e fazer pesquisas na área de cuidados dos
doentes terminais. Em 1967, seus esforços foram coroados com a fundação do
hospice St. Christopher em Londres. De 1967 a 1985, ela foi Diretor Clínico e
Presidente da Instituição. Na abertura, referindo-se ao doente que lhe havia
dado dinheiro para uma janela, ela disse: “Precisei de 19 anos para construir
uma casa em volta da janela”. A idéia básica era de reconhecer as
necessidades do paciente e cuidar dele, bem como de sua família a fim de
amenizar o sofrimento, ao invés de combater a doença. Morrer deveria tornar-
se um tempo de muitas possibilidades de “cura” e crescimento.
Em 1980, a Rainha Elizabeth reconheceu o trabalho inovador do Cicely
Saunders chamando à vida o movimento de Hospices.

O que são cuidados paliativos, qual é a sua função?


A OMS estabeleceu em 1990 os princípios sobre cuidados Paliativos. A
saber, maneira básica de cuidados e atenção para o paciente entre a
constatação de uma doença terminal ate à morte.
- Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal.
- Não apressar ou adiar a morte.
- Oferecer alívio para dor e outros sintomas que causam sofrimento.
- Integrar aspectos psicológicos e espirituais dos cuidados aos pacientes.
- Oferecer um sistema de apoio para ajudar o paciente a viver tão ativamente
quanto possível até à morte. Conciliar um tempo para possibilidades de“cura” e
crescimento.
- Oferecer um sistema de apoio para ajudar a família no enfrentamento da doença
do paciente e em seu próprio processo de luto.

Função da medicina e cuidados paliativos:


Promover o bem-estar físico:
- Através de uma reavaliação constante dos sintomas físicos e os procedimentos
terapêuticos que a medicina moderna oferece. .
- Os cuidados físicos com o corpo devem contribuir para manter uma boa imagem
e auto-estima do doente. Isto também é importante para os familiares.
- O doente é encorajado a desfrutar de seus bens e da família para seu próprio
bem estar.
Promover o bem estar psíquico:
A medicina alternativa ajuda ao paciente superar os obstáculos e reorganizar-
se na nova situação.
- Apoiando-o no esforço de adaptação.
- Facilitando a livre expressão de pensamento e emoções.
- Assegurando à pessoa o acompanhamento até o fim da vida.
- Apoiando os familiares durante a doença e após à morte.

Promover as relações sociais:


Uma pessoa doente, impossibilitada a vida ativa deve ser estimulada a:
- Manter o melhor possível seu papel social, redescobrindo ou criando vínculos
afetivos com os próprios familiares e os que se ocupam com ela.
- Realizar os desejos que são compatíveis com suas possibilidades e com seu
estado geral, resolvendo de acordo com a situação, questões administrativas e
financeiras.
- Realizar os desejos que são compatíveis com suas possibilidades e com seu
estado geral.
Promoção da própria fé.
- O doente e seus familiares são apoiados e levados a tomar consciência daquilo
que de fato é essencial e significativo na vida diante da doença e da morte.
- O doente pode receber a visita de um assistente espiritual de sua religião, ou
crença, falar e celebrar os seus ritos reconhecendo sua importância da
dimensão espiritual.

Cuidados Paliativos e a Autonomia do Doente – uma questão de


“verdade”
Deve-se dizer a verdade ao paciente que vai morrer? Era costume não
dizer a verdade. Mas atualmente, há uma tendência de se dizer sempre a
verdade quando os pacientes pedem informações verdadeiras. O paciente
terminal, geralmente sabe ou desconfia da sua situação real, pelos seus
próprios sinais e sintomas. Por isto, não se deve privá-lo deste direito. Até
porque este direito, hoje, é mais exigido por enfermos e familiares. As meias
verdades ou “mentira piedosa”, não encontram base no critério moral ou
científico. Como dizer essa verdade? Receita para este tipo de conduta,
ninguém tem. Este ato, de contar a realidade ao paciente, varia muito. Deve-se,
para tal, considerar o estado emocional do paciente, discutir com a família
estudando o que é melhor para assisti-lo e para confortá-lo. Para que a
verdade dita, seja realmente entremeada de esperanças e temperada de
otimismo.
E quando a questão é criança enferma terminal, deve-se dizer a
verdade?
Aqui as opiniões são ainda mais divididas. É necessário avaliar bem a
compreensão do pequeno enfermo, considerando a idade e o desenvolvimento
psicológico de cada um. A questão é complexa, porque envolve os pais, cuja
possibilidade de morte do filho abala o estado psicológico. É uma situação que
exige muita habilidade dos agentes desta equipe.
O fato parece não estar no ato de contar, mas na maneira como se
conta a verdade. Para Häring[1], o fato de informar com cautela, confiança e
respeito, tanto para o médico como o paciente, é um evento libertador.

Conclusão
Enquanto o referencial for a medicina curativa precisamos contar com
estas distorções éticas a respeito da fase final da vida. O que torna esta fase
muitas vezes desumana e não lhe oferece o verdadeiro sentido e dignidade. O
conceito de saúde, atualmente adotado pela Organização Mundial da Saúde
pode dar uma luz para os procedimentos nesta fase. Saúde é bem-estar global
da pessoa: bem-estar físico, mental, social. Acrescenta-se também a
preocupação com o bem-estar espiritual, cria-se uma estrutura de pensamento
que permite uma revolução em termos da abordagem ao doente crônico ou
terminal.
Os cuidados paliativos permitem ao doente que já entrou na fase final de
sua doença e àqueles que o cercam, enfrentar seu destino com certa
tranqüilidade porque, nesta perspectiva, a morte não é uma doença a curar,
mas sim algo que faz parte da vida. Aceitando a morte como parte do processo
de viver, as atenções vão voltar-se para o bem viver até o final, isto é na hora
certa e de forma natural.
------------------------
Fontes de Pesquisa:
- CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, § 2278, 2279
- [1]PESSINI, L. Morrer com dignidade, Aparecida: Editora Santuário, 1990.
- HÄRING, Medicina e Manipulação, O problema moral na manipulação clínica,
comportamental e genética, São Paulo: Edições Paulinas, 1977.
- VELOSO DE FRANÇA, Dr. Genival, Trabalho apresentado no III Congresso
Brasileiro de Bioética e I Congresso de Bioética do Conesul, Porto Alegre,
2 a 4 de julho de 2000.

You might also like