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livros Joao de Pina Cabral A morte na antropologia social Richard Huntington ¢ Peter Metcalf, Celebrations of Death: The Anthropology of Mortuary Ritual, Cambridge, University Press, 1979, 230 pp. 5. © Humphreys e Helen King. Morality and Invvortaly: The anthropology and ‘archaeology of death, Londres, Academie Pres, 1981, 46 pp. Maurice ‘Bloch e Jonathan Parry’ (orgs), Death and the Regeneron of Life, ‘Cambridge, University Press, 198%, 236 pp. 1 socioligica © a andise simbelica ‘las dovem ser combinadss, (ied ¢ Pars 99 6 Apesar da vocagdo comparativista da antropologia social, que ja Rad cliffe-Brown, na sequéncia de Frazer, defendia como um ramo da sociologia comparada ", a ocorréacia de andlises comparativas & surpreendentemente tara. As que se tomaram clissicas podem ser contadas pelos dedos. E, por- tanto, com enorme prazer que verificamos que, na descendéncia de Hertz, tum novo passo é dado neste ramo. Os trés livros aqui apresentados (publ ccados em 1979, 1981 e 1982) nfo s6 lidam com o mesmo tema, como podem ‘mesmo set consideradss parte do mesmo discurso I © estudo das representagdes simbdlicas ligadas & morte © dos rituais mortuérios tem uma longa, mesmo se ertética, historia na_literatur sociolégica, O trabalhe de J.'J. Bachoffen publicado em 1859 ¢ as extensas partes do Golden Bough que Sir James Frazer dedicou a0 assunto na Ultima década do sécubo x1X podem ser considerados como 0s antepassados directos®, Para Frazer, o estudo das concepsdes ligadas & morte assumia ‘enorme importancia devido & teoria tayloriana que mantinha que era por meio da contemplagéo da morte e de estados semelhantes (Sono, sonho & +A, R, RaddlileBrown, Structure and Function in Primitive Society, Londres, Cohen West, 1952, p. 2 SJ. Bachotfen, Moth, Religion and Mother Right, wad, E. Manheim, Londres, Routledge and. Kegan Paul, 1967; J, Frazer, The Golden Bough, Londres, M9 350 desmaio) que os nossos antepassados tinham originado a concepgio de alma, na base da qual se viria a desenvolver a religido. A concentragio de simboles ¢ ritos de fertilidade nos funersis, que era igualmente um tema central tanto para Frazer como para Bachoffen, foi estudada por Jane Harrison no seu famoso livro Themis. A partir de 1940, porém, e na sequéncia da influéncia do funcionalismo antropol6gico de Malinowski e de Radcliffe-Brown, ndo s6 as teotias de Frazer io praticamente abandonadas, como o proprio interesse pelo ‘estudo de sistemas de crenca dé lugar a uma maior énfase sobre morfologia social. Continuam 2 aparecer estudos importantes de rituais mortuérios, ‘mas num contexto etograficamente especifico e dando maior relevancia a caractetisticay sociestruturais. Em particular, merecem especial referéncia © estudo de Evans-Pritchard publicado em i948 sobre 0 regicidio ritual centre 0s Shilluk do Suddo ¢ 0 artigo de Godfrey Wilson sobre as con- vengies mortuarias dos Nyakyusa da Tanzania‘, estudos que dao ainda particular importincia uo tema da relagio enire fertilidade © morte, fazendo-o, no entanto, num contexto estritamente etnogrico. De um pomto de vista te6rico, os antropstogos das décadas de 40 ¢ de 50 yao predominaniemente buscar a sua inspiragio acs trabalhos da Année Sociologique ¢ de Durkheim. A preocupagio com a natureza simbolica dos rituais dé lugar a uma procura da fungio social dos rituais funerdrios como processos de reestabelecimento da ordem social, posta em perigo pela ocorréncia da morte, O trabalho de maior peso, neste contexto, foi um longo artigo publicado em 1907 na Année Sociclosique por Robert Hertz, um discipulo de Durkheim ¢ Mauss, Este trabalho, intiulado «Contribution & une étude sur la représentation collective de Ja morta, é ¢ sem duvida continuard a ser, 0 grande cldssico da literatura antropoldgica cobre a morte, Robert Heriz, que publicou um outro artigo ‘cuja importincia & certamente equiparivel a daquele, «La préeminence de la main droite: étude sur la polarité rligieusen (1509), veio a morrer muito jovem ainda durante a primeira guerra mundial. O seu mestre, Marcel Mauiss, editou postumamente, em 1928, uma coleegio dos seus trabalhos. Foi, no entanto, sobretido através’ da tradugio inglesa de Rodney Needham (1960) que estes dois artigos se tornaram famosos°. Baseando-se_principalmente em materiais etnogrificos recolhidos por ‘outros no Sudoeste asidtico, e em particular no Bornéu, Hertz comeca por estudar a oposicio simbélica entre osso e carne, Esta oposigio esti, em geral, ligada & ocorréncia de exéquias secundarias, posteriores a0 que a explicagio para 0 ressurgimento dos estudos hist6rieos sobre a more & provavelmente negativa, devendo ser encontrada numa ssuspensio de interesse» sobre o tema nas décadas imediatamente posteriores & segunda guerra mundial ’. Este interesse renovado responde gualmente a um movimento de critica das priticas mortudtias estabele- ‘eidas, muito particularmente nos Estados Unidos** © na Franga *. Ma: foram sobretudo as obras que Philippe Ariés © também Michel Vovell * Amold Van Gennep, Les Rites de Passope, Paris, Emile Novrry, 1909 1W'L Warmer, The’ Living ond the Dead’ Stud) of the Symbolic Life of Americans, New Haven, Yale Univesity Press, 1958. J. Goody, Death, Property andthe dncestors, Stanord, CalifSmnis, Univesity Pres, 1962: W. A. Dougliss, Death in Mturclaga: Puncrary Ritual in @ Spanish Basque Village, Seite, University ‘of Washington Press, 1969: Maurice Bloch, Placing the Death: Tombs, Ancestral Villages, and Kinship Organizaaion In Madagascar. Londres, Seminar Press, 1971; LVS Thomas, Amitopologie de Ta mor. Pars, Payet. 196% Death and the social historanes some recent books in French and English», fn Sgctal History, 5, 198), pp. 435-482, especialmente, 435. "Rut aij, Herminio Martine e Toto de Pina Cabral, Aspects of Death in Medem Portugal, Oxford, JASO, I940 (radusia portsuess da Eaitoral Quereo). Vide Tose Cuiera, © Renascimento da Morte, in eRevista de Livrose, Diario de Notigiar de 8 de Julho de 1984 Spor exemplo |. Mitrd, The American Way of Death, Nova Torave, Simon and Schuster, 1953, ou RM, Harmer, The High Cost of ‘Dying, Nova Tora Growslk-Cotin, 1963 SSE Moria, L'Htomme et la Mort, Pasi, Sell, 1970, 8 Thoms, op. ct 351 332 dedicaram ao tema que funcionaram como catalisadores deste novo inte- Fesse, tanto na historia como nas outras ciéncias sociais * I © livro de Huntington e Metcalf, Celebrations of Death, pode ser visto como uma resposta antropoldgica ‘a toda esta onda de’ interesse pela questio da morte; assim, als, se explicaria a sua presenca na escolha de trabalhos sobre a morte em historia social feita por Stephen Wilson ®. s proprios autores jniciam o preficio dizendo-nos que, edepois de 118s sgetagdes de siléncio, a nossa mortalidade & mais uma vez um topico proprio para discussio publica» “, Seguindo na peugada de Rodney Need- hham, eles pretendem, neste texto, dar uma nova olhada as teses de Hertz fem particular, mas também as de Van Gennep '. Apesar de a aproximagao set comparativa, especial atencio & dedicada a material etnogréfico do Bomnéu, onde Metcalf fer trabalho de campo e que fora a zona etnogrifica preferida por Heriz, e de Madagascar, estudado por Huntington ¢ por Van Gennep. Depois de uma breve exposigdo das teorias de Hertz ¢ Van Gennep, os ores apreciam a validade da posigio de Radcliffe-Brown, que, influen- iado pela obra de Durkheim, explica os rituais mortusrios como expres: s6es dos sentimentos que levam # uma melhor integrasao do individuo no todo social. Segundo Huntington ¢ Metcalf, no entanto, a teoria de Hertz preferivel, pois ela explice a ovorréncia de simbolos Universais por refe- réncia a principios logicos, ¢ no a emoglo, sendo que o cadaver, portanto, ppassa a ser considerado como um asimbolo universaly, A argumentagio, hho entanto, & pouco inspirada e os autores concluem com uma nota de caugio muito tradicionalmente antropoldgica: «postos no contexto de um sistema ideolbgico, social e econémico especifico, os rituals da morte ‘adquirem um significado que nunca atingiriam se continuassemos a procurar luniversais culturais. fugidios.» A parte 11 € dedicada ao estudo dos matetiais elnogrificos espesificos que levaram Hertz e Van Gennep a conceber a morte como um processo gradual, enquanto na parte 11 se estuda 0 simbolismo que rodeia a morte real ¢ 0 cadaver do tei como representante do corpo politico, utilizaando ateriais referentes ao regicidio ritual dos Shilluk «lo Sudo nilético, da Tailandia, do Egipto antigo e da Franca renascentista, Finalmente, na conclusio, as aitules americanas pura o cadaver e, em particular, os costumes que rodeiam o embalsamamento parcial so estudados, aeen- tuando os autores a relagio destes costumes com a chamada «religiao clvica» americana, Philippe, Arts, Esais sur Vhiszire de la mort en Occldent du Moyen Age & nos jourh Paris, Sel, 1975, © Lfomme devant fa Mort Paris, Seul, 1917: G. "Vowel Michel Vovelle, Viton de la Mont ef de Pau-teli en Provence, Pari «Death and the social historians [1% om city p. 435. & Opell, px * Rodney Needham (org), Right & Left: Essays on Dual Clasijcation, Chicago, University Press 1973 “"Richard Huntington e Peter Metcalf, op. cle, p58 Celebrations of Death & certamente um guia ttl para o t6pico e teve uma posigdo importante como despoletador de discussio. Fica-se, no ‘enianto, com a sensagto de que 0s autores no foram capazes de avancar Significativamente em elagdo as propostas de Van Gennep ¢ de Hertz ¢ de que, em relacio a este ultimo, nfo terdo mesmo feito justia & profun- didade do argumento, © leitor serd certamente levado a concordar com Bloch Parry que Huntington e Metcalf eignoram quase por completo 4 preocupagio predominante [de Hertz] com a construgio social da emogio © com o relacionamento enire o individuo bioldgico © a colecti- Vidade socials © sit Morality and Immortality, a coleegio de artigos organizada por S.C Humphreys ¢ Helen King, & um livro muito diferente, Trata-se das actas de um seminério sobre «Arqucologia e Disciplinas Afinss, do Instituto de Arqueologia da Universidade de Londres, efectuado em 1980, Aqui se reunem dezoito trabalhos apresemtados por autores oriundos de dis- ciplinas diferentes (arcueologia, hist6ria, demografia e antropologia fisica © social) © de tradictes nacionais ¢ tebricas as mais diversas (ingleses, franceses, americanos, brasileiros ¢ indianos), Nao é, portanto, de estranhat, como afirma Humphreys na elntrodusio», que, edurante a discussio, foram tem geral as diferencas nas perspectivas de pesquisa ¢ nos materiais recolhi- dos que se tornaram mais Gbvias» **. Se, por um lado, perante temas tais como a morte (ou o sexo, para dar um outro exemplo), a. interdiscipli- naridade no tem limites,’ por outro lado, a utilidade teérica e prética dessa interdisciplinaridade para cada um dos investigadores & sempre bas- {ante limitada. Assim, e apesar de todos os autores lidarem com a morte enquanto fendmeno social, o livro de Humphreys e King torna-se uma obra de referéncia, once cada leitor podera pescar 0 que necessita ¢ deixar 9 resto. Iv Chegamos finalmente 2 colecgio de textos organizada por Maurice Bloch e Jonathan Parry, Em muitos aspectos, ela segue principios precisa mente opostos aos da coleceo anterior. De facto, trata-se de um nimero imitado de autores (7) todos posicionados centralmente numa tradigao sogiantropolégiea inglesa (lids, na sua maioria, professores universitirios de nomeada) ¢ que se enderegam, nio & morte em geral, mas «ao signifi ccado dos simbolos de fertlidade ¢ renascimento nos rituais funerdrioso * (© resultado é, sem divida, um dos estudos antropoldgicns recentes mais fascinantes, ilistre companheiro de Right & Left —a colecgao de artigos ‘que Needham tina dedicado, em 1973, a outro artigo de Hertz, Para tal ccontribuem largamente a «lntroduelo>, feita por Bloch e Parry —cujo ® Maurice Bloch e Jonathan Parry (orgs), Death and the Regeneration of Life, ‘Cambsdge, University Pass, 1982, Op. city p = Miuried Hoch © Jonathan Parry, op. elt pL 353 354 argumento central descreveremos com algum detalhe —, ¢ 0 artigo final da autoria individual de Bloch, Este ultimo, em particular, é de uma clarividéncia e inventividade tedricas que, sem duvida, 0 equiparam so proprio texto de Hertz, Em relagio aos artigos individuais, e apesar da sua alta qualidade, 86 mos serd possivel fazer a mais breve apresentacio. Olivia Harris dedica © seu artigo as crengas sobre a morte e aos rituais funerérios de uma populagio india semictisianizada da Bolivia, os Laymi, sublinhando a relagio’ entre a situaglo politica e cultural ambigua e impotente deste povo ¢ as suas aliludes perante a morte, Jonathan Parry escreve um ensaio fascinante intitulado A Morte Sacrificial ¢ 0 Asceta Necréjazo, nna tradigdo hindu de Benares, apontando para a especifickdade destes aseetas, que, utilizando 0 simbolismo da morte, no procuram uma Fenovagio do tempo —uma cosmogonia—, mas antes @ sua suspensio total. Andrew Strathern apresenta um estudo comparativo das_atitudes para com o canibalismo, a bruxaria © a morte entre virias tribos das Terras Altas da Nova Guin, relacionando a variagio existente em relagio ‘estes temas com factores, em iia instincia, ecol6gicos, John Middleton, deserevendo a sociedade ligbara do Uganda, relaciona os rituals mortusrios ‘com a estrutura linhageira e a preservagio da autoridade tradicional dos anciios. James L. Watson discute os funerais chineses, dando particular atengio ao simbolismo de fertilidade de poluigio © & posicio das ‘mulheres como marginais que sio, no entanto indispensaveis & Hinhagem patrlinear. James Woodburn faz um estudo comparativo de quatro socie- dades africanas de cagadores e recolectores, argumentando que um sistema produtivo de retomo imediato do trabalho investido ano produz condigies ferteis para a elaboracdo ideolovica de crengas e praticas relacionadas com & morte, nem para uma associagio entte a morte © a fertilidades ", explicando assim a quase total inexisténcia de rituals mortuérios entre cesses povos. Finalmente, Bloch apresenta o seu artigo, no qual relaciona os Tituais mortusrios dos Merina de Madagascar com posisio feminina, a identificagio com a terra e poder tradicional, Recorrendo um pouco a todos os artigos da coleesio, Bloch e Parry desenvolvem, na Maurice Bloch e Jonathan Part op. cit, p27 ™ Ver Joio de Pina Cabral e Rei Fel, «Conflicting attitudes to Death in Modern Portugal: the question of cemeteries, in Aspects of Death tn. Moder Portugal, cit: ©. Rut Fol, «Mobiizagio rurale urbana ns Mayia da Fonte, fn Minamn Halpern Pereira etal (eds), O Laberallzmn na Peniasnla Tbcrica na Primi Metade do Século XIX, Lisbon, Si’ da Cost, 198, vol, Dp. 183193, "Maurice Bloch ¢ Jonathan Patry, 0p ity yd Sd ibid, pe #2

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