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SISTEMA COC DE ENSINO Dires8o-Geral: Sandro Bonds Diregdo Pedagégica: Zelci C. de Oliveira Diregao Editorial: Roger Trimer Geréncia Editorial: Osvaldo Govone Ouvidoria: Regina Gimenes Conselho Editorial: José Tadeu B. Terra, Luiz Fernando Duarte, Osvaldo Govone e Zelci C, de Oliveira PRODUCAO EDITORIAL Autoria: Marcio R. F. dos Anjos Editoria: Alexandre Faraoni, Fabio Geraldo Romano e Johncy de Padua Coordenagao Editorial: Luzia H. Févero F. Lopez Projeto gréfico e direcao de arte: Matheus C. Sisdeli Preparacéo de originais: Marisa A. dos Santos e Silva e Sebastio S. Rodrigues Neto Iconografia e licenciamento de texto: Marcela Pelizaro, Paula de Oliveira Quirino e Cristian N. Zaramella Diagramagao: Sueli Aparecida Marinheiro lustrago: Daniela Eugénio de Oliveira, Edgar M. de Oliveira e Saulo Michelin Revisdo: Flavia P. Cruz, Flavio R. Santos, José S. Lara, Leda G. de Almeida, Maria Cecilia R. D. B. Ribeiro, Milena C. Lotto e Paula G. de Barros Rodrigues Capa: LABCOM comunicagéo total ‘Conferéncia e Fechamento: Edgar M. de Oliveira nia Puedes Ket, 285 Tat ame at0 cep 4088210 Lagoa: ti reo -SP SistemadeEnsino z ario Sum CAPITULO 01 + INTRODUGAO AOS ESTUDOS HISTORICOS 1. Linhas de interpretagao da histéria — O campo das ciéncias humanas 2. Hominizago e humanizacéo CAPITULO 02 * AS CIVILIZAGOES ANTIGAS DO ORIENTE I 1. Introdugo 2. Civilizacdo egipcia 3. Civilizagdo mesopotémica CAPITULO 03 + AS CIVILIZACGES ANTIGAS DO ORIENTE II 1. Persas, hebreus e fenicios 2. Os persas 3. Os hebreus 4. Cultura hebraica CAPITULO 04 * ANTIGUIDADE OCIDENTAL | 1. Introduggo 2. AGrécia Antiga 3. Cultura grega CAPITULO 05 * ANTIGUIDADE OCIDENTAL II 1. Introduggo 2. Monarquia romana 3. Repiiblica romana 4. Império Romano 5. Cultura romana CAPITULO 06 + IDADE MEDIA ORIENTAL 1. Apresentacéo 2. Olmpério Bizantino 3. Acivilizacao islamica medieval EXERC/CIOS PROPOSTOS Capitulo 01 Capitulo 02 Capitulo 03 Capitulo 04 Capitulo 05 GABARITO 1 21 2 2 28 39 39 39 42 47 52 52 52 66 72 oP 2 74 79 85 90 90 90 98 109 120 126 131 142 167 Antiguidade e Historia Medieval | Historia CAPITULO 01 + INTRODUGAO AOS ESTUDOS HISTORICOS au 1. Linhas de interpretacao da histéria — O campo das ciéncias humanas Podemos afirmar que as crdnicas histéricas (relatos a respeito do passado) no Ocidente ‘tém sua origem na Antiguidade greco-romana Os gregos e romanos ficaram conhecidos por contarem a historia dos feitos dos homens, normalmente relatos de aces politicas, em especial, campanhas militares, que revelam a valorizago do homem, a capacidade deste de intervenco no mundo e a preservacdo da meméria dos antepassados, objetivando uma forma de justificagao da situaco em que se encontravam. Escultura com as faces de Herédoto e Tucidides, considerados alguns dos primeiros historiadores na Grécia Antiga. Ambos representam o esforgo grego de estabelecer um discurso organizador do passado, explicando de que forma os homens fizeram histéria, A historia em Herédoto era entendida como 0 caminho de diferenciagio do falso e do verdadeiro e em Tucidides como uma construcio que envolveria a confrontagao de fontes orais e eseritas, como ¢ demonstrada na chamada Histéria da Guerra do Peloponeso. Assim, historia era nexo, razdo do movimento do mundo, possibilidade de identificagéo no tempo e no espaco. Contudo, embora hou- vesse um esforco explicativo, néo podemos considerar tais relatos dentro do universo da- quilo que se convencionou chamar ciéncias humanas. Esses relatos sio documentos que atestam a preocupag3o daqueles homens em justificar as coisas ou seus estados. Embora possamos considerar 0 esforgo dos his- toriadores profissionais também dentro dessa perspectiva, é importante ressaltar que exis- tem diferengas fundamentais entre os encami- nhamentos de uma escrita da historia naquele passado greco-romano e os encaminhamentos dessa escrita no mundo contemporaneo, pois, nesse Ultimo caso, somos herdeiros de uma cultura racionalista que se empenhou, desde o século XIX, em estabelecer leis que pudessem dar uma inteligibilidade a0 movimento da his- téria, conferindo & mesma um sentido. Assim, podemos falar em uma filosofia da histé- ria, em homens que tracaram teorias que pro- curavam estabelecer qual era o motor do movi mento hist6rico. Dessa forma, devemos situar a historiografia contempordnea no universo das ciéncias sociais constituidas no século XIX. Os expoentes desse discurso cientifico a respeito das sociedades humanas estabeleceram as li- nhas gerais que, em certo sentido, até hoje de- terminam as discussdes no campo das ciéncias humanas. Dentre tais expoentes encontramos Emile Durkheim, Max Weber e Karl Marx, Podemos afirmar, entéo, que os paradigmas da ciéncia histérica foram originados nos de- bates em torno de ideias sociolégicas. Essa constatagdo é importante na medida em que a escrita da histéria necessita de um arranjo que Ihe confira certo ‘grau de autenticidade’ ou que possa tornar 0 relato histrico acreditavel. Entendemos, dessa forma, que sem uma teo- ria da histéria no hd possibilidade de existir relato que possa ser considerado cientifico. Portanto, a historia ndo é o que aconteceu do jeito que aconteceu, mas uma possibilidade de representacao do acontecido dentro de uma perspectiva teérica. Isso significa dizer que © que se exige nas ciéncias humanas e, mais precisamente, no conhecimento da histéria, ¢ a possibilidade de interpretagdo dos acontec mentos do passado dentro de um nexo. Historia Por isso, no devemos cobrar 0 conhecimento da verdadeira histdria disso ou daquilo, mas 0 conhecimento das possibilidades de aborda- gem disso ou daquilo dentro de certas pers- pectivas. A histéria nao € o passado, mas a representac3o que fazemos dele. No caso da ilustracdo acima, a frase "Isso nao € um cachimbo" informa que aquilo que se vé é apenas uma ideia do cachimbo, uma representagao. O artista belga René Magritte, autor da obra, expds com clareza a questo da representagio, pois a representagao nunca é a coisa representada, mas uma possibilidade de pensé-la, Assim, se considerarmos a histéria como uma representacio do passado, podemos afirmar que é uma possibilidade de se pensar 0 passado sem nunca tomé-lo como uma totalidade ou uma verdade absoluta. Nesse sentido, podemos assinalar duas ver- tentes importantes que embasaram os traba- Ihos dos historiadores. Em primeiro lugar, uma linha que defende o materialismo e, em se- gundo, outra associada as questdes das ideias, dos valores compartilhados socialmente, das mentalidades. A. Perspectiva materialista: o marxismo © chamado materialismo histérico dialético desenvolvido pelo pensador alemao Karl Marx propde o conhecimento da histéria das socie- dades humanas no quadro da luta pela sobrevi- véncia. Nesse quadro, ocorre uma divisio social do trabalho, uma estruturaco de classes sociais € uma organizagao de aparelhos institucionais que visam legitimar mecanismos de exploracao inerentes as sociedades humanas. Assim, a his- ‘t6ria da humanidade seria a histéria da luta de Antiguidade e Histéria Medieval | classes. A base do desenvolvimento da historia residiria em uma dindmica em que os detento- res dos meios de produso (grupos dominantes) explorariam aqueles que apenas possuem a for- @ de trabalho, os quais venderiam seu trabalho para garantir a sobrevivéncia, mas nunca rece- beriam o que seu trabalho produziu de riqueza, conferindo, dessa forma, mais poder a um grupo opressor, a uma elite proprietaria. Como nos apresenta 0 préprio Karl Marx, no Manifesto comunista: A histéria de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a histéria da luta de classes. Homem livre € escravo, patricio e plebeu, senhor e ser- vo, mestre de corporagdo ¢ oficial, numa palavra, opressores ¢ oprimidos, em cons- tante oposi¢do, tém vivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfargada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformagao revoluciondria da so- ciedade inteira, ou pela destruigao de suas classes em luta. Karl Marx, a principio disefpulo de Hegel, rompeu com o mestre ao propor o entendimento da historia nfo como a evolugio de um espirito, mas como o desenvolvimento das condicées materiais de existéncia num quadro de luta de classes. Sua proposta materialista histérica dialética foi uma das grandes teorias das ciéncias sociais constituidas no século XIX. Antiguidade e Historia Medieval | Essa vertente do pensamento sociolégico re- presenta parte significativa da historiografia produzida e se estrutura naquilo que Marx de- nominou modos de produco. Em linhas gerais, teriamos o desenrolar da histéria da seguinte maneira de acordo com essa perspectiva: * Modo de produgao asidtico: civiliza- ges hidraulicas em que predominava uma espécie de servidao ao Estado, 0 qual possuia um poder transcendente (teocratico) e associado ao controle es- tatal sobre as terras. + Modo de produgao escravista: caracteris- tico da civilizacdo greco-romana, em que hd a instituigo do trabalho escravo, do controle particular de terras, de formas de atuacdo governamental, em que ndo hd necessariamente vinculacdo religiosa (teocratica), e do comércio como uma marca dindmica dessas sociedades. * Modo de produgao feudal: iniciado a partir das invasdes barbaras sobre o Im- pério Romano e marcado pela descen- tralizago politica expressa no poder dos senhores de terra, pelo trabalho servil, pela rigidez na organizacdo social justi cada de maneira sobrenatural (vontade divina) e pela atividade de subsisténcia em que 0 comércio era reduzido. * Modo de producao capitalista: caracte- rizado pelo interesse maior em acumu- lar riquezas (capitais), pela propriedade privada dos meios de producdo, pela exploracao global de mercados de con- sumo e de recursos naturais em uma tentativa de otimizar ganhos * Modo de produgéo socialista: expe- riéncia desenvolvida primeiramente na Russia a partir da Revolugdo Bolchevi- que ocorrida em 1917, que Marx néo chegou a assistir, mas foi o seu proposi- tor. Caracterizado pelo controle estatal dos meios de producdo, dentro de uma economia centralmente _planificada com a existéncia de um partido unico, © partido comunista. Tal experiéncia fi- cou conhecida por socialismo real e du- rou até a década de 80 do século XX. B. Perspectiva culturalista Tal interpretagao da histéria sofreu influéncias diversas ao longo do tempo, pois incorporou Historia elementos da psicologia, da antropologia cul- tural, da sociologia weberiana e da linguistica, entre outras reas do conhecimento. Sem desconsiderar os aspectos materiais de existéncia do homem, a perspectiva culturalis- ta busca discorrer sobre as formas de pensa- mento, sobre as estruturas mentais e sobre a organizagdo dos discursos que constituem os elementos que sustentam as interacdes entre os homens em sociedade e entre as varias so- ciedades no globo. Nao apenas procura dimen- sionar a histéria como um campo das ideias do homem, mas também dimensionar os efeitos ou as repercussdes materiais das agdes huma- nas pautadas por tais ideias. Isso corresponde- ria a uma historia das mentalidades. Nesse sentido, a questo da inteligibilidade da histéria nao residiria em uma questo restrita de sobrevivéncia, mas atingiria 0 universo das sensagdes humanas elaboradas em termos culturais. Exemplos dessa linha de interpretacdo pode- mos encontrar nos estudos sobre géneros, como 6 0 caso da histéria das mulheres. Muitos historiadores trabalham os mitos que envolvem a relacdo entre homem e mulher e que estabe- lecem normas de conduta, definindo a propria 0 feminina ao longo do tempo. Outro aspecto abordado por essa perspectiva histérica consiste na discussdo sobre a ideia de racionalidade e suas implicagées em certos or- denamentos politicos e de controle social, que contribuiram para ajustificagao de perseguigdes politicas e exclusdo de grupos sociais ou de dife- rentes etnias. Regimes totalitérios, genocidios, construcao de manicémios e desenvolvimento de discursos tecnocraticos so alguns exemplos dessa discussdo ao longo da historia. Esse tipo de abordagem histérica trabalha uma longa duracdo, pois se mudancas na politica e na economia possuem um ritmo mais rapido, a mudanga da mentalidade 6 mais demorada, porém pode interferir de forma significativa nos comportamentos politicos e econdmicos. Sendo assim, o motor da histéria ndo se encontraria nas condigdes materiais, mas naquilo pensado sobre as condicées materiais de existéncia, invertendo, ai, a perspectiva marxista da histéria. ‘Como nos apresenta o historiador Fernand Brau- del, um dos fundadores dessa perspectiva, que elaborou a nogao da longa duragao na histéria: Historia Para nds, historiadores, uma estrutu- 1a 6, indubitavelmente, um agrupamento, uma arquitetura; mais ainda, uma realida- de que 0 tempo demora imenso a desgas- tar e a transportar. Certas estruturas sio dotadas de uma vida tio longa que se con- vertem em elementos estaveis de uma in- finidade de geragdes: obstruem a historia, entorpecem-na ¢, portanto, determinam © seu decorrer, Outras, pelo contrario, desintegram-se mais rapidamente. Mas todas elas constituem, a0 mesmo tempo, apoios ¢ obsticulos, apresentam-se como limites... dos quais 0 homem ¢ as suas experiéneias nao se podem emancipar. Pense-se na dificuldade em romper certos marcos geograficos, certas realidades bio- logicas, certos limites da produtividade até reagdes espirituais: também os enqua- dramentos mentais representam prisdes, de longa duragao. BRAUDEL, Fernand. Ao mediterréneo 0 mundo mediterrénico. Isso nos remete a uma histéria estrutural que dialoga com a antropologia, a linguistica, a psicologia e com algumas vertentes do pensa- mento sociolégico. Essa forma de colocaco, na perspectiva culturalista, no representa Antiguidade e Historia Medieval | truturas mentais, mas sim um entendimento de sua forca de inércia, haja vista que muitas mudangas que ocorrem na histéria podem ser consideradas uma renovacao do passado, da tradigdo, pois ndo alteram os fundamentos em que esto inseridas tais mudancas. Essa é ou- tra chave para a compreensao do movimento da histéria: mudar para ndo mudar. Mare Bloch foi um dos fundadores, juntamente com Lucien Febvre, da chamada Escola dos Annales em 1929 — Anais de Escola Econdmica ¢ Social. Sua proposta de histéria comparativa significava 0 encontro da historia com outras disciplinas do conhecimento humano como a psicologia, a antropologia, a sociologia, a ‘geografia e a economia politica. Dos debates suscitados em torno dessa Escola se desenvolveu a chamada historia das mentalidades. uma impossibilidade de mudancas dessas es- LEITURA COMPLEMENTAR Histéria, Sociologia e verdade ‘Na maioria das vezes, a Histéria fala em instituigdes, costumes, sociedade, econo- mias, sistemas de direito e fatos de mentalidade, que se constituem em individualidades so- mente num sentido relativo da palavra; so agregados ou entidades. A Historia ndo estuda © homem no tempo; estuda os materiais humanos subsumidos nos conceitos. Certamente, estes materiais comportam a temporalidade, ja que so humanos: a Historia ndo estuda ver- dades eternas... A Historia pode ser definida como 0 inventario explicativo ndo dos homens ou das sociedades, mas daquilo que ha de social no homem, ou, mais precisamente, das diferencas manifestadas por este aspecto social Senhoras e senhores: recapitulemos e concluamos. A Histéria é congenitamente cientifica, ndo pode ser erudigdo inocente; existem rela- tos ingénuos, mas nao puros: dizer que a Guerra Pinica foi uma guerra, jé ¢ colocar impru- dentemente os pés sobre um terreno minado, o da teoria das relagdes internacionais. Por ‘outro lado, a Histéria é cincia das diferencas, das individualidades, mas tal individuagao é relativa & espécie escolhida; pode oscilar entre “Atenas” e a “cidade grega”, ou mesmo a “cidade antiga”, em geral. Portanto, o individual eo geral nao sao absolutos. Como, entao, a Hist6ria, conhecimento do particular num sentido relativo, pode ainda opor-se 4 Sociolo- gia, ciéncia do geral, num sentido igualmente relativo? Quando estudamos a cidade antiga, fazemos Historia ou Sociologia? (p. 57-59) 10 Antiguidade e Historia Medieval | Historia Finalmente, se me permitem passar as confissdes espontaneas, ndo podemos nos impedir de pensar que, em Histéria, as questdes, que so sociolégicas, importam mais que as respostas, efetivamente sociolégicas. Certo, seria importante, por exemplo, saber se 0 crescimento no Império Romano se explica pelo modelo econémico de Harrod e Domar, ou por uma melhor alocugao marginal de recursos, ou, ainda, simplesmente por facilidades fiscais; mas, qualquer que seja a resposta, o essencial nao é pensar em formular a questo? Em outras palavras, é mais importante ter ideias do que conhecer verdades; ¢ por isso que as grandes obras filoséficas, mesmo quando nao confirmadas, permanecem significativas ¢ classicas. Ora, ter ideias significa também dispor de uma t6pica, tomar consciéneia do que existe, explicité-lo, conceitua-lo, arrancé-lo a mesmice... E deixar de ser inocente, e perce- ber que o que & poderia nao ser. O real esta envolto numa zona indefinida de compossiveis no realizados; a verdade nao é o mais elevado dos valores do conhecimento. p. 67 Paul Veyne. O inventdrio dos diferengas, Histéra e Sociologia. S4o Paulo: Basiiense, 1983. 2. Hominizacao e humanizacao ‘Aabordagem da historia das sociedades humanas requer uma discussao prévia sobre um proces- so de hominizacao e outro de humaniza¢ao daquilo que conhecemos por Homem A. Ahominizagao O proceso de hominizacdo decorre de um entendimento das transformagdes genéticas que per- mitiram o surgimento do homo sapiens, espécie de hominideo da qual somos representantes. Foi um processo lento, que durou milhares de anos (vinte milhdes aproximadamente), em que modificagdes foram realizadas entre grupos hominideos. Algumas favoreceram a continuidade de suas vidas, outras colocaram tais grupos em um beco sem saida evolutivo-adaptativo, levando-os a extingdo. Os estudiosos concordam que este proceso teve como lugar privilegiado o continen- te africano, pois os fésseis mais antigos que permitem um conhecimento maior dessas variacoes encontram-se neste continente. dade (mithées Europa Airis Asia “Américas de anos atrés) i ! ; ° Homo sapiens 02 0. 06: 08: Homo | Fo antecestor/ mauritanicus 12 14 O quadro apresenta 0 re processo de hominizagio © a ocupagao dos A continentes a0 Tongo do tempo em 20. milhées de anos. u coe Historia Em poucas linhas, podemos assinalar esse pro- cesso da seguinte forma: Podemos considerar que o féssil mais an- tigo de um hominideo foi encontrado no deserto da Etidpia em 1974, Sdo vesti 6sseos de uma fémea de Australopithecus afarensis, apelidada de Lucy. Ao longo do tempo, surgiram varias outras espécies, como 0 Homo habilis (ha 1,8 milhdo de anos), 0 Homo neanderthalensis (hd 300 mil anos) e, claro, o homo sapiens (hd 195 mil anos). Em razdo das dificuldades climaticas e da bus- ca de novas reas para explorac3o por uma populacéo que crescia, entre outros aspectos, © homo sapiens africano atingiu, por volta de 45 mil anos atras, a Europa ea Asia. Essa movimentacdo foi chamada de “a didspora africana’. Muitas das transformagoes fenoti- picas que encontramos envolvendo povos eu- ropeus, africanos, asidticos e americanos séo relativamente recentes, remontando ha vinte ou ha quinze mil anos, dentre elas a pigmen- tagdo da pele. Quando os seres humanos sairam da Africa, todos eram negros e a pele escura era im- portante, pois ajudava o corpo a se proteger da radiacao solar. A reduco da quantidade de melanina que define a tez branca da pele s6 aconteceu entre os grupos que viviam na Europa entre seis mil a doze mil anos atras apenas ¢ isso significa muito pouco tempo em relagdo ao processo de milhdes de anos da hominizacao. Essa alteraco de melanina cor- respondeu a uma vantagem na sintese de vita- mina D. Assim, podemos afirmar a existéncia de mudancas adaptativas que conferiram uma adequac3o do homem a determinado meio ambiente. Varias geragées num mesmo espa- go foram consolidando diferencas nos grupos humanos sem, contudo, alterar significativa- mente 0 padrao genético que define aquilo que denominamos Homem. Tais diferencas de superficie ja foram utiliza- das em discursos racistas que pretendiam le- gitimar a dominago e a espoliagio de grupos humanos diferentes. Talvez as diferencas este- jam mais no 4mbito cultural, na viséo de mun- do e de organizacao das sociedades humanas R Antiguidade e Historia Medieval | do que em qualquer modificagao genética que tenha produzido seres fenotipicamente distin- tos. Por isso, o préprio discurso cientifico al- terou seu paradigma do século XIX que apon- tava para a existncia de racas e, atualmente, reportamo-nos ao conceito de etnia que en- campa a ideia de cultura, de valores comparti- thados por comunidades humanas. As variagGes fenotipicas que por muito ‘tempo estabeleceram nogdes de raga em dis- cursos da histéria representam mudangas de superficie que ocorreram ha pouco tempo se considerarmos a longa duracSo do processo de hominizagdo que originou o homo sapiens. B. A humanizagaio Juntamente com 0 processo de hominiza- do desenvolveu-se o de humanizacio. Qual a diferenca entre um e outro? Basicamente © processo de humanizacdo corresponde ao traco criador do hominideo, ao aspecto faber (fabricante), ou seja, reporta a cultura. Isso significa que, além de desenvolver aspectos biolégicos (fisicos), os hominideos desenvol- veram elementos de cultura necessarios a sua sobrevivéncia, como a elaboracao de artificios que permitiram a transformacio do meio em que viviam para atender as suas necessidades. Isso marca uma diferenca essencial entre 0 homem e os outros animais, pois nao sé a na- tureza teria atuado na transformacao do seu corpo como o préprio corpo modificado atuou na transformagao da natureza. Em outras pa- lavras, podemos dizer que as mudancas gené. ticas ao longo do processo de hominizacao fa- voreceram 0 estabelecimento do Homem em varias partes do globo, pois fizeram com que ele no se tornasse um animal de um nicho, mas, de uma forma mais ampla, de nichos va- Antiguidade e Historia Medieval | Historia riados. Nesse sentido, teriamos ai uma questo notadamente ecoldgica, visto que as habilidades conferidas por uma genética permitiram ao Homem uma altera¢ao do préprio ambiente para que pudesse sobreviver. Esse cardter interventor em uma escala incompardvel ao de outros seres vi- vos tornou esse Homem essencialmente um produtor, um fabricante que buscava sujeitar a natu- reza. Isso dé ao Homem seu traco fundamental de homo faber ou produtor. Se quisermos discutir 0s problemas ambientais, ecolégicos do nosso mundo globalizado, temos, necessariamente, que entender essa condicdo especial do Homer. © primérdio dessa atuacdo que configura a condiggo humana como fabricante pode ser localizado ja na chamada Pré-Historia da hu- manidade. Devemos considerar, antes, que tal nomeagao nao deixa de ser preconceituosa, pois por muito tempo se considerou que a histria sé poderia ser contada sobre povos que tivessem desenvolvido uma escrita. As- sim, povos que nao chegaram a desenvolver um sistema de escrita foram considerados pré-histéricos. Isso vem sendo criticado por muitos autores que contam histérias de po- vos sem escrita utilizando-se da leitura de uma produgao material deixada por grupos humanos agrafos. Vale ressaltar que a histo- ria oral também tem contribuido para a fixa- gio escrita de narrativas histéricas de povos que habitam a Terra e ndo desenvolveram uma escrita Contudo, considerando um primérdio no qual grupo humano nenhum havia desenvolvido um sistema de escrita, podemos considerar as chamadas Idades da Pedra como expres- ses desse cardter fabricante inerente ao ho- mem. Assim, teriamos trés fases da pedra e uma dos metais, que foi a ultima. As fases da pedra foram denominadas Paleolitico, Meso- litico e Neolitico. 3 Quando tratamos da capacidade de modificagio da natureza, de produsao do homem, devemos nos lembrar do espago citadino de suas implicagdes ambient: A cidade é considerada uma segunda natureza, um artificio que imprime ao espago a logica das relagdes humanas. A foto éda ponte estainda da cidade de Sio Paulo, tomada noturna, que nos informa a engenharia humana ¢ sua capacidade criadora e interventora. C. A vida humana antes do aparecimento da escrita E importante compreendermos que civiliza- ges existiram antes do advento da escrita e considerarmos seus desenvolvimentos como formas complexas de atuacdio humana no sen- tido de preservacdo da vida. Nesse sentido, no devemos estabelecer comparagées inde- vidas que possam sugerir que povos agrafos so inferiores a grupos humanos que criaram sistemas de escrita. Podemos apenas assinalar a diferenga entre os diversos grupos e estudar seus nexos de estabilizacdo social em um jogo de adaptacées e de transformagdes do meio natural. C1.OP olitico Dificil definir uma data para o inicio da fase fabricante do homem, mas podemos afirmar que, desde tempos remotos, em um periodo chamado pelos especialistas de Paleolitico (Idade da Pedra Lascada), o homem passou a produzir utensilios que 0 ajudam na sua so- brevivéncia, Esse perfodo é subdividido pelos arqueslogos em: Paleolitico Inferior, Médio Superior. Historia De uma forma geral, os grupos humanos que viveram nessas fases vagavam em busca de alimento e j4 desenvolviam instrumentos de pedra lascada que permitiam a caca, a coleta € a pesca, como machados de mao, pontas de langa e facas de variados tamanhos. Tais ins- trumentos eram utilizados também para a de- fesa em relago a possiveis predadores. Eram, entdo, nomades e viviam em pequenos grupos, alguns em cavernas, outros possivel- mente em acampamentos que eles mesmos construiam utilizando materiais organicos como galhos, troncos, folhas e cascas de arvo- res, que, por sua composi¢ao organica, no re- sistiram ao tempo para testemunhar algumas de suas habilidades. Assim, podemos concluir que o Homem jé era um fabricante nessa fase E do Paleolitico o conhecimento e a utilizacao do fogo por grupos humanos, além de um pos- sivel desenvolvimento de uma linguagem fun- dada na oralidade. Os grupos que habitavam as cavernas deixaram um importante registro de seu cotidiano ao re- presentar cenas do dia a dia nas paredes da caverna. A isso denominamos pinturas rupes- Antiguidade e Histéria Medieval | tres. Essas pinturas revelam atividades como a caca e cenas de reproducao e da comunidade em uma espécie de ritual, indicando o carater magico dessas representagGes. Alguns autores apontam para a existéncia de um substrato que teria fornecido a base do pensamento re- ligioso do homem, Sobre a relaco entre pintura rupestre, caca e magia H. W. Janson nos informa: Na verdade quase nao ha diivida de que faziam parte de um ritual magico.. Chegamos a essa conclusio néo apenas devido a sua localizagdo scereta ¢ tra- gos representando langas ou dardos que apontam para os animais, mas também devido a forma desordenada com que as imagens estio dispostas, umas sobre as outras. Aparentemente, para os homens do Paleolitico nao havia uma distingao muito nitida entre imagem ¢ realidade; ao retratarem um animal, pretendiam fazer com que ele fosse também trazido ao seu aleance, € ao ‘matarem’ a imagem julgavam ter matado o espirito vital do animal. O homens pré-histéricos do Paleolitico possufam entre suas atividades de sustento a caga e habitavam cavernas, um refiigio natural contra predadores. cra Antiguidade e Histéria Medieval | © homem do Paleolitico desenvolveu representagdes nas paredes das cavernas que possuiam um earater magico, pois acreditavam que o desenho na parede, provavelmente acompanhado © aprisionamento do animal desejado, facilitando a caca. Tais representagdes eram realizadas em espagos especfficos da caverna, reservados exclusivamente par: C.2. 0 Mesolitico ‘Alguns autores afirmam a existéncia de um Periodo Mesolitico, que teria ocorrido apés a ultima Era Glacial, por volta de 8.000 a.C. O au- mento da temperatura e das chuvas favorece- ram o desenvolvimento de florestas. Animais de grande porte cederam espaco a seres me- nores na Eurésia, alterando o padrdo de caca e de coleta das comunidades humanas. Vara, arco e flecha fazem parte de novas ferramen- tas produridas pelo homem para sua sobrevi- vencia €.3. 0 Neolitico (uma revolucao?) © arquedlogo Gordon Childe foi um estu- dioso importante no esforgo de compre- ender a vida do homem dito pré-histérico. Suas observacées em sitios arqueoldgicos, seus métodos de pesquisa e suas elabora- ses teéricas marcadamente marxistas de- ram as bases dos conhecimentos a respei- to do periodo de vida humana anterior a aparecimento da escrita. Trabalhando com a ideia da organizacao social a partir da luta pela sobrevivéncia e pensando na questao da atividade produtiva como elemento di- ferenciador de grupos sociais, ele colocou a discusso sobre o universo produtivo como isso, indicando, dessa forma, uma funcionalidade da aco de representar. algo anterior ao chamado modo de produ- ¢0 asiatico, 0 qual abordamos em nossa in- trodugao aos estudos histéricos. Nesta imagem, vemos alguns exemplos de pedras polidas que foram utilizadas como ferramentas pelos homens do Periodo Neolitico. A chamada indastria litiea foi aprimorada nessa fase com a criagao de machados para derrubada de arvores, de pontas de setas para atingir animais com flechas, de més para triturar cereais recolhidos e de enxés para trabalhar nos campos. Historia Gordon Childe apontou para a existéncia de uma Revolugdo na pré-histéria da humanidade que seria equivalente Revolugdo Industrial, pois teria alterado profundamente a vida dos homens como a Revolugdo Industrial alterou a vida do homem na contemporaneidade. Mas em que residiria essa alteracdo? C4, De predador para produtor Chomem teria, por volta de 10.000 anos a.C., no Oriente, deixado de ser um simples predador e iniciado sua jornada produtiva na Terra. Essa mu- danca seria fruto da sua capacidade de ler as re- corréncias da natureza, percebendo que poderia utilizé-la em seu beneficio. A racionalizagao teria ganhado um impulso nunca antes visto quando ‘© homem passou a domesticar animais, criando rebanhos e nao dependendo exclusivamente da caca para conseguir seu alimento. Além dis- So, sua observagio sobre os ciclos da natureza garantiu sua saida do estagio de coletor para 0 de agricuitor. Nao se sabe quem ou qual grupo humano fez isso primeiro, mas a capacidade de imitagdo dos homens teria garantido a expansdo do comportamento produtivo, alterando profun- damente a vida do homem pré-histérico. Antiguidade e Histéria Medieval | No que diz respeito as mudangas, devemos assinalar que a criagdo de um rebanho reduz a mobilidade do grupo humano e o desen- volvimento da agricultura vincula o homem a um dominio territorial. Assim, podemos observar o processo de sedentarizacdo das comunidades, de divisdo social do trabalho e de surgimento de aglomeracées humanas em areas que permitiam a agricultura. A vida em pequenos grupos, caracteristica da fase Paleolitica, deixou de existir na fase das co- munidades produtoras, pois a producdo de alimentos trouxe beneficios que garantiam o sustento de uma populacao cada vez maior. Teria havido uma explosdo demogréfica nesses espacos produtivos. Assim, a Revolucdo Neoli- tica teria alterado qualitativamente a vida do homem pré-histérico. Haveria af até mesmo uma dupla revoluco, pois, na sequéncia, 0 homem teria construido um espaco artificial para sua vida, elevando muros, estabele- cendo locais de culto, de sepultamento dos mortos, de moradia e de armazenamento da produgao. A isso foi denominado Revolug3o Urbana. Esse € 0 sitio arqueolégico de uma das cidades mais antigas, Catal Huyuk, localizada no centro-sul da Turquia. A arquitetura de tijolos indica que nao havia espago entre uma casa e outra, exigindo dos moradores acessarem suas residéncias pelo telhado. Era um sistema de comunicasao dificil, mas que garantia a proteso dos moradores. Em que pesem todas essas mudancas na definicdo de um conceito revolucionério atribuido & vida do homem pré-histérico, varios autores apontam para um processo lento em que o homem desenvolveu 0 pastoreio, mas ndo abandonou a caca, e a agricultura que, a principio, foi algo complementar & coleta. Sendo assim, 0 termo revolucao ndo seria o mais adequado para tratar dessa mudanga qualitativa da vida humana na pré-histéria. Esse carater lento estabelece uma ideia de continuagdo, de gradualidade, com agregacoes. 16 Antiguidade e Historia Medieval | O homem era um grande observador desde 0 Paleolitico, pois disso dependia sua sobre- vivéncia. A partir dessas observacées, alguns grupos compreenderam a importancia da domesticagao de animais e do plantio de se- mentes, escolhendo os que atenderiam me- lhor as suas necessidades. Isso ja significava uma selecao artificial, pois era realizada tendo como critério o interesse humano. Sistemas de irrigacao de solo, barragens, diques, silos foram construidos para atender & producao de alimentos. O homem foi deixando o noma- dismo, passando a viver em grandes grupos e, de simples predador, tornou-se produtor num sentido mais restrito, qual seja, no sentido da produgdo de viveres. Nesse quadro, houve a divisio do trabalho em uma comunidade que crescia e necessitava de regras de convivio co- letivo. Tudo isso num movimento de longa du- racdo que teria levado séculos. E importante ressaltar que nesse quadro de alteragdes da vida do homem foram produzi- das as primeiras instituigdes, visando estabe- lecer as regras do convivio social. Nesse sen- tido, devemos considerar os primérdios das civilizagdes na Pré-Histéria, pois o homem te- ria deixado de se comportar como os outros animais na natureza ao estabelecer valores que definiam sua conduta A primeira instituiggo humana foi a familia, estabelecendo uma assimetria de relagdes ex- pressa no bindmio pais-filhos e definindo uma fa de autoridade. Alguns autores afirmam, com base em estudos de mitologia, que as pri- meiras organizacées familiares eram matriar- «ais, pois, como a mulher teria desenvolvido o conhecimento sobre a agricultura, teria estabe- lecido uma ordem no espaco, garantindo a con- tinuidade da produgao. Depois, num quadro de disputas pelo controle de terras araveis, os homens passaram a ter um papel fundamental para a comunidade produtora, instituindo-se um modelo de organizacdo familiar patriarcal. © importante ¢ que saibamos a importancia dessa primeira instituic3o humana na garantia de lagos de sangue, afetivos e de valores que garantiam ordenamento aos grupos humanos. Contudo, a familia possuia uma dimensdo re- duzida em termos espaciais e em termos de elementos agregados. Os conflitos intensos 7 Historia por terras entre varios grupos levaram 8 ne- cessidade de aliancas e de ampliagao dos la- gos de parentesco. Teriam surgido, assim, os clas, as tribos associadas e, por fim, 0 Estado, uma organizacao de maior abrangéncia terri- torial e populacional. 0 Periodo Neolitico representou um intervalo pequeno da Pré-Histéria, mas decisivo para o surgimento de um modelo de civilizagio. Das pinturas rupestres 0 homem passou para a arte ceramica, imprimindo ao mundo de for- ma nitida uma ideia de modelagem, de capa- cidade de atuacao humana. Mas se 0 homem faz (homo faber), quem fez o mundo antes? O sentimento religioso © homem pré-histérico possufa jé na fase Paleolitica um sentimento do magico e esse sentimento foi agucado a partir do entendi- mento de sua capacidade de aco. Deveria haver algo além, algo que tivesse produzido © mundo, que movesse a natureza. Em sua mente, todas as coisas eram animadas por forsas poderosas que deveriam ser contem- pladas, apaziguadas ou estimuladas. Os rela- tos orais tiveram provavelmente um poder de traduco dessas forcas, retratadas pelos mi- tos, os quais instituiam ordens e espelhavam a natureza, colocando o homem como um mediador do mundo para harmonizd-lo. Isso significava obter beneficios para sua vida ‘Tumbas, sarcéfagos, cemitérios so exemplos de uma preocupacdo com o além e ja apare- cem na fase Neolitica. A “casa dos mortos” possuia vasos de ceramica com os objetos usados pelo defunto, numa clara preocupa- go de deixé-los disposi¢do daquilo que havia abandonado o corpo. Assim, do senti- mento religioso para a sistematizagao de re- ligides, de ordens divinas e de poder politico no foi um caminho dificil. Estavam dadas as bases de um modelo de civilizagao. C.5. A ldade dos Metais A Pré-Histéria também contempla o dominio sobre os metais pelo homem. A principio, 0 ouro, 0 cobre e o estanho foram explorados e da mistura dos dois ultimos 0 homem pro- duziu o bronze. As armas de bronze e as joias em ouro eram representativas de distingdes sociais e de poder politico. Grupos que nao tinham desenvolvido conhecimento sobre os metais foram submetidos a uma Idgi- ca que unia controle territorial, subsisténcia e poder magico (a¢do dos deuses). Mais tarde, o ferro passou a ser desenvolvido em terras orientais e em alguns espacos da Europa. Novas campanhas militares reordenaram sociedades e aumentaram o grau de complexidade das relages humanas. Acima, uma representagio da fundigio primitiva no Egito Antigo que mostra como era © trabalho com o cobre, um dos primeiros metais a ser utilizado pelos homens. E importante lembrar que os varios conhecimentos produzidos nao poderiam ser perdidos e ai se colocava o problema da continuacao das ideias desenvolvidas na coletividade num quadro de divisio de tarefas. Nesse sentido, podemos compreender a importéncia da criagdo de sinais que reportavam as ideias a associagao de ideogramas e a constituicao de sistemas de escrita O advento da escrita teria possibilitado a conservacao de experiéncias e conhecimentos, favo- recendo o acumulo de repertdrios utilizados no desenvolvimento das sociedades humanas; tal pratica inaugurou a historia antiga com a escrita cuneiforme criada pelos sumérios na regio da Baixa Mesopotamia. {Datas aproximadas) Periodos Faixa de datas Antes da Pré-Histéria 600.000 a.c. Pré-Historia 3,000,000 a.C. até 4.000 a.C. Paleolitico 3.000.000 a.¢. até 10.000 a. Mesolitico 10.000 a.C. até 8.000 a.c Neolitico 10.000 a. até 4.000 a.C Idade dos Metais Por volta de 4.500 a. até o in Bresso na histéria por volta de 3.500 a. coe 1B Antiguidade e Histéria Medieval | Historia LEITURA COMPLEMENTAR Hordas e aldeias do homem da pedra ‘ARevolugio Neolitica Momento decisivo da histéria da humanidade aquele em que o homem “inventa” a agricultura cerealifera e a domesticagdo dos animais: doravante deixar de estar sujeito as vicissitudes e aos perigos da caca, até entio principal fornecedora de alimento. Mas hoje sabemos com seguranga que esse “momento” dura séculos e que, durante longo tempo, atividades antigas ¢ atividades novas coexistem. 1. Oshistoriadores ligavam anteriormente tais avangos a sedentarizagao e a invengao da cermica, Sabe-se melhor hoje quio prudente se deve ser em tal matéria. Assim, uma certa forma de agricultura aparece muito cedo no Egito, a partir do Paleolitico! Mas, na maioria dos casos, no Préximo Oriente, a sedentarizagio precede — em varios séculos — a cultura dos cereais: nas aldeias protoneoliticas da Siro-Palestina, foram desenterradas foices que serviam para ceifar gramineas selvagens que eram depois armazenadas; esta atividade j4 no é a simples recolegao... Nao obstante, a sedentarizagao acelera-se com a implantago definitiva da revolugao neolitica: a aldeia permanente é o simbolo materializa- do de uma comunidade que tem ali o centro de todas as suas atividades materiais, politicas ¢ intelectuais, que se acumula 14 as suas colheitas para fazer a ligagao de um ano ao outro, que ali honra os seus deuses em santudtios, que ali enterra os seus mortos/antepassados, por vezes mesmo sob o habitat... E, enfim, nestas aldeias estaveis que se desenvolve um artesanato téxtil. As pegas de ves- tuario de pele dos “primeiros homens” so substituidas por vestes de tecido: as mulheres fiam e tecem a la dos animais ha pouco domesticados e as fibras do linho cuja cultura se espalha... LEVEQUE, Pierre. As primelras civilizagdes. Da Idade da Pedra aos povos semitas. Lisboa: Edigbes 70, 2009. p. 12-13. EXERCICIOS RESOLVIDOS 01. ENEM Apintura rupestre acima, que é um patriménio cultural brasileiro, expressa: 1 coe Historia Antiguidade e Histéria Medieval | a. oconflito entre os povos indigenas e os europeus durante o processo de coloni- zaco do Brasil. b. a organizagdo social e politica de um povo indigena e a hierarquia entre seus membros, c. aspectos da vida cotidiana de grupos que viveram durante a chamada pré- -histéria do Brasil. d. os rituais que envolvem sacrificios de grandes dinossauros atualmente extin- tos. e.a constante guerra entre diferentes grupos paleoindios da América durante 0 Periodo Colonial. Resolugao As pinturas rupestres existentes na serra da Capivara, no estado do Piaui, demonstram re- lagGes cotidianas do homem, como a caca e/ou 05 rituais magicos durante a Pré-Histéria Resposta c 02. UFGD A chamada Revolucao Neolitica é caracteriza- da por: a. maior dependéncia das populagdes hu- manas em relaco as atividades de sub- sisténcia ligadas & caca e & coleta; predo- minio de religiGes monotefstas no Velho Mundb; crescimento dos centros urba- nos; desenvolvimento da metalurgia. 20 b. menor dependéncia das populacées humanas em relacdo 4 natureza; aci- mulo de capital cultural; aumento do nomadismo entre os grupos agriculto- res em todo o mundo. maior complexidade econémica e so- cial dos grupos humanos; de popula- 0; surgimento de religides monoteis- tas; menor dependéncia em relagao as atividades ligadas 8 caca e & coleta. d. aumento demogréfico; domesticacio de animais e plantas; actimulo de capi- tal cultural; popularizacao de artefatos de ferro; dominio de técnicas da nave- gacdo de cabotagem. e. desenvolvimento da agricultura; pro- cesso de sedentarizacdo; crescimento populacional; surgimento gradativo de vilas e cidades. « Resolucao A Revolugao Neolitica iniciou-se por volta de 10.000 a.C. na regiao do Crescente Fértil. O desenvolvimento da agricultura e a domesti- cago de animais propiciaram 8s populaces humanas menor dependéncia em relago a natureza. Aos poucos, ocorreu aumento de- mografico e crescimento populacional. A Re- volucao Neolitica nao levou a criagao imediata de religiées monoteistas nem ao dominio de técnicas de navegacéo de cabotagem. Resposta E Antiguidade e Histéria Medieval | 1. Introdug3o A criagao da escrita correspondeu a uma condi- so diferenciada para alguns grupos humanos, pois os registros materiais dos pensamentos contribuiram para ampliar horizontes e preser- var conhecimentos. As civilizagBes que primei- ro entraram para esse universo dos povos com escrita viveram no Oriente. Essas civilizagdes apresentaram certos aspectos semelhantes de organizacao politica, econémica e social. Nesse sentido, podemos assinalar a estruturagio de Estados teocraticos que revelam a importancia dos sistemas religiosos no ordenamento social ‘Além disso, tais grupos humanos desenvolve- ram sistemas de irrigaao do solo, constituindo cidades 8s margens dos rios. O esforco humano consistiu, entre outros aspectos, na realizacao da produsao agricola, garantindo a subsistén- cia de populagSes que cresciam em ritmo acele- rado. Tais aglomeracées humanas ficaram, por isso, conhecidas como civilizagdes de regadio. Outros dois aspectos comuns a essas civiliza- ses dizem respeito ao trabalho e ao dominio territorial. No caso do trabalho, havia uma obrigatoriedade controlada pelo Estado. As po- pulagdes eram obrigadas a trabalhar em uma espécie de serviddo coletiva ou de Estado. No caso do dominio territorial, a terra ficava sob 0 controle da organizacio estatal ou daquele que representava 0 topo da hierarquia desse Esta- do, normalmente associado a religido. Historia CAPITULO 02 « AS CIVILIZACOES ANTIGAS DO ORIENTE | au Foi dessa forma, em termos gerais, que houve 0 florescimento de complexas civilizasbes en- tre os rios Tigre e Eufrates, na Mesopotamia, e no vale do Nilo a nordeste do continente afri- cano. Por essas areas representarem juntas um arco que lembra uma lua crescente foram chamadas de Crescente Fértil. Vamos detalhar, a seguir, alguns tracos que marcaram as civili- zacBes egipcia e mesopotamica 2. Civilizago egipcia A histéria do Egito Antigo confunde-se com os primérdios das civilizagdes. Contudo, por muito tempo, tal histéria foi uma incégnita para 0 Oci dente, apesar de os gregos, no mundo antigo, jd terem feito, em seus escritos, referéncias a respeito dos egipcios. Um dos fatores que cria- va obstaculos & aquisigao do conhecimento da civilizagao egipcia antiga estava na dificuldade de entender a sua escrita. Apenas no século XIX a escrita desse grupo humano foi decifrada por um francés chama- do Jean-Frangois de Champollion, a partir do estudo de uma Pedra com inscrigdes em gre- go e hierdglifo encontrada na regido de Rose- ta, Desde entdo, todo esse universo foi sendo descortinado, permitindo aos historiadores melhor compreenséo dos quadros de vida, de espiritualidade, de organizagao politica, de produgao material e tecnolégica dos an- tigos egipcios que se desenvolveram no vale do rio Nilo. NISSCI-| 5s 7 Asa) So lAlelf fe] — Seo = eS Acescrita pictogrsfica/hieroglifica egipcia foi decifrada pelo francés Francois de Champollion por meio de estudos comparados de um texto em grego e em hieré Roseta. Acima encontramos algumas equivaléncias entre sinais em hicréglifo ¢ o alfabeto. 2 Historia Além disso, estudos envolvendo a cultura ma- terial egipcia tem ajudado muito na elabora- 80 de interpretacdes abrangentes de um uni- verso social rico em representacdes do mundo ¢ interagdes com a natureza Podemos afirmar que a historia do Egito Antigo é um recorte espaco-temporal que compreen- de parte do Crescente Fértil, mais precisamen- te, o nordeste da Africa e adjacéncias durante cerca de quatro mil anos antes do nascimento de Cristo. Durante esse perfodo, foram organi- zadas varias dinastias e constituidos impérios cuja complexidade de organizacdo demonstra a sofisticaco civilizacional ali desenvolvida Devemos considerar, que a historia do Egito Antigo foi objeto de varias representagées fan- tésticas no mundo ocidental que mais expli- citam 0 olhar do ocidente sobre o oriente do que propriamente dé conta da complexidade das relacdes engendradas naquele universo social do vale do rio Nilo. O cinema, a literatu- ra e as propagandas televisivas nos informam um mundo mégico, extremamente religioso em que forcas sobrenaturais agiam, exigindo dos homens uma dedicagio plena No podemos dizer que isso foi uma simples fan- tasia do ocidente, mas devemos considerar que, no mundo egipcio, nao hd separacao entre na- tural e sobrenatural, que a mitologia nao é pura transcendéncia do mundo material, mas est co- ligida a este mundo como uma estampa, como uma imagem significativa da prépria natureza Assim, hd coesio entre aquilo que denomina- mos fantastico e o natural de tal forma que a comunidade humana se sente ajustada, harmo- nizada nas diferengas e compromissos assumi- dos por seus integrantes. Isso dé sentido ao ter- mo civilizago egipcia, pois é um ordenamento mesmo havendo tenses no seio da sociedade. Dessa forma, mudangas dindsticas e conflitos pelo exercicio do poder estdo contemplados, de alguma forma, em sua religiosidade, em sua visio de mundo, sem que isso represente uma corrupcao de certos principios ordena- dores da comunidade. A luta entre os deuses Seth e Osiris, a filiago divina ordenadora da trindade (Osiris, [sis e Hérus), o tempo da exis- t€ncia condicionado pelo deus Amon-Ré (Sol) so exemplos da variedade da prépria nature- zae de seu sentido. Além disso, os hieréglifos expressavam as diferencas, mas também a 22 Antiguidade e Historia Medieval | ‘Mar Mediterneo BAIXO EGITO 4a piramides Deatarata, Representagao do espaco onde se desenvolveu a civilizacao egipcia antiga, da segunda catarata do rio Nilo até o seu delta no norte. aproximago de todas as coisas. Eram sinais que correspondiam a propria ordem do mun- do, de sua diversidade, sem, contudo, deixar de representar as derivages das coisas em uma teia que envolvia todos os seres. eJ, & Os egipeios cultuavam figuras antropozoomérficas, pois entendiam dessa forma a integracao entre a natureza e as divindades. A representagio acima corresponde ao deus Hérus, senhor do Egito. Esse deus apresentava chegou a ser representado apenas ‘com a forma de um faledo. O trono do faraé Possuia, em seu topo, a figura do deus Hérus, pois chegou-se a acreditar que Horus, no ritual de entronizacao do faraé, ocuparia 0 corpo do entronizado, o que significava dizer que o faraé era o préprio deus na Terra. Antiguidade e Historia Medieval | Assim, percebia-se um universo que encerrava deuses, homens e natureza que se refletiam em derivagées sucessivas. Dai a dificuldade do ocidente em entender o mundo antigo egipcio, pois o olhar ocidental j4 esté marcado pela dis- sociaco entre religido e ciéncia, sobrenatural e natural, entendidos como em polos opostos. Nosso olhar interroga as expressdes de vida do mundo egipcio definindo seu caréter como sobrenatural, mistico, religioso, sem entender as miltiplas relagdes constituidas naquela so- ciedade que estamparam uma simbologia que referendava a organizag3o de sua comunida- de. O que a midia normalmente veicula sobre © Egito Antigo corresponde a uma egiptoma- nia, a uma espécie de fantasia ocidental sobre © Oriente, em especial, sobre o Egito. Asse respeito, o pensador Edward Said colo- cou a importéncia da expedi¢ao napolednica para 0 Egito como linha de forca das visdes do Ocidente sobre o Oriente. Ele nos informa que: © importante em tudo isso & que, para Napoledo, o Egito era um projeto que adqui- riu realidade em sua mente e, mais tarde, nos preparativos para a sua conquista, por meio de experiéncias que pertencem ao dominio das ideias ¢ dos mitos colhidos de texto e ndo da realidade empirica. Seu projeto para o Egito, portanto, tornou-se 0 primeiro de uma série de encontros euro- peus com o Oriente. ou: © orientalismo... nfo é uma fantasia avoada da Europa sobre o Oriente, mas um corpo criado de teoria pritica em que houve, por muitas geragdes, um con- sideravel investimento material. O inves- timento continuado fez do orientalismo, como sistema de conhecimento sobre 0 Oriente, uma tela aceitavel para filtrar 0 Oriente para consciéneia ocidental (..) © Oriente ¢ coberto pela racionalida- de do orientalista; os prineipios daquele tornam-se os destes. SAID, Edward, Orientlismo ~ 0 Oriente como invengéi do Ocidente. Sé0 Paulo Companhia das Letras, 2001. pp, 123-124, Assim, 0 que predominou foi uma ideia oci- dental sobre 0 Egito mais do que o préprio Egito como um lugar, como um espaco de so- ciabilidade original. Contudo, apesar dessas 23 Historia ressalvas, podemos considerar alguns aspec- tos do universo egipcio antigo com a ajuda de estudos antropolégicos associados 3 arqueo- logia. © quadro natural representou uma fonte de inspiragao para a organizag3o de mode- los politicos ao longo da histéria do Egito Antigo, pois as tentativas de explicagio do movimento de cheias e vazantes do rio Nilo forneceram os elementos necessarios ao or- denamento politico da regido. Devemos con- siderar que em meio ao deserto foi possivel a vida, um ecossistema complexo no qual 0 homem esteve inserido e isso se deve a exis- téncia do rio Nilo. Nesse sentido, 0 rio Nilo contribuiu decisiva- mente para a constituico de um imagindrio em que as divindades representavam as for- gas da natureza, indicando o sentido da vida € 0 seu renascimento. A questo residia em como explicar o sistema de cheias e vazantes que permitiu a fertilizago frequente do solo, ajudando o trabalho humano necessario para obter uma produco, principalmente, agrico- la em larga escala? Como acomodar em uma linguagem aquela repeti¢ao, aquele ciclo que possibilitava a vida? Assim, os deuses Osiris, {sis e Hérus (a trin- dade) expressavam a ordem e a duracdo, 0 julgamento e a condi¢o da vida, uma mitolo- gia que instituia na mente um espaco, o Egito, com toda a sua diversidade biolégica e orde- namento. Hérus, herdeiro do lugar constituido Por seus pais ~ Osiris e Isis, deveria governar. Essa justificativa mitica da vida expressou-se em sinais graficos (hierdglifos), pinturas, escul- turas, templos, palacios e cdmaras funerérias que forneciam a informacao (sinais) da natu- reza e formavam homens na crenca dos po- deres divinos e da participacao humana nesse cosmo dotado de forgas poderosas. Assim, os ciclos da natureza encontravam equivaléncia no imagindrio dos habitantes do vale do Nilo. O poder dos deuses era o poder do farad, in- termedidrio entre deuses e homens, a propria divindade entre homens. Dessa forma, a vida nao poderia ser perdida, mas modificada. O além egipcio era um eco desse mundo que re- troagia na vida, implicando identificagdes em transito. Disso podemos depreender a com- plexidade da civilizacdo egipcia antiga. Historia 0 Estado era expresso e, a0 mesmo tempo, simbologia da natureza. A sua tradug3o hu- mana era a escrita que se associava a organi- zago estatal como seu mais poderoso pilar. IdentificagBes sociais estavam harmonizadas em fungées que deveriam ser desempenha- das em beneficio de uma totalidade organi- ca. Em torno desses referenciais de cultura e vida material uma histéria de milénios teve seu curso. Podemos assinalar que a historia do Egito An- tigo foi marcada por movimentos de centra- lizagdo e descentralizagio, Embora existissem nas fases pré-dindsticas dois reinos, um no norte e outro no sul, forcas centrifugas atua- ram nas divisdes administrativas menores, conhecidas como nomos. Assim, sé quando se instituiram poderes maiores com capaci- dade de mobilizar intimeros recursos huma- nos e materiais houve grandes realizaces materiais. As vilas estavam vinculadas umas as outras, 0 que permitia uma articulagéo que favorecia, em determinados contextos, 0 poder imperial. Este por apresentar sinais de sua forca, de forma visivel por meio de gran- des obras piiblicas, muitas vezes acabou por Antiguidade e Historia Medieval | Os escribas eram funcionsrios do Estado fundamentais para a realizaso dos varios registros necessarios para o controle das atividades produtivas, para a manutencio dos rituais sagrados e para a afirmagio das leis. Muitos saiam de familias camponesas que trabalhavam bem a terra, pois os sacerdotes os escolhiam baseados na premissa de que as sementes eo alimento ~ sagrados aos sinais pictograficos que, reunidos, produziam © alimento — conhecimentos. Nada melhor do que elementos que saiam do campo para fixar 0s textos vistos como sagrados também. Isso contemplava grupos sociais diferentes em uma mesma concepsio de mundo, fator fundamental de harmonizagao das diferengas no Egito Antigo, abafar descontentamentos que floresceram no seio de sua sociedade. Devemos considerar que quase 70% da historia do Egito Antigo foi constituida por dinastias e dominios estrangeiros, indicando a existéncia de um Estado forte no transcurso da vida no vale do Nilo e adjacéncias. Isso ndo impediu rebelides originadas de grupos constituintes de uma elite local e regional no Egito. Algumas vezes, 0 préprio faraé era arrastado em conspi- rages palacianas, como foi o caso de Amendfis IV (1364-1347? a.C.), que realizou uma reforma religiosa, instituindo um deus tinico denomina- do Aton. O faraé alterou seu nome para Akhe- naton na tentativa de reforcar sua autoridade, pois 0 Império crescia por meio de conquistas militares e isso ampliava a forca de sacerdotes e senhores da guerra. A sua reforma foi ques- tionada por grupos dentro do Império, embora o rei tenha ordenado e construido uma cidade inteira em homenagem ao deus Aton. Apés sua morte, a presséo sobre Nefertite, sua sucesso- ra, cresceu no sentido de recuperar as antigas crengas politeistas, o que aconteceu no reinado de seu filho Tutancdmon, ultimo representante da 18 dinastia do Egito Antigo. 24 Antiguidade e Historia Medieval | ‘O mapa nos informa a dimensio do Império Egipcio 4 época de Amenéfis IV ou Akhenaton, depois de sua reforma religiosa que estabeleceu ‘0 monotefsmo entre os egipcios. Observe que esse imperador ordenou a construgdo de uma cidade para o deus tinico: Aton. Essa cidade foi chamada de Aquetaton ou horizonte de Aton. Todas as manifestacdes eram compreendidas como expressdes integradas entre homens, deuses e natureza, o que configurava um pen- samento mitico tio poderoso que inumeros povos que entraram no Egito de forma pacifica ou violenta acabaram assimilando seus ele- mentos de cultura. Sobre essa mitologia, sua magia e forca agre- gadora o historiador Ciro Flamarion S. Cardoso Nos informa: .. 08 egipcios professavam uma crenga no poder criador da palavra e, por extensio, das imagens, dos gestos e dos simbolos em ge- ral, que se articulava com a possibilidade de coagir os deuses eo cosmos, ou seja, com a magia, Ptah, deus de Ménfis, numa das verses do mito da criagao do mundo, gerou deuses simplesmente pronunciando os res- pectivos nomes. O raciocinio mitico muitas vezes funcionava através de trocadilhos, pois ao ter a palavra poder criador, as coi- 25 Historia sas designadas por termos homéfonos ou de prontincia semelhante se equivalem — jé que o nome é a coisa, Por exemplo, dizia-se que Ra, chorando (rem), criou os homens(romé) € os peixes (ramu). A extensao de tal princi- pio a outros sistemas de signos abria o cami- ho a formas variadas de agdes migicas. Se a palavra, o gesto, a escrita, a imagem ete. geram a realidade, podia-se agir sobre esta através de formulas verbais, gesticulagao ri- tual, textos, desenhos... A representagio do rei, nos relevos dos templos, dominando os inimigos do Egito, garantiria a seguranga do pais através da constante vitéria sobre tais inimigos, CARDOSO, Ciro F.S. 0 Egito Antigo. So Paulo: Brasiliense, 1982. p. 32, A. Economia e sociedade As atividades produtivas no Egito Antigo confi- guraram divis6es no seio da sociedade e estabe- leceram um ordenamento pautado por nogées miticas expressivas das condigées naturais. Em outras palavras, a economia egipcia estava inti mamente ligada a uma estrutura social de ins- piracdo religiosa. Agricultura e pecudria eram complementadas pela pesca e pela caca, Exis- tiam restriges religiosas ao consumo do peixe e da caca de certas aves, considerando que os ani- mais constituiam parte do préprio ordenamento vino, dai o culto a animais e a figuras antropo- zoomérficas no vale do rio Nilo. A propria agricultura era compreendida como uma expresso divina, sendo muitos escribas retirados de familias camponesas que atuavam bem nos campos, pois se acreditava que, como as sementes geram alimento, esséncia da vida, 05 sinais hieroglificos (sementes) langadas no papiro revelavam a prdpria esséncia e ordena- mento da vida. Daf o relativo status social des- frutado pelos escribas no Egito Antigo. ‘Além das atividades de sustento, existiam ativida- des artesanais importantes na civilizago egipcia, tais como a ourivesaria, a metalurgia, a produc3o cerdmica, a tecelagem e a construgao naval e a arquitetura. Hierarquias eram constituidas com base no grau de complexidade de realizacdo de cada uma das atividades descritas acima. Assim, um ourives ou um tecelao poderiam ter um destaque em meio a uma populacao pre- dominantemente camponesa Historia De acordo com Ciro Flamarion Cardoso: O artesanato egipeio organizava-se em dois niveis. Nas propriedades rurais ¢ n: aldeias existiam oficinas que produziam tecidos grosseiros, vasilhas utilitarias, tijo- los, artigos de couro, produtos alimenticios (pio, cerveja) etc, J4 0 artesanato de luxo, de alta especializagao e qualidade excepcio- nal — ourivesaria, metalurgia, fabricagdo de vasos de pedra dura ou de alabastro, faianga, méveis, tecidos finos, barcos, pin- tura ¢ escultura ete. —, concentrava-se em oficinas mais importantes, pertencentes a0 rei e aos templos. O monarea era também responsdvel pela organizagao da mineragio ¢ das pedreiras (exploradas através de ex- pedigdes ocasionais) e pelas grandes cons- trugdes e obras piblicas, CARDOSO, Ciro FS. 0 Egito Antigo. Séo Paulo: Braiiense, 1982, p.13 Outro aspecto que vale ressaltar na sociedade e na economia egipcias diz respeito ativida- de comercial. Os mercadores tinham um papel relevante, pois dependia deles a circulagdo de produtos por todo 0 vale do rio Nilo. Contudo, estavam vinculados ao Estado e eram tutelados em suas atividades que eram entendidas como irradiacoes necessérias da organizacao estatal. Tais distingbes sociais por meio de diferencia- Ses nas atividades produtivas eram consi- deradas hereditdrias, havendo pouco espaco i Antiguidade e Historia Medieval | para mudaneas significativas na estrutura so- cial. Dessa forma, a aristocracia que conduzis- se o Estado egipcio poderia se perpetuar no trono, apesar das disputas pelo poder em seu interior. B. Cultura egipcia Em linhas gerais, os valores da civilizacdo eg(p- cia foram expressos em sua arquitetura monu- mental, em sua estatudria que revela rigidez e forca e em suas representacées da vida co- tidiana, espelhada no culto aos deuses como in- signias de sua forca criadora, caracterizando um pensamento mitico que ajustava os ciclos da natureza na mente dos homens, relacionan- do-os 8 ordem social e politica, uma ordem césmica que naturalizava as relagées sociais e fomentava as acdes produtivas humanas. O homo faber integrava-se a fabricagdo do uni verso pelos deuses, submetendo-se & anterio- ridade dessas divindades. Assim, a palavra, que traduzia o ordenamento divino, institu‘a o poder daqueles que a domi- navam. O Livro dos mortos, os textos magicos das paredes das pirdmides, os rituais associa- dos & nomeagdo da forgas e a invocacao das energias cosmicas representavam a harmo- nizagao das diferengas e a conservag3o do préprio universo. A escrita hieroglifica era a materializa¢ao no papiro da ordem césmica e integradora de forcas religiosas e politicas. 7G Acscrita egipcia teve variagbes 20 Jongo do tempo ¢ foi sendo simplificada, ce prineipalmente devido & demora do trabalho dos eseribas para realizar registros sobre ft Z& g produsio e arrecadagio do Estado. Os hierdglifos ossuem esse nome que significa em grego — escrita sagrada, pois A —2 p ul (q) Y y eram intimeros 0s textos religiosas no Egito Antigo (3) L GO) | que andamentavam ca. 3500 1900 | e200 | aooao/ «wm Estado teoeritica ac. ac. ‘ac. ad ae no vale do rio Nilo. coe 26 Antiguidade e Historia Medieval | No que diz respeito a essa integracdo, encon- tramos nas pirdmides exemplos de religiosi- dade e de poder politico. De religiosidade por serem cdmaras mortudrias associadas a crenca na existéncia apés a morte e de poder politico or revelarem o poder dos faraés em mobilizar recursos humanos e materiais para suas cons- trues. Assim, as pirdmides representavam icones de poder, pois quanto maior a pirdmide maior a capacidade do faraé em reunir pessoas e recursos materiais para a realizacdo de uma obra que era a sua ultima residéncia. Acrescente-se a isso que os conhecimentos da natureza estavam eivados de matéria religio- sa. As técnicas de mumificagdo exemplificam varios conhecimentos médicos e quimico- -fisicos desenvolvidos pelos egipcios antigos que ainda fascinam os homens do mundo con- temporaneo. Houve até mesmo o desenvolvi- mento de uma odontologia no vale do rio Nilo, conforme atestam os estudos sobre as arcadas dentarias de mimias. sareéfago representava a crenga na existéncia apés a morte no Egito Antigo. Os faraés eram embalsamados e depositados nessas urnas, realizando a crenga que pregava a importineia da preservagio do corpo para que a alma subsistisse no além. Acima, 0 suntuoso sareéfago de Tutanedmon, imperador egipcio morto aos dezenove anos de idade que reinou no periodo do Novo Império. Outro aspecto cultural a ser destacado con- cerne as nogdes de beleza e de estética que revelam simetrias na estatudria egipcia. Essas nogées de simetrias séo matematicas e mar- cavam a compreensao, por parte dos egipcios, Historia de medidas que deveriam reger 0 universo. A propria construgao piramidal é indicativa dos estudos mateméticos (geométricos) produzi- dos no Egito Antigo. 27 As pirmides do Egito Antigo cristalizam no espago as relacdes de poder da época, pois representam a capacidade dos faraés, principalmente no Antigo Império, de mobilizar homens e recursos materials para realizacao de uma obra que, a0 mesmo tempo, informa a crenga na existéncia apés a morte e refere-se ao poder do Estado encarnado na figura do imperador, do faraé. Em suma, uma gama variada de conhecimen- tos marcou a civilizagao egipcia antiga e este- ve sempre associada as imagens produzidas que tentavam dar conta da natureza e suas miltiplas expressdes. O politefsmo que predo- minou ao longo da histéria do Egito é a cris- talizagao dessa diversidade. Assim, todos os conhecimentos se integravam na conservacéo de uma ordem universal. C. Periodizagao do Egito Antigo Em linhas gerais, a historiografia tradicional di vide a crénica sobre o Egito Antigo em: * Periodo tinita: primeira e segunda di- nastias (3150-2700 a.C.) = Surgem as primeiras escritas hiero- glificas. — Fundago do Estado egipcio Antigo Império ou Império Menfita (2700-2190 a.C.) — (32, 42, 5? e 6? dinastias) — Criagio da cidade de Ménfis — Intenso contato com a Palestina — Construgéo da piramide de degraus de Djeser a Saqgarah = Construgao das pirdmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos no planalto de Gizé Historia * Primeiro Periodo Intermedirio (2200- -2061 a.C,) — (72, 82, 92 e 102 dinastias) = Periodo de anarquia, em que dinas- tias locais tentam retomar o poder per- dido pelos soberanos menfitas. Assim, © Egito € dividido em dois pequenos estados: um governado por Ménfis no norte e outro em Tebas no sul. Médio Império (2061-1785 a.C.) = (112 a 14? dinastias) ~ Mentuhotep reunifica o Egito — Amenhotep | constréi um novo palé- cio real préximo a Ménfis. = Conquista do Egito na Baixa-Nubia, sob Sen-usert |e Ill — Periodo classico da arte e literatura — 1630-1520. Segundo Periodo Intermediario (1785- -1560 a.C.) — (158 a 172 dinastias) — Invaso dos hicsos pelo norte esta- belece o controle estrangeiro. = Os hicsos assimilam o modelo poli- tico egipcio juntamente com a escrita hieroglifica, fornecendo a 15? e a 162 dinastias. = 172 dinastia tebana no sul © Novo Império (1570-1085 a.C.) — (182 a 20? dinastias) = Império Egipcio no Noroeste e Nubia — Construggo das tumbas do Vale dos Reis = Inicia-se com 0 reinado de Amésis que colocou fim 4 dominagao dos hicsos sobre Ménfis e 0 norte, conquistando também as terras do sul (NUbia) — Amenéfis IV, a partir de 1364 ac, durante seu reinado, estabelece 0 mo- noteismo em torno de Aton que ocupa © lugar de Amon-Ré como disco solar, mudando seu nome para Akhenaton e mandando construir a cidade do deus, Aquetaton. = Tutancamon, filho de Amenéfis IV, restaura 0 politeismo. ~ Ramsés Il reina por 67 anos. 28 Antiguidade e Historia Medieval | * Terceiro Periodo Intermedidrio (1085- -715) — (212 a 252 dinastias) = Oimpério jd nao existe mais. No nor- te, reinam os faraés tanitas e, no sul, os sacerdotes de Amon. — Instabilidade politica com invasées etiopes Renascenca etiope e saita (715-525 ac.) (252 e 26? dinastias) Breve conquista do Egito pelos assirios Renascimento cultural sob os reis saitas Conquista persa do Egito (525 a.C.) Ultimo periodo (404-34 a.C.) O Egito recupera a sua independén- cia, mas logo é invadido pelas tropas greco-macedénicas, fazendo parte do império de Alexandre Magno. = General de Alexandre, Ptolomeu, torna-se rei e funda uma dinastia — Gravago da Pedra de Roseta (196 a.C.) — Reinado de Cleépatra VII (51-30 a.C.) — 0 Egito passa a ser uma provincia do Império Romano (30 a.C.) 3. Civilizagdo mesopotamica Encontramos os primérdios da civilizagao es- crita oriental na regio que compreende as terras entre os rios Tigre e Eufrates, a chamada Mesopotamia, atualmente correspondendo ao Iraque. Essa foi uma area aberta, por conta de suas caracteristicas geograficas, a uma infi- nidade de grupos humanos que buscaram ali condigdes melhores para a sobrevivéncia. Por isso, nao € possivel falar em uma civilizagdo mesopotamica, mas em civilizagdes. Contudo, algumas comunidades se destacaram no con- junto dos povos e sdo mais frequentemente lembradas. Dentre essas encontramos as co- munidades dos sumérios, dos acadianos, dos babilénios, dos assirios e dos caldeus. A. Os sumérios Os sumérios teriam sido seus primeiros povoa- dores. Nao se sabe a origem certa desse povo, mas no podemos considerd-los semiticos ou Antiguidade e Historia Medieval | arianos, grupos que marcaram o Oriente Préxi- mo na Antiguidade. A civilizacao sumeriana se desenvolveu na parte mais meridional da Me- sopotamia, proxima do Golfo Pérsico por volta de 4.000 anos a.C. Eles criaram um sistema de escrita em tabletes de argila pautada em sinais feitos na forma de cunha, dai sua escrita ser chamada de cunei- forme. Desenvolveram também uma arquite- tura de tijolos, construindo cidades como Ur, Uruk, Eridu e Lagash. Com autonomia politica, umas em relacdo as outras, eram cidades- -Estado governadas por chefes religiosos, os patesi. Em uma area pantanosa do sul, os su- mérios criaram sistemas de diques e barragens e constituiram canais de irrigagdo que permiti- ram o desenvolvimento da agricultura. A figura ilustra o tipo de eserita desenvolvido pelos sumérios, a mais antiga de que se tem noticia. Essa escrita, foi chamada de cuneiforme, foi constitufda por volta de 4.000 a.C. Além disso, produziram as primeiras leis da Mesopotamia de que se tem noticias, como, por exemplo, a Lei de Taligo, mais tarde absor- vida no cédigo do imperador babilénico Ha- murabi. Essa lei afirma que uma ofensa deve- ria ser paga pelo ofensor na mesma medida de seu crime, por isso a expresso que dizia “olho por olho, dente por dente”. Acrescente-se a li- teratura juridica o livro mais antigo de que se tem noticia criado pelos sumérios: a Epopeia de Gilgamesh. Essa obra fornece uma visdo de mundo fatalista existente naquela cultura, ou 29 Historia seja, vai contra a ideia de imortalidade ou de transcendéncia apés a morte. Outro aspecto relevante diz respeito aos mi- ‘tos constituidos que pretendiam dar conta da natureza e das limitagées das ages humanas. Nesse sentido, a origem do mundo, a historia da Criagdo foi contada levando em consideragio as fases da lua, mais precisamente a sua mudanga de sete em sete dias. Disso concluiu-se que 0 mundo havia sido feito em seis dias e, no sétimo, os deuses descansaram. Relato semelhante é encontrado no Antigo Testamento dos hebreus. Além disso, a prépria historia (lenda) do dildvio faz parte da literatura suméria. € importante lembrar que, de acordo com a historiografia, Abrago, pai do povo hebreu, teria saido de Ur, ci dade suméria, para a regido da Palestina. Assim, Abrado teria levado consigo um relato de origem suméria e passado para seus descendentes que, depois, fxaram-no na Biblia, Podemos afirmar que os sumérios langaram as. bases das civilizaces mesopotamicas, pois as varias invasdes de outros grupos encontraram elementos culturais preexistentes dessa civi lizagdo e acabaram por absorvé-los. Por isso encontra-se o mesmo tipo de arquitetura e de escrita entre os habitantes da Mesopotamia, além do compartilhamento de mitologias ¢ principios de justica Devido a sua fertilidade, a Mesopotamia foi dominada por diversos povos invasores, mas foram os sumérios que lancaram as bases da civilizagdo na regio. A unificagao politica da Mesopotamia ocorreu pela primeira vez com 0 rei Sargao |, de Acad, a0 dominar as cidades. Estado sumérias. Seu império foi, no entanto, destruido pelo povo guti. Por volta de 2000 a.C,, a regido foi conquistada e unificada por um povo semita chamado amorita. Este povo fundou Babilénia e estabeleceu ali a capital de seu império, inaugurando a segunda fase importante da civilizagao do Tigre-Eufrates. O soberano principal do Império Babilénico foi Hamurabi, 0 qual escreveu, com base em leis anteriores, o primeiro cédigo de leis escritas. Contudo, os assirios, da regio montanhosa do norte da Mesopotamia, dispondo de supe- rioridade militar (cavalo, carro de guerra etc.) e derrotando os inimigos pelo terror, domina- ram o primeiro Império Babilénico por volta de 1 300 a.C. Foram, por sua vez, destruidos Historia em 612 a.C. por uma coligagdo entre caldeus {recém-instalados na Baixa Mesopotamia) e medos do planalto do Ird. O império Caldeu ou segundo Império Babildnico teve vida curta Seu principal soberano foi Nabucodonosor que construiu os famosos jardins suspensos e con- quistou o reino de Juda. Seu império foi con- quistado em 549 a.C. por Ciro, rei dos persas. A seguir, trataremos dos povos citados ante- riormente, seguindo a cronologia de ocupacao da Mesopotamia. B. Os acadianos Os acadianos eram povos semitas e assim fica- ram conhecidos por terem fundado uma cidade ao norte de Sumer denominada Acad por volta de 2.550 a.C. 0 fundador de Acad e seu principal lider foi Sargéo, o Antigo. Esse primeiro Sargao empreendeu a conquista das cidades sumérias \ idade e Histo ao sul, estabelecendo a primeira unidade poli- tica da Mesopotamia, o império acadiano. Os conquistadores acabaram assimilando a cultura suméria e ampliando a capacidade de producao agricola entre os rios Tigre e Eufrates. As con- quistas foram sendo ampliadas, configurando uma vasta extensdo territorial que chegou a atingir 0 Mediterraneo com varios povos sen- do tributarios do império acédio-sumeriano. Contudo, a rapidez das conquistas sé teve equi- valéncia com a rapidez da derrocada desse im- pério, pois, apés aproximadamente um século, 08 guti, povos némades origindrios do Monte Zagros no norte atacaram as forcas acadianas, usando a desordem daquela organizacao po- ica. Em meio & anarquia, outros grupos huma- nos semitas, os amoritas e os elamitas, invadi- ram a regio, constituindo um centro de poder: a cidade da Babil6nia. Mar Géspio lA wpbbla s& ; SUBARTU Sf ; Némades Tutt! Revolta geralsustentada po lam Tarmut somitas Mae en 00a IMPERIO ACADIO. ean Sua ELAM Revolta geral apés a: . motedesogon Sve UF " e 2280a.C, Anshan Me Vitras de Sargio Némades ® Expedigoes militares @ Bpetiiescomercis a " A otf. “ A Arespeito dos acadianos, pode-se assinalar ainda que estabeleceram uma nogdo de poderio mi- litar associado a religido ainda nao experimentada pelos sumérios. O rei guerreiro era visto como uma entidade divina, sendo, por isso, cultuado. Além disso, a lingua acadiana tornou-se padrao de comunicagao entre os povos da Mesopotamia, uma lingua semita que deu suporte, com a adogdo da técnica cuneiforme suméria, & constituigdo de leis e a uma literatura em que eram sistematizadas novas narrativas miticas ordenadoras da vida coletiva. 30 Antiguidade e Historia Medieval | A imagem corresponde a uma tabuleta de argila em eserita cuneiforme acadiana, contendo parte da historia de Gilgamesh. Os acadianos incorporaram os relatos sumérios, produzindo uma cultura acddio-sumeriana na Mesopotamia. C. Os babildnios Os amoritas, invasores semitas originarios do sul do deserto da Ardbia, ocuparam a regido Historia central da Mesopotamia, estabelecendo-se na Babildnia. Desse lugar comecaram a em- preender conquistas sobre grupos humanos localizados nas proximidades. Foram séculos de agitagdo e de campanhas militares até que 0 rei da Babilénia Hamurabi tornou-se © imperador da Mesopotamia, estendendo seus dominios do sul ao norte. Seu reinado (1728-1686 a.C.) foi marcado pela unificagao politica e, nesse sentido, também juridica ao reunir leis que j4 existiam e estavam dis- persas nas vérias regiées em um cédigo que recebeu seu nome. A justificativa desse orde- namento também foi realizada, como no caso dos acadios, de forma religiosa. Hamurabi teria recebido dos deuses aquele cédigo. E possivel compreender pelo conjunto de leis a diversidade socioeconémica existente na Mesopotamia a época do Império Babilénico. Menges agricultura, 2o trabalho na con- servacao de diques/barragens, ao comércio de artigos artesanais e 8 posse de animais revelam a teia de relagdes complexas tecida pela sociedade mesopotamica. or (Bi Reino de Hamurabi (i Reino Hs Mar spi} Mapa representando o espago abrangido pelo primeiro Império Babildnico A estruturacio desse império coube ao maior chefe babildnico, Hamurabi, com o estabelecimento do Cédigo de Leis que levou seu nome. 31 Historia Medieval | De acordo com o historiador Mario Curtis Ao lado encontramos Giordani a pedra com as A vida social, cconémica e politica inserigdes do Cédigo ficou completamente regulada pela legis- de Hamurabi, O lagdo de Hamurabi... No terreno religioso, Prélogo desse cédigo Hamurabi procurou estabelecer a unifica- afirma ter o imperador 0, criando uma religiao de Estado sem, recebido dos deuses contudo, suprimir as divindades locais. aquelas lels para Marduk, deus da Babilénia, foi proclama- que cle defendesse do 0 deus supremo.. GIORDANI, Mario C. Historia da Antiguidade aanin. weak Oriental. Petropolis, Ed. Vozes, 1989. p. 143. = Mesopotamia. Assim, justificava-se o Estado de carater religioso. os mais fracos, realizando a justiga na Contudo os sucessores de Hamurabi nao con- seguiram preservar a unidade politica meso- potamica devido as invasdes de outros grupos humanos: os cassitas e os hititas. Além disso, agitacdes no sul promoveram a emancipacao da regido Suméria D. Os assirios Em meio as agitac&es, os ass{rios, povo da parte mais setentrional da Mesopotamia, iniciaram um processo de conquistas militares, construindo um novo império na regio. Isso aconteceu por volta de 1300 a.C. Varios reinos foram subjugados pelos assirios e o centro de poder mesopota- mico dirigiu-se para o norte. Cidades como Ninive, Assur, Kalakh e Dur Sharrukin destacaram-se entre as demais superando a Babilénia que entrou em decadéncia. Os assirios constituiram um dos maiores impérios até aquele momento, incorporando territérios da Palestina, da Fenicia e do Egito. Além disso, estenderam seus dominios até a foz dos rios Tigre e Eufrates. artis = nena I) snot ssa O mapa representa o processo de expansio do império assirio, Essa expansio atingiu o Egito, a Palestina, a Fenicia e 0 extremo sul da regio mesopotamica, constituindo um dos maiores impérios até 0 século VIT a.C. eoe 32 Antiguidade e Histéria Medieval | Historia © império assirio esteve associado a uma politica de intolerancia em relaco aos po- vos conquistados. Muitos relatos da escrita cuneiforme relatam as violéncias praticadas pelos assirios no momento da conquista, vi- sando destruir os simbolos de poder do povo vencido e inaugurando seu ordenamento nas reas atingidas. Disso decorreram muitas re- belides dos povos submetidos e a instabilida- de em meio ao poder das cidades de Assur € Ninive. Quando os povos se revoltavam, 05 assirios dispersavam tais populacdes nas terras imperiais para evitar novos levantes. A isso denominou-se diaspora. Um dos po- vos que sofreram a didspora conduzida pelos assirios foi o hebreu que habitava o reino de Israel, em 722 a.C. Embora marcados pelo cardter guerreiro, os assirios conduziram um império em que as atividades comerciais foram desenvolvidas, intercambios variados aconteceram e promo- veram-se alguns conhecimentos importantes como os desenvolvidos no campo matematico. ‘Além disso, houve a incorporaso da literatura babilénica de substrato sumério, bibliotecas foram constituidas no norte, garantindo conhecimentos sobre os povos submetidos. Sendo um povo de origem semitica, os assirios possuiam elementos culturais proximos aos dos babildnios, © que nao dificultou a assimilacao da legislacdo babildnica e dos rituais religiosos. Deuses eram compartilhados como Marduk (Bel), Shamash, Ea, Ishtar, Sin e Aru, além da escrita cuneiforme. Aimagem acima representa uma campanha militar empreendida por Assurbanipal, imperador assirio, contra areas inimigas dos elamitas, povo semita conquistado. 0 império assirio, depois de alguns séculos de existéncia, sucumbiu as investidas dos medas que se associaram aos antigos babilénios, dando origem ao povo caldeu. O chefe babilénico Nabopolassar e o rei dos medas, Ciaxares, uniram-se no combate ao dominio assirio e consti- tuiram um novo império, cuja base politica se encontrava na Babilénia, dai serem conhecidos como neobabildnicos ou caldeus. Em 612 a.C., Ninive caia nas maos de Nabopolassar encerran- do a histéria do poder assiri E. Os caldeus Os caldeus organizaram um império mais poderoso que o dos assirios, conquistando o Reino de Judé, aprisionando o povo hebreu e levando-o para a Babildnia, episédio biblico conhecido como 0 Cativeiro da Babilénia em 586 a.C. Nabopolassar teria inaugurado essa nova organizaco po- litica, cujo centro de poder voltava a ser a cidade da Babil6nia, dai o império ter sido conhecido por neobabilénico. Contudo, seu maior governante foi Nabucodonosor II (604 a.C-561 a.C.), 0 imperador que conquistou Jerusalém e estaria associado a construgdo dos Jardins Suspensos da Babilénia O império de Nabucodonosor néo resistiu por muito tempo apés a sua morte. Em 539 a.C,, foi submetido pelo chefe dos persas, Ciro. O povo persa havia conseguido anos antes sua auto- nomia em relacéo aos medos que dominavam o Planalto do Ira. Logo depois houve o controle persa sobre toda aquela regio e o homem que chefiou tal empreitada foi o mesmo que do- minou a Mesopotamia, dando inicio ao império persa e encerrando a experiéncia caldeia de poder na Babil 33 eoe Historia Antiguidade e Historia Medieval | Morhiedieineo —Damastae Sila Samaras IMPERIO Jewslém * — BABILONICO Babilénia cera dess0ac tbls tanta, at asa em 6122 ederolzamos esincosem Grquemis, em 605 2 fr 5854 Nabvadooior deste Jena depcou amir pare ova du, Flas qu teinav Rena deus Res B25 J O mapa indica os dominios do Império Caldeu ou Neobabildnico 4 época do imperador Nabucodonosor II, que conquistou 0 Reino de Juds ¢ levou os hebreus como cativos para a Babildnia. F. Cultura mesopotamica Se é dificil afirmar a existéncia de uma civilizag3o mesopotamica, também é complicado falar em cultura mesopotdmica. O que existiu na bacia dos rios Tigre e Eufrates foi um mosaico de culturas, cuja cimentacao foi produzida pelos habitantes mais antigos da regio: os sumérios. Aescrita cuneiforme, a arquitetura de tijolos, os grandes templos chamados de Zigurates, as. primeiras cidades, a legislacao, a literatura e suas explicages miticas foram elementos culturais construidos pelos sumérios e adaptados pelos outros grupos humanos que se fixaram na area posteriormente. A foto foi tirada das ruinas do zigurate da antiga cidade de Ur, na Mesopotamia. Os zigurates eram templos em forma piramidal com terragos que se interligavam. por escadarias. Toda a obra era feita com tijolos, revelando um profundo conhecimento construtivo dos sumérios, primeiro povo a se fixar na regido, eoe 4 Antiguidade e Historia Medieval | Outro elemento de certa forma agregador de cultura foi a presenca de intimeras comunida- des de origem semitica que possufam uma es- trutura linguistica comum, permitindo 0 com- partilhamento de ideias e realizacdes materiais. © aramaico tornou-se a lingua comum fixada nos sinais cuneiformes de origem suméria Assinala-se também o desenvolvimento as- similado pela diversidade populacional que envolveu_a matematica e, nesse sentido, os assirios foram eximios matematicos, desenvol- vendo célculos com casas decimais (base dez) e sexagesimais (base sessenta), associando as contas com base sexagesimal & circunferéncia No sistema numérico da Mesopotamia, a uni- dade era representada por este sinal ¥ , pare- cido com uma cunha. Veja como escreviam os nuimeros de um a nove. v wieoOWWY y W woe Para escrever dez, eles usavam 0 mesmo sim- bolo, porém em posicao horizontal: << Assim escreviam de dez a vinte: O mapa apresenta a divisio do reino dos hebreus apés a morte do rei Salomao. As dez tribos do norte originaram o Reino de Israel, cuja capital era Saméria, enquanto que as duas tribos do sul criaram o Reino de Juda, com centro politico em Jerusalém, Historia Dai em diante ocorreram sucessivos dominios estrangeiros. Depois dos persas foi a vez de Alexandre Magno conduzir um império que uniu 0 Ocidente e 0 Oriente, envoivendo as terras palestinas. O encerramento do Império Macedénico, com a morte de Alexandre, fez com que a Palestina passasse a ser controlada pela ultima dinastia egipcia, a dos Ptolomeus. Contudo, Roma ja havia inaugurado sua traje- t6ria rumo as terras orientais e, apds a derrota de Marco Anténio, general romano, e Cleé- Antiguidade e Histéria Medieval | patra, ultima representante dos Ptolomeus, Otavio, conhecido a partir dai como Augusto, passou a exercer plenos poderes em todas as terras, incluindo ai a regio da Palestina (Ju- deia). Em 70 d.C., em meio a conspiragdes dos hebreus contra o dominio romano, a deciséo de Roma foi a realizacao de uma Didspora do povo hebreu. Desde entao, os hebreus ficaram espalhados pelo mundo, mas preservaram suas tradig6es e sua histdria na Biblia, procu- rando preservar com isso sua identidade. (O mapa ao lado indica a divisio dos hebreus em doze tribos e seus respectivos espagos. Deve-se levar em consideracio que as relagdes nem sempre eram amistosas entre as tribos, principalmente apés a morte do rei Salomao, pois houve disputas entre chefes tribais que repercutiram na divisio do reino hebreu. De acordo com alguns autores, a estrela de Davi era uma espécie de brasio que os hebreus utilizavam em seus escudos, representando protecio, Sua construgdo teria sido originada da sobreposigdo das letras que constituiam a palavra Davi. As letras de origem fenicia eram: Dalet, Vav e Dalet. Dalet era a representada por um triangulo e Vav por um sinal que parecia a lateral de um tridngulo ligada & metade de outra lateral. Assim, os hebreus sobrepunham os triangulos de tal forma que as pontas dos dois apontassem para sentidos opostos e, dessa forma, o seu entrecruzamento definia a letra Vav. coe 6 Antiguidade e Historia Medieval | 4. Cultura hebraica Acultura do povo hebreu esteve associada um- bilicalmente & palavra, a uma literatura engaja- da que procurou, na maior parte de sua historia, defender a existéncia de um Deus. Isso nao sig- nifica dizer que os hebreus tenham sido desde 05 primérdios monoteistas, pois existem relatos de idolatria e de cultos primitivos associados a um politeismo. Porém, 0 que prevaleceu foi a existéncia de uma religio diferente de muitas expressées religiosas orientais. Essa crenca, de acordo com alguns historiadores, estaria vincu- ladaa influéncia do sistema religioso persa dua- lista, mas que pregava a vitéria do Deus do Bem (Mazda) no fim de tudo. No que diz respeito & literatura, encontramos varias obras que defendem o monotefsmo, tais como os Salmos, os Provérbios, 0 CAntico dos CAnticos e o Livro de J6. Podemos afirmar que a obra mais debatida e representativa da impor- téncia do pensamento religioso e politico dos hebreus é a Biblia (Antigo Testamento). A. Os fenicios Os fenicios habitaram uma estreita faixa de ter- ra na regio que compreende o atual Estado do Libano. Essa drea, cercada por cadeias de mon- tanha e por uma floresta de cedros, ndo favore- cia a atividade agricola e, nesse sentido, contri- buiu para que a histéria daquela comunidade destoasse do modelo imperial e de regadio existentes no vale do Nilo e na Mesopotémia Dessa forma, podemos entender que, em raz3o de dificuldades de subsisténcia, surgiram comu- nidades empenhadas na troca e na navegago. Historia Desde 0 III milénio antes de Cristo, povos de origem semita se estabeleceram naquele es- aco e iniciaram uma movimentagdo maritima que cobriu a Bacia do Mediterraneo de leste a oeste. Os fenicios (asidticos), como os gregos os chamaram, organizaram-se em cidades- Estado, mantiveram relagdes comerciais com varios povos por meio de feitorias e, em al- guns casos, de colénias, absorvendo culturas e amalgamando-as em seu universo social Exemplo de moeda fenicia representando sua arte ndutiea e um cavalo marinho, simbolos do poder maritimo das comunidades desenvolvidas em cidades autonomas. Chegaram a desenvolver a agricultura (cereais, leguminosas e linho) e a pecuaria (ovelha e cabra), mas a planicie era estreita e, nos seus limites, estava o mar Mediterraneo. Desde sua origem, os fenicios extrafam metais das serras e madeira da floresta para produzir artesanato e embarcagées, ficando mais conhecidos, en- to, por suas atividades maritimo-comerciais. Suas principais cidades eram Biblos, Sidon, Tiro, Ugarit e uma cidade-Templo Gebal. Os fenicios produziam joias e objetos de ornamento, buscando atender aos interesses de possiveis compradores. Sua ourivesaria foi conhecida no Egito e em areas do mundo grego. 47 idade e Historia Medieval | Historia Ant B. Organizaco politica Embora nos primérdios dessas cidades 0 po- der estivesse nas mios de uma aristocracia (realeza) constituida por linhagens antigas reconhecidas no seio da sociedade e que atuava, principalmente, no ambito religioso, a0s poucos houve o deslocamento desse po- der para homens que se destacavam nas ati- vidades néuticas e comerciais, constituindo uma talassocracia. Contudo, sempre existiu um espaco considerdvel para os sacerdotes Os navios fenicios eram sofisticados para a que conformavam as vontades a partir dare-__época e permitiam o aumento da velocidade velagdo dos designios dos deuses, alinhando a0 aliar os remos a forga dos ventos. Por os interesses aristocréticos com os comer- utilizarem cobre e madeiras de cedro, suas embarcagées duravam mais, superando em técnica as embareagdes que usavam o ferro. C. Expansdo maritima fenicia Alguns historiadores assinalam que a atividade ndutica fenicia foi tao desenvolvida no mundo an- tigo que embarcagées conseguiram passar pelo estreito de Gibraltar e fazer incursdes no Oceano Atlantico, até que atingissem territdrios da atual Inglaterra. £ certo também que eles estabele- ceram entrepostos comerciais e colénias no norte da Africa, na ilha de Sicflia, no sul da Franga e no sul da peninsula Ibérica, entre outros lugares, comerciando couros, betume, vinho, vidrarias, pedras preciosas, perfumes, incenso, madeiras etc. Os fenicios mantiveram fortes lacos com o Egito dos farads e praticaram comércio com povos mesopotamicos e palestinos. Por isso, po- demos concluir que estabeleceram um império maritimo-comercial. Cartago, uma das coldnias fenicias, foi herdeira dos circuitos comerciais desse povo, dominando 0 comércio mediterrénico a partir do século Vill a.C. OCEANO ATLANTIC EUROPA i Fenie rn tas decomério | J O mapa apresenta 0 espaco abrangido pela atuagio maritimo-comercial fenicia, indicando suas principais rotas. Alguns autores afirmam que os fenicios tinham 0 costume de navegar perto da costa para melhor orientagao, caso contrario poderiam se perder no mar Mediterraneo. Contudo, se as especulacies em torno da navegagio fenicia forem de fato comprovadas, nao ha condigdes de defender o costume fenicio apontado por tais historiadores. coe 6 Antiguidade e Histéria Medieval | D. Cultura fenicia A produgo cultural dos fenicios foi marcada- mente funcional, contemplando o aprimora- mento de suas atividades maritimo-comerciais, © que os fez desenvolverem mapas celestes para o estabelecimento de rotas comerciais. Orientavam-se pelo sol durante o dia e, & noite, guiavam-se pela Ursa Menor. Desenvolveram conhecimentos sobre as correntes maritimas, 05 ventos e suas diregdes e sentides comuns, observavam a migracdo das aves — pelas quais se dirigiam - entre outros aspectos. Historia Além disso, a necessidade de registrar as ativi- dades comerciais, uma espécie de contabilida- de, contribuiu para a simplificacao dos sinais hieroglificos egipcios, por meio da associacdo aos sinais cuneiformes. Disso resultou a cria- go de uma escrita que conhecemos como alfabeto. Esse sistema de escrita simplificado foi adotado e adaptado por gregos, etruscos e latinos, originando a escrita ocidental em suas varias versdes. Egipcio | Proto-sinaitico | Fenicio | Grego arcaico | Grego classico | Romano Pad y € A A A cl a g a a B ) XY 1 1 r 6 ¥ & A a E E = w ¥ 1 k ~— ~~ "7 4 m M A} 4 4 ‘ N N a ° ° oO oO 8 a 4 4 Pr - + x T T T eae a w 4 z s Este quadro é uma possibilidade de entendermos a derivacio da escrita fenicia para a egipcia e, por extensio, a adogao dos sinais fenicios pelos gregos ¢ romanos. 0 alfabeto foi o maior legado fenicio para o Ocidente. 9 Historia Antiguidade e Historia Medieval | No campo religioso, podemos assinalar a crenca politeista dos fenicios. Os sacerdotes reali- zavam culto a deuses locais, considerados protetores dos lugares, e a deuses que ultrapassa- vam os limites de cada cidade. Desses Ultimos conhecemos Baal (senhor da justica) e a gran- de mae Astarté (representacao da fecundidade e da beleza). Havia ainda praticas animistas (culto a drvores, a montanhas, a aves...) e a realizagao de sacrificios, inclusive humanos, em seus rituais. LEITURAS COMPLEMENTARES A respeito da relacao entre histéria e lenda no mundo hebreu: Ora, as pessoas que redigiram as partes histéricas dos livros de Samuel so, em grande parte, as mesmas que redigiram também as lendas mais antigas; além disso, sua peculiar concepedo religiosa do homem na histéria... ndo os levava, de maneira alguma, a simplificagao lendaria do acontecido; assim, nao deixa de ser natural que, mesmo nas partes lendarias do Velho Testamento, seja frequente a aparigao de estruturas historic naturalmente nao no sentido de que a tradi¢o seja examinada quanto a sua credibilidade de maneira cientifico-critica... Nos relatos do Velho Testamento, o sossego da atividade quotidiana na casa, nos campos ¢ junto aos rebanhos é constantemente socavado pelos citimes em tomo a eleigdo e a promessa de béngdo, e surgem complicagdes... o lento e constante fogo dos citimes ea ligagdo do doméstico com o espiritual, da béngdo paterna com a béngdo divina, conduzem a uma impregnagdo da vida quotidiana com substancia conflitiva e, frequentemente, ao seu envenenamento. A sublime intervengao de Deus age Go profundamente sobre o quotidiano que os dois campos do sublime ¢ do quotidiano sio ndo apenas efetivamente inseparados mas, fundamentalmente, inseparaveis. AUERBACH, Erich. Mimesis. So Paulo: Ed. Perspectiva, 1987, pp. 17-19 Sobre a vida das A Fenicia se compde de cidades auténomas, governadas por um rei, seja por magis- trados eleitos. Nao ha um exército fenicio, porque as relagdes com os reinos vizinhos sio acima de tudo regidas pelo comércio. Os fenicios (ém em comum entre si as divindades. Além disso, inventaram uma escrita alfabética adotada por todos os povos da bacia do Mediterraneo e do Médio Oriente. Uma dezena de cidades se perfila ao longo da costa; trés delas se distinguem por sua importincia. A mais antiga, Biblos, orientou suas atividades mercantis para o Egito. Transporta a preciosa madeira de cedro, que serve para as cons- trugGes reais, e a troca por papiro, destinado a composigdo de livros, reconhecida especia- lidade dessa cidade. Sidon cognominada a “Mie de Cana”, muitas vezes é confundida com Tiro, da qual dista apenas 35 quilometros. Tiro &, no 1° milénio, a mais prestigiosa das cidades fenicias... A cidade esta construida numa ilha rochosa separada do continente por um brago de mar de cerca de 700 metros. Essa configuragao permitiu aos tirios arranjarem um porto bem protegido, o que favoreceu a extraordindria expansdo comercial da cidade... SALLES, Catherine (dir.). Larousse das civilizac6es antigas. So Paulo: Larousse do Brasil, 2008. p. 100. lades-estado fenicias: coe 50 Antiguidade e Histéria Medieval | Historia EXERCICIOS RESOLVIDOS 01. UFPel-PR Na tabela a seguir, os algarismos |, II, III e IV correspondem as civilizagdes da Antiguidade. Civilizagdes Localizagio Base econ6mica__O"Banizagao politico- -administrativa Reese Predominancia Monarquia teocrética do politeismo antropozoomérfico Nordeste da Predominancia Africa nna agricultura 1 Atual Comércio Talassocracia Politefsmo im d2Asia Menor Agricultura Divisio do Império em i Zoroastrismo Asia Central comércio Satrapias Governo dos v Atual Israel Pastoril e agraria_patriarcas, juizes e reis, Monoteismo sucessivamente Assinale a alternativa que denomina corretamente as civilizagdes indicadas, respectivamente, por |, Il, Ile IV. a. Fenicia, hebraica, egipcia e persa d. Egipcia, persa, fenicia e hebraica. b. Egipcia, fenicia, persa e hebraica. e. Hebraica, egipcia, fenicia e persa . Persa, fenicia, hebraica e egipcia Resolugao A sequéncia do esquema descreve as especificidades das civilizagdes da Antiguidade Oriental. Em ordem, sao descritas as civilizagées egipicia, fenicia, persa e hebraica Resposta B 02. UFBP Sobre os povos da Antiguidade Oriental, assinale a alternativa correta a. A agricultura foi o principal fator de en- d.A guerra de conquista foi a principal riquecimento e desenvolvimento dos caracteristica dos sumérios, povo que hebreus, devido ao aproveitamento construiu um império que se estendia das 4guas por complexos e amplos sis- do Egito as fronteiras da India. ‘temas de irrigagao. e. A escrita cuneiforme, uma das mais b. Areligido constituiu a principal heranca importantes formas de registro escrito, deixada pelos egipcios, de onde pro- feita em blocos de argila, foi a principal vém 0 monoteismo judaico. contribuicgo dos persas, povo que ha- ¢. 0 comércio maritimo marcou a presen- bitou a Mesopotamia. ga histérica dos fenicios, que estabele- ceram contatos com diversos povos, ao longo da costa do mar Mediterraneo. Resolugdo A tinica alternativa correta é a que se refere ao comércio maritimo praticado pelos fenicios e as col6nias fundadas e desenvolvidas por eles no litoral do Mediterraneo, Resposta c SI coe Historia Antiguidade e Historia Medieval | CAPITULO 04 + ANTIGUIDADE OCIDENTAL | > | 1, Introdugao Nossos estudos sera direcionados para os grupos humanos que fundamentaram o mun- do ocidental, em especial, os gregos e os r0- manos. Outras comunidades contribuiram pa ra 0 desenvolvimento da historia europeia na Antiguidade e serdo consideradas dentro de uma linha que as une & Grécia e a Roma. 2. A Grécia Antiga A histéria do Ocidente vincula-se necessa- riamente ao desenvolvimento da civilizaco grega antiga. A denominacao grege é utiliza- do para se referir a varios grupos humanos de origem indo-europeia, ariana, que ocuparam primeiramente a regio balcanica e adjacén- cias a partir do século XX a.C. Destacaram- -se nesse proceso de ocupacéo os jénios, aqueus, edlios e dérios. Tais povos comparti- Iharam valores, estabeleceram mitologias co- muns, constituiram uma visdo de mundo que _—-Micenas foi uma importante cidade desenvolvida diferiu daquela gestada nas terras orientai no mundo grego oriunda das invasies O ponto de partida para o entendimento dessa indo-europeias ou arianas. Os micénicos civilizagéo é encontrado na ilha de Creta e na devem parte de sua cultura a influéncia cidade de Micenas, no nordeste do Pelopone- da ilha de Creta, porém desenvolveram so. Esses lugares elaboraram as primeiras re- uma civilizagao militarista e expansionista feréncias assimiladas pelo conjunto dos povos que marcou o periodo pré-homérico. gregos em termos culturais e organizacionais. A. Civilizago cretense Os cretenses eram comunidades originarias da peninsula da Anatélia, atual Turquia, que, em levas sucessivas, a partir do 32 milénio, deslocaram-se para ilhas préximas e encontraram na maior ilha da regido as condicdes necessdrias para seu desenvolvimento. Os anatélios, de acor- do com pesquisas arqueolégicas e linguisticas, seriam povos arianos que se deslocaram em tempos primitivos para aquela regido. Contudo, o crescimento populacional e as rivalidades de clas, que disputavam recursos, teriam estimulado a busca por outros territérios. Essas buscas envolveram deslocamentos maritimos, pois houve o desenvolvimento de uma arte nautica primitiva que ndo se afastava muito da faixa litoranea. Aos poucos, viagens mais longas foram realizadas e desbravaram ilhas até a fixacao de alguns grupos na ilha de Creta. Esses anatdlios-cretenses rivalizavam com os fenicios na atividade maritimo-comercial do Me- diterraneo, Mantiveram relacdes econémicas com 0 Egito faradnico e com inumeras areas que circundavam 0 Mediterraneo oriental. A propria escrita cretense foi desenvolvida nos contatos com 0 mundo egipcio, originada da adaptacdo do sistema hieroglifico, ainda existindo dificulda- des para a sua compreensdo de forma ampla na atualidade. Os avangos na atividade maritimo-comercial foram sentidos por volta de 1800 a.C., quando suntuosos palacios foram erguidos, expressando o poder mercantil da ilha. No quadro expansio- coe 32 Antiguidade e Histéria Medieval | nista a cidade que se destacou foi Cnossos. Em razo de seu poder, foi construida uma talasso- cracia que exerceu forte influéncia na regigo, em especial, na drea balcdnica. Aos poucos se constituiu uma civilizagdo a que se pode deno- minar berco do trabalho com prata e ouro foi desenvolvido pela civilizagao cretense, Essa produsio, além de atender & elite da ilha, fez parte do comércio maritimo minoico desenvolvido em direas que circundavam o mar Mediterraneo no periodo Pré-Homérico. Essa civilizagao ficou conhecida como minoica (associada ao lendario rei Minos). Autores afir- mam que 0 termo Minos estaria associado a uma dinastia ou a uma expresso equivalente a faraé no Egito. Tal civilizagdo representou os primérdios do mundo ocidental. Os cretenses, além de construirem cidades e palicios sofisti- cados, produziram graos e artesanatos vendi- dos em varios locais, principalmente naqueles onde havia pessoas com quem mantinham la- gos de parentesco e crengas comuns. Este é um afresco minoico que representa os toureadores da Iha de Creta. A histéria de Creta esté associada ao touro, simbolo de poder ¢ forga na civilizagao minoica, B. A assimilagao da cultura cretense pelos povos gregos Os povos que deram origem ao mundo gre- g0, de forma geral, foram influenciados pelo 53 Historia mundo cretense em que 0 desenvolvimento técnico, a producao material e as mitologias estavam relacionados, revelando alto grau de complexidade. Essa complexidade provocou a admiracao dos povos gregos. Nesse sentido podemos afirmar que houve assimilacao de um sistema de valores, de um imaginario que se tornou comum a cretenses e aqueus, edlios, jénios e dérios (povos gregos). A assimilacao cultural foi um recurso necessario @ sobrevivéncia dos indo-europeus que, aos pou: cos, estabeleceram-se nas areas adjacentes ilha de Creta, em especial, na regido balcanica. Este é um exemplo de cerdmica cretense que influenciou a produgao de vasos no mundo grego. As representacdes normalmente Possuiam como temas elementos maritimos. Contudo, o quadro néo era de relagdes amis- tosas apenas. Existiam conflitos entre os varios grupos que disputavam espaco e muitos pre- tendiam dominar Cnossos, a capital da civili zacao cretense. Os ataques eram constantes e contribuiram para a decadéncia da ilha, Este conjunto arquiteténico correspondeu a0 antigo palicio real da cidade de Cnossos, capital da ilha de Creta. A cidade foi invadida em varias ocasides por povos arianos que serao conhecidos como gregos. Historia C. Civilizagao micénica Em meio a crise em Creta, a cidade de Mice- nas, localizada na peninsula do Peloponeso, desenvolveu-se e prosperou, principalmente a partir do século XVI a.C. A utilizago do bronze, © desenvolvimento de técnicas agricolas e da produso artesanal foram tracos fundamen- tais desse mundo micénico. Seus habitantes fizeram parte de uma segunda onda de ocupa- Go ariana, qual seja, a dos aqueus, pois, antes dessa investida indo-europeia, os jénios jé ha- viam entrado naquela area. ‘A cidade de Micenas foi a base de desenvolvimento do mundo grego antigo. © Portal do Ledo daquela cidade, erguido por volta de 1.250 a.C., fa parte de um conjunto arquitetdnico maior que envolvia templo e palici Os aqueus eram grandes guerreiros e estabele- ceram dominios variados, exigindo tributos de toda espécie dos povos submetidos. Esses po- vos subordinados a ordem aqueia tornaram-se servos dos micénicos. De fato, o que houve foi a criago de varias cidades pelos aqueus, reinos in- dependentes que viviam em disputa. A principal cidade, nesse espaco de conflito, foi a cidade de Micenas. Os micénicos atacaram a ilha de Creta e absorveram parte da cultura daquela ilha. Nesse sentido, compartilhou-se um sistema mitico que dava ao homem uma condigao especial no mun- do. A lenda do Minotauro e do Labirinto é reve- ladora do encontro de povos e de culturas, re- presentado pelo herdi Teseu (homem da regio balcénica), que matou o Minotauro (ser metade touro, metade homem de Cnossos) e conseguiu escapar do Labirinto usando um novelo de Ia. As- sim, a mitologia grega se constituia no contato com o mundo cretense. Dessa forma, uma nova civilizacdo se estabele- ceu, produzindo relatos fantasticos que procura- vam justificar seu poderio e responder aos desa- 54 Antiguidade e Historia Medieval | fios da natureza. Dessa forma, a mitologia foi se enriquecendo e constituindo uma visdo de mun- do em que o homem se destacava dos outros animais. A sua capacidade de intervenco na na- tureza passou a ser admirada, pois esse homem estava imprimindo sua vontade ao universo em que estava inserido, mas, ainda por essa época, em intensa negociagdo com os deuses. Essa civilizagao micénica também nao resistiu as ondas de invasdo de novos grupos arianos de origem aqueia e edlica. Essas comunidades encamparam as realizacdes micénicas, con- ferindo uma articulagao ainda maior as tradi- Bes antigas creto-micénicas. N&o se pode entender essa movimentacao civili- zacional sem levar em conta que foi um processo lento, que durou séculos, no qual elementos mi- ticos e técnicos foram abandonados e/ou rear- ranjados em proveito dos conquistadores. Nesse proceso, costuma-se estabelecer uma periodizagao indicativa de mudancas significati- vas da civilizagao grega constituida. Normalmen- te, fala-se de Periodo Pré-Homérico, Homérico, Arcaico, Classico e Helenistico da historia grega. E importante salientar que o conhecimento das fases mais antigas esté associado a traba- thos arqueoldgicos e de comparagaio com tex- tos produzidos posteriormente que tratavam de uma meméria coletiva alimentada por uma tradigdo oral e repleta de fantasias. Discutir 0 mitico e © histérico na cultura grega é outra questo importante, pois pode-se afirmar que 05 mitos podem condicionar a historia, mas, no préprio mito, podemos encontrar elemen- tos histéricos. Isso pode facilitar o entendi mento do passado, mas néo estabelece clara- mente um limite entre mito e histéria. Nesse sentido, 05 trabalhos arqueolégicos se tornam fundamentais na confrontagio com os textos que alimentaram a mitologia grega Sobre as questées relativas ao trabalho com textos, pontuados pela arqueologia, na com- preensdo da mitologia e da historia da Grécia, pode-se afirmar: Gragas também aos notaveis esfor- gos de arquedlogos de muitos paises, também da propria Grécia modema, hoje sabemos muito sobre a primitiva ci zagdo grega do final da Idade do Bronze, ou “cra micénica” (aproximadamente, de 1600 a 1100 a.C.). O suficiente, por exem- Antiguidade e Histéria Medieval | Historia plo, para afirmarmos com confianga que essa civilizagdo propiciou o ambiente e a inspiragao original para as historias de arrojo herdico preservadas nas mais antigas obras... da literatura europeia: a Iliada e a Odisseia, de Homero... Contudo a arqueologia nos ensinou que existe um enorme vazio cultural e cronolégico entre © mundo do palicio mieénico... e o mundo da historica polis, ‘onde os poemas homéricos foram criados e acolhidos. Por exemplo, a escrita utilizada para transcrever os poemas homéricos transmitidos oralmente no foi o Linear B, uma escrita to mal adaptada para transcrever 0 grego que 0s simbolos escritos foram com- plementados por ideogramas explicativos, ou simbolos de figuras, Em vez disso, usou-se um, alfabeto tomado por empréstimo aos semitas fenicios do atual Libano... CARTLEDGE, Paul (org.). Grécia Antiga. Sao Paulo: Ediouro, 2009. pp. 13-14. ‘Apesar da dificuldade para se compreender a vida grega entre as fases miticas dos poemas e as fases da polis e sua decadéncia, alguns aspectos relevantes podem ser assinalados, os quais sero 105 a seguir, respeitando-se a periodizacdo tra- dicional da histéria da Grécia Antiga. D. 0 Periodo Pré-Homérico Essa fase da histéria grega correspondeu as invasGes dos jénios, aqueus e edlios que assi- milaram os elementos da civilizagao minoica e, posteriormente, da micénica. Houve também © ence ns de ia agua “=a Provivel rota da migracio dos aqueus cpio el [Stopes Peso xaos is, pari oto a © mapa representa 0 espaco balcanico e adjacéncias sendo disputado e di © dominio sobre antigos habitantes da regio balcdnica, conhecidos por pelagios ou pelas- 0s, parentes dos anatélios da ilha de Creta. As organizagées humanas dai derivadas estabele- ceram dominios iniciados por niicleos urbanos onde a produco era compartilhada pelos gru- pos aparentados. Guerras faziam parte do co- iano em que se disputavam terras e homens para 0 trabalho forcado. Apesar das guerras, ¢ nesse periodo que se encontra um amalgama de contribuigdes variadas que definiram o que se denomina antropocentrismo grego. (Pra cimea Pa hpi) y A ‘idido pelos grupos arianos Praotaio aqueus, Golios, jOnios ¢ dérios entre o final da fase Pré-Homérica ¢ o infeio do periodo Homérico. 55 Historia O final desse periodo esteve associado a novas invasées realizadas pelos dérios. Tais ataques produziram, entre outros aspectos, a didspora dos povos ja estabelecidos, configurando um movimento de novas colonizagdes nas terras que margeavam 0 Mediterraneo oriental e ocidental. Isso no sé difundiu a cultura grega para outros espacos, contribuindo com novos arranjos no interior dos grupos humanos, mas também representou uma modificagao poll- tica, pois a disperséo limitou 0 ordenamento politico-social no interior do genos. Os genos eram grupos familiares nos quais toda a pro- dugdo era dividida entre seus membros, em que a autoridade era exercida pelo pai da fa- milia, lider inquestionavel, que conduzia o culto aos ancestrais que permitia, entre ou- tros aspectos, a manutencao da unidade e a colaboracao dos seus membros. Iniciava-se, af, a fase homérica. Os dorios sobressairam-se, entre outros aspectos, por terem desenvolvi- do armas de ferro enquanto aqueus e edlios conheciam apenas o bronze. Isso representou o fim da Idade do Bronze do mundo grego. E. O Periodo Homérico Essa fase conheceu inicialmente um retroces- so significativo, pois o comércio foi interrom- pido, as trocas foram dificultadas e a escrita foi abandonada. Era a Idade do Ferro institu- ida pelos dorios. Grupos de aqueus, edlios e j6nios buscaram refigio em terras mais orientais da regigo balcdnica e chegaram a ocupar a Asia Menor, deslocando, também seus interesses para a 4rea do Helesponto, regido em que arquedlogos encontraram as ruinas de uma cidade que consideraram ser a antiga Troia. Sabe-se que relatos fantasticos associados a essa cidade contribuiram para a consolidacdo da cultura grega, também conhecida como he- Iénica. As obras atribuidas a Homero, iliada e Odisseia, teriam representado a cristalizacao de um conjunto dessas histérias fantésticas que colocavam o homem como pertencente a uma raca de herdis. Ha nisso a afirmagio de uma virtude carac- teristica do homem ou de um ideal de ho- mem que se expressa na capacidade de ven- cer obstaculos. Ao mesmo tempo em que 56 Antiguidade e Historia Medieval | essa cultura foi sendo forjada em cantos que rememoravam ou construiam um passado mitico, as organizacées gentilicas passaram por um processo de deterioracao, pois a po- pulagdo crescia e os recursos eram escassos, havendo ruptura do modelo de producao e distribuigdo comunal e a introducao da ins- tituigdo da propriedade privada que benefi- ciava alguns. Da desestruturacdo dos genos, depois de um periodo de agitagdes, houve a afirmacao de fratrias hierarquizadas, de tribos e, por tiltimo, a formaco da pélis. A cidade-Estado inaugu- rou uma nova fase da historia grega em que as divisdes sociais ficaram mais nitidas e onde se afirmava um poder aristocratico em detri- mento do igualitarismo que havia inaugurado a fase homérica F. O Periodo Arcaico A fase arcaica representou 0 momento de organizagdo das cidades-Estado. Instituicdes politicas foram concebidas e assim os homens considerados iguais (cidadaos) podiam discu- tir os assuntos comuns e tomar decisGes reu- nidos em uma praca (agora). Dentre as varias cidades criadas, duas tiveram um destaque especial: Atenas e Esparta. pMaceoonia pe Ingato © Fevaslaaspardenias O mapa apresenta algumas das importantes cidades-Estado do mundo grego antigo ¢ indica os lugares em que havia reunio dos cidadaos das varias cidades para a relizagio de festivais pan-helénicos. Antiguidade e Historia Medieval | Historia 1-Tribunal 2=mint 3 — Enneacrounos: palavra grega que significa "nove bicos", foi usado como o nome de um poso. 4-Edificio sul 5— Tribunal Supremo 6 = Strategeion: Sala de reuniées do strategoi (oficial) 7 = Colonos Agoraios: significa "morro a0 lado da ‘Agora, localizado ao sul, numa colina perto do Templo de Hefesto, usado como ponto de tencontro dos antigos artesios. 8 — Tholos: prédio que abrigava a Prytaneion, sede do governo. 9 - Agora stone 10 —Monumento aos herdis epnimos: incluia uma estitua de cada um dos dez herdis: Erecteu, Egeu (Teseu pai), Pandion, Leos, Acamas (um dos Teseu filhos), Eneus, Cecrops, Hippothoon, Ajax e Antioco (filho de Heracles). 1 — Antigo bouleuterion: edificio que abrigava 0 conselho dos cidadios. 12 — Novo bouleuterion 13 - Templo de Hefesto 14 Templo de Apolo Patroos 15 ~ Templo de Zeus 16 ~ Altar dos doze deuses: este altar ("bamos" em rego), no centro da agora foi dedicado aos doze grandes deuses da Grécia: Zeus, Hera, Poseidon, Deméter, Héstia, Apolo, Artemis, Hefesto, Atena, Ares, Afrodite e Hermes. Foi o ponto a partir do qual as distancias foram contadas. 17-Eeifcio real 18— Templo de Afrodite Urania 19 — Templo de Hermes 20 — Templo de poikile Como cada cidade tinha o poder de governar-se, as decisdes tomadas por uma pélis eram distintas das tomadas pelas outras. Isso caracterizou a diversidade do mundo grego. Significa dizer que embora compartilhassem de uma visio de mundo comum, de algo que permitia uma relativa proximidade, havia na histéria de cada pélis um espago para a diferenciagao no interior da Hélade. Nesse sentido, reconhecem-se as cidades de Esparta e de Atenas como exemplos claros dessa diversidade, 7 Historia F.1. Atenas no Periodo Arcaico Atenas era uma cidade voltada para o mar, pois os recursos da Atica, regido em que se localizava, ndo eram suficientes para garantir o sustento de sua populagdo. Assim, desde os primérdios da cidade houve interesse em ex- plorar o porto natural (Pireu) para a realizacao de navegacdes que visavam 4 compra e a ven- da de produtos para outras cidades. As moedas foram muito utilizadas pelos gregos, em especial, pelos atenienses, conhecidos pela intensa atividade comercial desenvolvida com varias cidades. Acima, encontramos a efigie de uma moeda ateniense ‘com a deusa da sabedoria Atena eo seu verso com a imagem de uma coruja. Sociedade ateniense A sociedade ateniense foi organizada tendo como primeira referéncia o controle sobre as terras. As familias que controlaram, nos pri- mérdios da pélis, as melhores terras consti- tuiam a elite ateniense. Os membros dessas familias tradicionais eram chamados de eu- patridas (bem-nascidos). Além deles, existiam ainda pequenos proprietarios, conhecidos por georgdis, e homens que ndo detinham con- trole sobre terras, mas eram livres e desem- penhavam atividades artesanais e maritimas, entre outras, os thetas, Devemos assinalar, ainda, que devido ao de- senvolvimento do comércio, homens que ndo tinham nascido na pélis participavam daquela sociedade, sendo chamados de metecos. Estes no usufruiam dos direitos 8 cidadania e pa- gavam tributos para poder comerciar. Por ult ‘mo, existiam muitos escravos. Compras, endi- 58 Antiguidade e Histéria Medieval | vidamento e guerras eram formas comuns de obtengdo de mao de obra escrava. Podemos afirmar que quase metade da populagao era constituida por homens nao livres, o que sig- nifica dizer que o escravismo foi intenso em Atenas. Varios autores que tratam da chamada histé: ria tematica e analisam a condicao feminina na histéria afirmam que a sociedade ateniense era fortemente patriarcal, sendo as mulheres consideradas até escravas domésticas. Dessa forma, era nitida a assimetria da relacao entre homem e mulher. Aeste respeito, o compositor Chico Buarque de Holanda, em parceria com Augusto Boal, elaborou uma cancSo que, ao falar da mu- Iher ateniense, também aponta a sociedade brasileira e critica a similaridade de situa- 0. Segue um trecho representativo dessa cangao para serem feitas as devidas compa- ragées. Mulheres de Atenas Mirem-se no exemplo daquelas [mulheres de Atenas Softem por seus maridos, poder e [forga de Atenas Quando eles embarcam, soldados Elas tecem longos bordados Mil quarentenas E quando eles voltam sedentos Querem arranear violentos Caricias plenas, obscenas Chico Buarque e Augusto Boal. Mulheres de Atenas. Disco Meus Caros Amigos. Gravadora Universal. 1976, Embora Atenas estivesse associada a deusa da sabedoria Palas Atena, havia empecilhos para a participacdo da mulher em varios espagos publicos, principalmente na politica. Nesse sentido, podemos afirmar que, por questéo cultural, 0 homem era visto como detentor de virtudes (virtd), ao contrario da mulher. A palavra virtu deu origem a ideia de virilidade, caracteristica pertinente ao homem, ao seu poder de intervencdo. Essa intervengao é pré: pria da ideia de politica, dai o impedimento a participagao da mulher na vida politica e seu confinamento ao espaso doméstico. Isso re- mete a uma questo importante: a educacdo ateniense. Antiguidade e Historia Medieval | Aeducacao ateniense Em termos educacionais, a formacgo do cida- do passava necessariamente pelo desenvolvi- mento da habilidade de comunicagao: 0 bem falar (poder de persuasao), conhecido por re- térica. Isso era muito importante para uma ci- dade que entabulou relages comerciais com varios lugares. Além de ser fundamental ar- gumentar para convencer no plano comercial, dependia dessa habilidade o bom governo da cidade, pois sé cidaddos que compreendes. sem o valor da palavra poderiam contribuir num debate para a melhor tomada de decisdo da pélis. Os sofistas eram homens valorizados em Atenas, pois ensinavam a arte do conven- cimento. Vale ressaltar que da critica feita aos sofistas por Sécrates, como informa Plato, foi possivel o desenvolvimento da filosofia na ci- dade, mais precisamente como metafisica, Aste respeito, a filésofa Marilena Chaui co- loca: Qual a critica dos socritieos? Os so- fistas, diziam eles, operam apenas com opiniges (doxa) contrarias, ensinando a argumentar persuasivamente tanto em fa- vor de uma como de outra, dependendo de quem lhes esti pagando; nao se interes- sam pela verdade (alétheia), que é sempre igual a si mesma ¢ a mesma para todos. Sendo professores de opinides, so menti- rosos e charlaties... ‘CHAU, Marlena. ntrodugéo & histéria da filosofia. Dos pré-socréticos a Aristételes. Sio Paulo: Cia das Letras, 2002. p. 163 Outro aspecto da educacdo ateniense reside no desenvolvimento dos estudos matemati- cos. A discussao sobre os valores passava ne- cessariamente sobre a medida das coisas, de sua razdo, das proporgées das coisas e isso numero. O sistema monetério criado pelos atenienses ja suscitava a questo das relaces numéricas entre as coisas, facilitando as tro- cas, ou seja, 0 comércio. Os estudos matemati- cos eram realizados com o aprendizado da mt: sica e, nesse sentido, o pensamento pitagérico foi absorvido pelos educadores atenienses. A respeito da relacdo entre numero, musica e educagio entre os gregos de forma geral, 0 estudioso da cultura grega W. Jaeger informa: 9 Historia Basta lembrar a importincia da ma- sica na primitiva formagao dos gregos a intima relagdo entre a matematica pitags- rica e a musica, para se ver que a primeira teoria filoséfica sobre a ago educativa da musica teria de resultar da visio das leis numéricas do mundo sonoro... Foi desta unio que nasceram as ideias pedagégicas mais profundas ¢ de maior influéncia en- tre os gregos. JAEGER, W. Paideia: A formagio do homem ‘rego, So Paulo: Martins Fontes, 2002. Além da retérica e da matematica, a educacao ateniense foi pautada pelo interesse no desen- volvimento de atividades fisicas e de exercicios militares. Os atenienses deveriam estar prepa- rados para defender seu lugar de nascimento e demonstrar habilidades fisicas nas competi- ges entre cidades gregas que se realizavam em Olimpia. Dessa forma, podemos afirmar que era uma educacao abrangente que visava realizar o ideal de uma mente s4 e de um cor- po so. O cidadao, apto a desempenhar varias tarefas por meio de uma educacao ampla, era © elemento fundamental da politica atenien- se. Isso nos remete organizaco politica da cidade no perfodo arcaico. A politica ateniense Em termos politicos, a cidade de Atenas co- nheceu uma evolucao politica: de governo aristocratico passou para democratico. Vere- mos adiante, na fase Classica. O periodo arcai- co foi mesmo a expresso do poder da aristo- cracia. A principio, Atenas foi uma monarquia cujo rei era denominado Basileus. Contudo, os eupatridas passaram, a partir do século Vil a.C. a controlar a vida politica por meio do Areépa- go e do Arcontado. O Areépago era exercido Por juizes oriundos da aristocracia e 0 Arconta- do era constituido por nove governantes que dividiam a responsabilidade de tomar algumas decisdes importantes. Dentre os arcontes, po- demos destacar 0 arconte-epénimo, o arcon- te-polemarco e o arconte-basileus. O primeiro era responsével pela administracao (prefeitu- ra), 0 segundo era o chefe militar 0 e terceiro era uma espécie de supremo sacerdote. Além dessas instituigdes, havia ainda a Eclésia que votava, aprovando ou rejeitando as propostas do Aredpago. Historia F.2. Esparta no Periodo Arcaico Esparta foi uma cidade militarista desde os pri- mérdios, fundada pelos descendentes dos dé- rios na regiéo da Lacénia, ao sul da peninsula do Peloponeso. A regiéo permitia o desenvol- vimento de uma agricultura que abastecia de forma razoavel sua populacdo. Os espartanos eram um povo guerreiro que se constituiu e teve seu desenvolvimento calcado na explora- do de antigos habitantes da regido, que eram Obrigados a trabalhar sustentando esses inva- sores dérios. Com base no carter militarista de Esparta, pode-se entender sua estrutura social A sociedade espartana Houve a constituicdo de uma sociedade rigida em Esparta, marcada pelo principio militar em que os guerreiros, descendentes dos dérios conquistadores, ocupavam lugar de destaque e eram conhecidos por esparciatas. Os guerreiros espartanas usavam escudo, espada e langas. Os hoplitas formavam uma infantaria de guerra com colete ¢ caneleira; grandes combatentes utilizavam um capacete para protegio do rosto. O elmo espartano era conhecido como um dos maiores, fazendo com que 0s oponentes tivessem a impressio de que eles eram maiores. Era também usado como estratégia para atemorizar os inimigos. 60 Antiguidade e Historia Medieval | JA outros grupos, submetidos pelos dérios na Lacénia, desenvolveram atividades artesanais, agricolas e comerciais que os colocavam em situagio de inferioridade. Eram os periecos. Alguns desses periecos chegaram a participar de forcas militares espartanas, subordinados aos chefes guerreiros esparciatas. Mais abaixo nessa hierarquia social, encontra- vam-se 0s hilotas. Estes eram oriundos de ou- tras conquistas dos esparciatas em reas mais afastadas da Lacénia e trabalhavam como ser- vos do Estado. Nao tinham direitos e eram dis- tribuidos nas terras conquistadas. O resultado de seu trabalho era repartido entre as familias de guerreiros espartanos A respeito da organizagdo social espartana e, mais particularmente, sobre a condicao dos hilotas, a historiadora Maria 8. Beatriz Floren- zano escreveu: Os hilotas... so frequentemente de- finidos como escravos. Na verdade, um conjunto de fatores permite que eles se- jam caracterizados mais como servos do que como escravos propriamente ditos. Habitavam as terras conquistadas pelos espartanos: eram todos da mesma origem €, uma vez subjugados, permaneciam jun- tos nos locais em que sempre moraram. Neste sentido, eram muito diferentes dos escravos de Atenas, por exemplo, que vi- nham de muitas regides do mundo barbaro € grego. Os servos dos espartanos estavam presos a terra, ndo podiam se transferir, eram propriedade do Estado, ¢ executa- vam tarefas agricolas nas terras repartidas entre cidadaos quando da conquista.. FLORENZANO, M.®.8. 0 mundo antigo: economia « sociedade. S40 Paulo: Brasliense, 1994. p. 52 Um aspecto que diferenciou Esparta de Ate- nas foi o tratamento dado as mulheres: os espartanos valorizavam relativamente as mulheres. Elas participavam dos exercicios militares e chegaram a ocupar cargos admi nistrativos na pdlis, n3o sendo confinadas exclusivamente ao espaco doméstico. Apesar dessa valorizacao, a mulher nao podia parti- cipar da vida politica que estava entregue aos melhores guerreiros. Se a definigdo da posigio social elevada e a participacdo politica associavam-se & ativida- Antiguidade e Historia Medieval | de militar, deve-se considerar a importancia da formacao do guerreiro entre os membros dessa elite espartana. Aeducacao espartana Os espartanos tiveram como fundamento edu- cacional a preocupacao de formar guerreiros. Costumava-se definir educagao rigida como educagao espartana, Existiam castigos fisicos, as criancas passavam fome em treinamento militar, as atividades fisicas eram intensas; tudo isso para a realizagdo de um Unico in- teresse, qual seja, constituir homens aptos a exercer o dominio sobre outros povos. Os esparciatas recebiam formagao militar des- de os sete anos, desenvolviam habilidades militares, conhecidas por estratégia, e subme- tiam-se a exercicios constantes para melhorar © condicionamento fisico. Além disso, eram ensinados a falar pouco, dai o laconismo ca- racteristico desta cultura, O importante era falar 0 que se desejava em poucas palavras. Dessa forma, nao floresceu em Esparta uma elite de homens filiados a retérica e & filosofia como aconteceu em Atenas. A discussao politica existia entre os homens considerados iguais (homoioi). Estes eram os melhores guerreiros, aqueles que jé haviam dado provas de valor militar. Tais homens par- ticipavam das instituigdes politicas da cidade, fazendo valer seus interesses. Por isso, era im- portante conhecer quais eram essas institui- Historia Ges e como os esparciatas com direitos polit cos participavam delas. A politica espartana Avida politica em Esparta estava limitada a aris- tocracia militar. Seus elementos participavam de aparelhos deliberativos e consultivos de tal forma que as familias importantes eram con- ‘templadas com um verdadeiro acordo entre pa- res. Dentre as instituigdes politicas, encontram- -se a Apela, a Gertisia, o Eforato e a Diarquia. A Apela era constituida por homens acima de trinta anos e representava o drgio deliberativo. A Geniisia era uma espécie de conselho de an- cigs: apenas vinte oito idosos, aqueles que vi- veram histérias fantésticas, que revelaram valor militar, eram escolhidos para ocupar este apare- Iho. O Eforato associava-se ao governo cotidiano da pdlis. Isso se explica por nao haver encontros da Apela no dia a dia da cidade. Dessa forma, a Apela escolhia cinco homens saidos dessa As- sembleia para governar a pélis. O governo era definido pelos éforos juntamente com a Gerti- ia e a Diarquia. Esta era uma diviso ancestral de grupos dérios de linhagens distintas que se uniram para controlar o Peloponeso. A alian- 6a previa a existéncia de dois reis com funcdes distintas. Um tinha a funcdo de chefe guerreiro, conduzindo os homens em batalha, e 0 outro tinha fungo religiosa, sendo uma espécie de supremo sacerdote que conseguiria 0 apoio dos deuses nas campanhas militares espartanas. Sobre a organizacao politica espartana, Werner Jaeger informa: A Assembleia do povo espar- tano ndo ¢ outra coisa sendo a an- tiga comunidade guerreira. Nao ha nela qualquer discussio, Limita-se a votar sim ou niio em face de uma proposta definida do conselho dos ancios... O eforato é a autoridade mais poderosa do Estado e reduz a minimo o poder da realeza. A sua organizagdo representa um poder moderador no conflito de forgas entre os senhores ¢ 0 povo. Concede a0 povo um minimo de direitos ¢ conserva o cardter auto- ritério da vida publica tradicional. In: Patdeia. A formagto do homem grego. p.111-112. 61

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