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aCHR EI ete ane Copyright © Pauvert, Département de la Libratie Arthéme Fayard, 2000 Titulo original: Mots de passe Copyright © Filme, Les Films Penélope Production, 2000 Capa: Rodrigo Rodrigues Edditoragio: Ar Line 2001 Impresso no Brasil Printed in Brazil CtP-Brsl. Catlogasso-a-fonte Sindcio Naconal dor Eaores de Livros, RJ 12559% Baudilad Jean, 1929- ‘Seas Jean Baudellrd; radogo de Mata He en Kae. ~ Bo Jno: DIFEL, 201 tp. “Tradto de: Mots de passe ISBN 5-7432-020X 1. Flsofia francesa Tilo, con 196 ovine U1 ‘Todos os direitos reservados pea: EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA, Rua Argentina, 171 ~ 1° andar ~ Sto Cris6rdo 20921-380-~ Rio de Janeiro ~ RJ ‘el.: (Oxx21) 2585-2070 ~ Fax: (Oxx21) 2585-2087 [Nao € permis a reprodugto tual ou paris dena oes, por gui ‘quer mei, semaprévia aurea por ecto da Eira ‘Atendemos pel Reembolso Postal. E paradoxal fazer 0 panorama retrospectivo de ‘uma obra que jamais pretendeu ser prospectiva. £ de certo modo como Orfeu voltando-se antes do tempo para ver Euridice, e, com esse gesto, devol- vvendo-a para sempre aos Infernos. Seria o mesmo ‘que fazer como se a obra preexistisse a ela mesma «© apresentasse desde o inicio 0 seu final, como se la fosse uma obra acabada, como se ela se desen- volvesse de maneira coerente, como se ela tivesse sempre sido, Por isso nao vejo outro modo de falar dela sendo em termos de simulagéo, um pouco & rmaneira de Borges reconsttuindo uma civilizagio perdida por meio dos fragmentos de uma bibliote- «a. Isso significa que nao posso sequer levantar a questio de sua veracidade sociolbgica — questo & ual, als, eu teria grande dificuldade de respon- der. O que é preciso, sem diivida, € colocar-se na posigio de um viajante imaginério que deparasse com estes escritos como quem depara com um ‘manuscrito esquecido e que, sem ter outros docu- rmentos de apoio, se esforcasse por reconsttuir a sociedade que eles descrevem, Jean Baudrillard Esta obra foi elaborada a partir de um filme concebido por Leslie F. Grunberg ¢ realizado por Pierre Bourgeois. Senhas... A palavra me parece designar com precisio um modo quase iniciétco de penetrar no interior das coisas, sem ter que ordend-las em tum catélogo. Pois as palavras so portadoras, ‘geradoras de idéias, mais ainda, talvez, que 0 inverso. Operadoras de encanto, operadoras mégicas, nfo s6 porque transmitem essas idéias € aquelas coisas, mas porque elas proprias se meta- forizam, se metabolizam umas nas outras, segun- do uma espécie de evolugdo em espiral. & assim aque elas sio bateleiras de idéias. ‘As palavéas tém para mim extrema importan- cia, Que elas tém vida propria € que sio, portan- 10, mortais,¢ algo evidente para todo aquele que do se prende a um pensamento definitivo, de intengio edificadora. E 0 meu caso. Hé na tem- poralidade das palavras um jogo quase poético de morte ¢ renascimento: as metaforizagoes sucessi- vvas fazem com que uma idéia se torne sempre algo mais ¢ diverso do que antes era - uma “for- ma de pensamento”. Pois a linguagem pensa, nos pensa e pensa por nés - pelo menos tanto quan- to nds pensamos através dela. Também aqui ha uma troca, que pode ser simbélica, entre palaveas e idéias, Acredita-se que progredimos impulsionados pelas dias ~ pelo menos é estaa fantasia de todo te6rico, de todo filésofo. Mas séo igualmente as préprias palavras que geram ou regeneram as idéias, que fazem o trabalho de “embreagens”. ‘Nos momentos em que assim atuam, as idéias se entrelagam, se misturam ao nivel da palavra, que serve, ento, de operadora ~ mas uma operadora nGo-téenica — em uma catélise em que a propria linguagem esté em jogo. Isso faz dela um investi- mento* pelo menos to importante quanto as idéias, Por conseguinte, como as palavras passam, traspassam-se, metamorfoseiam-se, tornam-se transmissoras de idéias segundo fieiras imprevis- tas, ndo calculadas, a palavra “senhas” permite, a ‘meu ver, re-apreender as coisas unindo-as em um todo coerente e, 20 mesmo tempo, abrindo-as a uma perspectiva mais ampla, panoramica. 770 Amor joga permanentemente com as propia plavas, de ‘modo as vezesintadaivlitralment: a linuagem est ex im enjeu aposaou investment) O OBJETO objeto seria para mim a “senha” por exce- lencia, Desde o inicio, escolhi esse ponto de vista, porque ndo queria ficar solidério com a problemética do sujeito. A questio do objeto representava sua alternativa,¢ permaneceu como meu horizonte de reflexéo. Havia igualmente raz6es ligadas & €poca para tal: nos anos 60, a passagem do primado da produgio ao do consu- ‘mo trouxe ao primeiro plano os objetos. No entanto, o que me interessou verdadeiramente no foi tanto o objeto fabricado em si, mas 0 que (0 objetos diziam uns aos outros, o sistema de ‘signos e a sintaxe que eles elaboravam. E, sobre- tudo, o fato de que eles remetiam a um mundo menos real do que poderia fazer crer a aparente 10 Jean Baudrillard onipoténcia do consumo ¢ do lucro. Para mim, neste mundo de signos, eles escapavam rapida- mente de seu valor de uso para estabelecer entre cles um jogo, para se corresponder. Por trés dessa formalizagéo semiol6gica, ha- via, sem diivida, uma reminiscéncia de A Néusea, de Sartre, e daquela famosa raiz que & um objeto obsessional, uma substincia venenosa...* Pare- cia-me que 0 objeto era como que dotado de pai- xio, ow que ele podia, pelo menos, ter vida pré- sair da passividade de seu uso para adquirir tuma espécie de autonomia etalvea até uma capa- cidade de vingar-se de um sujeito demasiado seguro de dominé-lo. Os objetos foram sempre considerados um universo inerte e mudo, do qual dispomos a pretexto de que fomos nés que o pro- duzimos. Mas, a meu ver, este mesmo universo tinha algo a dizer, algo que ultrapassava seu uso. Ele entrava no reino do signo, em que nada se passa de maneira to simples, porque o signo € * Diario do escrito Roquentn, que, obeecado com a qualidade oents xbtia, do mundo exterig, ania em vio por um ui ‘vero que sia cet, rigid, previsive emasclino, como oda fis ‘anewnonians. Ee vl encontrar aus salva na rte, ciando um ‘mando imaginiio que tem a perfeigo formal que fala 20 mus do real. da.) SeNnas 1 sempre o eclipse da coisa. © objeto designava, ‘entio, 0 mundo real, mas também sua auséncia ~ particularmente a auséncia do sujeito. Foi a exploragio dessa fauna e dessa flora dos objetos que me interessou. Utilizei, para tal, todas as disciplinas da atmosfera intelectual do momento: a psicandlise, a anélise marxista da producéo e principalmente a andliselingifstica, a ‘exemplo de Barthes. Mas o que me interessava no estudo do objeto é que ele exigia passar de través por essas dsciplinas, que ele impunha uma transversalidade. O objeto, precisamente, no podia ser reduzido a nenhuma disciplina especifi- ‘ca e, a0 tornar todas elas enigméticas, ajudava a pér em questio seus préprios postulados —inclu- sive os da semiologia, na medida em que 0 obje- to-signo, no qual entram em interferéncia mailt- plos tipos de valores, € muito mais ambfguo que © signo lingiistico. Seja qual for o real interesse dessas diferentes abordagens, o que me apaixonava, € continua me apaixonando, € a maneira como o objeto delas evade, se ausenta - 0 que nele permanece de “in- Quietante estranheza”. A troca, da qual ele € 0 suporte, permanece inesgotavel. Ele €, certamen- te, mediador, mas, ao mesmo tempo, como ele € 12 Jean Baudrillard imediato, imanente, ele quebra essa mediagio. Ele esté sobre duas vertentes: preenche e decep-

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