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MUMFORD, Lewis. A cidade na histbria: suas origens, transformarées e perspec- ‘vas. Trad. de Neil R. da Silva, Sfo Paulo, Martins Fontes; Brasilia, Editora {da Universidade de Brasilia, 1982. 700 p. No comego 8 cidade ere, simbolicamente, um mundo. Hoje, praticamen ‘te, 0 mundo tornou-se uma cidade: entre esses dois extremos se desenrola todo © processo da civilizagdo. E 6 justamente essa longa, e sob tantos aspectos, cata ‘rofica espiral, que se encontra estudada por Lewis Mumford na obra supra-refe- renciada. Mumford publicou-a em 1961, quando contava js mais de sessents ‘anos, 0 que significa que nela se encontra uma espéecie de suma dot conhecimen- 10s € observacdes acumulados ao longo de tods ums existéncia voltada ao estudo dda cultura urbana, ‘Ao todo, 700 compactas piginas em que a erudiego verdadeiramente as- sombrosa do grande pensador se articula poderosamente em diversos, extrema- mente matizados niveis de indagacSo antropol6gica. Para Mumford, 0 estudo da Cidade 6 indissociével do estudo do homem, nfo se trata da descri¢o de uma col- méia, trata-se da descoberta de cinco mil anos de histéria, Descontadas todas as difereneas culturais ¢ cronolégicas, dr-seia que Lewis Mumford é o Fustal de Coulanges de nosso século. Se 0 autor da Cidade Antiga se preocupou basica: mente em discernir os fundamentos religiosos da cidade, co solitério e perene, Mumford 6 possuldo por ume 1no pélo oposto dessa serena postura: © que 0 preocupa & a tragédia da Megalé- polis. Gi, & Trl, Recife, 11(1): 126-148, fan. 1983 140 ecenstet "A sociedade urbana — diz ele — chegou a um ponto em que dois sfo os ccaminhos. HE que enfrentar a decisio imediata que ora se apresenta 20 homem que, de um ou de outro modo, acabaré por transformé-lo: ou se dedicaré ao de- senvolvimento de sua mais profunda condigo humana, ou ird entregar-se as for ‘G25 quase automaticas, que ele préprio desencadeou, cedendo lugar a seu desu- smanizado alter-ego, 0 homem péshistbrico. Esta segunda alternativa traré consi- (90 ura progressiva perda do sentido, da moro, da audécia criadora e, afinal, da consciéncia”. Longe de assumir 0 papel de Cassandra invectivadora, de profeta da des- ‘ruieo, Lewis Mumford, ao contrério, analisa os fatos com a verdadeira isenoSo do homem de ciéncia, que nfo condena e no lisonjeia. Mas, precisamente em razfo dessa neutralidade weberiana, 0 peso de suas palavras adquire gravidade maior. Para ele, muitas cidades, muitas organizages politicas (no sentido origi ral da “polis” helénica)jé fiemaram seu compromisso com o homem pér-histéri- co. Essa criatura obediente — ensina — ndo ir precisar da cidade: 0 que foi ou- ‘trora uma cidade reduzir-se-4 as dimensBes de um centro subterrdneo de contro- la, jé que aos interesses do controle e do automatismo, todos os demais atributos dda Vida sero penhorados: “ Antes que a maior parte da espécie humana se deixe levar a aceitar essa perspective, seduzida por pequenas promessas de “felicidade ppneumatica”, que obscurecam @ ameara total, seré conveniente olhar de novo 0 desenvolvimento hist6rico do homem, naquilo em que foi configurado e molds- do pela cidade. Para alcancar perspectiva suficiente das tarefas imediatas do mo- ‘mento, proponho-me retroceder até os comecos da cidade. Precisamos de uma nova imagem da ordem, que abrangeré 0 orgénico e 0 pessoal, @ acabaré por abarcar todos 0s desempenhos e fungBes do homem. Somente se pudermos pro jetar essa imagem, seremos capazes de encontrar uma nove forma para a cidade”. ‘As “villestentaculaires” hi muito deixaram de ser objeto da poesia. Nos inicios da era industrial imaginava-s que a cidade do futuro nfo seria mais do aque 0 desabrochar hermonioso e saudével do urbanismo passedo. Supunha-se,in- ‘genuamente, que a existencia nas metr6poles do século 20 reproduiria er mo- dulo giantesco a justeza de relapSes que caracterizava 0s conglomerados feitos a medida do homer. Nem se suspeitava da macrocafala, do gigantismo, da buro- cracia tentacular, da abolieS0 dos limites, do congestionamento, da escravidgo das multiddes. € ese 0 sombrio quadro que esta segunda metade do 900 nos oferece. Mumford acredita que s6 dentro de 200 anos uma nova concepefo or- nica ¢ humana da vida urbana conseguiré destronar as divindadescibernéticas {que hoje nos governam. Que nostosbisnetos postam dar-the azo. . 4. G, Nogueira Moutinho [Museu de Arve Saera do Estado de S50 Peulo Ch & Trtp. Recite, 111): 126-148, an fun, 198

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