You are on page 1of 6
APAGAR OS RASTROS, RECOLHER OS RESTOS Na tradigao filos6fica e historiografica, o conceito de “rastro” é caracterizado por sua complexidade paradoxal: presenga de uma auséncia e auséncia de uma presenga, o rastro Somente existe em razio de sua fragilidade: ele é rastro porque sempre ameagado de ser apagado ou de nao ser mais reconhecido como signo de algo que assinala, Esse cardter paradoxal também afeta os usos do conceito por Benjamin, Neste texto, gostaria de desenvolver esse paradoxo de maneira mais precisa. Na reflexao de Benjamin, © oestatuto paradoxal do “rastro” remete & questao da manuten- do qu do apagamento do pasado, isto é, & vontade de deixar marcas, até monumentos de uma existéncia humana fugidia, de um lado, ¢ as estratégias de conservacdo ou de aitiquilamento do passado, do outro. —- Na esteira de Bertolt Brecht, em particular na injungao do poema paradigmatico “Verwisch die Spuren”, Benjamin denun- cia a vontade individualista e “burguesa” de deixar rastros de sua existéncia na Terra, seja na arquitetura, seja na produgado artistica ou econdmica. Desejo, sem diivida, de afirmacao e de perpetuacio de uma dominagdo que deveria continuar intacta mesmo depois da morte de um individuo da classe dominante, mas desejo também de resistir a dissolugdo do individuo enquanto ser privado na dindmica do capitalismo avangado, na multidao da grande cidade, na produgao e no consumo de massa. Lembramos em particular suas célebres analises a respeito da arquitetura interior, da moradia como “cépsula” (Gehduse) aconchegante que deveria proteger do anonimato total, ou da acumulagao de souvenirs, de estojos ou caixinhas, que deveriam compensar 0 “desaparecimento de vestigios da vida privada na cidade grande”. O tom critico de Benjamin nesse capitulo sobre a figura do flaneur em Baudelaire nao pode nos fazer esquecer que essas descrigdes também concernem as possibilidades de sobre- vivencia do bibliofilo ¢ colecionador que ele mesmo encarnava. A obrigacao de se despojar de imagens e de livros adquiridos a duras penas, testemunhos de uma minima continuidade da prépria existéncia, essa obrigago dolorosa nasce da condiga0 de refugiado, de clandestino ou de ilegal que Benjamin, como tantos em sua época ¢ ainda hoje, conheceu de perto. Essa condigao de clandestinidade ¢ de ilegalidade é a chave hermenéutica da leitura de Benjamin do primeiro nono poemas do Manual para habitantes de cidades, de Brecht. Trata-se de “apagar os rastros”, seja por cautela prépria, no primeiro poema, ou por intervengao répida de anfitrides, cuja hospitalidade se torna cada vez mais fugaz, no nono: “A injungao do primeiro poema “Apague os rastros’ completa-se para o leitor do nono na observa Go suplementar: melhor do que quando sao apagados para ti”? Nos mesmos comentarios sobre os poemas de Brecht, Benjamin observa que esse ciclo, escrito antes da Segunda Guerra, tem um valor premonitério em relagao 4 condigao de ilegalidade e de emigragao qual o autor se vera forgado em breve: “A criptoemi- gracio [isto é, um tipo de emigrago interior do comunista Brecht durante a Repiiblica de Weimar] foi a forma anterior da emigra¢ao auténticas também era uma forma anterior de ilegalidade.”? No curto texto “Experiéncia e pobreza”, Benjamin insistia ras mutacdes que a pobreza, justamente, de experiencia acarreta para as artes contemporaneas, enfatizando, na esteira de Brecht € contra uma estética da harmonia ¢ do belo, que nao se trata mais de ajudas, reconfortar ou consolar os homens pela edifi- o de uma beleza iluséria, defendendo antes as provocagées das vanguardas, Nesse contexto, jd citava 0 famoso poema de Brecht “Apague os rastros”, do qual cito as duas iltimas estrofes: O que voce disser, no diga duas vezes. Encontrando seu pensamento em outra pessoa: negue-o. Quem nao escreveu sua assinatura, quem nao deixou retrato Quem nao estava presente, quem nada falou Como poderao apanha-lo? Apague os rastros! Cuide, quando pensar em morrer Para que nao haja sepultura revelando onde jaz Com uma clara inscrigao a the denunciar Eo ano de sua morte a lhe entregar Mais uma vez: Apague os rastrost (Assim me foi ensinado.)* Se, nesse texto, a énfase de Benjamin sobre o desaparecimento dos rastros é interpretada de maneira bastante afirmativa, no contexto de uma polémica contra a arte burguesa, contra 0 desejo de perpetuagdo do individuo da classe dominante e numa defesa da radical destrutividade das vanguardas, os comentarios dos poemas, escritos na mesma época, ressaltam muito mais a precariedade da ilegalidade e da clandestinidade. Denunciam claramente a politica de terror do nazismo quando Benjamin observa, em relacdo a diltima estrofe do poema, a auséncia de timulo: “Somente essa injungao poderia ser caduca; esse cuidado foi removido por Hitler e sua gente das preocupagdes do [cida- dao] ilegal.”’ Essa observagao, feita por Benjamin bem antes da existéncia dos campos de concentragao, aponta para uma tem4- tica essencial, mesmo que pouco desenvolvida, na sua reflexao: a importancia do timulo, do respeito devido aos mortos (lembro que Benjamin anota criticamente 0 gesto pretensamente ilumi nista dos protagonistas das Afinidades eletivas, de Goethe, que nao hesitam em remover timulos para transformar um cemitério jo a tese VI, “Sobre o conceito soguranga diante da profanagao do inimigo veneer: Devemos lembrar que a palavra séma em twaduzida geralmente como signo ou vestigio ou rastro, significa originalmente “timulo”, por exemplo, em Homero, quando os guerreiros da Iiada lutam em torno do cadaver de um companheiro, para poder enterré-lo, ou imploram para seem sepultados, deixando assim um rastro material de sua existéncia ¢ de sua coragem. Deveremos voltar a isso. No mesmo capitulo do flavzeur, Benjamin introduz uma longa digressao sobre a relagao apaixonada de Baudelaire e Edgar Allan Poe pelo viés de uma teoria do romance de detetive, jé que Baudelaire traduziu poemas e, sobretudo, as Histérias extraor- dindrias, de Poe, trabalho que lhe rendeu regularmente algum dinheiro. O interesse de Benjamin pelo romance de detetive e 0 romance policial é grande. Quando se consulta a lista dos livros lidos por ele, anotados com regularidade, observa-se que entre Montherlant, Gide, Kafka ou Trotsky surgem regularmente, em particular desde 1933, quando mora em Paris, os romances de Georges Simenon e de outros autores de romances policiais ou de detetives: Le relais d'Alsace, Les treize coupables, M. Gallet, décédé, Le pendu de Saint-Pholien, Le port des brumes, Les gens d’en-face, La nuit du carrefour, somente para evocar titulos de Simenon lidos por Benjamin em 1933 e 1934.‘ Por enquanto, nao conheco nenhuma tese sobre Walter Benjamin e Georges Simenon, mas acho que © assunto valeria a pena! Nao se trata somente de leituras contra as insOnias certamente frequentes de Benjamin. Com efeito, o que Ihe interessa transparece nesse capitulo do flaneur e remete, justamente, A questo da grande cidade e do desaparecimento dos rastros: A historia de detetive [die Detektivgeschichte}, eujo interesse reside numa construgdo légica, que, como tal, a novela criminal niio precisa possuir, aparece na Franca péla primeira vez com a traducao dos contos de Poe: “O mistério de Marie Roget”, “Os crimes da Rua Morgue”, “A carta roubada”. Ao traduzir esses modelos, Baudelaire adotou o género. wo Sua prépria obra foi totalmente perpassada pela de Poe (...) O contetido social origindrio [trspriinglich] da historia de detetive [Detektivgeschicht| 6a supressiio dos vestigios [Die Verwischung der Spuren, o apagamento dos rastros, a mesma expresso dos poemas de Brecht] do individuo na multidio da cidade grande.” Se as palavras sao idénticas, pois se trata tanto em Brecht como em Poe/Baudelaire, de “apagamento de rastros” e da convi- véncia dos individuos na grande metr6pole capitalista moderna, © proprio conceito de rastro, de Spur, adquire no contexto da historia de detetive uma conotagio mais precisa. Com efeito, como 0 filésofo Emmanuel Lévinas observou num contexto totalmente diferente, dever-se-ia fazer uma diferenciacao entre tum conceito amplo de rastro como signo e um conceito mais estrito, desprovide de conexao com a intencionalidade daquele que deixa um rastro, Escreve Lévinas: O rastro nfio é um signo como outro. Mas exerce também o papel de signo. Pode ser tomado por um signo. © detetive examina como | signo revelador tudo o que ficou marcado nos lugares do crime, a obra voluntiria ou involuntéria do criminoso; 0 cagador anda atrés do rastro da caga; o rastro reflete a atividadd e os passos do animal que ele quer abater; o historiador descobre, a partir dos vestigios que sua existéncia deixou, as civilizagdes antigas como horizontes de nosso mundo. Tado se dispde em uma ordem, em um mundo, onde cada coisa revela outra ou se revela em fancao dela. Mas, mesmo tomado como signo, 0 rastro le significa fora de toda intengo de fazer signo e fora de todo projeto do qual cle seria a visada (...) O rastro auténtico (...) decompée a ordem do mundo; vem como “em sobreimpressao”. Sua significancia original 10 de excepcional em relagdo a outros signos: tem aind: desenha-se na marca impressa que deixa, por exemplo, aquele que quis aps que deixou rastros a0 querer apagi-los, nada quis dizer nem fazer pelos ysar seus rastros, no cuidado de realizar um crime perfeito. Aquele rastros que deixou, Ele decompés a ordem de forma irrepardvel. Pois_/ ele passou absolutamente. Ser, na modalidade de deixar wm rastro, é/ passat, partir, absolvense." f 5 Nao precisamos seguir Lévinas em suas conclusdes teolégico- -filosoficas para poder concordar com sua descrigo do rastro como um signo aleatério e nao intencional, um signo/sinal desprovido de visada significativa. O exemplo do ladrao que, a0 querer apagar seus rastros, deixa outros que nao quis é eloquente: enquanto signo, no sentido classico do termo, em particular 0 linguistico, que tenta transmitir uma “mensagem”, como se diz, relacionada as intengées, as convicgSes, aos desejos do seu autor, 9 rastro pode se voltar contra aquele que o deixou e até ameagar sua seguranga. Nesse sentido muito preciso de signo nao inten- cional, o rastro remete a algo que excedea vontade consciente do sujeitos a algo também que pode ameacé-lo em sua integridade, como os poemas de Brecht ressaltam. A algo, continua Benjamin no mesmo capitulo do flaneur, que, paradoxalmente, introduz a uma “rede de controle ampla”” da parte do Estado e da policia, controle crescente, desde a numeracao dos domicilios citadinos até as imagens gravadas por cameras invisiveis, um controle que deveria ajudar a perseguir individuos transformados em exem- plares quase invisiveis do mesmo anonimato. Num artigo fundamental, o historiador Carlo Ginzburg traca um paralelo instigante entre as figuras do detetive, do historia- dor e do psicanalista quando cita Freud, que, por sua vez, cita 0 historiador de arte ¢ médico italiano Giovanni Morelli, no seu ensaio consagrado ao Moisés de Michelangelo: Creio que o seu [de Morelli] método esta estreitamente aparentado a técnica da psicandlise médica. Esta também tem por hébito penetrar em coisas concretas ¢ ocultas através de elementos desdenhados ou desapercebidos, dos detritos ou “refugos” de nossa observagio."” Esses restos, esses detritos, cuja importdncia na obra de Kafka sera ressaltada por Adorno," sio sinais daquilo que escapa ao controle da consciéncia em Freud e da meméria voluntéria em Proust; rastros involuntarios ou inconscientes de algo que nio esti explicito. O pesquisador historiados, o detetive ou o psicanalista ndo se perguntam mais sobre as inteng&es do sujeito que deixou uma marca, escrita, artistica, socioeconémica, mas sim sobre © que podem revelar rastros reconhecidos como signos de algo que ficou sem que sejam frutos de uma intencao explicita. De maneira muito préxima, a historiografia critica de Benjamin procura por rastros deixados pelos ausentes da hist6ria oficial (os oprimidos, die Unterdriickten), & revelia da historiografia em vigor e, também, por rastros de outras possibilidades de interpretagdo de uma imagem imutavel dos acontecimentos e das obras do passado, tal como é transmitida pela tradicao em vigor Procuram por aquilo que escapa ao controle da versio dominante da historia, introduzindo na epicidade triunfante do relato dos vencedores um elemento de desordem e de interrogacao. Esses rastros so geralmente pouco visiveis num duplo sentido: nao se destacam, nao so os “tragos dominantes de uma época”, como se tuma dizer, e também so muito mais detalhes que parecem aleatérios, restos insignificantes que, a primeira vista, poderiam e deveriam ser jogados fora. Assim também, no conhecido conto de Kafka, Odradek, esse ser misto de restos, de pedagos de fio e de madeira, essa coisa viva que fala, ri e se esconde, escapa ao controle do pai de familia e é fonte de sua preocupagao justamente por isso, sem precisar causar- -he, aparentemente, dano algum.' Essa relevancia do detalhe, em particular do dejeto e do caco, foi imortalizada por Baudelaire, quando comparou o trabalho do poeta ao do Lumpensammler on do chiffonier," hoje talvez se diria do sucateiro, comparagao realgada por Benjamin e que pode também ser uma metfora do Iho do historiador materialista."* Explicaria também essa fincia a predilecdo de Benjamin por aquilo que ele mesmo chama de filologia e sua desconfianca em relacio a interpretagdes globalizantes, a partir do todo, como tantas vezes seu amigo ~ sor = Adomo dele exigiu: 0 todo tende, mesmo quando segue um des esquecida dos objetos em prol da pretensa soberania do sujeito (ningudm soube disso melhor, alias, que © proprio Adorno!).!* ¢ 66 iynio de dentineia critica, a ofuscar a complexidade O historiador materialista de Benjamin e o médico psicana- lista de Freud séo ambos caracterizados por essa atencio a0 detalhe, a0 insignificante e ao detrito; nos termos de Baudelaire, ambos seriam especialistas no capbarnaiim des rebuts (no “cafarnaum dos dejetos ou da escéria”). Tanto Benjamin quanto Freud retomam a metafora do arquedlogo que procura os vesti- gios do passado nas diversas camadas do presente, sem saber se encontrara somente alguns cacos, uma estatua quebrada, 0 torso de uma figura desaparecida. O arquedlogo nao pode temet remover a terra do presente, isto é, colocar talvez em perigo as edificagdes que ali se erguem. Deve ficar atento a pequenos restos, a detritos, irregularidades do terreno que, sob sua super- ficie aparentemente lisa e ordenada, talvez assinalem algo do passado que foi ali esquecido e soterrado. Detlev Schéttker"® ressalta essa proximidade metaforica entre Freud e Benjamin para descrever 0 proceso de rememoragio-e de reconstru- cao/destruicgao da historia pessoal ou coletiva. Cita 0 texto “Construcdo em anélise”, de Freud, que estabelece a analogia entre o trabalho do arqueélogo e o do analista!? e observa que Benjamin utiliza a mesma imagem do arquedlogo por duas vezes quando reflete sobre o empreendimento de contar sua infancia e juventude, no manuscrito Berliner Chronik, que deveria ser 0 primeiro esboco da Infiincia em Berlim, e numa “imagem de pensamento”, intitulada Ausgraben und Erinnern.'® Alids, nos dois fragmentos, Benjamin usa a mesma palavra que Freud para falar das cidades soterradas: elas se encontram verschiittet, cobertas de terra e de Schutt, de decritos e de ruinas como aqueles que deixam as bombas depois da destruicao. Freud, no entanto, relativiza essa destruigo e afirma que, diferentemente da maior parte das escavagdes arqueoldgicas, que somente encontram fragmentos e ruinas a partir dos quais se pode ou no concluir a respeito da totalidade do edificio, o analista geralmente pode reencontrar uma formagao psiquica intacta, mesmo que ela tenha sido esquecida ou recalcada, como renasceu Pompeia “ (uma excecdo feliz na historia da arqueologia!) sob as cinzas, porque se “tem o direito de duvidar, se existe qualquer formacao psiquica que realmente foi objeto de uma total destruico”.!” benjamin é menos confiante, certamente porque ele ndo fala do trabalho construido pelo analista a partir dos fragmentos que 0 “paciente” evoca, mas da busca pessoal (e coletiva nas “Teses”) em relagdo a seu préprio passado: “Quem pretende se aproxi- mar do préprio passado soterrado [der eigenen verschiitteten Vergangenheit] deve agir como um homem que escava”, escreve cle, E continua, explicando que se deve proceder com cuidado, espalhar muita terra, voltar aos mesmos pontos, retomar as buscas, ir segundo um mapeamento preciso, mas também confiar no acaso. Sobretudo, como “num bom relatério arqueolégico”, » se deve s6 indicar 0 que foi achado, mas também anotar com preciso todas as camadas que tiveram que ser atravessadas, marcar no “chao de hoje sitio ¢ lugar” (im heutigen Boden Ort und Stelle) onde foi escavado. Talvez diferenca de Freud, Benjamin nao ressalta tanto 0 resultado da escavacio, mas muito mais 0 préprio processo. Alias, se algo for encontrado, seré no melhor dos casos um “torso” quebrado, um caco, um pedaco de estatua incompleta. A atividade do cavar e do escavar (graben, ausgraben) & uma cons- tante na filosofia de Benjamin, desde suas reflexdes sobre melan- colia ¢ interpretaco aleg6rica do livro Origem do drama barroco alemao. Ela nao remete s6 ao abismo sem fundo (Abgrund) do lembrar e do pensar, mas, essencialmente, 4 lembranga e 40 pensamento como formas de sepultamento: 0 verbo cavar, graben, pertence a0 mesmo radical que o substantivo timulo, Grab. aqui reencontramos 0 motivo, ao qual jé aludi antes, da importiineia do timulo e dos mortos no pensamento de Benjamin. © verdadeiro lembrar, a rememoracao, salva 0 passado, porque procede nao $6 & sua conservagao, mas the assinala um lugar preciso de sepultura noveliio do presente, possibilitando o luto © a continuagito di vida, O histor ni iador e psicanalista francés Ww Michel de Certeau descreveré de maneira muito préxima o trabalho do historiador como um rite d'enterrement (um rito dle sepultamento).2° Somente esse trabalho de rememoragio e de natragio, sob a égide da morte e do timulo, possibilita, como. ¢ dia Benjamin em Risa de mio tinica, que se possa esculpir uma_ ‘outra imagem, a do futuro: ‘Torso, Somente quem soubesse considerar o préprio passado como | fruto da coagio e da necessidade seria capaz de fazé-lo, em cada pre- | sente, valioso ao maximo para si. Pois aquilo que alguém viveu é, no melhor dos casos, comparavel & bela figura 4 qual, em transportes, | foram quebrados todos os membros, ¢ que agora nada mais oferece a do ser o bloco precioso a partir do qual ele tem que esculpir a imagem do seu futuro2" NOTAS “Die Spurlosigkeit des privaten Lebens in der grossen Stadt zu entschiidigen” (Walter Benjamin, Gesammelte Sebriften, herausgegeben von Rolf Tiedemann ¢ Hermann Schweppenhiuser, FrankfuryM., Subrkamp, 1972-1989, v. -2, p. $48) [traducio brasileira: idem, Charles Baudelaire: um lirico no auge do capitalismo, trad. José Carlos Martins Barbosa ¢ Hemerson Alves Baptista, Sio Paulo, Brasliense, 1989, p. 43, Obras escolhidas, v. II) 2 “Die Vorscheift des ersten Gedichts ‘Verwisch die Spuren’ vervollstandigt sich ‘dem Leser des neunten in dem Zusatz: besser als wenn sie dir verwische werden” (idem, Gesamomelte Schriften, v. U-2, p. 560, teadugao minha), > Die Krypto-Emigeation war die Vorform der eigentlichen; sie war auch eine Vorform der llegalixat”(ibidem, p. 560, 556, raducio minha). + “Was immer du sagst, ag es nicht zweimal /Findest du deinen Gedanken bei ‘einem andern: veleugne ihn. / Wer seine Unterschrift nicht gegeben hat, wer ken Bild himterliess / Wer nicht dabei war, wer nichts gesagt hat / Wie soll dee zu fassen scin! / Verwisch die Spuren! // Sorge, wenn du zu steeben gedenkst / das kein Grabmal steht und verrit, wo du liegst / Mic einer deutlichen Schrift, die dich anzeige / Und dem Jahr deines todes, das dich aberfahre!/ Noch einmal: J Verwisch die Spuren! / (Das wurde mir gesagt.)” (Bertold Brecht, Poemias, trad. Paulo César de Souza, Sio Paulo, Editora 34, 2000, p. 57-58, tradugio ‘modificada). 5 “Diese Vorscheiftallein konnte veralter sein: diese Sorge wurde dem Ilegalen von Hier und seinen Leuren abgenommen” (Benjamin, Gesarmelte Schriften, ¥. 112, p. 556). “Verzeichnis der gelesenen Schriften” (ibidem, v. VITA, p. 466-468). “Ibidem, v.12, p. $44-546 (radudo brasileira: Idem, Pavis do Segundo Império, p. 40-41) 5 H Wanmanuel Levinas, Hiemanismo do ovtro bomem rad. Pergentino Pivato, Petrépolis, Vozes, 1993, p. 75-76, grifo do autor, tradugio ligeiramente mo- dificada, Tomo aquia liberdade de remeter o leitor a9 meu ensaio, *O rastro. © 8 civatriz: metitoras da memoria” (Jeanne Marie Gaj in, O rastio ea _pleatries metaforas da memoria, em Lembrar, escrever, esquecer, Sao Paulo, “Editora 34, 2006, p. 107-148) ———— ~ * Hin ausgedebntes Kontrollnetz” (Benjamin, Gesammelte Schriften, v. 1-2, p. $49) [tradugao brasileira: Idem, Paris do Segundo Império, p. 40-41], “Joh glaube, sein [Morellis] Verfahren ist mit der Technik der artzlichen Paychoanalyse nahe verwande. Auch diese ist gewohnt, aus geringgeschitzxen ‘ler nicht beachteten Ziigen, aus dem Abhub~ dem ‘refuse’ ~ der Beobacheuny Gehoimes und Verborgenes zu erraten” (citado por Carlo Ginzburg, Sinai ‘aizos de um paradigma indieiério, em Mitos, emblemas, sinaist morfologia © hisniria, S20 Paulo, Companhia dis Letras, 1991, p. 143) [Sigmund Freud, Dey Moses ds Michelangelo em Stuaienangabe, FrankfordM., Fischer, 1968, v.X, p. 207]. 1! “De acordo com Freud, a psicandlise dirige sua atengio aos ‘refugos do mundo slas-aparéncias’: os elementos psiquicos, atos falhos, sonhos esintomas neuréticos. Katka peca contra uma tradicional regra do jogo ao produzir arte exclusivamente 4 partir do que é recusado pela realidade” (T. W. Adorno, Anotagdes sobre Karka, em Prismas: critica cultural e sociedade, Sio Paulo, Atica, 1998), iz Kafka, A preocupagdo do pai de familia, em Um miédico rural: pequenas, arrativas, Sio Paulo, Companbia das Letras, 1999, p. 41-42. iro € poeta —os dejetos dizem respeito a ambos; solitirios, ambos realizam ‘seu neyscio nas horas em que os burgueses se entregam 20 sono} o proprio gesto-é ‘o mesmo emambos. Nada fala do pas saccadé de Baudelaire; 6 passo do poeta ‘auc erra pela cidade procurando a presa das rimas; deve ser também 0 passo do ‘apeiro que, a todo instante, se detém no seu caminho para recolher o lixo em «que tropega” (Benjamin, Paris do Segundo Império, p. 79, teadugao levemente todificada). Baudelaire nao s6 escreve 0 poema “Le vin des chiffoniers” (“O ‘inho dos trapeiros”), mas descreve da seguinte maneira o seu trabalho: “Voici ‘un homme charge de remasser les débrs d'une journée de la capitale. Tout ce ‘que ln grande cité a rejeté, rout oe qurelle a perdu, tout ce qu'elle a dédaigné, tout ce qu'elle a brisé, i le catalogue, il le collectionne. Il compulse les archives ‘doa dhauche, lecapharnatim des rebuts. I faitun tiage, un choix intelligent; i ramasse, comme un avare un trésor, les ordures qui, remachées par ladivinié de [Hoslustrie, deviendront des objets d’utlité ou de jouissance” (Charles Baudelaire, ‘Gouvres completes, Paris, Gallimard, 1961, p.327) [traduedo para o poreugués: iy un encartegado de aparhar os restos de um dia da capital. Tudo as a tind id jen ti o que per ud o gue desde, ro © qu partiu, ele o catalog e coleciona, Compulsa os arquivos da libertinagem, a IR ePaAlH ice rfuyss, Pax UriA sopuearto, tina eacolha inecligente; reine, como tum avarento um tere, a8 Thana que, mastigados pela divindade da Indistria, fe tomar objetor de uiilidada ou ste eoceota” (iden, Paraisos artificiais, em Passa froaa, {io se Janitor, Nava Aguilar, 1995p. 354)}. Benjamin cita esse feagmenta 1a obra aupencieada © a endera J sas Passagens,

You might also like