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A CONSTRUGAO DOS SENTIDOS NO TEXTO: COESAO E COERENCIA Em muito’ anos de reflexdes sobre os fendmenos textuais da coesio e da coeréncia, tenho-me perguntado com frequéncia sobre as fronteiras entre ambos, Sou de opinio que se trata de fenémenos distintos, conforme defendi em diversos trabalhos sobre a questo (Koch, 1984, 1985, 1989a, 1989b, 1990, entre outros), em con- cordincia com a maioria dos autores que trabalham atualmente nesse campo (Beaugrande & Dressler, Charolles, Heinemann & Viehweger, Van Dijk, para citar apenas alguns). E preciso considerar, contudo, que existem zonas mais ou menos amplas de imbricagio entre eles, nas quais se torna extre- mamente dificil ou mesmo impossivel estabelecer uma separagao nitida entre um e outro fenémeno. Pretendo, portanto, aprofiundar um pouco mais essa reflexio. A CoesAo TEXTUAL Podemos conceituar a coesio como o fenémeno que diz respeito ao modo como os elementos linguisticos presentes na superficie textual se encontram interligados entre si, por meio de recursos também linguisticos, formando sequéncias veiculadoras de sentidos. 4s Segundo Marcuschi (1983), os fatores de coesao sao aqueles que dao conta da sequenciacio superficial do texto, isto é, 0 me- canismos formais de uma lingua que permitem estabelecer, entre 0s elementos linguisticos do texto, relagies de sentido. Tenho considerado em meus trabalhos duas grandes mo- dalidades de cocsio: a remissio ¢ a sequenciagio. Gostaria de a uma revisio dessa classificagao. por remisséo pode, no meu entender, desempe- nnhar quer a fungio de (re)ativagio de referentes, quer a de “sina- lizacio” textual. A reativacio de referentes no texto é realizada por meio da referenciagio anaférica ou cataférica, formando-se, deste modo, cadeias coesivas mais ou menos longas. Aquelas que retomam referentes principais ou temdticos (por exemplo, protagonista ¢ antagonista, na narrativa; ser que é objeto de uma descrigao; tema de uma discusséo, em textos opinativos) percorrem em geral 0 texto inteiro. Esse tipo de remissio pode ser efetuado, como foi mencio- nado no capitulo anterior, por meio de recursos de ordem “gra- matical” — pronomes pessoais de terceira pessoa (retos ¢ obliquos) € 08 demais pronomes (possessivos, demonstrativos, indefini interrogativos, relatives), os diversos tipos de numerais, advér- bios pronominais (como aqui, af, ld, ali) € artigos definidos; ou por intermédio de recursos de natureza lexical, como sinénimos, hiperénimos, nomes genéricos, descrigées definidas; ou, ainda, por reiteracéo de um mesmo grupo nominal ou parte dele; e, finalmente, por meio da elipse. Observem-se os exemplos: (1) Ajovem acordou sobressaltada. Ela nao conseguia lembrar-se do que havia acontecido e como fora parar al. Marcia olhou em torno de si. Seus pais ¢ seus irmios observa- vam-na com carinho. Acorreram a0 local muitos curiosos. A/guns trepavam nas dr vores para enxergar melhor. © concurso selecionari os melhores candidatos. O primeiro deverd desempenhar o papel principal na nova pega. O juiz olhou para o auditério. Ali estavam os parentes ¢ amigos do réu, aguardando ansiosos o veredito final ‘Um policial que segurava uma arma aproximou-se do desco- nhecido. O estranho, ao ver 0 policial, langou-se a seus pés. Muitas vezes, a (re)ativacéo de referentes, a partir de “pis- tas” expressas no texto, se dé via inferenciagéo. Pode-se inferir, por exemplo, o todo a partir de uma ou de algumas partes; um conjunto 2 partir de um ou mais subconjuntos, o género ou es- pécie a partir de um individuo; enfim, conhecimentos que fazem parte de um mesmo “frame” ou “script”, a partir de um ou virios de seus elementos explicitos na superficie textual ou vice- Eis alguns exemplos: (7) O aposento estava abandonado. As vidragas quebradas deixa. vam entrar o vento ¢ a chuva. (8) A bbaleia azul é um animal em vias de extingio. Flas ainda séo encontradas em algumas regides do globo. (9) Chamaram-me a atencio 0s labios vermelhos, os olhos pro fundamente azuis, as sobrancelhas bem desenhadas, 0 nariz, fino, a tez motena, Nunca iria esquecer aquele rast! ‘A remissio para a frente — catéfora — realiza-se preferencial- mente através de pronomes demonstrativos ou indefinidos neutros (isto, isso, aquilo, tudo, nada) ou de nomes genéricos, mas também por meio das demais espécies de pronomes, de numerais ¢ de advérbios pronominais. Seriam exemplos de remissio cataforica: (10) O incéndio havia destruido tudo: casas, méveis, plantagoes, (11) Desejo somente isto: que me deem a oportunidade de me defender das acusagoes injustas. (12) © enfermo esperava uma coisa apenas: 0 alivio de seus soft mentos. (13) Ele era tao bom, o presidente assassinado! A “sinalizagéo textual”, por sua vez, tem a fungio basica de organizar 0 texto, fornecendo ao interlocutor “apoios” para 0 processamento textual, através de “orientagoes” ou indicagées para cima, para baixo (no texto escrito), para a frente ¢ para tras, ou, ainda, estabelecendo uma ordenagio entre segmentos textuais ou partes do texto. Vejamos alguns exemplos: (14) As evidencias abaixo comprovam esta afirmai b, 5 Gee or (15) Como foi mencionado acima, postulo a existéncia de duas grandes modalidades de coesio. (16) Mais adiante, volrarei a essa questio, (17) Na segéo anterior, tratei da origem do termo; a seguir, bordarei sua evolugio semantica. Entre 0s casos de “apontamento” para tras, poder-se-iam incluir aqueles tipos de remissio com fungio “distributiva’, como em: (18) Paulo, José ¢ Pedro deverio formar duplas com Liicia, Mariana «e Renata, respectivamente Sou de opinio que, nesses casos de “sinalizagio”, seria mais adequado falar de “déixis textual”, como tem postulado, entre ou- t10s, K. Ehlich. Isto é, nao se trataria aqui de relagées de referencia ou correferéncia, mas antes de “mostragio” déitica no interior do proprio texto. Segundo Ehlich (1981), as expressbes déiticas permitem a0 falante obter uma otganizacio da atengio comum dos interlocu- tores com referéncia ao conteiido da mensagem. Para consegui-lo, 6 produtor do texto tem necessidade de focalizar a atengio do parceito sobre objetos, entidades e dimens6es de que se serve em sua atividade linguistica. Assim sendo, o procedimento déitico constitui o instrumento para dirigir a focalizagao do ouvinte em direcio a um item especifico, que faz parte de um dominio de acessibilidade comum — 0 espaco deitico. Na comunicagio coti- dliana simples, esse espaco déitico € 0 proprio espaco da atividade de fala, isto é, a situagao de interagio. Os procedimentos déiticos atualizam-se através do uso de expressbes deiticas. Como as ativi- dades de orientacao deitica sio atividades sobretudo mentais, 0 uso de expresses déiticas em procedimentos déiticos constitui uma atividade verbal com fins cognitivos e, quando bem-sucedida, com consequéncias de ordem cognitiva para o interlocutor. Embora, evidentemente, o dominio da fala seja 0 dominio deitico por exceléncia, ¢ as expressbes déiticas estejam geralmente ligadas a fendmenos diretamente vistveis para os interlocutores, isto é, que se encontrem no seu campo perceptual/sensorial, Ehlich assinala que, se levarmos em consideracio 0 “tempo” como uma dessas dimensdes, mesmo no dominio da fala, essa dimensio se estenderd além dos limites da percepgéo sensorial direta, ou seja, © quadro de referéncia compartilhado seri em si mesmo uma estructura mental comum a ambos: quando, por exemplo, 0 falante usa uma expresso como “agora”, faz uso de um sistema de conhecimentos que pressupée partilhado com seu interlocutor. Partindo dessa constatagio, 0 autor defende a posigéo de que a déixis relativa ao dominio da fala é apenas um caso especifico do procedimento déitico. Desse modo, 0 procedimento déitico deve ser ‘estudado de maneira global, de forma a tomnar evidente que ha um forte envolvimento de sistemas mentais, sistemas de conhecimento ede anilise da realidade comuns, partilhados pelos interlocutores, possbilitando, destarte, a economia comunicativa através do uso das expressbes déiticas. Concentrando seu estudo no que chama de “déixis textual”, procura contrapé-lo 4 nogéo de anéfora, a0 contritio do que se encontra na maior parte da literatura, na qual geralmente a segunda engloba os fatos caracteristicos da primeira: ou seja, a déixis textual nao tem sido considerada uma déixis propriamente dita, mas sim descrita apenas como um uso anaférico ou cataférico especifico, em vireude da concepgio sens6rio-perceptual da déixis dominante entre os estudiosos da questio. 10 no interior do texto tem sido vista geralmente como um fenémeno de referencia endofrica (cf. Halliday 8 Hasan, 1976). Distingue-se, por vezes, entre andfora e catifora, outras vezes, incluem-se todos 0s tipos de remissio sob a designagio genérica de andfora, em contraposicao a déixis, que constituiria apenas a remissio ‘a elementos exteriores a0 texto (cxéfora, para Halliday). Ha outros Isto é a remis autores que, por seu tumo, englobam a anéfora no dominio geral dadéixis, ou seja, pensar a anéfora como parte do fendmeno global de remissio, de modo que tal conceito acaba por abranger fatos bastante dispares em termosde seu funcionamento. Sao vistos como anaféricos nao s6 0s elementos do texto que remetem a sintagmas ou a um ou alguns constituintes de um sintagma, como os que remetem a porgses inteiras, maiores ou menores, do texto antecedente ou subsequente. Incluem-se, também, na nogéo de anéfora, além dos elementos que fazem remissGo a outros expressos no texto, os que remeter a elemen- tos do universo cognitivo dos interlocutores, desde que ativados por alguma expressio do texto. De minha parte, considero interessante proceder distingio sugerida por Ehlich, entre anéfora edéixis textual, por razées como as seguintes, entre outras: ‘A anéfora estabelece uma relagao de corteférencia ou, no minimo, de referéncia, entre elementos presentes no texto ou recuperiveis através de inferenciagéos a0 passo que a déixis textual aponta, de forma indicial, para segmentos maiores ou menores do cotexto, com o objetivo de focalizar neles a atengao do interlocutor. Nos casos de anéfora tem-se, com frequéncia, instrugdes de congruéncia (concordancia), o que raramente acontece na déixis textual, efetuada em geral por meio de formas neutras ede advérbios ou expressées adverbiais, portanto invariaveis. ‘Através da ‘remissio anaférica, estabelecem-se no texto cadeias coesivas ou referenciais, 0 que nao ocorre nos casos de déixis textual. Quanto 3 catéfora, parece-me que fica a meio caminho entre 0s dois fendmenos: se hd casos de remissio referencial, como (13), exemplos como (10), (11), (12), bem como (19) ¢ (20) a seguir podem ser considerados como casos de déixis textual: (19) Observem bem és néo Ihes parece um tanto estranho? (20) Nao estava habituado a coisas como estas: ser servido, teceber atengées ¢ homenagens. A coesio sequenciadora, por seu turno, é aquela através da qual se faz 0 texto avancar, garantindo-se, porém, a continuidade dos sentidos. O sequenciamento de elementos textuais pode ocorrer de forma direta, sem retornos ou recorréncias; ou podem ocorrer na progressio do texto recorréncias das mais diversas ordens: de termos ou expresses, de estruturas (paralelismo), de contetidos semanticos (paréfrase), de elementos fonoldgicos ou prosédicos (similicadén- cia, rima, aliteragio, assondncia) e de tempos verbais. Em Koch (1989a), discuto em maior profundidade essas questoes. Entre os recursos responséveis pelo sequenciamento textual, estio a selecéo dos campos lexicais a serem ativados no texto (con- tiguidade, conforme Halliday & Hasan) ¢ 0 inter-relacionamento que se estabelece entre dois ou mais campos com vista 4 obten¢a0 de determinados efeitos de sentido, os diversos tipos de articulacéo tema-rema eo encadeamento ou conexio (connectedness, connexité), também estudados em Koch (1989a). ‘Alguns desses fendmenos serio retomados mais adiante em nossa discussio. A CoereNciA A coeréncia diz respeito 20 modo como os elementos subjacentes & superficie textual vém a constituir, na mente dos interlocutores, uma configuracio veiculadora de sentidos. A cocréncia, portanto, longe de constituir mera qualidade ou propriedade do texto, € resultado de uma construcio feta pelos interlocutores, numa situagio de interacao dada, pela atuagéo conjunta de uma série de fatores de ordem cognitiva, situacional, sociocultural ¢ interacional (cf. Koch & Travaglia, 1989 ¢ 1990). Se, porém, é verdade que a coeréncia nio esté no texto, é verdade também que ela deve ser construida a partir dele, levan- do-se, pois, em conta os recursos coesivos presentes na superficie textual, que funcionam como pistas ou chaves para orientar 0 interlocutor na construcéo do sentido. Para que se estabelecam as relages adequadas entre tais elementos ¢ 0 conhecimento de mundo (enciclopédico), 0 conhecimento socioculturalmente partilhado entre os interlocutores, ¢ as préticas sociais postas em agio no curso, da interagio, torna-se necessirio, na grande maioria dos casos, proceder a um célculo, recorrendo-se a estra- tégias incerpretativas, como as inferéncias e outras estratégias de negociagao do sentido. ‘A coeréncia se estabelece em diversos niveis: sintético, se- mantico, tematico, estlistico, ilocucional, concorrendo todos eles para a construgao da coeréncia global. Assim, hé autores que dis- tinguem entre a coeréncia local (isto é, aquela que ocorre em um desses niveis, sobretudo no sintatico) e a coeréncia global do texto (cE. Charolles, 1978; Van Dijk, 1981 e 1990, entre outros). ZONAS DE INTERSECCAO Defendo a posigao de que, sempre que se faz. necessério algum tipo de célculo a partir dos elementos expressos no texto — como acontece na absoluta maioria dos casos — ja se esté no campo da coeréncia. Ora, como j indicici acima e procurarei detalhar a seguir, é bastante comum, para se interpretarem adequadamente as relagoes coesivas que 0 texto sugere, que sejamos obrigados a efetuar determinados cilculos quanto ao sentido possivel dessas relagdes. E nesses momentos, portanto, que se obliteram os limites nitidos entre coesio e coeréncii asso a examinar alguns desses casos: 1. Anéfora semantica, mediata ou profunda — conforme mencionei anteriormente, é preciso, em tal situacao, “extrait” 0 referente da forma referencial de modelos (“frames”, “scripts”, “cenarios”) armazenados na meméri que constiruem nosso “horizonte de consciéncia”. Como afirma Webber (1980), a relacéo entre situacio discursiva ou externa, de um lado, ¢ os referentes da andfora, de outro, é indireta, mediada pelos modelos dos participantes, de modo que escolher entre os possfveis antecedentes de uma forma anaférica pode, pois, deman- dar habilidades sincéticas, cognitivas, pragméticas, inferenciais e avaliativas muito sofisticadas da parte do interlocutor. Assim, em exemplos como (7), (8) ¢ (9), como em um grande ntimero de outros casos, hd necessidade de introduzir con- textualmente determinadas entidades, através do conhecimento de mundo partilhado entre os interlocutores. 2. A forma como é feita a remissio, isto é, a construcio das cadeias coesivas ~ a escolha dos elementos linguisticos usados para fazer a remissio, o tom ¢ 0 estilo podem constituir indices valiosos das atitudes, crengas e convicgdes do produtor do texto, bem como do modo como ele gostaria que o referente fosse visto pelos parceiros. Remissées por meio de formas diminutivas, por exemplo, podem revelar o carinho ou a empatia do produtor pelo referente; ou, dependendo do tome, na fala, de certas marcas pro- sbdicas, expressbes fisionémicas, gestos etc., uma atitude pejorativa permitindo, assim, aos interlocutores depreender a orientagao argumentativa que o produtor pretende imprimir ao seu discurso. 3. Referéncia por meio de expressées definidas — uma das formas de fazer a remissio sio justamente as expresses nominais definidas, ou seja, as descriges definidas do referente, Ora, 0 uso de uma expressio definida implica sempre uma escolha dentre as propriedades ou qualidades que caracterizam o referente, escolha esta que serd feita de acordo com aquelas propriedades ou quali- dlades que, em dada sicuasio de interagio, em funcio dos propésitos a serem atingidos, o produtor do texto tem interesse em ressaltar, ou mesmo tornar conhecidas de seu(s) interlocutor(es). Vej por exemplo, a diferenga entre (21) ¢ (22): (21) Reagan perdeu a batalha no Congresso, O presidente americano nao tem tido grande sucesso ultimamente em suas negociagées com o Parlamento. (22) Reagan perdeu a batalha no Congresso. O cowboy do faroeste americano no cem tido grande sucesso em suas negociagées com o Parlamento. Como se vé, a escolha das descrigées definidas pode trazer a0 interlocutor informagées importantes sobre as opinides, crengas ¢ atitudes do produtor do texto, auxiliando-o na construgio do senti- do. Por outro ladg, 0 locutor pode também, através da descricio definida, dar a conhecer ao interlocutor dados que acredita desco- nhecidos deste, relativamente ao referente textual, com os mais variados propésitos. Veja-se, por exemplo (23), em que, na verdade, © que 0 locutor faz. é anunciar ao(3) parceiro(s) que Pedro é agora namorado da irma, ou, entéo, que ela mudou de namorado: (23) Pedro nao foi classificado no concurs. O nove namorado de ‘minha irmé nao anda realmente com muita sorte, 4. A selecio dos campos lexicais ¢ a selegao lexical de modo geral — pelo que foi dito anteriormente, jé se pode deduzir a importncia da sclesao lexical na construgio do sentido. O uso de férmulas de enderegamento, de dada variante da lingua, de gitias ou jargbes profissionais, de determinado tipo de adjet fagao, de termos diminutivos ou pejorativos fornece aos parceiros pistas valiosas para a interpretagdo do texto ea captagao dos propésitos com que é produzido. “Também a ativagio de determinados campos lexicais ~ que so a contraparte linguistica dos modelos cognitivos — tem sua in- fluéncia no calculo do sentido, Além disso, o inter-relacionamento de dois ou mais campos lexicais permite a produgéo de novos sen- tidos, nem sempre claramente explicitados, ¢ que, portanto, cabe 20 interlocutor reconstruir (veja-se, também, Koch, 1984). 5. Ambiguidade referencial ~ sempre que ocorre no textoa ambiguidade referencia, isto é, quando surgem varios candidatos possivei sitio proceder a um cilculo para a identificagio do referente adequado. Tal calculo ter de levar em conta nao 5 a referentes de uma forma remissiva, torna-se neces- as possiveis ins- trugdes de congruéncia dadas pela forma remissiva, como tam- bém todo 0 contexto, ou seja, as predicagées feitas tanto sobre a forma remissiva, como sobre os eventuais referentes, para s6 entio proceder-se a0 “casamento” entre a forma referencial ambigua ¢ 0 referente considerado adequado, Para tanto, torna-se preciso recor- rer ao nosso conhecimento de mundo ¢ do contexto sociocultural em que nos encontramos inseridos, além de outros critérios como saliéncia tematica e recéncia (recency), por exemplo. 6.Encadeamentos por justaposigao — quando se encadeiam enunciados por mera justaposigio, sem a explicitagao da relagio que se deseja estabelecer entre cles por meio de sinais de arti- culacdo (conectores, termos de relacéo, particulas de transi¢io centre segmentos textuais), cabe ao interlocutor, com base em seus conhecimentos linguisticos ¢ enciclopédicos, suprir essa falta, “repondo” mentalmente a marca faltante, como se pode ver em (24) € 25): (24) Nao desejava ser vista por ninguém, Estava suja, cabelos em desalinho, o rosto banhado de lagrimas. Poderiam imaginar coisas a seu respeito. Nao queria por a perder a boa imagem que tinham dela de vida humana, Tentativa desesperada de recordar alguma (25) Olhar fixo no horizonte. Apenas 0 mar imenso. Nenhum coisa. Nada. E interessante notar que o interlocutor, em geral, ndo tem dificuldade em reconstruir a conexio faltante pelo recurso a pro- cessos cognitivos como, por exemplo, a ativagio de frames, a partir dos elementos que se encontram expressos na superficie textual, Outros as existem, os quais exigem dos interlocutores 0 recurso a processos e estratégias de ordem cognitiva para procede- rem ao “céleulo” do sentido, Os que foram aqui apresentados servem apenas como exemplificagio. Por tudo 0 que foi discutido, deve ter ficado patente que, embora coesio e coeréncia constituam fenémenos diferentes, opera-se, muitas vezes, uma imbricagio entre eles por ocasiio do processamento textual. Nio ha divida de que a presenca de recursos coesivos em um texto nao é condicao nem suficiente, nem necessiria da coe- réne . A coesio, inclusive, em alguns tipos de texto, € nao sé dispensavel, como seria até mesmo de estranhar ~ veja-se 0 caso de certos textos poéticos modernos, quer em prosa, quer em verso. Ressalte-se, porém, que, em muitos outros (textos didaticos, 37 jornalisticos, juridicos, cientificos, por exemplo), sua presenga se torna altamente desejivel, visto que, nestes casos, ela permite au- mentar a legibilidade e garantir uma interpretagéo mais uniforme. Portanto, nos textos em que a coesio esté presente — jé que ela nao é condigao nem necessaria, nem suficiente da coeréncia —, pode-se afirmar que ambas passam a constituir as duas faces de uma mesma moeda, ou entio, para usar de uma outra metifora, fo verso € 0 reverso desse complexo fendmeno que é 0 texto. A CONSTRUGAO DOS SENTIDOS NO TEXTO: INTERTEXTUALIDADE E POLIFONIA Pretendo, neste capitulo, proceder a uma reflexao sobre os conceitos tio frequentes na literatura linguistica contemporinea de intertextualidade € polifonia, com o intuito, inclusive, de verificar, através da determinagio das caracteristicas e do ambito de abrangéncia que Ihes tém sido atribuidos, se designam um sé fendmeno; ou, nio sendo esse 0 caso, como seria possivel distinguir entre um ¢ outro. Tratarei, em primeiro lugar, da incertextualidade. INTERTEXTUALIDADE Comego citando Barthes (1974): “O texto redistribui a lingua. Uma das vias dessa reconstrugao & a de permutar textos, fragmentos de textos, que existiram ou existem a0 redor do texto considerado, ¢, por fim, dentro dele mesmo; todo texto é um intertexto; outros textos esto presentes nele, em niveis varidveis, sob formas mais ou menos reconheciveis” Isso significa que todo texto é um objeto heterogéneo, que revela uma relagao radical de seu interior com seu exteriors , desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos que Ihe dio origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opée. Foi essa a razio que levou Beaugrande & Dressler (1981) a apontarem, como um dos padrées ou critérios de textualidade, a intertextualidade,

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