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FILOSOFIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


Prof. José J. F. Lara
Gostaria primeiramente de observar que fui solicitado para uma conversa e não para uma
conferência. Isso me deixou muito à vontade, pois, conversa supõe diálogo e o diálogo é como que a casa
da Filosofia, desde os seus primórdios. Sócrates foi um mestre do diálogo e Platão nos legou “Diálogos”.
Pretendo, pois, quanto possível dialogar e não monologar. Peço, assim, que as minhas palavras iniciais sejam
encaradas como um convite ao diálogo e não como uma conferência.

1. O que é filosofia? Para que filosofar?


No mundo pragmático em que vivemos, a filosofia parece não servir para absolutamente nada. Ela não
consta das rubricas orçamentárias, não tem dotação , não recebe verbas específicas... Mal consta dos
currículos escolares e os filósofos são, em sua maioria, uns ilustres desempregados...
No entanto, ela serve, ou melhor, comanda tudo. Está presente em qualquer decisão séria que tomamos,
em qualquer estratégia que implantamos. Pode-se dizer que ela é onipresente. Conforme Jaspers (1977.
p.13) “a filosofia é imprescindível ao homem. Está sempre presente e manifesta nos provérbios
tradicionais, em máximas filosóficas correntes, em condições dominantes, quais sejam, por exemplo,
a linguagem e as crenças políticas”.
É interessante notar que as grandes crises históricas foram férteis em pensamento filosófico. Após
a grande crise européia conseqüente à invasão dos bárbaros, surgiram as grandes sínteses da Idade Média.
A revolução copernicana que deu origem ao mundo moderno fez aparecerem as filosofias racionalistas. À
Segunda Guerra Mundial seguiu-se o existencialismo...Nosso mundo, nosso país estão certamente em crise.
Estamos sentados sobre um vulcão que ameaça explodir. E já se esboçam linhas novas de concepção
filosófica.

Haverá uma relação necessária entre crise e filosofia? De certo. A crise produz o que os gregos
denominavam “thaumásia”, ou seja, admiração, pasmo, espanto que eles apontavam como sendo a origem
do pensar filosófico. Jaspers (ib) acrescenta que a consciência do que ele chama “situações-limite” – ter de
morrer, ter de sofrer, ter de lutar, estar sujeito ao acaso e incorrer inelutavelmente em culpa - também nos
leva a filosofar. Não será porque esta consciência nos põe também ela em crise, causando espanto ou
pasmo, a thaumásia dos gregos?
Poderíamos, talvez, dizer que a crise gerando o espanto ou pasmo, torna-nos conscientes de nossa
fragilidade física, intelectual, social ou moral, levando-nos a encarar a realidade como um problema na
acepção que lhe dá Julián Marías (apud Saviani, l980. p.20) de situação dramática em que se está e não
se pode mais continuar, exigindo, assim , uma solução. Ou seja, a crise, transformada em problema,
desperta a reflexão ou “ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, vasculhar numa busca
constante de significado” (Saviani, 1980. p 23). Quando esta reflexão se torna, acrescenta Saviani (ib)
radical, rigorosa e global ou de conjunto nasce a filosofia.
Ao dizermos reflexão radical, devemos entender a expressão em seu sentido literal: trata-se de
uma reflexão que vá à raiz dos problemas, buscando atingir suas últimas e mais profunda ramificações.
Quando dizemos que a reflexão deve ser rigorosa, entendemo-la como sistemática e metódica. A reflexão
deve ser ainda global ou de conjunto, isto é, realizada de modo a abarcar todos os dados, de modo a não
deixar escapar nenhum fio condutor no difícil trabalho de discernir no emaranhado das raízes as imbricações
fundamentais.
Resumindo, podemos com Saviani (1980. p.27) afirmar que “a filosofia é uma reflexão radical,
rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta”.

Já se vê que a filosofia é, antes de mais nada, uma atitude e uma tarefa das quais resultam “filosofias”
como produto. Atitude ou disposição de amor à verdade, que supõe, sobretudo, muita humildade e
nenhuma arrogância de espírito, como afirma Jaspers (1977. p 14), ao explicar o significado, a um tempo
etimológico e histórico, do termo: “A palavra grega ‘philósophos’ foi formada em oposição a ‘sophós’ e
significa “o que ama o saber”, em contraposição a ao possuidor de conhecimentos (dono da
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significa“o que ama o saber”, em contraposição lara2 a ao possuidor de conhecimentos (dono da
verdade) que se designava por sábio. Este sentido da palavra manteve-se até hoje: é a demanda da
verdade e não a sua posse que constitui a essência da filosofia...”
Das crises, portanto, surgem as filosofia como fruto da necessidade humana de compreender a realidade e
de fundamentar a ação que visa a transformá-la.
Será a filosofia algo de intermitente, que apenas de vez em quando desponta ao longo da história? Não,
pois a história é - e cada vez mais - uma longa e funda crise na qual há, certamente, períodos mais dolorosos
e enfáticos, mas que por sua contínua e surpreendente novidade está sempre a nos chocar, suscitando-nos,
em conseqüência, uma atitude constante de reflexão e de busca. A filosofia é, assim, onipresente, pois, se
ninguém escapa ao mundo e à história, ninguém, a não ser por demência, escapa à crise: “Não se pode
fugir à filosofia. Pode-se perguntar apenas se ela é consciente ou inconsciente, boa ou má, confusa ou
clara. Quem recusa a filosofia está realizando um ato filosófico de que não tem consciência” (Jaspers,
1977. p.13).
A afirmação final de Jaspers não faz mais que atualizar o velho argumento aristotélico: “Ou se deve
filosofar, ou não se deve filosofar. Se não se deve filosofar, isto só em nome de uma filosofia.
Portanto, mesmo que não se deva filosofar, deve-se filosofar” (cf. Bochenski, 1973. p. 23).
“Me philosophetéon, philosophetéon”, declarava Aristóteles: mesmo que não se deva filosofar, deve-se
filosofar. Não há como fugir à filosofia. É verdade que nem todos têm condições de estabelecer uma
reflexão que vá até as raízes, que siga com rigor um método, que possua todos os dados necessários a uma
visão de conjunto da realidade, sobretudo se considerarmos que esses dados se avolumam e complexificam,
à medida que avançam as ciências. Todos tentam, entretanto, consciente ou inconscientemente, com os
recursos de que dispõem, com as informações que têm à mão, dar uma resposta aos problemas
fundamentais, explicar as “situações-limite”, dar um sentido à vida e à realidade: todos, de algum modo,
filosofam.
Uma observação final deve ser ainda acrescentada: “Filosofar significa estar a caminho. As
interrogações são mais importantes que as respostas e cada resposta se transforma em nova
interrogação” (Jaspers, 1977. p 14). A filosofia é aberta, por mais que o filósofo pretenda dar respostas
definitivas. A realidade é rebelde e não se deixa apanhar com facilidade em nossas redes de compreensão. É
por demais complexa e dinâmica para que possamos emitir sobre ela uma palavra definitiva. Nem sempre – e
isso ocorre com freqüência – consideramos todos os dados disponíveis ou escolhemos as informações
capazes de nos conduzirem à raiz mestra dos problemas ou das crises. Ou, então, quando parece que a
atingimos, damo-nos conta de que ainda estamos na superfície e de que é necessário cavar mais fundo: “cada
resposta se transforma em nova interrogação”. Não importa o esforço! É melhor seguir que estagnar. Além
disso, não caminhamos sozinhos. O que não descobrimos, outros descobrem ou descobrirão e nossas
chamas juntas tornarão o mundo, se não transparente, pelo menos mais claro!
A filosofia é, pois, imprescindível. Não serve para nada e serve para tudo. Não há como negá-la:
ela se impõe por si mesma! Refugá-la, só deixando de ser o que somos: consciências que refletem num
mundo em permanente crise, num constante devir.

II – Para que Filosofia da Educação?


Talvez seja mais pertinente perguntar: para que filosofia na educação? A resposta é simples:
porque educação é, afinal de contas, o próprio “tornar-se homem” de cada homem num mundo em crise.

Não há como educar fora do mundo. Nenhum educador, nenhuma instituição educacional pode
colocar-se à margem do mundo, encarapitando-se numa torre de marfim. A educação, de qualquer modo
que a entendamos, sofrerá necessariamente o impacto dos problemas da realidade em que acontece, sob
pena de não ser educação. Em função dos problemas existentes na realidade é que surgem os problemas
educacionais, tanto mais complexos quanto mais incidem na educação todas as variáveis que determinam
uma situação. Deste modo, a “Filosofia na educação” transforma-se em “Filosofia da Educação”
enquanto reflexão rigorosa, radical e global ou de conjunto sobre os problemas educacionais. De fato, os
problemas educacionais envolvem sempre os problemas da própria realidade. A Filosofia da Educação
apenas não os considera em si mesmos, mas enquanto imbricados no contexto educativo.
Penso que disto decorrem duas conseqüências muito simples, óbvias até! A primeira é que todo
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Penso que disto decorrem duas conseqüências muito simples, óbvias até! A primeira é que todo
educador deve filosofar. Melhor ainda, filosofa sempre, queira ou não, tenha ou não consciência do fato.
Só que nem sempre filosofa bem. A este respeito afirma Kneller (1972. p. 146): “se um professor ou líder
educacional não tiver uma filosofia da educação, dificilmente chegará a algum lugar. Um educador
superficial pode ser bom ou mau. Se for bom, é menos bom do que poderia ser e, se for mau, será pior
do que precisava ser”.
Que problemas no campo da educação exigem de nós uma reflexão filosófica, nos termos acima
explicitados? São muitos. Permitam-me apontar apenas alguns.
Já que a educação é o processo de tornar-se homem de cada homem, é necessário refletir sobre o
homem para que se possa saber o “para onde” se deve orientar a educação. É necessário, porém, que esta
reflexão não seja unicamente teórica, abstrata, desencarnada. É preciso levar em conta a situação espácio-
temporal em que ocorre o processo. Com efeito, não importa apenas o “tornar-se homem”, mas o “tornar-se
homem hoje no Brasil”. Só desta forma podemos estabelecer com clareza o que, por exemplo, se tem
convencionalmente chamado de “marco referencial”, a partir do qual, numa instituição educativa, currículo,
planejamento e atividades podem atingir um mínimo de coerência e de eficiência.
Que teoria de aprendizagem adotar? Que métodos e técnicas utilizar? Já afirmavam Binet e Simon
correr “o risco de um cego empirismo quem se conforma em aplicar um método pedagógico sem
investigar a doutrina que lhe serve de alma”. Não há métodos neutros. Não há técnicas neutras. No bojo
de qualquer teoria, de qualquer método, de qualquer técnica está implícita uma visão de homem e de mundo,
uma filosofia.
A filosofia é, assim, norteadora de todo o processo educativo. O maior problema educacional
brasileiro sempre foi e ainda é, a meu ver, o denunciado por Anísio Teixeira no título de uma de suas obras
principais: “Valores proclamados e valores reais na educação brasileira”. Quer em nível de sistema, quer em
nível de escola, proclamamos belíssimos princípios filosófico-educacionais. Na prática, entretanto,
caminhamos ao sabor das ideologias e das novidades e – o que é pior – sem nos darmos conta da
incoerência existente entre nossas palavras e nossos atos.

A segunda conseqüência a ser tirada do que antes dissemos é que também o educando deve
filosofar, ou seja, deve refletir sistematicamente, buscando as raízes dos problemas - seus e de seu tempo
- de modo a formar uma “visão de mundo” e adquirir criticamente princípios e valores que lhe orientem a
vida. Só assim serão homens e não robôs. É preciso, pois, municiá-lo de instrumentos racionais e afetivos
para que se habitue a ser crítico, a não se contentar com qualquer resposta, a colocar sempre e em tudo uma
pitada razoável de dúvida, a cavar fundo e não se intimidar perante a tarefa ingrata de estar sempre
questionando e se questionando.

A partir de minha já longa experiência de magistério, posso afirmar que há sempre fome de filosofia.
Basta levantar um problema nos termos acima descritos para que se alcem as antenas, sobretudo as
juvenis! Talvez porque, tendo uma percepção não muito nítida, mas agudamente sentida da crise, faltem
aos jovens o instrumental necessário para explicitá-la, analisá-la e julgá-la, em razão do banimento a que
assistimos da filosofia, até mesmo de nossos currículos escolares.

Conclusão
Não há, portanto, como fugir à filosofia no campo da educação. Ela se relaciona intimamente com
a função nem sempre levada a sério e, não obstante, fundamental, de avaliar. De fato, a avaliação resume,
de certo modo, ou acompanha, como um vetor ou como um eixo orientador, todo o processo educacional.
Ela se faz presente no início do processo, ao estabelecermos as metas; no seu decurso, quando traçamos e
executamos as estratégias; no final, quando julgamos o que e quanto foi cumprido. Ora, avaliar é emitir juízos
de valor e estes implicam sempre, queiramos ou não, consciente ou inconscientemente uma posição
filosófica, uma filosofia.
Uma palavra, talvez, resuma tudo o que tentamos dizer: a filosofia é o aval da educação!

Referências bibliográficas
BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do pensamento filosófico. São Paulo: EPU, 1973. 119 p.
JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães, 1977. 173 p.
SAVIANI, Dermeval. Educação; do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980.
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SAVIANI, lara2 à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980.
Dermeval. Educação; do senso comum
224 p.
KNELLER, Georges. Introdução à filosofia da educação. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. 167 p.
Extraído de Estudos Leopoldenses, São Leopoldo, v. 21, n. 85, p. 29-36. Revisado e modificado
pelo autor em 18/02/2001
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