You are on page 1of 160
‘Tempo Geologico DON L. EICHER SERIE DE TEXTOS BASICOS DE GEOCIENCIA DON L. EICHER Professor da Universidade do Colorado TEMPO GEOLOGICO Tradutor; José Eduardo Siqueira Farjallat Professor Assistente de Paleontologia da Universidade de Sie Paulo EDITORA EDGARD AL BLUCHER LTDA. EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO Prefacio da Edigio Brasileira © ensino das ciéncias geoldgicas no Brasil sempre se defrontou com um problema dificil, cuja solucio somente poderia ser encontrada nos meios responsiveis pelo ensino pré-universitério. Trata-se do problema do ensi- no das linguas estrangeiras. Sao muito poucos os que conseguem famifia~ rizar-se com as linguas inglésa e francesa somente com as aulas do gindsio e colégio. Muito embora hoje em dia haja métodos aperfeigoadissimos de aprendizagem de outros idiomas, 0 nosso meio de ensino, por enquanto. nao dispde de condicées materiais para adoté-los. Por éste motivo, os nossos alunos sio obrigados a perder tempo (escasso e precioso para o estudo da geologia), em aulas particulares de inglés ¢ francés, ou estu- dando a matéria com um diciondrio ao lado. Quando o assunto é dificil, as dificuldades ao invés de se somarem se multiplicam. Assim sendo, néo ha divida de que a tradugdo de textos selecionados resolveria parte do problema. A outra parte, mais importante do que a simples traducao, 6 ada adaptacdo do assunto & nossa geologia. Em nenhum compéndio de Geologia Historica, por exemplo, por mais completo que seja, 0 aluno encontrara a evoluc%o geolégica das nossas principais bacias de sedimen- taco; e muito menos as associagbes faunisticas dos nossos mares do passa~ do geoldgico. Os que desejarem conhecer os tracos gerais do pré-cambria- no brasileiro deverdo recorrer As publicagdes do Departamento Nacional da Produco Mineral, ou as revistas da Sociedade Brasileira de Geologia, nem sempre de aquisigio facil. Livro texto algum trata déstes tépicos re- lativos ao nosso Pais. A dnica solugéo para o problema do livro didatico das ciéncias geoldgicas seria a sua elaboracdo pelo pessoal que ensina, que pesquisa e que viaja pelo Brasil em viagens de pesquisa, evidentemente, Séo trés condigdes “sine qua non”, insepardveis, para que os exemplos nacionais possam ser citados “ex-cathedra”. No momento, contudo, tal nao pode ser realizado. O professor universitdrio, que viaja e que pesquisa, nio dispde de meios materiais nem de estimulos para a realizagdo deste tipo de trabalho. Muito comumente precisa perder tempo lavando tubos de ensaios, ou, pior ainda, tratando dos afazeres burocraticos pertinentes ao departamento onde trabalha. Quando recebe um auxilio, financeiro ou material, perdera horas preciosas na prestagao de contas, nos eventuais desembaracos alfandegarios do instrumental, ¢ muitas vézes até mesmo no seu transporte, Nao temos a menor diivida de que quando houver mais verbas, pessoal e estimulo, os nossos alunos terZo em mos excelentes com- péndios de Geologia Estrutural, de Geologia Econdmica, de Sedimentolo- gia, Estratigrafia, Petrologia, ¢ ‘muitos outros igualmente importantes. ‘Uma pequena parcela do problema esta sendo solucionada com a pi blicagdo da Série de Textos Basicos de Geociéncia (Foundations of Earth Science Series), composta de dez volumes dedicados a t6picos de real interésse dentro das ciéncias da Terra. ‘Os assuntos tratados séo de alta importancia e bastante atualizados, apesar do ponderdvel_ progresso cien- tifico déstes citados tpicos, Por éste motivo julgamos um alto privilégio poder traduzir esta sé ‘A escotha dos tradutores fundamentou-se, so- Pretudo, no curriculo cientifico aliado as viagens de pesquisa realizadas pelos tradutores, que ha tempos vém-se dedicando 20 ensino e a pesquisa em varias partes do Brasil. Desta maneira, procurou-se adaptar, na _me- Gida do possivel, 0 assunto lido ao nosso ambiente geoldgico. Quando aplicamos o térmo traducdo nao nos expressamos bem, pois, na verdade, &stes trabalhos séo antes de tudo adaptacdes ao verndculo ¢ as nossas con- digdes geoldgicas. Tiveram os tradutores ampla liberdade de adaptar ¢ Gcrescentar, nao ficando atados a uma simples tradugao literal, o que seria tarefa bem mais facil. Congratulamo-nos, pois, com a Editéra Edgard Bliicher por esta ines- timavel contribuicdéo ao ensino geolégico superior, bem como, pela nobre tarefa de difundir a cultura especializada nao sémente aos nossos alunos, como também, aos professéres de Geologia. SERGIO ESTANISLAU DO AMARAL Professor Docente de Geologia da Universidade de Sao Paulo Série de Textos Baésicos de Geociéncia (Originalmente, “Foundations of Earth Science Series’’) Os livros didéticos elementares relativos as ciéncias geoldgicas vém hd muito tempo seguindo as tradigdes do ensino sem dar énfase aos pro- blemas, soliiveis ou insoliveis, que vém sendo cogitados hoje em dia entre 08 estudiosos da Terra. Destacam-se os problemas propostos durante as reunides do Ano Geofisico Internacional, cujo inicio deu-se no ano de 1957. Ha muito tempo que os livros didaticos de geologia vém dando énfase aos processos geomorlolégicos ¢ a estratigrafia descritiva, segundo os moldes da obra do famoso J.D. Dana, escrita hé quase um século. No entanto, nos dias de hoje, enquanto as fronteiras artificialmente criadas entre as disciplinas geoldgicas véo-se dissipando gradativamente, tal tipo de obra vaise tornando cada vez mais anacronico. Lembramos ainda que 0 ex- traordindrio progresso dos estudos dos oceanos, da atmosfera ¢ do espaco interplanetar que se vem realizando nesta década torna inadequada a sepa- racdo concebida entre o estudo dos sélidos e dos fluidos existentes no nosso planéta, Na realidade, o estudo dos sélidos, representados pelos mi- nerais e pelas rochas, relaciona-se de maneira intima e sob varios aspectos, aos fluidos, estudados peta Oceanografia, pela Meteorologia, ¢ em parte, também pela Astronomia. O acervo de trabalhos cientificos sObre os me- teoritos vem comprovar a existéncia do clo com a Astronomia, Assim sendo, ¢ obvia a necessidade de que tais tépicos sejam abordados pelos livros didéticos modernos. Tendo em vista a convicg#o de que os estudantes de hoje devem porse 2 par ¢ devem integrar-se A pesquisa cientifica, a “Série de Textos Basicos de Geociéncia” (Foundations of Earth Science Series) planejou prové-los de textos introdutérios atualizados dos mais importantes t6picos da geociéncia dos dias de hoje. Por éste motivo, a cada volume foi desig- nada uma autoridade de elevada reputacgdo nos meios cientificos. Tal esco- Iha certamente asseguraré o alto nivel dos trabalhos editados nesta série. Quatro déstes volumes, a saber, Estrutura da Terra, Minerais e Rochas, Superiicie da Terra e os Recursos Minerais da Terra, abrangem os t6picos tradicionalmente tratados nos cursos de Geologia Geral. Outros trés, Tempo Geoldgico, Ambientes Antigos de Sedimentagao ¢ a Histéria Geo- Iégica da Vida, versam sobretudo sObre a matéria relativa A Geologia Hist6rica, enquanto que os trés festantes, Oceanos, Atmosfera e o Sistema Solar, tratam especialmente da ciéncia das substancias fluidas da Terra, ow seja, a Oceanografia, a Meteorologia © a Astronomia, Encarados num sé Conjunto os dez volumes completam-se mituamente, propiciando aos mee. ies Gas ciéncias geoldgicas uma grande flexibilidade na concatenagio dos topicos a serem ministrados, Finalmente, acrescentamos que estes volumes Condensados e pouco dispendiosos Poderdo ser utilizados individualmente a fim de suplementar, de enriquecer bs conhecimentos adquiridos nos livros textos de carter introdutério, Indice Introdugiio Evolugio dos Conceitos, 17 Q Mito Medieval. James Hutton ¢ Uniformitarismo. Werner e Netunismo. Charles Lyell e a Aceitagéo do Uniformitarismo. O Uniformitarismo Atual. Darwin e Tempo. Estimativas do Tempo Geoldgico Baseadas na Salinidade. Estimativas Baseadas em Taxas de Deposigio. Estimativas de Kelvin: A Descoberta da Radioatividade. A Magnitude do Tempo Geolégico. 2 O Registro Litolégico, 36 Rochas Sedimentares. Padrdes Principais de Distribuigéo de Sedimentos. Nivel de Base. Discordancias. Classificagéo dos Ambientes Sedimentares. Estruturas Sedimentares. Facies. Uma Nota s6bre Exagéro Vertical. a PS Unidades Estratigréficas, 66 Os Primeiros Esforcos para o Reconhecimento de Seqiiéncias. A Desco- berta de William Smith, Idéias Iniciais sébre o Registro Fossilifero. A Descoberta da Extingéio Organica. O Estabelecimento dos Sistemas Geo- l6gicos. Unidades Cronoestratigraficas e Unidades Cronogeolégicas. Us dades Bioestratigraficas, Unidades Litolégicas. O Problema da Subdi sdio do Pré-cambriano. 4 CorrelacSo Fisica e Paleogeogréfica, 85 O Significado da Correlagio. © Problema do Reconhecimento de Facies. Métados Fisicos de Correlagaio. Mapas de Litofacies. Mapas Paleogeo- graficos, A Deriva Continental. 5 Bioestratigrafia, 115 | A Diversidade dos Organismos. Discriminando a Trama do Tempo. A Cartografia e Interpretagio de Zonas de Amplitude. Zonas de Ampli- tudes Concorrentes. Fésseis-Indices e Epfboles. Técnicas Quantitativas Modernas. 6 A Datagio Radiométrica, 139 Método Uranio-Chumbo. O Método Rubidio-Estréncio. O Método Po- tdssio-Argonio, Métodos para o Passado Geoldgico Recente. Outros Méicdos. A Escala de Tempo Radiométrica. Subdivisoes do Pré-cam- briano. Erros na Datacio Radiométrica. A Idade da Terra. Uma in- dicago Paleontolégica Quantitativa do Tempo Geoldgico. Sugestdes para Leitura Adicional, 166 Literatura Citada, 167 Indice Alfabético, 169 Escala de Tempo Geolégico Introdugo © assunto do tempo geoldgico é vastissimo. Inclui todo 0 ocortido na histéria do nosso planéta. Mas 0 que se deve selecionar como fun- damental? O objeto principal déste livro seré nao pfopriamente o que Gonhevemos sdbre historia geoldgica, mas como 2 conhecemos, € que PO de coisas gostariamos de conhecer, mas nao conhecemos. O tratamento do problema é tanto historico como contemporineo: historico porque aper- ceberiamos pouco apenas do que estd acontecendo atualmente nesta ciéncia, Sem estudar o modo como progredimos até éste estigio; contemporaneo porque procuraremos conhecer que problemas recebem, presentemente, a atencio dos pesquisadores jnteressados em tempo geoldgico. © tempo pode ser percebido apenas por eventos que ocorrem dentro déle. Contudo, em geologia, nunca observamos 0s proprios eventos an- tigos, apenas seu efeito nas substincias naturais da Terra. A partir do arranjo destas substancias, podemos inferir os eventos responsdveis pelos mesmos. Um cuidado importante do estudioso é o de manter as obser- vagbes reais ou fatos, separados das inferéncias, Visto que ambos sio Vitais no procedimento cientifico, tornam-se facilmente misturados quando Se esté envolvido em um problema complexo, porém so jndubitavelmente muito diferentes. Fatos, por definicao, ‘sao verdades, Representam as bases s6lidas de partida, a pedra angular do conhecimento. Inferéncias, zo contrario, s40 derivadas secundiriamente, ¢ podem ser completamente erradas, As inferéncias manifestam-se em todos os tamanhos e€ céres; existem as seguras e as vacilantes. Fundamentalmente, entretanto, elas sé Giferem dos fatos e, usualmente, ¢ possivel separd-los. Neste livro, um esforco sincero foi feito para manté-los claramente separados. Essencialmente, o passado € interpretado & luz do presente. Assim, antes de se investigar o passado geolégico, devemos investigar os ‘processos atuantes presentemente na superficie ¢ no interior da Terra. O estudo désses processos tem-se mantido por muitas décadas em ritmo sempre crescente, mas ainda estamos assombrosamente ignorantes sObre muitos pormenores aparentemente simples, como as correntes mos oceanos, a fedimentagao na plataforma continental, as causas das épocas glaciais, 0 comportamento subcrustal, © mesmo sobre as Jeis que governam © fluxo Gos nossos rios. Files ¢ muitos outros fendmenos sho compreendidos ainda de modo incompleto, ou no sio compreendidos absolutamente, Hoje, quando © homem se esforca para acumular informagées © con- 16 Tempo Geolégico quistar outros planétas, éle constata, mais do que nunca, que nao com- preende satisfatériamente o seu préprio planéta. Tédas as formas, todos os limites de corpos de rocha, todo o arranjo de materiais na superficie e no interior da Terra, existem em conscquéncia de processos naturais atuantes durante longo tempo sdbre as substancias disponiveis, Cada configuracao fisica tem, assim, uma base histérica de existéncia. Nao seremos capazes de compreender a nossa Terra atual até que consigamos penetrar em sua hisiéria. Do mes- mo modo, nunca poderemos interpretar, satisfatoriamente. as condigdes ambientes do passado geoldgico, até que compreendamos melhor as leis € processos hoje em atividade. Os estudos do presente e do passado $40, portanto, mittuamente dependentes. Da mesma forma, o registro fossilifero apenas pode ser realmente compreendido & luz da distribuigio e dinamica de plantas e animais vivos. Todo ser vivo representa uma histéria bem sucedida e atesta que incontaveis geracdes precedentes foram capazes de superar os severos inconyenientes de mudangas de ambientes através do tempo. Os séres vivos, mais ainda que configuracdes fisicas, sio, assim, 0 produto do tempo geolgico e da atuacio prolongada de leis naturais. © estudo dos organismos viventes deve, portanto, caminhar passo a passo com © estudo dos fésseis de modo a se alcancar uma real compreenso de ambos. Outros volumes desta série revéem, com miniicias, nosso conheci- mento presente sébre Ambientes Antigos e Histéria Geoldgica da Vida, e avaliam os resultados provenientes déstes fervilhantes campos de pes- quisa. © objetivo essencial déste volume & considerar 0 arcabougo de tempo onde localizar nossas interpretagdes reais de ambientes e ainda do passado geolégico. Portanto 0 propésito principal, aqui, é relacionar tempo e rochas. Iremos ver como 0 conceito de tempo geoldgico evoluiu, como o tempo gealégico foi medido, e como os eventos dentro déle foram interpretados. Finalmente, avaliaremos nosso progresso em alguns dos problemas que permanecem. 1 volugio dos Conceitos O Mito Medieval Hendrik Van Loon avaliou, uma vez, a amplitude do tempo com a seguinte lenda: “Longe, ao norte, numa terra chamada Svithjod, existe uma rocha. Possui milhas de altura e cem milhas de largura. Uma vez em cada milénio, um passarinho vem 2 rocha para afiar seu bico. Quando a rocha tiver sido assim totalmente desgastada, entéo, um unico dia da eternidade ter-se-4 escoado”.* Desde que o homem, pela primeira vez, escreveu seus pensamentos, sentiu persistentemente qual é seu proprio lugar na eternidade, Entre- tanto, até os escritos de James Hutton em 1788, o conceito de tempo quase ifimitado estava reservado principalmente sé para o homem, ¢ a Tetra era visualizada em um arcabouco estritamente temporal. No pensamento medieval egocéntrico, a Terra constituiria um sistema fechado, ‘com um inicio ndo muito distente no passado e um término n&o muito afastado no futuro, ‘A Terra, na concepcao medieval, ocupava um espago firmemente con- snado como também um tempo confinado. Os cristios, na era pré-cien- ica, visualizavam sua Terra como um objeto macigo, inative, totalmente imével no centro do universo, além da qual jazia o reino puro, etéreo, livre de téda mancha e corrupgao. Este reino paradisiaco incluia, a uma modesta distancia, 0 Sol arejado e imponderdvel, a lua, os planétas, e * Fonte: The Story of Mankind por Hendrik W. Van Loon. Por permissio de Liveright, Publishers, N. ¥. Copyright (C) 4951, por Liveright Publishing Corp. roe Gnwpe PITRE an Tempo Geoldgico uma esfera celeste fimitada que conti- nha tédas as estrélas. Tudo, natural- mente, girava em torno da Terra uma vez por dia. O espaco confi- nado da concepgao medieval esta bem ilustrado em uma velha escultura de madeira reproduzida na Fig. 1-1. A natureza confinada do tempo medieval é estritamente paralela, mas n4o tao facilmente ilustrada. Por esta sim- ples razio, 0 conceito de espago ni- tidamente confinado é mais facilmen- DE CIRCVLIS SPHAERAE. tid wits aps te combatido. Nos primérdios do século dezes- VID SPHAERA, mae, is casera sete, Keppler (1571-1630) ¢ Galileo Epes ftp ena me (1564-1642), armados com um salu- iid axis Sphere, tat desrespeito pelo autoritarismo cien- ih "scerpumtowre 19 tifico da época e com o recém-in- . ventado telescopio, separadamente de- fenderam o sistema celeste heliocén- FIG, Li — Um esquema eésmico ‘CO anteriormente visualizado por eocéntrico. Esferas concéntricas om Copernicus (1473-1543), _deitando rotagao transportam didriamente o por terra a velha idéia de um espaco Sol, a Lua, os planétas, ¢ as esirélus confinado rodeando a Terra esta- em trno da Terra. O conceito me- CONIN A Gleval de tempo era de forma se. cionaria. O conceito de sistema geo- melhante areal limitado em céntrico extinguiu-se dificil e lenta~ escépo. (Extraido de Cosmogra- 4 és PO. Eade te eae Tati mente, mas apds os meados do séeulo dezessete ceden lugar ao conceito moderno de uma Terra dindmica, animada de movimento de rotagio, com um vasto, se n&o infinito, espaco extendendo-se para fora em t6das as diregdes. © tempo era um assunto mais dificil. Uma vez que é intangivel, a percepgio de suas dimensdes requeria uma profunda inspegao, que os naturalistas do século dezessete nfo conseguiam realizar; assim, per- durou a visio medieval de um tempo terrestre muito curto. Os sébios cristéos da época, geralmente, aceitavam que a idade da Terra era de aproximadamente 6.000 anos, um valor baseado na aceitagao literal de antigos escritos hebriicos. Dentro do breve espago de tempo assim admi- tido, era inimaginavel que o gotejar da chuva, as ondas do mar, ¢ im- perceptiveis movimentos crustais pudessem ter um papel significante na modelagéo da superficie da Terra, Portanto, suas feigdes, em particular as grandes feicées pareciam necessiriamente dependentes de criagdes tumul- tuosas repentinas do passado quando os processos de formagdo eram catastrofes violentas. Evolugio dos Conceitos 19 James Hutton e Uniformitarismo Préximo ao final do século dezenove, James Hutton desafiou éste remanescente do pensamento medieval. Até entao, a maior parte da pesquisa cientifica era razoavelmente. sofisticada, e baseada num intenso Gesejo de ordem matemitica, A idéia de grandes catdstrofes, que tem- porariamente sobrepujavam as leis naturais, nao mais se ajustavam bem em um uniyerso de outra forma racional. O ponto de vista de Hutton era bem definido. Como observador de notavel percepcao, julgava reconhecer nas rochas de sua Escécia natal os resultados de processos atualmente em desenvolvimento na su- perficie da Terra, tais como crosdo, deposigao, ¢ atividade vulcinica, Se fasse concedido tempo bastante, as presentes taxas de atividade seriam suficientes para produzir todas as feicbes das rochas, e tédas as suas relagées e configuragdes observaveis. Em circunstancias onde os de- fensores de catdstrofes imaginavam a superficie da Terra como um re- manescente de pouca idade de uma simples explosio da criacao, ou talvez uma série de tais eventos tumultuosos, Hutton imaginava uma ma- quina quase eterna na qual f6rcas dindmicas internas criavam esfércos que, no correr do tempo, clevavam novas terras dos oceanos enquanto que outras superficies expostas estavam sendo erodidas. Hutton nao vin Gvidéncia alguma de imundagio universal, advogada de uma maneira ‘ou de outra pela maior parte dos defensores das, catéstrofes, apenas per- cebeu sinais de subsidéncia ¢ soerguimento renovado. Para éle, a Terra dinimica animada de rotagio dos astrénomos tinha, também, uma su- perifcie dinamica e um interior dinamico, Hutton disse: “Desde 0 t6po da montanha a praia do mar... tudo esté em estado de mudanca”.* Por meio de crosiio, a superficie da Terra deteriora-se localmente, mas, por processos de formacdo de rochas, ela simultaneamente se reconstroi em outra parte, A Terra, disse Cle, “possui um estado de crescimento © au- mento; ela tom um outro estado, que € 0 de diminuigéo ¢ degeneracao. ste mundo é, assim, destraido em uma parte, mas é renovado em uma outra”. ‘Ao contrério de seus predecessores, Hutton sempre citava cuidado- samente observagdes verificdveis. Ao argumentar que montanhas sio qmodeladas e finalmente destruidas por intemperismo ¢ erosio fluvial, e gue seus fragments so carregados para 0 mar por processos idénticos aos atuantes presentemente, Hutton disse: “Temos uma cadeia de fatos gue demonstram claramente ,.. que os materiais das “montanhas desgastadas foram transportados pelos ris” ¢ “Nao ha uma s6 etapa em todo éste progresso, .. que nao seja realmente percebida’. Entéo éle resumiu, “O que mais se pode exigit? Nada, sendo tempo”. E 2 luz dos conceitos de Hutton, s6bre mudangas por meio de causas exis: tentes, a Terra pareceu ser © produto de tempo quase ilimitado. O + Extraido de Theory of the Earth por James Hutton, Edinburgh, 1795. 20 Tempo Geoldgico homem, disse Hutton, tem hoje diante de si todos os principios” com os quais pode considerar a massa ilimitada de tempo ja escoada”. Este ponto de vista [ogo veio a ser chamado “uniformitarismo”. Werner e o Netunismo Em retrospecto, a teoria de Hutton s6bre a Terra parece estar no- tavelmente em harmonia com a entZo crescente filosofia cientifica de que 0 universo ¢ racional e tudo néle submete-se a uma inalterdvel lei natural. O final do século dezoito foi, antes de tudo, o apogeu da “[dade da Raziio”. As doutrinas catastroficas, entretanto, evoluiram com sucesso em um equilibrio entre a histéria Biblica da criacio © as obser- vagdes acumuladas da ciéncia. A doutrina prevalescente na época de Hutton sustentava serem tédas as rochas depésitos de um oceano primi- tivo que outrora cobria téda a Terra, Uma sequéncia definida de tipos de rochas precipitou-se nas turbulentas profundidades ocednicas. Quando a gua recuou (Para onde foi nunca se explicou satisfatdriamente), foram colocados A mostra tédas as rochas em sua presente configuracdo ¢ tédas as feicdes da paisagem atual, incluindo também seus vales pro- fundos. Em vista disto, éste esquema “Netunista” parece-nos extraordina- riamente vulnerayel a observagées cientificas. Calcdrios, granitos, basaltos e outras rochas igneas, como também rochas metamérficas foram igual- mente consideradas como precipitados marinhos. Entretanto, dois as- pectos ‘combinados tornam éste esquema de histéria catastréfica da Terra © ponto de vista aceito de sua época: (1) O vasto mar primitivo asse- meihava-se, sobremodo, ao diltivio biblico e tinha portanto substrato teoldgico, e (2) era advogado em aulas, com inicio em 1775, ministradas por um dos mais persuasivos e influentes mestres do século XVIII na Eu- ropa, Abraham Werner de Freiburg, Saxonia. Como resultado, 0 ponto de vista catastréfico prevaleceu sébre o uniformitarismo de Hutton durante cérca de quatro décadas. A filosofia netunista de Werner ¢ particularmente interessante para nés, porque seus remanescentes ainda hoje influenciam interpretagdes ¢s- tratigréficas. Um aspecto secundario do Netunismo era de que a idade das rochas em téda parte podia ser determinada a partir de sua composicao. Werner dividiu as rochas da crosta da Terra em “séries” distintas. A primeira coisa depositada do nebuloso oceano primitivo era granito, logo seguido de uma sequéncia espéssa de gnaisses, xistos, ¢ outras rochas cristalinas. A segunda “série” incluia ardésia, xisto, grauvaca, e algum calcdrio. As duas séries, subdivididas em “Formagées Universais”, su- punha-se terem envolvido, simultineamente, a superficie total do globo. A terceira “série” constava de arenito, caleario, sal, gipso, carvao ¢ ba- salto, e a quarta constando principalmente de argila, areia e cascalho, foram depositadas assim que as 4guas do oceano desceram abaixo do Evolucio dos Conceitos a FIG. 1-2 — 4 “Chaine du Puys", os mais jovens vul- cBes ta Grea de Auverg- ne na Franca central, for- neceram forte evidéncia ara a origem ignea do basalt. (Fotografia por R. Henrard, cortesia da Société des Eaux de Volvie.) nivel dos tépos das montanhas mais altas. Daf, a terceira e quarta “séries” constavam de formacdes em parte derivadas da desintegracéo de estratos mais antigos e¢ em parte de precipitacoes ocednicas. Estas “Formagées Parciais” eram destituidas de continuidade total devido a interrupgées por t6pos de montanhas localmente emergentes, mas cada uma delas ainda tinha uma distribuigéo mundial e uma posigdo definida na sequéncia final. Quando exposta, cada qual ocorria em seu proprio horizonte € representava seu proprio e Gnico tempo de origem. Aplicado universalmente, o principio de Werner logo criou dificul- dades insuperaveis, e mesmo na segunda década do século XIX cedeu lugar A mais aplicavel Lei da Sucessiéo Faunistica — em que, a idade das rochas em téda parte pode ser deduzida de seu contetido fossilifero. Hoje em dia, a composi¢ao das rochas ocupa um lugar soberano em correlages Iocais. Mesmo agora, o alicerce para muitos pesquisadores, € ainda a falacia netunista em que, numa dada regido, a identidade litoldgica das camadas é um critério de equivaléncia temporal, preciso ¢ de confianga. Esta suposicdo tacita em trabalho estratigrafico regional resultou em sérias interpretagdes erréneas da geografia antiga, Outras idégias netunistas degeneraram-se sob o teste do escrutinio no campo nas primeiras décadas do século dezenove. Entre elas estava. Principalmente, a suposta origem sedimentar do basalto. Estudos pré- ximos, em varias regides da Europa, convenceram um gedlogo apdés outro de que 0 basalto era verdadeiramente de origem ignea. Uma obser- vatao no arranjo magnifico dos yuledes extintos da regio de Auvergne na Franca central foi suficiente para convencer muitos, mesmo dos mais leais netunistas (vide Fig. 1-2). Af crateras perfeitas deram origem a Asperas corridas,de lava basdltica que podem ser seguidas em seus flancos em direcdo aos vales adjacentes. Além do mais, as lavas descansam’ s6- bre granito e nitidamente ndo poderiam ter-se formado por combustéo de 22 Tempo Geoldgico camadas de carvéo subjacentes como Wemer defendia tao firmemente. Muitos gedlogos fizeram peregrinag’o a Auvergne para resolverem, por si, a controvérsia do basalto. Todos se tornaram virtualmente conven- cidos da origem vulcdnica, entre éles um gedlogo enviado péla Aca- demia Freiburg, pouco apds a morte de Werner em 1817. © colapso de muitas das idéias de Werner, que perduraram durante as trés primeiras décadas do século dezenove, levantou suspeicio em téda a sua filosofia. Nao obstante até 1823-24, sua teoria era ainda ministrada na maioria das instituigdes de ensino pois que nenhum outro sistema filo- séfico, amplamente conhecido, era um adversdrio sério para sua subs- tituigdo, Referindo-se a éstes anos, Adam Sedgwick, um dos grandes pioneiros da geologia, declarou “Na época em que eu ainda nao tinha aprendido a afastar completamente o absurdo Werneriano éle estava sendo ensinado”, A idéia de Hutton sobre uniformitarismo, embora muito eficientemente popularizada por John Playfair em 1802, simples- mente fracassou em conquistar a imaginagao daquela época. Assim, © declinio do Netunismo nao ocasionou necessiriamente o declinio de outras filosofias catastroficas, segundo as quais a superficie da Terra foi moldada por férgas aparentemente mais poderosas que as atuantes no presente, e eram portanto sobrenaturais. Charles Lyell e a Aceitagéo do Uniformitarismo Finalmente, na época de Charles Lyell (1797-1875), 0 conceito de Hutton de mudangas graduais através de causas fisicas existentes assumiu uma lideranca efetiva. Em seu Principles of Geology, de 1830, Lyell pos em ordem, com lucidez e clareza, tédas as observagdes que pode coletar em apoio A doutrina em que o presente é 2 chave do passado. Quase que de um sé lance, Lyell estabeleceu o uniformitarismo, em substituicio 4s doutrinas catastroficas, como a filosofia aceita para inter- pretar a histéria da Terra, Desta forma, éle fundou a moderna geologia histérica e introduziu, com profundo impacto, 0 conceito de tempo ili- mitado. Os problemas geolégicos podiam, agora, ser resolvidos com base em leis naturais ainda ativas ¢ & disposi¢ao para estudo no mundo real ao nosso redor ao invés de baseados em eventos nebulosos, mitol gicos ou sobrenaturais. A respeito da natureza sufocante das filosofias catastréficas que procurou substituir, Lyell comentou: “Jamais existiu um dogma mais calculado para nutrir a indoléncia, e embotar a agudeza da curiosidade, do que esta suposicéo de discordancia entre as primeiras € as causas existentes de mudancas”. A ampla influéncia de Lyell preparou o terreno para necessdrias conquistas do século dezenove, incluindo as de Charles Darwin, cujas idéias de desenvolvimento gradual dos séres vivos poderiam no ter flo- rescido sem o arcabougo intelectual de vasto tempo. Dai a doutrina uniformitarista ter sido eminentemente bem sucedida fomentando o pro- gresso cientifico. Em retrospecto, entretanto, parece que o péndulo os- Evolucdo dos Conceitos 23 cilou um pouco longe demais. Nao sé rejeitou Lyell estritamente qual- quer processo que nao demonsirasse concordar com leis da natureza constantes € presentemente verificdveis (isto ¢ procedimento cientifico ade- quado em geral), mas nem mesmo admitia a idéia de que taxas de mudanca, ou a importdncia relativa dos agentes geoldgicos, pudessem diferir do observavel dentro da experiéncia humana. Em resumo, o uniformitarismo estrito possuia seu aspecto proprio, rigido e sufocante, propiciado pela aplicagio no estudo do passado geolégico, apenas das proporgées atuais dos processos naturais. O Uniformitarismo Atual De modo muito adequado Lyell, como também Hutton, apoiaram suas interpretagdes apenas nas feigdes objetivas que podem ser verda- deiramente observadas nas rochas. Hutton manifestou nao ver nenhum vestigio de um principio — nenhum indicio de um fim”, ¢ Lyell confessou muito mais tarde que: “A mesma conclusio parece-me conter a verdade”. Hoje, entretanto, observamos aspectos mais sutis ¢ variados das rochas © vemos — ou pensamos ver — um coméco. Este desenvolvimento pro- duziu uma nova faceta no uniformitarismo. A concepgao original de Lyell e Hutton admitia uma maquina mundial repetindo seus ciclos in- definidamente. Tal mdquina era, para todos os propésitos praticos, eterna. Hoje, visualizamos um planéta em transformagao; configuragdes locais ao acaso podem se repetir de tempos em tempos, mas a combinagio total de circunstincias nunca € perfeitamente 2 mesma duas vézes, Nao pensamos em térmos de moto-perpétuo, mas em térmos de um sistema que foi estabelecido no principio — a cérca de quatro ¢ meio bilhdes de anos atrés — e desde entdo tem estado em desenvolvimento. “O presente € a chave do passado”. Este sumario popular do uw formitarismo abarca ambos os objetivos de Lyell. De um lado, refere-se ao rigido conceito de que as proporcées de atividade ¢ importancia rela- tiva dos processos, atualmente existentes, foram sempre uniformes no passado geolégico — uma teoria descritiva que ndo suportou o teste dos novos dados. De outro lado, refere-se & idéia da permanéncia de leis naturais — uma base muito mais firme que indica o procedimento em tddas as investigagdes geolégicas. Certamente 0 principio, “chave do passado”, ndio pode ser aplicado Jiteralmente para tédas as coisas, O registro da vida, por exemplo, mostra-nos uma longa sucessao de espécies diferentes no registro litologico, cada uma descendendo de um ancestral um tanto mais primitive, de modo a que cada idade geolégica tenha sua Gnica combinacao de espécies viventes. Além do mais, reconhece-se que as taxas de evolucao © ex- tingdo de espécies variaram através do tempo geolégico. O principio, pode e se aplica, entretanto, as /eis fisicas e biolégicas que governam as mudangas. Acredita-se, presentemente, que em uma época primitiva 4 24 Tempo Geoldgico atmosfera da Terra era desprovida de oxigénio. Embora éste ponto de vista possa constituir uma heresia no sentido estrito do uniformitarismo de Lyell. podemos, conhecendo as leis naturais que governam 0 compor- tamento da matéria, predizer as consequéncias de uma atmosfera sem oxigénio nas rochas, na 4gua e na vida. A conclusao, entao, € nio mais se exigir do nosso modélo da Terra que cada proporcao parti- cular e processos especiais atuais tenham permanccido inalterados através do tempo passado. Confianga na lei natural é 9 que o velho térmo “uni- formitarismo” veio significar, Na realidade, 0 uso da palavra hoje em dia poderia sugerir que a geologia tem um Gnico principio-guia proprio. Mas nao é 0 caso, € por isso o térmo talvez devesse ser cancelado. A nao variacio espacial ¢ temporal de leis naturais é a premissa basica de téda a ciéncia. A idéia de atividade geolégica, através da influéncia de leis fisicas existentes, implica na condicdo necessdria de um imenso espago de tempo. Este conceito contribuiu de modo significante nas atitudes filosdficas da civilizag#o moderna, pois que fornece 0 meio de visualizar a Terra, € tudo nela, em um estado de mudanca. Para o gedlogo, a paisagem cons- titui um sistema dindmico cuja aparéncia tranquila em um dia calmo é como uma simples fotografia de uma fita animada, E a sequéncia de rochas sedimentares € um documento historico preparado, temporariamente posto de Jado, mas que esta destinado, no tempo, a se incorporar ao grande ciclo geolégico, ¢ finalmente, a ser reconstituido em algo névo. ‘A segunda metade do século dezenove presenciou 0 primeiro esférco sétio de estimar as idades geolégicas quantitativamente, Anteriormente a época de Lyell, poucas pessoas conjecturavam sObre a idade dos eventos geolégicos ou da propria Terra e a maior parte deperidia inteiramente de especulacdes filosdficas. Os argumentos de Lyell, no comego da década de 1830, nado apenas firmaram a filosofia uniformitarista mas também produziram um grande interésse justamente em quanto tempo a historia geoldgica poderia representar. Entdo, em seguida ao trabalho de Darwin sobre evolucio em 1859, a questio da magnitude do tempo geoldgico tomnou-se um ponto critico da controvérsia da evolugdo que se estendeu também no século vinte. Darwin e Tempo Charles Darwin (1809-1882) nfo inventou a idéia da evolugéo or- ginica. A nocao tinha flutuado por geragdes ¢ vigorosamente exposta por alguns cientistas muito capazes, tais como o francés Jean Baptiste Lamarck (1744-1829) © © proprio avé de Darwin, Erasmus Darwin (1731-1802). Até a época de Charles Darwin, entretanto, a idéia nun- ca tinha tido ampla aceitagdo porque faltavam dados importantes acs pesquisadores pionciros. Lamarck, por exemplo, nio tinha um conceito claro de que ocorrera extingdo de espécies. Finalmente, sustentada pela filosofia uniformitarista popularizada a comecar da década de 1830, Evolucdo dos Conceitos 25 Darwin arquitetou um argumento singularmente racional, ¢ sobremaneira Sonvineente para a origem das diversas espécies de organismos que povoam Cpmundo. Em seu trabalho, The Origin of Species, primeitamente pu- blicado em 1859, Darwin provou com éxito, tanto para cientistas como 4 nao cientistas, a existéncia da evolugdo organica e o pensamento geo- légico, na verdade todo o Pensamente filosdfico, nunca mais foi 0 mesmo. Darwin reuniu numerosas idéias de fontes extremamente diversas ¢ aparentemente nao relacionadas. Estas continham observagdes de re- lagdes estruturais entre séres vivos, adaptacdes ecolégicas de animais, variagdo individual dentro de espécies, os principios das populagées, re- sultados do aprimoramento relativo de animais domésticos, um signifi- cado do registro fossilifero, ¢, mais importante de tudo, a completa apreciacéo da tremenda extensio do tempo geoldgico, necessdria as trans- formagoes geoldgicas, através de Processos semelhantes aos atuais. Obvia- mente, o tempo geolégico foi disponivel tanto para processos bioldgicos como para fisicos. Resumidamente. o argumento de Darwin pode ser sumariado da se- guinte maneira: 1. Populacoes de animais e de’ plantas produzem descendentes em uma taxa tal que, se todos sobrevivessem, aumentar-se-iam espetacular- mente ano apés ano. Muito antes, em 1789, Malthus ilustrou esta ten- déncia com preciso matemitica, 2. Os aumentos progressivos espetaculares nao ocorrem de fato. Embora a maior parte das populacoes sofra flutuagdes ano a ano, per- manecem essencialmente constantes por longo tempo. 3. Deve haver uma luta muitd real pela existéncia na natureza, (Esta idéia ndo era nova na época de Darwin, mas, tinha sido elaborada Por Lyell e por Malthus também). Cada individuo deve competir por alimento e Iutar com sucesso com cada facéta do ambiente, tais como os extremos climéticos, moléstias ¢ predadores, de modo a. sobreviver ¢ produzir descendéncia, 4. Cada individuo difere virtualmente de todos os outros da sua especie. A variacdo tinha sido relatada muito antes —— por exemplo, por Thomas Browne, que escreveu sObre a diversidade organica em 1635, Na epoca de Darwin, ja tinha sido produzida notavel variagio em animals domésticos por aprimoramento seletivo da raga, Certamente, as espécies na natureza tinham um potencial similar de modificacao, Nao seriam algumas modificagoes na natureza melhor ajustadas a um dado ambiente que outras? 5. Com relagio a éste aspecto, Darwin rejeitou tédas as sugestoes prévias s6bre o assunto. Ao invés de postular que as. modi ficagées so induzidas pelo ambiente e sao, entio, passadas de geracto a geracdo, cle sugeriu que novas caracteristicas aparecem em um organismo intei- ramente ao acaso, mas que necessariamente no tém um significado adap- tative ou valor na sobrevivéncia; de fato, muitas caracteristicas sao ine- vitavelmente letais. 26 Tempo Geolégica 6. Algumas das novas caracteristicas séo bem sucedidas no ajuste a0 ambiente ¢ podem mesmo permitir que 0 organismo supere prévias bar- Teiras ambientes. Outras nao seréo bem ‘sucedidas, e individuos com estas modificages simplesmente nao sobreviverao para passa-las adiante. Darwin denominou éste processo selecao natural, O cardter ocasional extremo da selecao natural com variagdes muito Darwin nao sentiu constrangimento algum em relacio a éste aspecto, pois que adotou o conceito de tempo quase ilimitado de Hutton e Lyell. Dar- win indicou a magnitude do tempo que tinha em mente quando na sua primeira edicdo da Origin estimou que 300 milhdes de anos ieriam de- corrido desde a iltima Parte da Era Mesozéica. Embora esta estimativa sej@ agora considerada muito alta, a ordem de grandeza € correta, Darwin tomou as idéias uniformitaristas de mudaneas graduais atra- vés de causas existentes ¢ estendeu-as efetivamente no ambito da vida. Como explicava Darwin, a vida evolui continuamente © esta sempre sendo gradualmente modificada por selecio natural. Ele advogou que a evo- somente quando consciemtemente selecionamos linhagens de animais. do, mésticos para caracteres particulares, A evolugao explica porque animais diferentes ‘mostram notaveis arranjos similares de besos Pe Srgios; ela explica como certas plantas ¢ animais podem estar quase inacreditavel- mente adaptados a ambientes extremamente especializados. ¢ ele explica aber ultas responséveis pela sucesso de diferentes faunas ¢ Hore observadas nos estratos sedimentares, Quando argiiido sdbre a pobreza das sequéncies de rochas que Fealmente contém t6das as mudangas graduais’ supostas. de ocorrerem os animals fosseis, Darwin enfatizou a natureza incompleta do registro estratigrafico, ¢ afirmava que provavelmente a maior parte do iempo geologico é representado por quebras no registro ou por eamadse estéreis do que por camadas fossiliferas. Hoje, nos concorderiames firmemente. Darwin foi capaz de refutar mumerosas outras objecoes, mas houve duas que no pode combater devido & falta de dados eritices” primeira, poresentada por Fleming Jenkin em 1867, dizia respeito a herediteriedsde Jenkin simplesmente sugeriu que uma mutacéo favordvel aparecendo oca- sionalmente em um individuo seria progressivamente diluice e finalmente obliterada em qualquer grupo de populagao onde ocorresse, Onnnk, ° ndividuo favorecido cruzasse com um normal, a vatiacio sana seria diminuida nos descendentes, ¢ quando éstes cruzassem com individics nor- imais, ‘seria diminuida mais ainda, Nas geracdes seguintes logo nao mais subsistiria, A Gnica resposta aparente era admitir. um grande grupo de animais sofrendo mutagéo em uma direcdo similar contemporanea- lene, Est% Soluciio, entretamto, favoreceria o abandono A idéia de selegao ¢ sua substituigao por algo quase que sobrenatural —- essencial- mente a teoria de criagdes sucessivas, Evolugdo dos Conceitos 27 Atualmente, sabemos que a resposta ao argumento de Jenkin esté na descoberta de Gregor Mendel em que os caracteres passam através de geracées por unidades de heranga que nao se confundem ou misturam com outras unidades, e que nunca podem ser eliminadas ou diluidas A medida que o individuo tenha descendentes. Embora Mendel registrasse estas descobertas em 1865, Darwin morreu em 1882 sem conhecé-las, € nao se tornaram conhecidas de modo generalizado até 1900. ‘A segunda objecio que Darwin ndo péde responder envolvia as estimativas muito baixas de tempo geolégico expressas com elaborado por- menor matemdtico por um contemporaneo, Lord Kelvin, que foi talvez © fisico mais destacado do século dezenove. Fstava claro, desde o principio, que o sucesso da sintese de Darwin dependia da disponibilidade de uma tremenda quantidade de tempo geolégico. Assim que a “Ori- gin” apareceu, 0 escdpo do tempo geolgico rapidamente tornou-se um assunto de interésse. Amigos ¢ inimigos, separadamente, devotaram muita energia e imaginacao ao problema de como poderia 0 tempo geoldgico ser computado em térmos quantitativos, Em anos, exatamente quantos anos havia? A questio era de enorme: importancia e 0 mundo, ansiosamente, queria uma resposta. Para se determinar a quantidade de tempo passado necessita-se cla- ramente de um proceso irreversivel governado pelo tempo, © cuja taxa seja conhecida, Hoje pensamos primeiro na desintegracdo radioativa, mas nos meados do século dezenove a radioatividade nao era ainda co- nhecida. A propria evolugdo da vida & governada pelo tempo, irrever- sivel, mas as faxas nao sao constantes entre os grupos de individuos. Nao obstante, Lyell tentou aplicar esta solugao em 1867. Lyell sugeriu que cérea de 20 milhdes de anos eram necessarios para uma mudanca completa de espécies de moluscos ¢ que havia 12 de tais intervalos desde 0 inicio do Periodo Ordoviciano, sugerindo 240 milhdes de anos como uma estimativa grosseira do tempo decorrido. Embora isto ndo fosse uma ma sugestio, era totalmente inverificdvel. Outros tipos de tentativas foram numerosos, mas a atengio concentrou-se em cérca de trés: (1) taxa de decomposi¢ao das rochas e 0 correspondente aumento da salinidade dos oceanos com o tempo; (2) taxa de acumulagio de camadas de rochas sedimentares com ‘© tempo: ¢ (3) os argumentos de Kelvin em (a) a idade do Sol e (b) 0 resfriamento progressivo da Terra através do tempo. Estimativas do Tempo Geolégico Baseadas na Salinidade Um projeto de investigacao da salinidade do oceano para se descobrir a idade da Terra foi elaborado, j4 em 1715, pelo astrénomo inglés Edmund Halley. Sua sugestZo real era simplesmente determinar 0 con- tetido salino do mar com grande precisfo e entéo repetir a determinacao 28 Tempo Geoldgico uma década apés; a partir do aumento da salinidade poder-se-ia deduzir © tempo necessirio, comecando com agua doce até se atingir a presente salinidade, Se esta experiéncia foi, alguma vez realizada, nenhum au- mento na salinidade foi verificado, Halley ndo tinha claramente, nenhum indicio da magnitude do tempo geoldgico na cra pré-Huttoniana quando escreveu sébre 0 assunto. ‘Aiguns pesquisadores da segunda metade do século dezenove, recon siderando o método da salinidade, estimaram a partir de anélises quimicas de Agua dos rios, a quantidade de sédio adicionada anualmente ao mar por todos os tios do mundo. Conhecendo o volume aproximado de agua do oceano atual, éles estimaram o tempo necessdrio para alcancar a presente salinidade, supondo que as 4guas do oceano eram originalmente doces ¢ que a presente taxa de contribuicdo de sédio pelos rios foi a mesma durante todo o tempo geoldgico. Apés efetuar varias corregdes referentes ao s6dio da Agua dos rios proveniente do oceano por ventos contendo sal ou que € reincorporada a0 ciclo a partir de antigas rochas sedimentares marinhas ~ expostas atualmente ao intemperismo, John Joly, em 1899, concluiu que cér- ca de 90 milhdes de anos teriam de- corrido desde que a agua, pela pri- meira vez, se condensou na terra. A estimativa de Joly da idade do ocea- no é, sabemos agora, demasiadamen- te baixa, principalmente porque éle are va subestimou a quantidade de troca de sédio que realmente ocorre entre a Agua do mar e as rochas da crosta da Terra, O s6dio, libertado das ro- chas durante o intemperismo simples mente ndo se acumula indefinidamen- te po mar mas é reciclada, como FIG, 13 — 0 ciclo do sédio na TOS @ Fig. 1-3, por (a) vaporiza- Fe i ie Terra, mosirando que o a0 durante a evaporagay © senda mar é apenas uma jase no ciclo soprado para a terra, OU {b) tornan- € nao a local de decease final de do-se parte dos sedimentos marinhos todo 0 sadlo. depositados nos continentes onde © soerguimento expord mais tarde A erosio, ou (c) tornando-se parte de se- dimenios marinhos, posteriormente reconstituidos em rochas cristalinas. Uma outra fonte importante de érro é sem divida a suposiggo de que 0 contedido atual de sédio dos rios € representativo para o tempo geolégico. A julgar do que se pode inferir da distribuigio de terras € mares antigos, os continentes so no presente inusitadamente emergentes. Tanto a taxa de intemperismo quimico como a detritica sao provavelmente maiores do que seria a média. © contevido contemporineo de sédio dos ios seria assim, em conseqiiéncia, muito maior do que a média. rocbas sediments 2 Evolugéo dos Conceitos 29 Estimativas Baseadas em Taxas de Deposigaio Quem quer que estude rochas sedimentares constata que uma fina lamina de arenito pode-se acumular em um dia; uma lamina de folhelho sobre cla pode necessitar de um ano; ¢ o plano de acamamento entre ambas pode representar mais tempo que as duas juntas. Nao obstante, uma taxa média prevalece em espessuras substanciais de estratos sedimentares. Se © ambiente de deposi¢io nao se modifica de modo significante e a deposigao nao € interrompida por episddios de erosio, entéo, a espessura das cama- das deve ser proporcional ao tempo decorrido. Gedlogos, trabalhando no final do século dezenove, acreditavam que se pudessem estabelecer a taxa de deposico em ambientes sedimentares modernos, poderiam estimar 0 tempo representado por andlogas unidades de rochas antigas. Admitiram, ainda, que se pudessem averiguar a espessura total de rochas sedimentares, depositadas no passado geolégico, poderiam chegar a uma estimativa do tempo geoldgico total decorrido. As dificuldades apareceram imediatamente porque, na maior parte das localidades, diferentes tipos de rochas sucedem-se uns aos outros cad- ticamente e com frequentes quebras no registro. A maior parte dos pes- quisadores procurou uma aferic¢éo para diferentes tipos de rochas atri- buindo a calcérios determinada taxa de deposicio, uma taxa maior a folhelhos, c, uma maior ainda a arenitos, e tentaram eliminar quebras es- tratigrdficas considerando apenas a espessura maxima conhecida de rochas de cada idade geolégica. Uma outra dificuldade era que novas segdes continuavam a ser descobertas ¢ excediam espessuras préviamente conhe- cidas. A maior dificuldade de tédas, entretanto, consistia em estimar taxas de deposicao para se aplicar a estas espessuras. Atualmente, um dado tipo de sedimento — folheiho por exemplo — é depositado em taxas extrema- mente diferentes em diferentes lugares, e mesmo se pudéssemos determi- nar alguma espécie de média ponderada para o presente, ela nao se apli- caria necessariamente a épocas do passado. Em adicdo, taxas medidas Para sedimentos requerem uma correcdo incerta para a compactagao, antes que possam ser aplicadas a rochas. Além do mais, a maior parte dos ge6. logos pioneiros sentia que as taxas de sedimentacio na Era Paleozéica (vide a escala de tempo geoldgico na iiltima pagina do livro) tinham sido mais lentas do que na Era Mesozdica e que ambas foram mais lentas que na Era Cenozdica. Para compensar, usaram taxas diferentes para eras diferentes, inteiramente uma questo exclusivamente de julgamento pessoal. As estimativas de duracdo do tempo geolégico variaram, como mostra a Tabela 1-1. Pelo comégo do século vinte, a maior parte das estimativas situava-se abaixo de 106 milhdes de anos como um resultado de esférco consciente ou inconsciente de concordar com as estimativas de Lord Kelvin do tempo geolégico, baseadas na idade do Sol e na histéria térmica da Terra. Esta ordem de grandeza, agora reconhecida como muito baixa. aU Tempo Geoligica Tabeia [+1 Estimativas da Idade da Terra Espessura Taxa de ‘Tempo Autor méxima deposicio | (em milhoes fem pés) (anos por pé) | de anos) Phillips "72.000 1332 96 Huxley 100.000 1000 100 | Haughton 177.200 8616 1526 © Haughton 177.200 2 200 Winchell — — 3 Croll 12.0001 000 nm de Lapparent 150,000 600 0 Wallace 177200 158 By Geikie 100.000 “730-6800 73-680 MoGee 264.000 6000 1584 Upham 264,000 316 100 Walcott — = 5-70 Reade 31.680 0002 95 Sollas 164.000 100 7 Sederhotm — — 38-40 Geikie —— — 100 Sollas 265.000 100 265 1908 Joly 265.000 300 80 1909 Sollas 335.500 100 30 Apés Arthur Holmes, 1913 ‘Espalhado ircegularmente sobre as areas *Taxa de denudacio continentais * Baseado em estimativas de espessuras méximas de rochas sedimentares. parecia, nao obstante, tempo suficiente para o aciimulo das espessuras totais conhecidas de rochas sedimentares, Estimativas de Kelvin Durante o periodo de grande interésse sdbre 2 duracao do tempo geoldgico que se seguiu ao aparecimento da “Origin of Species” de Darwin, as estimativas de Kelvin sébre a idade do Scl e a taxa de perda de calor da Terra eram considerdvelmente as mais influentes. Estavam também entre as mais baixas. Visto que eram basecdas em medicdes fisicas que requeriam poucas premissas, pareciam irrefutdveis e foram aceitas ampla- mente pela maioria dos gedlogos, ainda que de modo relutante. Entre tanto Darwin e seu crescente grupo de seguidores, paleontdlogos ¢ bidlogos evolucionistas, nao podiam aceitar prontamente o exiguo intervalo de tempo fixado por Kelvin, porque suas teorias requeram tempo em uma ordem de grandeza completamente diversa. Seus opositores também estavam cientes disso. A mutilacdo dréstica do tempo geolégico de Kelvin resultou em uma rentincia completa da evolugao orgdnica através da selecao natural. Evolugio dos Conceitos 31 A Perda de Calor da Terra ‘As determinages em minas profundas de muitas dreas, mostraram um substancial ¢ bastante uniforme aumento de temperatura com a pro- fundidade, ste gradiente térmico indica que o calor esta fluindo do interior quente para a zona fria externa da crosta, por onde escapa. A perda de calor pode ser medida e Kelvin argumentou que, se pela perda de calor 2 Terra esta se tornando progressivamente mais fria, entéo em tempos passados ela deve ter sido mais quente. Quanto mais antiga, tanto mais quente ela deve ter sido. Kelvin visualizou este fendmeno como dissipagdo de calor de uma condigao originalmente em fusio e mostrou, a partir da presente taxa de fluxo do calor, que a Terra estava fundida ha relativamente pouco tempo, em térmos de tempo geoldgi Este tempo de cristalizagao da crosta sdlida da Terra estabelecia a possivel idade ma- xima da vida orginica como a conhecemos, A falta de pormenores sébre © ponto de fusao das rochas e a condutividade térmica a altas tempera- turas e pressdes impediam estimativas reais do tempo de cristalizagao mas a ordem de grandeza era baixa, Falava-se sempre em menos de 100 milhoes de anos, e a respeito da estimativa do americano Clarence King, em 1897, sugerindo 24 milhdes de anos Kelvin disse, “Eu no sou levado a diferir muito”. Estas afirmagées eram premincios de mau agouro para a evolucio, no apenas devido ao curto espaco de tempo que permitiam, mas também porque, velha ou jovem, a crosta da Terra tinha estado quente em um passado nao muito distante. Ela nao poderia ter mantido a longa estabi- lidade que Darwin julgava necessdria para a evolucao gradual do tipo de vida que povoa nosso planéta, A Idade do Calor do Sol Os cientistas da segunda metade do século dezenove constataram per- feitamente a fantastica energia emanada do Sol, ¢ naquela época, antes que tivessem qualquer suspeita da radioatividade, a fonte da energia solar apresentava-se como um problema substancial. Uma teoria popular da época sustentava que a fonte de energia provinha da contracdo gravitacional da massa do Sol. Este processo permitiria ao Sol um maior tempo de existéncia do que se estivesse simplesmente queimando, mas ainda um tempo muito curto. A despeito do mecanismo preciso da energia solar, argu- mentou Kelvin, a grande dissipacdo de energia eliminaria a idéia de que 0 calor do Sol fésse inexaurivel. Seguramente, a constante perda de tanta energia térmica por irradiagao devia, gradualmente, abaixar sua temperatu- ra, Segundo os melhores critérios, entdo disponiveis, éle concluiu que o Sol provavetmente tinha iluminado a Terra por apenas algumas dezenas de milhoes de anos. H4 apenas alguns milhées de anos, de acérdo com Kelvin, o Sol era consideravelmente mais quente que agora, e dentro de alguns milhoes de anos estaria fornecendo a Terra muito menos energia que atualmente. 32 Tempo Geolégico Sabemos que apenas 10 por cento, a mais ou a menos, de calor e luz nos destruiria. Energia solar aproximadamente uniforme é portanto essen- cial para a continuidade da vida na Terra, ¢ isto é o que Kelvin estava ne- gando aos evolucionistas, Este argumento, como o referente & historia térmica da Terra. recratava 0 nosso planéta em tempos passados, como um lagar substanciaimente diferente para se viver do que o € agora, Em 1897, Kelvin sumariou suas idéias sobre o assunto pela tltima vez e concluiu que a terra tinha se tornado habitavel de 20 a 40 milhées de anos atras. Darwin péde apenas admitir que os dados de Kelvin constituiam uma formidavel objegdo 2 selecio natural. No confuso clima intelectual em que Darwin escreveu adigdes posteriores & “Origin”, éle retraiu-se de sua firme posi¢ao original sobre selec’ natural. Eliminou referéncias coneretas aos imensos intervalos de tempo @ procurou comprometer suas taxas de evolucdo anteriormente muito Ientas. Em resumo, sua completa esiruturagdo tedrica tornou-se vacilante a0 procurar adapté-la aos argu- mentos de Jenkin e Kelvin, J4 a maior parte dos gedlogos tinha sim- plesmente restringido seus conceitos sobre eventos geoldgicos ao arcabougo temporal aceito por Kelvin. Os paleontlogos e bidlogos evolucionistas, embora recusando-se a concordar com as estimativas de Kelvin, podiam oferecer, em réplica, apenas argumentos qualitativos, que foram geral- mente jgaorados em contraposic¢ao aos argumentos quantitativos de Kelvin. Com o correr do tempo, entretanto, suas réplicas aparentemente vagas prevaleceram. Vimos, hi pouco, como os argumentos de Jenkin foram destrufdos posteriormente pela genética Mendeliana. As provas quantita- tivas de Kelvin iriam sofrer um revés similar & luz da radioatividade. A Descoberta da Radioatividade Em 1896, um fisico francés, Henri Becauerel, descobriu que o uranio emite misteriosos raios que podem realmente ativar placas fotogrificas em escuridio total. Becquerel denominou esta propriedade totalmente insus- peita do uranio de radioatividade. Dentro de poucos anos, a importancia da energia radioativa em processos geolégicos tornou-se evidente. Do la- boratério, em Paris, de Pierre e Marie Curie veio em 1903 a descoberta de que uma amostra de radium sempre mantinha uma temperatura mais alta que a ambiente. Trés anos mais tarde, um fisico inglés, R. J. Strutt, calculou o calor gerado por. minerais radioativos na crosta da Terra & mostrou que supria facilmente o fluxo térmico que alcangava a superficie. Com esta descoberta, o calor que escapa da superficie da Terra deixow de implicar em iminentes épocas mais frias no futuro e em tempos passa- dos marcadamente mais quentes, pois que 0 calor nao mais precisava ser considerado residual. Ao contrdrio, ¢ gerado continuamente dentro da Terra por processos radioativos. Assim, a perda de calor da superficie da Terra tem sido aproximadamente a mesma por muito tempo. Em adigao, a energia radioativa pareceu ser a chave do mistério do calor do Sol. Embora 6 mecanismo da fusdo nuclear nao tenha sido com- Evolugio dos Conceitos preendido imediatamente, era evidente, 33 a luz da recém descoberta fonte de Prerpia dentro do tomo, que © ponto de vista de Kelvin sobre o Sol como alguma espécie A tadioatividade gue, Ge evanescente pila de carvao nao era mais necessério- Substituit o jovem Sol de Kelvin por um mais longevo aos olhos dos astronomos atuais, tem mantido uma emissao de energia essencialmente constante desde seu nascimento. No intervalo de dez anos, apés a descoberta de Becquerel da radioa- tividade no uranio, descobriu-se também no tério, Rutherford e Frederick Soddy postularam, rubidio potassio. Ernest em 1902, que os elementos radioativos, na realidade, se transformaram em outros elementos durante a emissio de raios radioativos, in dos produtos da desintegragzo radicativa do urdnio. Inglaterra a primeira tentativa de Rutherford féz na minerais a partir de sua razdo hélio-uranio. ‘pesquisadores pioneiros que, na melhor das de minerais indicaram aos Sendo © hélio, a partir de particulas alfa, Entao, em 1906, medir a idade de ‘Testes sObre perda de heli hipsteses, apenas idades minimas podiam ser obtidas. Mesmo assim estas nedigaes iniciais deram ordens de magnitude corretas para o 1emPo ge0- l6gico. Em 1905, B. B. Boltwood, um quimico americano, concluiu que, algm do hélio, o chumbo era um produ Polywood prosseguiu em seu Woo" Rerades de mesma idade, a sazio chumbo-uranio é do uranic. que em minerais to final estavel da desintegracao trabalho e mostrou, em 1907, constante, mas entre minerais de idades diferentes, a razao chumbo-uranio: G substancialmente diferente. Usando res de taxas de desintegragio, experimentais para vari varias associagdes de minerais. ‘as estimativas grosseiras prelimina- Boltwood calculou idades radiométricas ‘Alguns de seus resul- tados esto na Tabela 1-2. Considerando o conhecimento incompleto de taxas de desintegragio © as Técnicas primitivas de sua época, as idades tadiométricas de Boltwood sao Jouvadamente préximas das obtidas atual- mente para as mesmas rochas. Em 1911, Arthur Holmes, ‘Tabela 1-2 As Primeiras Jdades Radiométricas de Bolticood Milbdes nio Pb/U | de Anos Periodo Geoldgico Carbonifero oon | 340 Devoniano 0,045 370, pré-casbonifero e050 | 410 Biluriano ou Ordoviciano 0053 | 430 Pré-cambriano forse} 1025 a. Sucein os | iro . 0, B n.Bstados Unidos| {2195 | Tih ce. Ceilao 0.20 1640, ‘Apés Arthur Holmes, 1911 entao um estudante no laboratério de Strutt na Inglaterra, escreveu seu primeiro trabalho sObre datacao radioativa no qual estabeleceu muitos dos principios que isiam guiar os trabathos radiométricos das décadas seguintes. Holmes reuniu todos os dados disponi- yeis sobre idades radiométricas, verificou as observagdes de Boltwood em que o chumbo era © produto final da desintegra- cdo do uranio, esbogou pro~ blema da contaminacdo 1a amostra, apresentou evidéneia de que as taxas de desintegra- 34 Tempo Geoldgico g40 so constantes sob quaisquer circunstincias, ¢ salientou a potenciali- dade das determinacées de idades radiométricas em desvendar a historia Pré-cambriana. Em adicdo, previu claramente o dia em que os perfodes da escala de tempo gcoldgico poderiam ser graduados com idades radio- metricas acuradas. Finalmente. para refutar, de uma vez para sempre, 08 _argumentos de Kelvin demandando uma Terra jovem € Sol jovem a radioatividade forne- cou 0 ultimo instrumento para medir 0 tempo geoldgico. Fstava claro, mes- mo a partir dos primeiros esforcos, que a antiguidade da ‘Terra era muito superior a que a opinide cientifica, prevalecente no final do século passado, julzava possivel. As idades fornecidas pelos novos jnstramentos radiomé- trices teriam certamente agradado a Darwin, pois eram 0 escopo do que necessitava em um terreno totalmente diferente, meio século antes. A Magnitude do Tempo Geoldgico Mesmo hoje a quantidade real de tempo geoldgico decorrido, visto que 6 tremendamente grande, significa pouco, sem qualquer base de com- paracao, Para éste fim, tém sido inventados numerosos esquemas nos quais, eventos geoldgicos chaves sie Jocalizados proporcionalmente, em unidades de comprimento ou tempo atuais, de modo a tornar 0 tempo geo- logico um tanto mais compreensivel. Comprimam-se, por exemplo, todos os 4,5 bilhoes de anos de tempo geoldgico em wm so ano, Nesta escala, as rochas mais antigas reconheci- das datam de marco. Os séres vivos apareceram inicialmente nos mares, fom maio, As plantas ¢ animais terrestres surgicam no final de noyembro © 08 pantanos, amplamente espathados que formaram os depésitos de car- yao pensilvanianos, floresceram durante cérca de quatro dias no inicio de dezembro. Os dinossauros dominaram nos meados de dezembro, mas de- sapareceram no dia 26, mais ou menos na Epoca que as montanhas rochosas se elevaram inicialmente. Criaturas umandides apareceram em algum momento na noite de 31 de dezembro, ¢ as mais recentes capas de gélo motinentais comegaram a regredir da area dos Grandes Lagos & do norte da Europa a cérca de 1 minuto ¢ 15 segundos antes da meia noite do dia 31, Roma governou 0 mundo ocidental por 5 segundos, das 11 bh: 59m: 45s até 11 h: $9m: 50s, Colombo descobriu a América 3 segundos antes da meia noite, e a ciéncia da geologia nasceu com os escritos de James Hutton exatamente hd pouco mais que 1 segundo antes do final de nosso movimentado ano dos anos. Os especialistas interessados na idade total da Terra comumente con- sideram o principio quando a Terra alcangou sua presente massa. Pro- Savelmente, éste era o mesmo ponto em que a crosta sélida da Terra se formou de inicio, mas n&o se tem rochas que datem déste tempo inicial. Na verdade, as evidéncias atualmente disponiveis sugerem que nenhuma Evolugao dos Conceitos 35 rocha permaneceu do primeiro bilhdo de anos, mais ou menos, da historia da Terra, Antes do princfpio, processos césmicos desconhecidos estavam produzindo a matéria, como a conhecemos hoje, para a terra ¢ para o nosso sistema solar. Este intervalo incluimos no tempo césmico. Eo tempo, desde o inicio da Terra, que constitui propriamente o tempo geo- Ligico. O Registro Litolégico As rochas expostas a superficie da Terra, ou alcancadas no interior por sondagens, constituem nosso tinico registro da historia da Terra. Elas eyo materiais rearranjados por processos naturais durante épocas remotas testemunham, por seus atributos fisicos:e fosseis, as caracteristicas das Condigdes ambienteS em que se formaram, Cada rocha possui sua propria hist6ria, sua propria historia para contar. 6 importante para nossa com- preensio que aprendamos a 1é-las, pois no passado geoldgico nao havia ninguém para observar os eventos ¢ documentar o que via. 'As rochas podem set reunidas em trés categorias principais, baseadas no seu modo de origem: igneas, sedimentares e metamarficas. Rochas fgneas cristalizam-se de material em fusio; as que se formam no interior da Terra sio chamadas intrusivas ou plut6nicas; as formadas na super- Hele so extrusivas ou vulednicas. Rochas sedimentares originam-se por compactacao ¢ cimentacao de material que foi alterado de rochas pré-exis- tentes e transportado para um local de repouso por 4gua, vento, ou gélo. Rochas metamérficas so rochas anteriormente sedimentares ou igneas que sofreram recristalizagdo, por calor, substancias mineralizadas, e usualmente @ pressio que acompanha a profundidade de soterramento, porém sem fusio. . Para se compreender a histéria de uma Area deve-se, primeiro, esta- belecer a seqiiéncia correta de eventos historicos. Uma. vez feito isto, a segiiéncia histérica local pode ser relacionada 4s de outras reas por corre: lagio — 0 estabelecimento da equivaléncia temporal de rochas de dreas diferentes, Muitos registros locais reunidos contribuem para o conheci- mento da histéria de amplas regides, e da Terra como um todo. ‘A Figura 2-1 é uma seco geolégica transversal de uma pequena frea mostrando uma seqiiéncia inicial de camadas (1-5), um ccrpo intrusive feneo (1), uma falha (F), e uma seqiiéncia posterior de camadas 612); dia indica também que os eventos que produziram estas feigdes ocorreram O Registro Litolégico 37 ee FIG, 2-1 -- Segao trans- versal de uma drea ilus- trando dois episédios se- dimentares separados por intrusio ignea_e_fatha~ mento, cada episédio se- guido por soerguimento € erosdo, nesta ordem. As evidéncias para a seqiiéncia de eventos sao fornecidas, primeiro, pela superposigao de camadas e segundo, pelas relagées de bi- zelamento ou penetracdo. A. superposicéo significa que qualquer camada em uma seqiiéncia de rochas sedimentares é mais jovem que as situadas abaixo, e, mais antiga que as superiores. As relaces de penetracao sim- plesmente ilustram que as rochas cortadas por uma intrusiva ignea ou uma falha so mais antigas que a intrusiva ou a falha. As rochas sedimentares capeando a falha e a intrusiva, parcialmente erodidas, devem ser posterio- res a ambas. Pela mesma razio, a falha ¢ claramente posterior a intrusiva. Pode-se inferir dois episédios adicionais: um episédio de soerguimento e erosio apés o falhamento, e outro apés a deposicao das camadas 6-12. Em resumo, as rochas nesta seco transversal registram: 1, Deposi¢&o das camadas 1 a 5. 2. Intruséo ignea. 3, Falhamento. 4. Soerguimento ¢ erosio. 5. Subsidéncia e deposiggo das camadas 6 a 12. 6. Soerguimento ¢ erosio. Esta lista arranja os eventos da drea em ordem cronoldgica. Entre- tanto, néo fornece indicago alguma de como sc relacionam com eventos de distribuicdo regional ou mundial. Consegiientemente, 0 proximo passo seré correlacionar estas rochas com rochas de qualquer outra parte, cuja ida- de geolégica seja conhecida. As idades geolégicas so expressas nos térmos da escala de tempo geolégico (a escala de tempo geoldgico esté impressa na iiltima pagina déste volume, para facilidade de referéncia). As uni- dades fundamentais da escala de tempo geol6gico sdo os perfodos geolégi- cos © suas subdivisdes. Os periodos geoldgicos sio desiguais em ampli- tude e fornecem seu proprio padrao especial de medida de tempo. Se nossa area estiver proxima a outras em que as rochas estio bem datadas, pode ser possivel correlaciond-las por meios fisicos. Mas se nossa frea estiver isolada, hé apenas dois métodos pelos quais as rochas podem ser enquadradas no nosso esquema mundial de datacio. © primeiro, e 0 mais usado, é por meio de fosseis. O segundo & determinando em anos as idades dos minerais radioativos. As determi- O Registro Litolégico 37 ee FIG, 2-1 -- Segao trans- versal de uma drea ilus- trando dois episédios se- dimentares separados por intrusio ignea_e_fatha~ mento, cada episédio se- guido por soerguimento € erosdo, nesta ordem. As evidéncias para a seqiiéncia de eventos sao fornecidas, primeiro, pela superposigao de camadas e segundo, pelas relagées de bi- zelamento ou penetracdo. A. superposicéo significa que qualquer camada em uma seqiiéncia de rochas sedimentares é mais jovem que as situadas abaixo, e, mais antiga que as superiores. As relaces de penetracao sim- plesmente ilustram que as rochas cortadas por uma intrusiva ignea ou uma falha so mais antigas que a intrusiva ou a falha. As rochas sedimentares capeando a falha e a intrusiva, parcialmente erodidas, devem ser posterio- res a ambas. Pela mesma razio, a falha ¢ claramente posterior a intrusiva. Pode-se inferir dois episédios adicionais: um episédio de soerguimento e erosio apés o falhamento, e outro apés a deposicao das camadas 6-12. Em resumo, as rochas nesta seco transversal registram: 1, Deposi¢&o das camadas 1 a 5. 2. Intruséo ignea. 3, Falhamento. 4. Soerguimento ¢ erosio. 5. Subsidéncia e deposiggo das camadas 6 a 12. 6. Soerguimento ¢ erosio. Esta lista arranja os eventos da drea em ordem cronoldgica. Entre- tanto, néo fornece indicago alguma de como sc relacionam com eventos de distribuicdo regional ou mundial. Consegiientemente, 0 proximo passo seré correlacionar estas rochas com rochas de qualquer outra parte, cuja ida- de geolégica seja conhecida. As idades geolégicas so expressas nos térmos da escala de tempo geolégico (a escala de tempo geoldgico esté impressa na iiltima pagina déste volume, para facilidade de referéncia). As uni- dades fundamentais da escala de tempo geol6gico sdo os perfodos geolégi- cos © suas subdivisdes. Os periodos geoldgicos sio desiguais em ampli- tude e fornecem seu proprio padrao especial de medida de tempo. Se nossa area estiver proxima a outras em que as rochas estio bem datadas, pode ser possivel correlaciond-las por meios fisicos. Mas se nossa frea estiver isolada, hé apenas dois métodos pelos quais as rochas podem ser enquadradas no nosso esquema mundial de datacio. © primeiro, e 0 mais usado, é por meio de fosseis. O segundo & determinando em anos as idades dos minerais radioativos. As determi- a 38 Tempo Geoligico nagdes. a partir de minerais radioativos, so chamadas idades radiomé- teas, para distingui-las de idades dadas em térmos da escala de tempo eeclogico. Apenas raramente a mesma unidade de rocha pode ser datada secrePediomexicamente como por fésseis, Entretanto, suficientes sochas Géste tipo im sido descobertas € nos dio, em anos, wna boa idéia da idade de cada periodo geoldgico. Rochas Sedimentares ‘As rochas sedimentares, entre os trés tipos de rochas, fornecem, de Jonge. o registco mais completo da historia da Terra, Em primeiro lugar, ies consticuem cérca de 75 por cento de tOdas as rochas expostoss segundo, ces gate eles se formam a temperaturas e presses normals na superficie weferra: finalmente, so as tinicas rochas que geralmente contém fésseis. Ss Toss, no apenas registram a hist6ria da vida, mas sto também. os £ Shores instrumentos para correlacao. A importincia singular das rochas Meimentares, como documentos do tempo geoldgico, den origem, nos mea- FIG. 2-2 — Estrattficagio em rochas sedimentares. (A) Fina camada de caledrio composia de numerosas laminagoes — Formacde Greenhom, Cretdceo, norte do ‘Colorado. (B) Camadas de arenito de espessurt Varidvel intercaladas com camadas Se folhetho — camadas de idade provavel paleocend, préximo a Sania Cruz, Ca Tiférnia. (Cortesia de W. C. Bradley.) FIG. 2-2 — (C) Camadas de caledrio — de folhelko betuminoso —~ eéres escuras — Formagio Irati, Permiano, proximo a Piracicaba, Sao Paulo. dos do século dezenove, ao térmo estratigrafia para ser aplicado no estudo de sua historia. ‘As rochas sedimentares so estratificadas; esta € sua caracteristica mais conspicua (vide Fig. 2-2). Cada estrato é uma camada de rocha que representa um episédio individual de sedimentacdo ou deposigao. Estratos sucessivos sao separados por limites chamados planos de estratificagio. Planos de estratificagéo podem ocorrer em mudangas marcantes no tipo de rocha, como em camadas alternanies de arenito e folhelho, ou em mudangas sutis de cimentacdo ou tamanho dos grios em uma seqiiéncia de litologia uniforme. Estratos individuais, dependendo amplamente do ambiente sedimentar em que se formaram, podem ter muitos metros de espessura, ou a espessura de um papel, e podem se estender lateralmente por alguns centimetros ou por muitos quilémetros. Os sistemas geolé- zicos de rochas que fornecem as bases para os perfodos de tempo geol6- gico esto todos definidos em Areas de rochas sedimentares. Cada um é datado em relagao aos outros pela sua posicao na seqiiéncia mundial esta~ beiecida pela correlaco dos registros de muitas localidades. Classificacaio Uma classificagdo simples, adequada para nossos propositos, reco- nhece duas categorias principais de rochas sedimentares, detritica ¢ qui- mica (vide Tabela 2-1), Rochas detriticas sio compostas de particulas ou fragmentos de material derivado de rochas-pré-existentes e so classificadas pelo tamanho das particulas constituintes em conglomerado, arenito, siltito € folhetho, Rochas quimicas so usualmente formadas de precipitados qui- micos orginicos. Sao classificadas pela sua composi¢ao mineral em calcé- 40 Tempo Geclégico rio. dolomito, sal, gipso. silex. ¢ carvio. Esta classificagao bipartida nao & inteiramente natural: as vézes. rochas sedimentares quimicas podem ser erodidas mecanicamente ¢ 0 detrito resultante reconstituido em uma nova camada com a mesma composic¢éo, Desta forma, um assim chamado sedimento quimico seria de origem detritica. Além disso, muitas rochas sedimentares contém componentes tanto detriticos como quimicos, Nestes casos. adjetivos expressam © componente menor tal como em “dolomite argiloso” ou “arenito gipsifero”. Corpos de roches individuais compostos de um ou mais tipos de rocha. relacionada na Tabela 2-1. nao sao assim de modo algum total- mente semelhantes. Muitas espécies de cada rocha podem ser distingui- das por detalhes de textura € composigéo. Arenitos € calcérios foram estudados com 0 maior cuidado, em parte porque sio fontes de petrdleo e gis, e em parte porque s40 mais faceis de se estudar. Folhelhos, embora sendo as rochas mais abundantes. so diffceis de se estudar em pormenor, porque as particulas individuais de argila nio podem set vistas com micros- copios comuns. Técnicas de raio-X. microscopia eletrénica, ¢ outros mé- todos elaborados tornaram-se. ha pouco, amplamente utilizados, tendo-se aprendido muito sdbre os minerais de argila e os folhelhos que formam. ‘As caracteristicas exatas de uma rocha sedimentar particular depen- dem em primeiro lugar da natureza do sedimento do qual se formou, A natureza de um sedimento detritico particular depende, por sua vez, (1) do material original na rea fome, (2) clima e relévo na Area fonte, (3) dos mecanismos de transportes ¢ (4) do ambiente da 4rea de deposicao. Em areas de deposi¢ao, onde pouco detrito de uma drea externa € dispo- nivel, podem-se formar sedimentos quimicos. Assim, a natureza dos se- dimentos quimicos depende comumente quase que s6 do (4) acima, am- biente da area de deposigao. Tabela 21 Os Tipas Comuns de Rochas Sedinientares Origem Quimica ou Bioquimica Origem detritica (Menos comumente detritica) Tipo de rocha | Didmetzo da particula | Tipo de Rochal Composigio conglomerado | seixos —2 a 64 mm calcério calcita—CaCOs arenito areia—vie a 2mm dolomito | dolomita—CaMg(COs)z siltito silte—Vise a Yio mm sal halita~NaCl fothetho _[argila menos que%se mm gipso gipsita —CaS0,2 0 silex, silica SiO, earvio carvao principalmente O Registra Litolégico 4 A Influéncia dos Ambientes Variagdes siibitas em ambientes sedimentares so algumas vézes res- ponsdveis por diferengas substanciais no tipo de rocha sedimentar produ- zida. Variagdes fisicas significantes inchuem taxa ¢ tipo de influxo de- tritico, energia de ondas e correntes, taxa de subsidéncia, pH, salinidade, e temperatura da agua. A atividade bioldgica é também importante, tanto durante a sedimentacao como apds. Organismos escavadores, por exemplo, podem modificar grandemente os sedimentos logo apés a deposicéio mas antes do soterramento profundo (vide Fig. 2-3). Em algumas rochas sedi- mentares, de fato, a atividade escavadora destruiu totalmente a estratifi- cago original, As caracteristicas das rochas sedimentares sio influenciadas nio ape- nas por ambientes sedimentares reais mas também por ambientes pés-de- posicionais nos quais ocorre litificago e diagénese. Litificagao refere-se a todos 0s processos que convertem em rocha um sedimento recém-depo- sitado, incluindo compactacao das particulas sedimentares e sua cimenta- s&io por material mineral precipitado. Diagénese refere-se a reacoes qui- micas que ocorrem entre minerais ¢ fluidos dentro do sedimento ou rocha sedimeniar. Inclui t6das as mudangas até o nivel de metamorfismo, porém excluindo-o, A diagénese superpée-se 4 litificagdo, e ambas dependem pri- mariamente de fatéres do ambiente de deposigio. As rochas sedimentares documentam, assim, tanto 0 ambiente como também © tempo. Nao € possivel, nem particularmente desejavel, inter~ pretar um déles sem o devido cuidado para com 0 outro, Embora 0 tempo scja aqui o objeto de nossas consideracdes, parece apropriado vagar por um momento e considerar a influéncia ambiente em dois tipos de rochas — arenitos ¢ calcérios, Tipos de Arenitos Quando estudamos em pormenor os arenitos, investigamos tanto a textura como a composi¢io. A textura compreende dois pardmetros, 0 tamanho dos gros e selegdo. A selecao refere-se a variagao de tamanho de gréos que compéem 0 arenito. Se a variacdo de tamanho é grande, o arenito € mal selecionado. O material detritico muito fino que preenche © espage entre os graos maiores é denominado matriz. Pormenores textu- tais ¢ também de composi¢ao sio mais facilmente visualizados em segdes delgadas, fatias de rochas que foram desgastadas suficiente para trans- mitir a luz. A Fig. 2-4 mostra fotografias de secdes delgadas de um arenito bem selecionado e de um mal selecionado. A composigio de um arenito ¢ determinada primariamente pelo ma- terial detritico, e parcialmente pelo cimento, que é 0 material precipitado 42 Tempo Geolégico FIG, 23 -- Laminas de siltito fothelho (camadas) perturbadas por organis- ‘mos escavadores antes dd litificagdo — Folhetho Skull Creek, Crerdceo norte do Colorado. quimicamente nos espacos entre os graos durante a Titificagao. Todos 08 espacos entre os grdos de um arenito nao sdo necessiriamente preen= chidos; alguns geralmente permanecem como poros abertos permitindo ao arenito transmitir fluidos, e neste caso, a rocha é dita permedvel. Se os espacos entre os grdos esto quase completamente preenchidos com cimen- to ou matriz, o arenito é incapad de transmitir fluidos e é chamado im- permedvel, ou “fechado”. Arenitos com uma grande quantidade de matriz sao chamados grau- yacas. Os gros de grauvacas consistem geralmente de fragmentos de rochas, feldspato quartzo. A composicao heterogénea e ma selecio de grauvacas tem sempre sido atribuida & instabilidade ambiente, que significa, crosto répida na drea fonte e, em particular, deposicao répida na area de sedimentacao. Algumas vézes, as grauvacas so descritas como tendo apa- réncia “derramada” como resultado de sua aparente falta de lixiviagdo na frea de deposicio. Ultimamente, sedimentdlogos tém proposto duas per- guntas: (1) Por que observamos atualmente t20 poucos sedimentos, tipo grauvaca, sendo depositados em areas de deposicao? (2) Se as grauvacas Fepresentam realmente répida sedimentagdo ¢ répida deposi¢do, por ave contém to raramente grios de miuerais quimicamente. instaveis como anfi- bolios, piroxénios e olivinas que seriam esperados persistir sob estas cir- cunstincias? O Regisiro Litolégico FIG, 2-4 — Secoes delgutas de arenitos, (Aj Arenito bem sele- cionado Formacéo Botucatu, Cretd- cee, Sao Carlos, Sa0 Paulo. (Bj Arenito mal selecionado — Grupo Tubardo, Permian {?), Hapetininga Sao Paulo 43 Alguns sedimentélogos acre: tam, agora, que a falta de minerais instaveis em grauvacas pode ser de- vida A sua destruigao durante a dia~ génese e que, embora inicialmente presentes, os respectivos gros teriam sido posteriormente alterados em ar- gilas. Se tal ocorreu, a influéncia do ambiente diagenético foi grandemente substimado no passado. A assim cha- mada aparéncia “derramada” que caracteriza as grauvacas nao seria pri maria mas secundaria, tendo as argi las resultado da alteragio de gréos de minerais instveis. Esta sugestio ajudaria, também, a explicar porque vemos to poucos depésitos de grau- vacas formando-se presentemente em ambientes sedimentares modernos Entretanto, sedimentos moderadamen- te bem selecionados, contendo uma alta porcentagem de minerais insté- veis, sedimentos em formacio atual- mente em muitos lugares, podem se alterar por diagénese em grauvacas e adquirir uma aparéncia “derra- mada”. Os arenitos que contém uma pe- quena proporcio de matriz de silte @ argila e numerosos grios de felds- pato séo chamados arcézios. Are6- zios sao derivados de areas fontes gra- niticas onde predomina o intemperis- mo mecinico, ¢ a combinagio de quartzo ¢ feldspato dé a rocha uma composicao mineralégica similar a de granito. Arenitos formados, quase intei~ ramente de graos de quartzo, siio cha- mados arenitos quartzozos ou orto- quartzitos. Podem conter pequena quantidade de outros minerais muito estaveis, mas contém pouca matriz argilosa e virtualmente nenhum mine- FIG. 2-5 — Secdes delgadas de cal- cérios. (A) Um caledrio composto de fragmentos de conchas fédsseis em mairiz de granulagdo fina (am- pliado 17%) (De A. Ford e J. J. H. C. Houbolt, 1963). (B) Um caledrio composto de odlitos {gros _redan- dos) — Grupo Aquidaxana, Permia- no (2) Mato Grosso. (C) Caledrio denso de granulacdo muito fina com alguns jerosplanténicos (ampliada 140 vézes), (Dj Foto- micrografia eletronica de calcdrio como o de (C) revela que minis- cules placas algais chamadas coc- eélitos constituem grande parte do material de granulacdo fina ‘am- Pliada 18.000 vézes). (Cortesia de W. W. Hay.) O Registro Litolégico 45 ral instavel. Por esta razio, os ortoquartzitos sdo referidos como rochas “maturas”. Eles representam, tipicamente, uma longa histéria de lixivia- ¢ao e retrabalhamento em regiao estavel. Os ortoquartzitos derivaram-se comumente de arenitos pré-existentes sendo, neste caso, rochas sedimen- tares de “segundo ciclo”, em oposig&o Aqueles derivados diretamente de terrenos igneos ou metamérficos. Tipos de Calcdrios Os calcdrios so as rochas sedimentares mais estudadas; como re- sultado, numerosos tipos podem ser distinguidos.. Muitos térmos técnicos foram criados para os diversos tipos de calcdrios reconhecidos na classifi- cagao moderna, mas nao é necessdrio revé-los aqui. Talvez a nica gene- ralizagao aplicavel a todos os calcdrios seja a de que se formam em 4reas onde grande quantidade de detritos terrigenos (derivados do continente) nao sejam disponiveis. A Agua em que se formam pode ser rasa ou pro- funda, marinha ou ndo-marinha, e o agente sedimentar primdrio, inorganico ou inteiramente organico. Os calcarios inorganicos podem constituir-se, por exemplo, de depdsitos de granulacao fina formados em aguas muito calmas, ou de oédlitos, particulas esféricas formadas sob intensa agitagdo. Os calcdrios de origem, bioquimica podem constar de plaquetas ultramicros- copicas de mintisculas algas ou de esqueletos pesados de corais construtores de recifes. Em resumo, a variedade é grande, e resulta quase inteiramente de diferencas deposicionais de ambientes. Secdes delgadas de alguns tipos de calcario estado ilustradas na Fig. 2-5. Os depésitos de calcdrio, como os de arenito, transformam-se algu- mas vézes, substancialmente, durante a diagénese. Alguns calcdrios se alteraram parcialmente ou completamente em dolomitos, devido A introdu- cao de ions de magnésio pelos fluidos percolantes. Outros se alteraram par- cial ou completamente em silex. As evidéncias, nos dois casos, séo em geral nitidas incluindo, por exemplo, conchas de fésseis dolomitizados ou silicificados que se conhece terem sido originalmente calcdrios. Padrées Principais de Distribuicéo de Sedimentos De uma maneira grosseira, os ambientes da superficie da Terra, hoje como no passado, podem ser divididos em ambientes de erosfo e de se- dimentacéo. O material para as rochas sedimentares origina-se nos pri- meiros ¢ acumula-se nos ultimos. Areas de erosdo sao areas onde. tipica- mente ocorreu elevacdo, e areas de actimulo sao Areas tipicamente de sub- sidéncia nitida. A deposig&o de sedimentos pode ocorrer no mar, nos continentes, ou em ambientes de transigéo entre continentes e oceanos. Para que um registro sedimentar seja criado num lugar, rochas mais antigas devem sofrer erosio em um outro. As Figs. 2-6 e 2-7 fornecem um exemplo atual. A criagao de rochas sedimentares é realmente, assim, um rearran- FIG. 2-7 — O Delta do Rio Coio- rado. Aqui um névo vasto registro deposicional estd sendo criado pelo ‘material transportado pelo rio. A Baja California jaz a oeste (esquer- da) do delta, 0 Deserto Sonoran, a leste. Note os padrdes de sedimen- tacgdo nas dguas rasas ao sul dos distributdrios do delia, A disténcia através da foto é de 135 quiléme- tros. (Cortesia da Administragao Na- cional de Aerondutica e Espago). FIG. 2-6 — Vale do Rio Colorado no sul de Utah (vide mapa na Fig. 2-7 para localizacdo). A ero- sao de enormes volumes de rocha produziu dsperas feigdes topogrdficas. “Aqui um registro antigo esta sendo destruido. Neste processo, boa parte déle se expbe & nossa inspecao (Cortesia de W. C. Bra- dley). O Registro Litoldgico 47 jo de material na superficie da Terra, Ao ser transferido de um lugar para outro, o material é modelado pelos ambientes prevalecentes ¢ como conse- quéncia torna-se um registro déles. Se uma rea de sedimentagao é subaérea ou submarina, a superficie do sedimento €, como regra geral, de relévo acentuadamente baixo. Em reas de erosao, o relévo pode ser grande, como em regides montanhosas, ou pequeno, como nas planicies. As rochas sedimentares expostas em reas atualmente em erosio testemunham que um ambiente anterior de sedimentagao transformou-se por soerguimento em um ambiente de ero- sio. As mudancas de ambientes de sedimentacfio para ambiente de ero- sao e vice-versa ocorreram tipicamente, muitas vézes, em uma area durante a histéria geoldgica. Os periodos de erosio ou nao deposi¢ao produzem descontinuidades estratigraficas significantes chamadas discorddncias. Ne- nhuma 4rea nos continentes recebeu sedimentos, continuamente, através da historia geologica, mas algumas dreas possuem um registro estratigra- fico muito mais completo que outras. Geossinclinais e Plataformas As mais espéssas acumulagdes de rochas sedimentares ocorrem em grandes cinturdes, com centenas de quilémetros de comprimento, cha- mados geossinclinais. Geossinclinais jovens, como 0 Geossinclinal Ceno- z6ico da Costa do Golfo, ¢ mais velhos, como o Geossinclinal Paleozdico Cordilheirano na borda oeste dos Estados Unidos e 0 Geossinclinal Pa- Jeozdico Apalachiano na borda leste, ocorrem nas margens dos continen- tes. Alguns mais antigos, como o Geossinclinal Paleozdico Uraliano da Unido Soviética, cortam os interiores continentais. Do estado de cinturdes de rapida subsidéncia, onde espessuras de talvez 10.000 a 13,000 m ou mais de sedimentos se acumularam, a maioria dos geossinclinais se trans- formou em grandes cadeias de montanhas. Assim, os geossinclinais nao séo permanentes: éles se formam,; sofrem subsidéncia 4 medida-que os se- dimentos se acumulam, usualmente por uns poucos periodos geolégicos; € entdo éles expiram, em geral por intensa deformagao crustal. Enquanto existem, os geossinclinais recebem uma espessura de Sedimentos varias vézes maior que as areas estaveis entre éles, e desta forma, as discordan- cias nos geossinclinais sfo menos numerosas ¢ de menor duragéo do que nas regides estaveis. As regides estaveis caracteristicas do interior de areas continentais sfo chamadas plataformas. A subsidéncia nas areas de plataforma, na maior parte, foi comparativamente pequena ¢ permitiu um actimulo total de apenas poucos milhares de metros de rochas sedimentares. As discor- dancias sio numerosas e 0 registro geolégico é muito menos completo do que em geossinclinais. Algumas porgdes das areas de plataforma sofre- ram, persistentemente, menor subsidéncia e emergiram com maior frequén- cia que suas vizinhas. Como consequéncia, o acimulo total de rochas se- dimentares nestes domos ou arcos é mais delgado e as discordancias sao SEE STE TE GS 48 Tempo Geolés mesmo mais numerosas nas dreas ao redor. Algumas outras porgdes J plataforma sofreram, persistentemente, maior subsidéncia que a média = dai, receberam um registro sedimentar mais espésso ¢ completo que = Areas adjacentes. Estas areas distintas e, a grosso modo circulares. denominadas bacias. Nivel de Base Anteriormente, revimos como os gedlogos, no inicio do século, pro- curaram estimar idades geolégicas, a partir de supostas taxas de deposicé = de estratos sedimentares, Em 1917, Joseph Barrel pode reverter 0 pro- cesso e estimar taxas de deposigio de rochas antigas a partir de ida radiométricas, ha pouco tempo disponiveis. Imediatamente, estas estime- tivas levantaram problemas, pois, indicavam que camadas depositadas des- de o inicio da Era Paleozéica, mesmo onde eram mais espéssas, tinbam-3 depositado muito mais lentamente do que qualquer pesquisador anterior mente havia inferido-milhares de anos por algumas dezenas de cm, ao ir- vés de centenas de anos. Porém, hd muito boa evidéncia de que muitas c2- madas individuais se acumulam rapidamente. Bartel concluiu que int- meras quebras, a maior parte possivelmente mesuravel em anos ou dezencs de anos, devem ser incluidas nas sequéncias estratigraficas, e devem rea.- mente influir no total de anos decorrido. Estas miniisculas quebras. presentadas apenas por planos de acamamento, Barrel denominou “dias- temas” ¢ inferiu serem quase que universais em rochas sedimentares. * Barrel interpretou os diastemas como o produto de flutuacdes do nivel de base, uma superficie imagindria acima da qual os depésitos nic podem se acumular permanentemente em uma bacia sedimentar, Um= extensao da superficie fora da bacia, em areas de erosio, constitui o limite abaixo do qual a erosao nao pode ocorrer. Um nivel de base, a despei do nome, nao € perfeitamente horizontal; inclina-se suavemente em din Gao A bacia ¢ pode mesmo ser ondulado. “Um exemplo familiar de nive de base € a profundidade, em um mar raso, da base da onda eficiente Acima déste ponto, a energia da onda impede o acttmulo permanente de sedimento, movendo os depésitos periddicamente até que, em dltima instat cia, venham descansar em Aguas mais profundas. Em areas de erosio, 0 nf= vel de base € a superficie na qual os rios devem cessar de se aprofunda- e abaixo da qual nao podem erodir. A posicao desta superficie resulta de uma complexa interacio de diversos fatéres, sendo o clima um dos mais significantes, Areas de erosdo, por definigio, jazem acima do nivel de base, e dre de deposicao abaixo. Dai, entre as duas, onde niio ocorre erosio ou depo- si¢do, 0 nivel de base deve intersectar a superficie sdlida da Terra, Se 10- dos os fatéres permanecessem constantes, a superficie do nivel de base. na qual forgas de agradagio e erosio esto equilibradas, seria estaciondria. Na natureza, entretanto, os fatéres ambientais nunca permanecem na to- © Registro Litoléyico 49 Te pee Le Nt de tre eypessure em pes FIG. 2-8 — Nivel de base flutuante em uma hacia sedimentar. A tendéncia principal é de agradagao, mas cictos de segund,’ e terceira ordem eriam wn registro descontinuo Onde o nivel de base se ergue, 0 Sea'mento sé acumula; onde abaixa, corre erosGo. sie cegoee brancas da curva sao. ne. final, preservadas no registro sedimentar. | A quantidade to1al de tempo representac’o no registro estratigriifico @ esquerda é€ mos~ Coeds reas braneas no topo. Os diustemas principals extao numerades. (Apud Barrel, 1917). talidade constantes por muito tempo; assim, 0 nivel de base esta sujeito a flutuacées curtas, intermedidrias ou de longo Ambito. ‘Em mares rasos, 0 nivel de bese € amplamente governado pelo nivel do mar. Se o nivel do mar se clevar, as ondas nao podem erodir muito profundamente ¢ 08 ris ndo podem se aprofundar muito nas (ertas adja- ventes. Assim, © nivel de base se eleva da mesma maneira © avanga para serra. Seo nivel do mar se abaixa, as ondas e os rios erodem mais Pro- fundamente; 0 nivel de base, em correspondéncia, se abaixa © avance em direcao zo mar, Se o nivel do mar permanece constante, entdo. a Gnica maneira para se acumular sedimento & ocorrer subsidéncia. A amplitude Total da sabsidencia € 0 fator principal governante da espessura de sedimen- tos que pode se acumular numa drea, Barrel visualizou todos os fatéres que influenciam o nivel de base — subsidancia da bacia, clima, suptimento de sedimento, atividade das ondas, e aesim por diante — como sendo intermitemes ou ciclicos antes que cons: 50 Tempo Geoldgico tantes. Alguns dos ciclos so amplos; outros sao pequenos. As vézes, seus efeitos se eliminam, outras vézes, se adictonam, O nivel de base, portanto, flutua constantemente; mas em dltima andlise, areas que possuem uma subsidéncia global possuirdo um actimulo marcante de sedimentos. Este conceito explica tanto camadas individuais depositados ripidamente como uma taxa média de acumulacéo de sedimentos extremamente lenta, A deposi¢ao ocorte tipicamente em pulsacdes, ¢ os planos de acamamento representam, em geral, mais tempo que as camadas. A Fig, 2-8 retrata graficamente éste coneeito. Uma area hipotética subside por 200 pés ¢ dai recebe 200 pés de sedimento, representados na coluna ao lado esquerdo da figura, Superpostos no ciclo maior de subsi- déncia, entretanto, esto ciclos menores representando duas ordens mais baixas de magnitude. Talvez correspondam, respectivamente, mudancas do nivel do mar e mudangas climaticas. Deve ocorrer uma marcante acumu- lacao desde que 0 condicionamenta dominante seja 0 de subsidéncia, mas ‘os ciclos menores, algumas vézes, adicionam-se a tendéncia maior de acumulacio ¢, em outras vézes, subtraem-se dela, causando episddios tem- pordrios de crosio. Quando o nivel de base se eleva, como representada no grifico, corre acumulacdo: quando se abaixa, ocorre erostio. Apenas 0s fragmentos menores do tempo decorrido, simbolizados pelas faixas Drancas no topo da figura, est4o realmente representados na coluna sedi- mentar A esquerda, Embora éste diagrama nao represente um caso real, © principio que expressa € aceito como dominante na maioria dos ambien- tes deposicionais, exceto que os ciclos sao, na natureza, provavelmente mais irregulares. FIG. 2.9 — Discordancia angular enire camadas si- lurianas de forte mergulho abaixo e camadas de mer- gulho suave do Old Red Sandstone acima em Sic car Point, Escdcia, onde James Hutton reconhecen primeiro a signifiedncia historica das discordan- cias. 0 Registra Litologico FIG. 2-10 — Uma segao P-4 Pay ee do Grand Canyon fazendo face norovste a partir de Hopi Point, mostrando a desconformidade (N) enire rochas igneas ¢ metamor- ficas pré-cambrianas ¢ 0 Arenito Tapeats sobreia~ cenre, Cambriano, e a dis- cordéncia paralela (D) en- ire 0 Caledrio Muav Cum brian 'e 0 Calcdrio Red- wall Mississipiana sobre- jacente. (Cortesia de W. C Bradley.) © ponto principal de Barrel ou seja, 0 da amplitude da sedimentacdo ser governada pela amplitude da subsidéncia, € uma boa generalizacio que ajuda a explicar numerosas relagées estratigréficas. Mas, como o préprio Barrel salientou, ocorrem excecdes. Em lugares onde a subsidéncia exce- deu 0 suprimento de sedimentos podem-se criar oceanos ou lagos profun- dos nos quais a superficie sedimentar esta perpétuamente abaixo do nivel do mar. Aqui a sedimentagao pode ocorrer sem ser interrompida por in- tervalos erosivos, mas mesmo assim € comumente ciclica. Discordancias Uma discordincia é uma grande descontinuidade no registro geol6- gico, formada quando a deposic¢ao cessou por um tempo considervel. Re- 52 Tempo Geoldgico sulta quase sempre de sua elevacio, causando a erosio de alguns dos re- gistros previamente formados. A magnitude da discordancia ¢ medida pelo intervalo total de fempo para o qual nao ha registro sedimentar: Em Gualquer lugar onde se estudaram seqiiéncias sedimentares, elas s4o inter- sompidas por tais descontinuidades. Os intervalos perdidos variam em magnitude de um par de zonas fossiliferas a eras inteiras, O tempo repre FIG. 2-11 — (Topo) Secdo geoldgica transversal mostrando a segiiéncia sedimentar “4” descansando em desconfarmidade sdbre rochas igneas e recoberta discordantemen- te por uma outra seqiléncia “B". (Base) Andlise da inconformidade entre “A” “B” eon escala vertical como tempo no lugar de espessura (exagéro vertical de cerca de 300 X). Modijicado de H. Wheeler, 1964). se camadas mune se lepositacam qui ; os camadis deposiadae= [Mt “rq foram removidas O Registro Litolégico 53 sentado por uma certa discordincia varia lateralmente, decrescendo co- mumente em diregao A bacia sedimentar que recebeu o material erodido du- tante a producio da discordancia. Aqui, a discordincia pode desaparecer completamente no meio de uma sequéncia sedimentar. As discordancias aparecem no registro estratigrafico como superficies que podem ser mapeadas, Trés tipos de discordancia podem ser distin- guidos, baseados nas relacdes estruturais das unidades abaixo e acima da superlicie, Discordancia angular (Fig. 2-9) representa claramente 0 do- bramento de um registro sedimentar mais antigo, sua peneplanagdo por erosio, e a deposigao de uma seqiiéncia mais nova truncando a mais an- tiga. Nao-conformidade (Fig. 2-10) refere-se & superficie na qual rochas és- tratificadas descansam, discordantemente, em rochas nao estratificadas, igneas ou metamérticas. Disconjormidade (Fig. 2-10) refere-se a uma dis- cordancia na qual as camadas acima ¢ abaixo da superficie sao paralelas. Algumas superficies de disconformidades séo muito irregulares. Outras, entretanto, no apresentam nenbum relévo dbvio, e parecem-se muito com planos de acamamento comuns. Sem evidéncia fossilifera de uma quebra temporal significante, algumas podem — e sem diivida permanecem —- nao detectadas. Em adigao 4 variacio em valor temporal, a mesma superficie de dis- cordincia pode passar de um tipo de relagdo estrutural a outro, quando acompanhada lateralmente. Q que aparece como uma disconformidade sem feigdes, em uma dea, pode ter um relévo acentuado, em outras. Uma relacao que aparece paralela em uma area pequena pode se mostrar angu- jar em Ambito regional, com rochas que variam prandemente em idade sendo truncadas abaixo da superficie. A discordancia pode mesmo ser delinedvel em dreas onde a angularidade ¢ nitida. O grau de angularidade ou a quantidade de relévo na superficie discordante nao se relacionam a valéres de tempo da discordincia. Na natureza, tédas as gradagées ocorrem entre as menores quebras nos planos de acamamento, que podem representar ndo mais que o tempo entre duas grandes tempestades, ¢ as maiores discordancias. Nao obstante, é conveniente reconheser a distincdo entre diastemas que sao os componen- tes normais de unidades de rochas sedimentares concordantes ¢ grandes quebras discordantes durante as quais ha mudangas fundamentais. As discordancias usualmente representam tanto tempo que, quando a deposi- cdo reaparece, ocorreu uma mudanga total no ambiente. Nos diastemas isto néo ocorre, sendo esta a diferenca basica entre éles. Em térmos de movimentos do nivel de base, diastemas resultam de flutuagdes menores A medida que o nivel de base se eleva em geral, enquanto que discordan- cias resultam de ciclos maiores amplos, nos quais o nivel de base de ini- cio se abaixa em relagao a superficie da Terra para produzir ndo-deposicao @ erosio, ¢ depois se ergue para restabelecer condigoes deposicionais. Uma discordancia produzida por um ciclo maior de nivel de base esté representada na Fig. 2-11. Na secdo geoldgica, no topo, a sequéncia sedimentar Ai — Ae descansa discordantemente sObre rochas igneas, ¢ € capeada discordantemente pela sequéncia sedimentar Br — Bs. O diagrama 54 Tempo Geoldgica de baixo representa 0 mesmo registro geolégico mas a sua dimenséo ver tical & tempo no lugar de espessura, A mudanca de deposi¢ao para ero- so, no tépo da seqiiéncia A, resulta da migragio do nivel de base, que se desloca rumo ao centro da bacia. A medida que o nivel de base se desloca para baixo, seu ponto de intersecao com a superficie da Terra se move len- tamente em diregdo A bacia, para a diteita, ao longo da linha MP no dia- grama inferior da Fig. 2-11, Em qualquer ponto, tal como no ponto C, ‘onde 0 nivel de base intersecta a superficie da Tetra, a erosdo est4 em progresso, & esquerda, e a deposicéo em progresso, a direita, No tempo Ts, quando a intersecio do nivel de base-superticie esta em C, a erosio remo- yeu © registro ao nivel da linha tracejada Es. A falta de registro acima da linha MP é devida & nao-deposicéo. O proceso continua até o ponto P do tempo T;, no qual a erosio do tempo progrediu até o nivel de Er. ‘Aqui o ciclo reverte; o nivel de base se move para cima ¢ em dire Gao a terra. A deposicao, a dircita do ponto P, continua ininterruptamente @ a deposigdo, & esquerda, é progressivamente estabelecida, A intersec4o do nivel de base-superficie aicanga o ponto D no tempo Ts, e a erosdo progrediu até a superticie Fs, Finalmente, no tempo Ts, a eros cessou na superficie LP. A rea inteira € outra vez area de deposicéo ¢ a super ficie deposicional NP corresponde & superficie erosional LP. Esta € a sit- perficie de discordancia, O tempo total representado pela discordancia aumenta, claramente, para a esquerda a partir do ponto P, ¢ as partes do registro faltando, devido tanto & nao-deposicéio como a eroséo, aparecem nitidamente. ‘As camadas sedimentares limitadas por discordancias de ampla dis- tribuicdo constituem unidades distintas, chamadas sequéncias em um sen- tido formalizado. Algumas de tais unidades que cobrem grandes areas dos Estados Unidos receberam, realmente, nomes. Algumas “sequéncias” con- sistem em varios periodos geoldgicos e outras podem consistir apenas par- te de um perfodo. Classificagdo dos Ambientes Sedimentares Os sedimentos podem registrar (1) 0 ambiente de sedimentacio onde se formaram ¢ (2) 0 tempo em que se formaram. Nossa meta principal é compreender como os dois elementos se interrelacionam para sermos ca- pazes de desenhar, para qualquer momento no passado geol6gico, um mapa que mostre a extensfo areal e as relagdes laterais dos ambientes en- tao prevalecentes. Os ambientes governam a distribuigao de organismos em qualquer época; em adicdo, éles determinam, mais que qualquer coisa, as caracteristicas fisicas e quimicas das camadas sedimentares — tais como composigio, acamamento, e estruturas internas, ‘Algum dia, poderemos ter uma classificagio de ambientes sedimen- tares que forneca a telacao quantitativa de fatres ambientais especificos, tais como temperatura da Agua, pH, ¢ a velocidade de corrente as feigoes © Regisiro Litolégico 55 particulares dos sedimentos. Até o momento entretanto, simplesmente nao sabemos 0 suficiente s6bre a influéncia de fatéres ambientais individuais nos sedimentos, vistos que os fatéres sfio interdependentes e nos ambientes modernos seus efeitos sdo dificeis de se observar. Para se investigar as- pectos tridimensionais em ambientes sedimentares existentes, devemos cavar com pa ou aparelhos de testemunhagem, atividades que tém seu limite pra- tico. Pas s4o intteis nos mais importantes ambientes submarinos ¢ os testemunhos fornecem pouca informagio sébre a extensao lateral ¢ varia- do das camadas. Além do mais, mesmo os aspectos observaveis podem nao ter relacdo explicita com os processos de superficie em operacio, Em- bora se possa saber que um aspecto particular se formou, digamos, num mar raso ou num leito de rio, as circunstdncias precisas que governaram sua origem podem nos iludir. A solugéo dbvia é observar as feigées real- mente em formagao, mas surgem de ndvo problemas praticos. Muitas f ces significantes formam-se durante épocas de extraordinéria energia, tais como furacdes e inundagées. Durante éstes eventos a observacao ¢ dificil; a superficie do sedimento esta submersa, e comumente tudo o que o obser- vador pode fazer ¢ sobreviver, sem conseguir tomar medidas, registrar da- dos ou tirar fotografias. Mas estamos progredindo. Com a ajuda de ob- servagOes periddicas em ambientes sedimentares, e através de experiéncias em laboratério que podem simular certas condicdes naturais, estamos aprendendo, cada vez mais, sbre causa e efeito em sedimentacao fisica. Para a maioria dos propésitos, usamos presentemente uma classifi- cago geomérfica para ambientes sedimentares como a da Tabela 2-2. O condicionamento geomérfico —~ por exemplo, se um sedimento formou-se em uma planicie aluvial ou-planicie de maré 6 de interésse primdrio, mas também gostarfamos de poder inferir mais sObre fatéres ambientais espe- cificos, tais como a inclinagao da planicie aluvial, temperatura e salinidade na planicie de maré, ¢ a velocidade da corrente nos dois casos, Temos es- peranca de modificar nossa classificacio & medida que descobrimos meios mais adequados de relacionar precisos parémetros ambientais a caracte- risticas fisicas quimicas ou bioldgicas dos sedimentos. Estruturas Sedimentares Estratifieacio A estratificagdo é causada por uma mudanga nos materiais em depo- sigéo ou em condigées de deposicéo, As causas podem ser dbvias, como numa mudanga na composicéo do material, ou sutis, como por diferenga de graus de selegao em camadas sucessivas de arenito. Em muitas unida- des de arenito € calcério, os estratos tornam-se claros por sua particao folheada. Se as particées inexistem, unidades de calcdrio e arenito de du- 56 Tempo Geolégico TABELA 2.2 — Classificagdio de Ambientes Sedimentares Continental Aluvial — cursos d'agua ¢ suas planicies de inundagao ou leques aluviais associados Lacustre — lagos de todos os tipos Glacial — inclui correntes de lavagem assim como ambiente de contato com gélo Pantano — ambientes pantanosos ou “paludais” de areas pobremente drenadas Eélico — areas de depésitos acumulados por vento, principalmente em desertos Transicional Deltéico — um grande delta na borda do mar é realmente um complexo de varios ambientes, incluindo aluvial, pantano, ¢ marinho raso Lagunal — um corpo de aguas calmas separado do mar aberto por uma barreita Litor@neo —- inclui a zona entre a maré alta e baixa, principalmente praias © - Planfcies de maré, Marinko Sublitorfneo — o funde do mar do nivel da maré baixa até uma profundidade de 200 metros Ratial —o fundo do mar de 200 a 4.500 metros Abissal — © fundo do mar entre 4.500 € 7.000 metros Hadal — inclui t0das as profundidades maiores que 7.000 metros reza uniforme podem aparecer completamente “macigos” — isto 6, sem es- tratificagao nitida. Estratos com menos de um centimetro de espessura sio usualmente denominados ldminas ¢ 03 com mais de um centimetro so camadas. As espessuras dos estratos podem ser descritas segundo o esque ma da Tabela 2-3. TABELA 2-3 — Classificacéio das Camadas de acérdo com a espessura Camadas muito. espéssas 100 cm espéssas 30 cm médias 10 cm finas 3om muito finas tom Laminas finamente laminadas 03 om O Registro Litolégico 57 Em ambientes onde correntes acumulam sedimentos em barreiras, dunas, marcas ondulares, ou outras superficies irregulares, 0 acamamento forma-se realmente com um Angulo com a superficie de acumulagdo, ¢ 0 depésito diz-se possuir acamamento ou estratificagdo cruzada. Cada es- trato individual, assim depositado, formando um angulo com a atitude da formag&o como um todo é um estrato cruzado ou camada froniai. Uma se- quéncia de estratos cruzados paralelos é denominada sequéncia de estratos cruzados. As sequéncias de estratos cruzados podem ser mintisculas, co- mo as formadas por laminagdes em marcas ondulares ou podem ser com- postas de camadas de muitos metros de espessura e centenas de metros de comprimento. Unidades com estratificagao cruzada podem ser divididas em (a) unidades nas quais as sequéncias: de estratos cruzados apresentam gas Hb et FIG. 2-12 — Blocos diagramas dos dois tipos principais de estratificacéo eruzada contatos essencialmente planos ¢ sio assim corpos tabulares e (b) unida- des que possuem contatos basais curvos ¢ so assim acanaladas (Fig, 2-12). Existem gradagoes entre éstes dois tipos principais de estratificacao cru- zada. Em afloramentos, a distingdo entre estratificagéo cruzada tabular acanalada depende, comumente, da possibilidade de se observar as estru- 58 Tempo Geoldgico turas em trés dimensdes. Em exposi¢des cortadas paralelamente a direcdo de transporte, os dois tipos podem parecer possuir contatos essencialmente paralelos, e ambos podem conter estratos cruzados tangencial ou nao tan- gencial a superficie basal da sequéncia. Estruturas sébre e no interior de Camadas Diversos tipos de estruturas podem ocorrer nos planos de acamamen- to como resultado de marcas no fundo ou “sola”, da camada superior ou no tépo da camada inferior. Marcas na base de camadas de arenito ou de calcdrio séo geralmente moldes de impressdes formados sobre a super- ficie de uma camada inferior de folhelho quando esta era ainda lama nio consolidada, Estas marcas incluem principalmente (1) estruturas de sobre- carga, que resultam de penetracio irregular de areia na lama subjacente durante a compactacao, (2) estruturas de corrente, que séo devidas a acdo de correntes ou a material transportado pela corrente sébre uma superficie de lama, e (3) moldes formados em pistas ou buracos de animais. Estrutu- ras no topo de camadas incluem (1) marcas ondulares, (2) gretas de contra~ ¢40, (3) marcas erosivas formadas por correntes, (4) pegadas e pistas de animais, ¢ (5) impresses de gétas ¢ borbulho de chuva. As estruturas mais‘comuns que ocorrem no interior de camadas sao concreg6es € acamamento rompido ou deformado. As concregGes sao normalmente acumulacées esferoidais pés-deposicionais de substancia mi- neral em uma rocha sedimentar. Flas variam em tamanhos desde pequenas bolinhas a grandes corpos com mais de 3 metros de diametro. Acama- mento rompido pode ser causado por deslizes ou escorregamentos de se- dimentos moles antes de litificacdo, ou pode ser devido a liquidos em migracdo ou animais escavadores. © acamamento pode também ser de- formado por compactagio diferencial sobre fosseis ou concrecdes. As estruturas sedimentares podem ser de grande auxilio na interpre- taco do ambiente. Muitas, entretanto, podem se formar em mais de um ambiente e, dai, as antigas ¢ as modernas devem ser comparadas com cau- tela. Marcas ondulares de corrente sébre camadas, por exemplo, visto se- rem muito comuns em ambientes modernos de Agua rasa, foram ampla- mente interpretadas no passado como representando depdsitos de dguas rasas. Entretanto, gracas a fotografias do assoalho do mar profundo, ha poucos anos, as superficies de sedimentos orduladas foram observadas a profundidades de milhares de metros, uma indicacio de que estas dreas foram varridas por correntes. Fsta claro, agora, que movimentos de cor- rente € tudo 0 que as marcas ondulares indicam sobre camadas antigas. Embora nada digam sébre a profundidade, marcas ondulares de corrente indicam a diregdo em que a corrente se movia, e isto é ajuda valiosa na reconstrugdo do ambiente antigo. Além do seu valor nas interpretagdes ambientais, algumas estruturas indicam a ordem correta de sucessio estratigr4fica em 4reas onde as ca- madas estao intensamente dobradas, com mergulhos abruptos, e mesmo FIG, 2-13 — Afgumas feicdes sedi- mentares de valor na determinagao de tpo e base de camadas. (4) Es- watificagao cruzada tangencial. No- fe como os 16pas das seqiiéncias de estratos eruzadas estdo truncadas, Arenito Navajo iidssico, Utah. (Cortesia de W. C. Bradley. (Av) Arenito Bowcatu crevdceo, Cama- pud, Mato Grosso, (B) Acanalamen- to de pequena escala que Irunca sei- xos de calcdrio préviamente deposi- tados. Formacao Bloomington cam- briana, Idaho. (C) Marcas onduladas de oscilagao em um s6 plano de estratificacdo abertas como as pa- ginas de um livro, O pedago de baixo estd em posigdo invertida, Formacao Lykins.tridssica, Color. do. (D) Marcas de sola ‘incluindo estruturas de sobrecarga e de cor- rentes na base de uma camada de arenito, Formagéo Minturn pensil- vaniana, Colorado. 60. Tempo Geoldgico metamorfoseadas. Em rochas fossiliferas, a sequéncia de {6sseis por si s6 pode, muitas vézes, fornecer a ordem de sucessio. Em camadas pobre- mente fossiliferas ou afossiliferas, que incluem todos os terrenos pré-cam- brianos, numerosos tipos de estruturas sedimentares podem fornecer a me- thor resposta a “que lado é o de cima?” Estas incluem estruturas s6bre ¢ no interior das camadas. Algumas das estruturas mais titeis na discrimina- do do topo e base em sequéncias sedimentares esto ilustradas na Fig. 2-13. Facies ‘Assim como os tipos de rocha variam verticalmente devido a mudan- gas nas condicées ambientais através do tempo, éles podem variar tam- bém lateralmente devido a diferencas de condigdes ambientais no espaco. Por exemplo, uma unidade estratigrafica pode gradar lateralmente de con- glomerado dominantemente em uma drea a arenito em outra drea, e 0 are- nito, por sua vez, pode gradar a folhelho em uma terceira érea, Estes as- pectos laterais diferentes da unidade estratigréfica sio denominados facies sedimentares, ¢ poderiam ser chamados facies de conglomerado, facies de arenito, e facies de folhelho da mesma unidade estratigrdfica. Outras mu- dangas de facies podem ser mais sutis, tais como estratificacdo, estruturas sedimentares, ou conteido fossilifero das rochas. Mudangas laterais em qualquer caracteristica fisica podem ser denominadas litofdcies para distin gui-las de quaisquer mudancas biolégicas, ou biofdcies. Em alguns casos mudangas em litofacies e biofécies ocorrem juntos e, em outros casos, nao ocorrem. Para a maioria dos gedlogos, 0 térmo “facies” implica nao apenas em que as camadas, possuindo caracteristicas diferentes. sejam lateralmente contiguas mas, também, que sejam da mesma idade. Outros gedlogos usam © térmo nao apenas para mudancas laterais mas também para mudangas verticais em caracteristicas litolégicas ou bioldgicas. O térmo “microfécies”, por exemplo, € agora amplamente aplicado particularmente por gedlogos europeus para as caracteristicas detalhadas de tochas como aparecem em seco delgada sob 0 microscépio. Tal uso, estende o térmo “facies” para referir-se néo apenas a aspectos laterais de unidades estratigréficas mas também a liétopos — o registro litolégico de ambientes sedimentares par- ticulares sem ter em mente suas relacdes Taterais ou até verticais, Ao ler-se 9 térmo “facies”, entdo, deve-se notar o sentido em que € usado, Usual- mente, 0 significado dado pelo autor é evidente no contexto. Facies diferentes lateralmente resultam de ambientes diferentes coe- xistentes. Alguns dos ambientes, relacionados na Tabela 2-2, ocorrem adjacentes na natureza mas outros nao ocorrem, Dai, as mudancas de fé- cies nao ocorrem cadticamente entre quaisquer dois litétopos. Em vez disso, elas refletem relagées laterais ambientais que realmente prevalecem O Registro Litolégico 61 sia aa ae FIG. 2-14 — Blocos aiagramas de facies em ambienies proximos @ praia mostrando 4 sucessiio oposta produzida por (A) transgressao, (B) regresstio. A escala vertical esté exagerada cérea de 500 vézes, hoje em dia e que evidentemente prevaleceram também no passado geolé- gico. Por exemplo, ambientes marinhos raramente limitam ambientes con~ tinentais diretamente; uma faixa de ambientes de transi¢go, mesmo estreita, quase que em téda parte separa os dois. De modo semelhante, ambientes de mar profundo néo podem limitar diretamente ambientes de transicao como praias e lagunas; deve haver uma rea de 4gua rasa entre €les. Assim, nio apenas facies continentais e marinhas ou facies transicionais ou batiais nunca intergradam lateralmente, mas também, se a deposigéo € continua, seus depdsitos nao se podem suceder diretamente um ao outro no sentido vertical. Se as fronteiras entre ambientes deposicionais permanecem relativa- mente estaciondrias, entéo os litétopos resultantes manteriam sua posigao geogréfica, ¢, exceto interdigitagio de pequena escala, a fronteira entre facies seria essencialmente vertical. Raramente esta situagéo estatica per- dura muito tempo, porque requer um equilibrio preciso entre o suprimento de sedimento e a taxa de subsidéncia. Muito mais comumente, as taxas de subsidéncia e suprimento diferem, e os ambientes migram, cobrindo 62 Tempo Geolégico seu depésito, 0 depésito de ambientes, ocorrendo latcralmente, A Fi 2-14 ilustra relagGes em ambientes bordejando a costa. Quando a subsi- déncia excede o suprimento de sedimento (Fig. 2-14A), a linha de praia move.se terra a dentro em transgressio marinha. Os depésitos formados em ambientes continentais sio recobertos pelo de ambientes transicionais, que por sua vez, sio recobertos por depdsitos marinhos. Quando o supri- mento de sedimento excede a subsidéncia, a linha de praia se desloca mar a dentro, causando regressio marinha (Fig. 2-14B). A regressio forma uma sequéncia vertical em uma loc lade que é o reverso da transgressio. ‘As sequencias transgressivas e regressivas ndo contém um registro sedimentar completo de todos os ambientes que prevaleceram Jateralmente na época. ‘As sequéncias transgressivas so incompletas se 0 suprimento de sedimento nao foi adequado para produzir deposicdo continua A medida que o mar FIG. 2-15 —- Dois mapas da mesma Grea no oeste da Bacia de San Juan no Névo México, O mapa A mosira interdigitagéo do Arenito Cliff House com a Formacaéo Mencjee subjacente e com o Folhelho Lewis sobrejacente (apés um nape de O'Sulli-. vane Beaumont, 1957). A mela escala do mapa B é muito grande para mostrar sa" ndigtiagao, ¢ 0 topo do Cliff House (tOpo do Grupo Mesa Verde ‘cartograjado aqui) aparece como uma linha suave (conforme um mapa de J, B. Reeside, Jr., 1924). Arm diregio © Angulo ‘de mergolho O Registro Litolégico 63 avancava. As sequéncias regressivas so incompletas onde a regressio foi causada por elevagdo da terra (ou abaixamento do nivel do mar); de fato, a erosdo remove tipicamente alguns dos sedimentos préviamente deposi- tados. Na bacia de San Juan no Névo México, a transgressio deposicio- nal e a regressio deposicional do mar neocretéceo produziu ciclos essen- cialmente completos. As exposicdes sio excelentes, € linguas individuais de arenitos ¢ de folhelhos nos limites das facies siio localmente espessos 0 bastante para serem cartografados. A Fig. 2-15A mostra que 0 espésso Arenito Cliff House. que é interpretado como um depésito transgressive de FIG, 2-16 — Exagéro vertical em secdes transversais mostrando mudancas de facies cambrianas no Grand Canyon. (A) Um exagéro vertical de 230 vézes é mais ow menos o necessdrio para mostrar pormenores estratigrificos. (De acdrdo com E. D. McKee, 1945.) (B) Exagéro vertical de 23 vézes. (C) Na escala real a espessura € ‘mais ou menos a de um iraco de ldpis. ‘Acexantro normal da escala vertical cérea de 250 vézes) SSS f Sfaoas de foscis dingndsticos Coleirio Muaw ws cescala vertical exagerada 23 vézes tamanho real pe 2000 1900 64 Tempo Geolégico barreira insular, interdigitase em diregdo a sudoeste com os depésitos la- gunares subjacentes da Formacdo Menefee ¢ em direcao a nordestes com © Folhelho Lewis sobrejacente. Assim, mesmo em uma pequena 4rea, 2 migracdo de facies marginais e marinhas através do tempo evidencia-se claramente, Nunca se deve confundir 0 contato interdigitado do Arenito Cliff House e o Folhelho Lewis na Fig. 2-15A como uma superficie de tempo. Embora a interdigitacio de facies seja extremamente comum, s6 ra- ramente pode ser delineada em um mapa como na Fig. 2-15A porque as linguas individuais de facies adjacentes sio muito mais delgadas que as do Cliff House. Mesmo as linguas do Cliff House poderiam nado ser fa- cilmente localizadas em mapas exceto onde as exposigdes fossem excelen- tes, € mesmo entéo, elas ndo poderiam ser cartografadas em uma escala substancialmente menor. A Fig, 2-15B é tirada de um mapa mais antigo exatamente da mesma drea que na Fig. 2-15A, mas foi feito na metade da escala, Neste mapa simplesmente nao foi possivel mostrar o pormenor da interdigitacdo. Conclui-se que éste tipo de representacao € a regra em vez da excecio. A maioria das interdigitacdes das unidades litolégicas sim- plesmente néo podem ser mostradas em mapas geoldgicos ¢ dai, apenas de mapas, é raramente possivel determinar a dirego de migragao dos se- dimentos. As telacdes de interdigitacdo devem quase sempre ser repre- sentadas com 0 auxilio de segdes transversais onde é possivel usar grande exagéro vertical. Uma Nota Sdbre Exagéro Vertical Uma dificuldade na andlise de fécies, mesmo para um estratigrafo ex- periente, € manter as relagdes de escala em seco transversal numa pers- pectiva adequada. Tornamo-nos to acostumados a usar exagéros verti- cais de espessuras, nos quais a altura da secdo transversal ¢ aproximada- mente a mesma que a Jargura, que & facil esquecer que a espessura das camadas é medida tipicamente em dezenas ou até em centenas de metros enquanto que a distancia é medida tipicamente em dezenas ou centenas de quilémetros. Onde a espessura é exagerada, os fingulos entre linhas de tem- po e limites de rochas sao também exageradas. Em uma secdo transversal éstes Angulos sio faciimente perceptiveis, Mesmo sem uma anélise com- pleta do diagrama, poder-se-ia quase que esperar ser capaz de observar 0 mergulho do contato no campo, mas isto, naturalmente, nunca pode ser percebido. Para ilustrar éste ponto, mostramos na Fig. 2-16A um exemplo bem reconhecido de mudanga de faceis nos estratos transgressivos camorianos da drea do Grand Canyon; 0 exagéro vertical das espessuras de rochas é tfpico aqui. As linhas de tempo, baseadas em primeiro lugar nas duas zonas faunisticas e parcialmente em unidades litolégicas interdigitantes, transgride claramente os limites das formacées. Na Fig. 2-16B, 0 exa- géro vertical é relativamente pequeno ¢ os Angulos entre linhas de tempo © Registro Litolégico 65 ¢ limites litolégicos, se pudessem ser mostrados aqui, seriam extremamente baixos. Os pormenores nad podem ser mostrados, entretanto, porque a escala vertical € insuficiente. No processo de nivelamento, os angulos decrescem até proximo a zero. A mesma secdo numa escala verdadeira apareceria apenas como uma linha, como na Fig, 2-16C, De outra forma, a Fig. 2-16A poderia ser corrigida para a escala real aumentando a largura para cérea de 100 pés (30,5m). 3 Unidades Estratigraficas Os Primeiros Esforcos para 0 Reconhecimento de Sequéncias Provavelmente o primeiro esférgo para reconhecer uma sequéncia de eventos histéricos em camadas sedimentares foi feito por Nicolaus Steno, em 1669, nas montanhas ocidentais da Itdlia. La, Steno constatou que © principio da superposigéo nas rochas estratificadas era a chave essen- cial. Steno constatou, também, a importéncia de um outro principio — horizontalidade original — ou seja, que os estratos sio sempre depositados inicialmente préximos & horizontal embora possam ser encontrados com forte inclinagdo. Mais ou menos cem anos mais tarde, em 1760, Giovanni Arduino classificou as rochas da mesma regido em trés categorias prin- cipais: 1. Primarias — rochas cristalinas com minérios metélicos. 2. Secundarias — rochas estratificadas duras sem minérios mas com fdsseis, 3. Tercidrias —- rochas pouco consolidadas contendo numerosas con~ chas de origem marinha. ‘As rochas vulcdnicas foram inchuidas nesta divisio. Em uma quarta categoria menos importante, éle reconheceu aluvido lavada das montanbas e que jazia nas planicies. Quase simultaneamente, Johann Gottlob Lehmann, em 1766, e Georg Christian Fuchsel, em 1761, éstavam aplicando separadamente o principio da superposigio em duas reas da Alemanha. Lehmann reconhecia trés categorias de rochas: cristalinas, estratificadas, e aluviais — uma clas- sificacio similar a de Arduino. Fuchsel trabalhou apenas com a ca- tegoria média — as rochas estratificadas — dividindo-as em nove unidades

You might also like