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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE BELAS ARTES


MESTRADO EM ARTES VISUAIS

Disciplina: Laboratório de Investigação Tridimensional

Prof. Dr Ricardo Biriba

DANIEL SILVA GOMES

Relatório apresentado ao Professor Dr Ricardo Biriba


sobre a disciplina Laboratório de Investigação
Tridimensional.

SALVADOR

Estado da Bahia - Brasil

Agosto - 2010

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Universidade Federal da Bahia - Escola de Belas Artes

Mestrado em Artes Visuais

Disciplina: Laboratório de Investigação Tridimensional

Prof. Dr Ricardo Biriba

Aluno: Daniel Silva Gomes

1. Introduçao.

Este relatório tem o objetivo de apresentar de forma sucinta todas as


atividades relacionadas a disciplina Laboratório de Investigação Tridimensional,
refletindo na teoria e na pratica as atividades apresentadas durante o percurso
desta disciplina assim como analisar a bibliografia apresentada durante o curso e
os ganhos obtidos pelos alunos durante e depois do encerramento do curso assim
como as criticas quanto a exposição final do curso.

2. Processo de desenvolvimento do trabalho artístico

O projeto para a instalação Banquete de mendigos foi desenvolvido


através de cinco ações conjuntas.

Primeiro a pesquisa fotográfica realizada através da tarefa proposta no


interior da disciplina laboratório de investigação tridimensional, de fotografar
nosso percurso, e a percepção das coisas que no nosso cotidiano não “vemos”:
lixo nas ruas, moradores de rua, catadores de lixo, crianças abandonadas. As
fotografias dos percursos feitas pelos colegas foram essenciais para me instigar a
um olhar mais atento ao meu redor.

A segunda ação foi a pesquisa do tema dos moradores de rua, suas


expectativas, sua problemática, e as ações realizadas por atores sociais para
mitigar os efeitos da rejeição social a que essa população esta submetida.

A terceira ação foi fotografar diretamente os moradores de rua, no Recife,


Salvador e Camaçari, pesquisar imagens de moradores de rua na internet, me
apropriar de imagens do filme Pollock onde o artista se torna morador de rua, e

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finalmente usar imagens de meu rosto e mãos obtidas através do scaneamento
de meu rosto e mãos.

A quarta foi reaproveitar alguns trabalhos realizados na década de noventa


com rostos esculpidos em papel machê e copias Xerox de minhas mãos sobre
portas de guarda-roupas. Criei outros trabalhos com a utilização de rostos feitos
em papel machê sobre Eucatex, colagem de calça jeans em Eucatex. Os rostos
foram utilizados como suporte para as projeções da escultura social.

A quinta ação foi utilizar ossos de boi, carneiro, bode e cascos de animais
polidos, aplicar folhas de ouro, para as ações que se seguiram na exposição.

As fotografias tiradas por mim, as pesquisadas na internet, as imagens do


filme Pollock e as digitações de meu rosto e mãos, foram editadas em
PowerPoint.

Uma parte dos ossos de “ouro” foi acondicionada numa caixa de mdf
pintada de preto, e forrada com um tecido de microfibra vermelho para ser
exposta como um tesouro juntamente com o quadro da calça jeans, com a
aplicação de tecido microfibra vermelho saindo da tela e cobrindo a bancada com
a caixa do “tesouro”.

Caixa do tesouro

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A outra parte dos ossos numa bandeja de prata forrada com folhas de
couve, para ser servida aos convidados durante a exposição.

Bandeja com ossos

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Plano de projeção:

Os quadros com os rostos projetados foram organizados em 5 caixas brancas


com vários níveis de profundidade e as figuras dos mendigos foram projetadas
sobre as caixas e as pinturas num ângulo de 45° em relação ao projetor criando a
ilusão de deformidade das figuras projetadas.

Antes da projeção

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Figuras projetadas

Os ossos foram servidos aos convidados para que se banqueteassem com


o banquete.

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O objetivo

O objetivo da instalação foi fazer o publico refletir sobre as imagens


projetadas sobre os objetos, os objetos são figuras pálidas que só não são quase
nada, precisam de acabamentos, verniz, moldura e a assinatura do artista para
ser arte acabada para o consumo, as figuras projetadas dão aos objetos um elam
que os valorizam.

Os ossos servidos não representam apenas objetos estéticos, são


simbólicos da fome, da ausência de carne, da busca incessante que a população
de moradores de rua se vê a cada dia em busca de alimento “vivem em seu
cotidiano a busca por alimentação, sendo essa a principal atividade de seu
dia-a-dia”.

Os ossos na caixa são sintomáticos da acumulação de capital o osso


limpo, polido, dourado e estético remete ao marfim (chamo-os de marfim de boi,
carneiro, bode) são feitos para ser guardado, possuído escondido da sanha dos
famintos.

A calça jeans suja de barro, restos de comida, restos de ouro e resto de


nosso consumo. Não poderia ser objeto de sacralização, mas a arte permite tudo,
permite que fiquemos em frente de uma tela emoldurada e com uma calça jeans
rasgada e banhada por um tecido sangue que escorre pelo tesouro de ouro.

3. Reflexões sobre as leituras

O texto conceito ampliado de arte e escultura social aborda a produção


de Beuys que extrapola o campo artístico, indo até o campo educacional.

O artista acreditava segundo o texto que a arte esta presente na vida e no


mundo e que todos são artistas por possuírem a capacidade de criar e que estas
podem ser desenvolvidas, desde que trabalhadas de forma social.

O artista propõe a arte como remédio social para curar os horrores da


guerra como pelo próprio deslocamento do homem de sua totalidade e de seu
contato com a natureza, ninguém a não ser o próprio ser humano poderia
encontrar as respostas para esse vazio. A obra de arte poderia através da
experiência e da experimentação, ser o caminho da busca das repostas, não a

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arte acabada pronta, mas o próprio homem-não-artista na medida que participa
na ação da feitura da arte se torna o ator-artista da obra.

Para mim foi um texto que abriu as possibilidades de compreensão do


fazer artístico contemporâneo. Primeiro a noção do que é e qual o objetivo da
escultura social, o respeito ao espectador como ator social, os processos
criativos, o homem, o humano como ator de suas ações e das ações dos outros.
Abriu-me a possibilidade de pesquisar outros artigos e autores do mesmo tema
como: ARTE E EXCLUSÃO SOCIAL: Investigação Estética e Participação
Comunitária envolvendo Moradores de Rua de Sandro Tonso Et all , Construção
de Esculturas Sociais de Priscila Piantanida, entre outros textos retirados da
internet.

No texto arte e mídia de Arlindo Machado, pude refletir sobre o uso da


tecnologia das mídias no nosso cotidiano e apropriação que o artista sempre fez
das tecnologias de seu tempo, conhecer os usos das mídias modernas utilizadas
pelos artistas modernos, podemos citar o uso do videteipe portátil por parte de
artistas como Wolf Vostel, Nam June Paik que fizeram experiências com
instalações através de registro em suporte cinematográfico. O texto deixa claro
que a artemidia abre um campo de possibilidades e de energia criativa que
segundo palavras do texto: “resulta... num salto de conceito e na pratica tanto da
arte quanto da mídia” o texto propões que a artemídia não é menos serias do à
arte moderna, e antiga.

O texto resalta que vários artistas brasileiros utilizaram artemidia para


denunciar o caos que a ditadura militar impôs ao país. Temos o exemplo de
Erthos Albino de Souza que em plena década de setenta gerou poesia concreta
utilizando um computador. Waldemar Cordeiro foi outro exemplo de artista que
utilizou o computador para realizar artemidia ao incorporar imagens digitais em
seu trabalho e ao discutir em plena ditadura militar o desastre sociopolítico no
país que era a presença dos militares no governo. Waldemar Cordeiro organizou
também a primeira conferencia internacional de computerart a ARTEONICA.

O texto a vanguarda do atraso de Caio Argan que refletindo-se como


homem de seu tempo exacra a arte de vanguarda, pop- arte a mass - média
principalmente ao se negar atualizar seu livro A ARTE MODERNA com as

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viagens feitas pelos artista do Pop Art norte americano como destruidoras da arte
em determinado trecho de sua entrevista a Elisa Bayngton ele afirma que:
“civilização industrial, com todas as suas conseqüências - cultura da informação,
da comunicação e do massa media – é destinada a acabar com a arte.”

O texto entre o luxo e o lixo o autor relaciona o mundo do luxo com a


arte, sendo esta uma peça importante nesse universo dominado pelos homens da
finanças, define o tempo vivido pelas aquisições bilionárias da arte como tempos
esquizofrênicos, as bienais não são mais artistas e que “os novos ricos” depois de
se apropriarem do luxo do mundo (restaurantes caro jóias etc.) voltam-se para as
artes visuais, obras que combinam com a decoração de seus modernos
apartamentos.

No texto o meio como ponto zero, o que mais me chamou a atenção foi,
que o autor ao ser perguntado: onde começar uma pesquisa em artes? Ele
responde pelo meio; “meio de uma pratica... de um saber, de uma ignorância o
texto falando sobre pesquisa em arte afirmar que o pesquisador desta utiliza dos
conceitos e os trabalha de forma diferente dos demais pesquisadores porque os
trabalha no nível do sensível e os opera sempre entre o conceitual e o sensível,
entre a teoria e prática, entre a razão e sonho e que o pesquisador precisa de
“traves” para operar e entrecruzar uma produção plástica de uma produção
textual reflexiva que artista, o pesquisador, ao criar objetos e conceitos tem que
fugir das “armadilhas de Narciso” e ver e se deixar ver pelo outro, que o outro é o
que nos falta, e que precisamos do outro pra nos alimentar.

No texto a arte contemporânea: o lugar da pesquisa, Cattani afirma que


a arte não é discurso é ato, que a obra se elaborar através dos gestos,
procedimentos, processos que não passam pelo verbal, que seu suporte é
plástico, materiais, cores, linhas, formas, volumes e que resultam no objeto, que
essa característica do objeto artístico força o pesquisador a transformar a obra de
arte em discurso verbal e que ela, a arte pode com isso abarcar uma pluralidade
de discurso. E que o próprio artista poderá descrever de seu processo criativo,
analisar suas intenções, descrever seus materiais, seu processo criativo sua
técnica etc. a autora provoca reflexão ao inferir que a obra de arte é intraduzível e
que seu discurso seria parcial e que nenhum discurso contará a „verdade real‟

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mas que todos discurso contribuirão para o entendimento da obra e que isso
contribuirá para o rigor cientifico da analise da obra de arte.

Os textos lidos e discutidos durantes as aulas foram muito importantes para


sedimentar em alguns o conhecimento já adquirido, em outros a novidade a
reflexão, o amadurecimento para enfrentar um mestrado. Posso afirmar que para
mim foi muito proveitoso o conhecimento dos conteúdos estudados e debatidos,
me fez mudar o foco de minha pesquisa para o projeto, me fez enxergar a
escultura social em suas muitas manifestações como algo importante para o
debate sério, mas ao mesmo tempo dionisíaco dos problemas das sociedades,
sem cair no “piegismo” e no “chatismo” que os temas sociais às vezes levam o
artista a realizar.

As leituras me ajudaram a refletir e descrever meus processos criativos, a


utilização dos materiais, a reflexão dos usos destes materiais durante o processo
de criação, como olhar os trabalhos de meus colegas artistas de forma criticas
entendendo seus processos e refletindo sobre os meus.

Ajudou-me também a me ver dentro do universo da arte como produtor de


obras consumíveis ou não a partir da perspectiva da sociedade global de
consumo e de meu interesse de ser consumido, e que como artista, posso
“dourar a pílula” ou posso continuar fiel aos meus “princípios” e ser um artista
pobre desconhecido esperando a “sorte”, ou conhecido famoso, e ver que não
depende dos artistas mas de um mercado global que elege alguns para ser
consumido e outros ficam alijados deste processo.

4. Resultados obtidos durante o curso

Posso afirmar que quando cheguei no meio do curso pensei, quanta coisa
eu teria perdido se não cursasse essa disciplina, a instigação para realizar as
tarefas, o debate em torno das apresentações, o desafio de fazer do obvio objeto
de reflexão, as fotografias do trajeto foi um dos momentos mais ricos dos que
tivemos, o trabalho com as linhas, onde cada um mostrou seu conceito de linhas
e o debate após a amostra, as reflexões sobre o trabalho.

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Os seminários realizados para que o olhar do outro sobre seu trabalho e o
seu olhar no trabalho do outro pudesse redundar em momentos de critica e de
crescimento.

A leitura e a produção de textos, onde o artista deixa de ser o criador


privilegiado e passa a ser o critico, o relator de seu processo de criação para mim
foi uma evolução para sedimentar os conteúdos dos textos lidos para a prova do
mestrado.

Os novos rumos propostos no trabalho final, e o casamento entre o projeto


de pesquisa e a disciplina são fatos que marcaram meu crescimento como artista
e como pesquisador.

A exposição final foi a culminância de um dialogo começado na sala de


aula, onde pudemos dialogar, ser orientados, e respeitados na nossa concepção
do trabalho. A própria arrumação da exposição foi um momento rico de debate e
de reflexão sobre a arrumação e rearumação dos objetos.

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Bibliografia

BRITES, Blanco; TESSLER, Elida(orgs), O Meio como Ponto Zero: Metodologia


da Pesquisa em Artes Plásticas. POA: Ed. UFRGS, 2002

CANONGIA, Ligia. O legado dos anos 60 e 70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

CULTURA VISUAL, Revista do Mestrado em Artes Visuais da Escola de Belas


Artes , Salvador:EDUFBA,2005 v.1 n° 7

FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996.

Janson H. W.- Historia geral d arte tradução Muricio Baltazar Leal, 3 edição São
Paulo Martins Fontes 1993.

Mink, Janis – Marcel Duchamp- a arte como Contra Ataque tradução Zita Morais,
Lisboa, Paisagem distribuidora de livros, 2006.

Roe, Jeremy- Antoni Tàpies tradução Sara Adamopoulos, Lisboa, Lisma , Lisboa,
2006

http://www.aceguarulhos.com.br/content.php?m=20070426011334

http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com/2010/01/moradores-de-rua-o-brasil-
como.html

www.morungaba.org.br

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Anexos

*Banquete de mendigos

Não abram a geladeira dessa casa vazia,

Nossa casa é o mundo, nossa panela é a rua,

Temos fome de mundo, a fome do mundo todo

Somos artistas que não vendem,

Pintamos todo dia, as praças, os becos,

E as ruas da cidade,

À noite nos esgueiramos pelas marquises

Dormimos sobre os toldos,

Enfeitamos a rua com nossos corpos e cobertores.

Tememos os algozes: incendiários, gambés, mocinhos.

Vamos comer os ossos de nossa civilização

Devorar os mitos... nos banquetear

Com a cultura ocidental.

Faremos dos ossos a arte...

Morreremos de fome;

Fome de tudo...

Fechem as portas dos abrigos

O mundo está lotado

Não cabem mais os miseráveis mendigos.

*Daniel S. Gomes

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