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VOLTAIRE CARTAS INGLESAS OU CARTAS FILOSOFICAS Tradugio de MARILENA DE Souza CHAU! BERLINCK Quinta CARTA Sobre a Religiio Anglicana a & 0 pais das seitas. Um inglés, como homem livre, vai para o céu pelo caminho que lhe agradar. Entretanto, embora cada um Possa servir a Deus & sua moda, sua verdadeira religiao, onde faz fortuna, é a seita dos episco, pais, chamada Igreja Anglicana ou Igreja por exceléncia. Nao se pode ter um emprego, tanto na Inglaterra como na Irlanda, sem se estar no néimmero dos fiéis anglicanos, Esta raziio, excelente prova, converteu tantos nfo-conformistas, que hoje em dia s6 a VieEsima parte da nagio esté fora do regaco da igreja dominante, O clero anglicano manteve muitas ceriménias catblicas, sobretudo a de receber os dizimos com uma atengio bem escrupulosa. Também tém a piedosa ambigdo de serem senhores. Ademais, tanto quanto podem, fomentam em suas ovelhas um ‘santo zelo contra os ndo-con- fomistas. Zelo muito vivo sob o governo dos toris, nos éitimos anos da Rainha Ana, mas nio indo além da quebra das vidragas das capelas dos hereges, porquanto a raiva das seitas terminou na Inglaterra com as guerras civis, sob a Rainha Ana reduzia-se a rufdos surdos de um mar ainda bastante agitado muito tempo depois da tempestade. Quando os Whigs e os t6ris dilaceraram seu Pai Como outrora os guelfos e os gibelinos, foi preciso que a religiio entrasse nos partidos. Os tris eram pelo episcopado; os Whigs queriam aboli-lo, mas contentaram-se em rebaixé-lo quan- do foram os senhores, No tempo em que o Conde Harley de Oxford e Lorde Bolingbroke bebiam a sade dos t6ris, a Igreja Anglicana encarava-os como defensores dos santos privilégios. A assembléia do baixo clero, espécie de Camara dos Comuns composta de eclesiasticos, tinha entéo algum crédito. RMOS DATE! 9.610/1998 E 40.698/20¢ earaine 16 Soraya VOLTAIRE ™ar, ge ry eS, da liberdade de reunir-se, de raciocinar sobre controvérsias e de fazer quei Dane tempos, alguns livros impios, isto é, escritos contra ela. O Ministério, hoje nhaatias, esto reat {ais Senhores mantenham sequer sua assembléia. Na obscuridade de suas iam de Teduzidos ao triste emprego de rogar a Deus pelo governo que niio se envergo- dog Whigs Perturbar. Quanto aos bispos, vinte e seis a0 todo, retinem-se na Camara Alta, apesar tanto . Porque subsiste ainda o velho Preconceito de tomé-los como bardes. Entretanto, tem juraments i Camara quanto os duques ¢ pares no Parlamento de Paris. Ha uma cldusula no a Stado ao Estado que exercita bastante a paciéncia crista desses senhores Aeediagg Promete-se pertencer a Igreja tal como é estabelecida pela lei. Nao bispo, dedo ou Obrigadgg 4M "80 se julgue de direito divin. Ora, é uma grande mortificagao para eles serem v tdimitir que devem tudo a uma lei miserdvel, feita por leigos profanos. Um religioso ig, na, Pare” Bao. © Pray, 2Nelicanas ‘Surayet) escreveu hd pouco um livro para provar a validade e a sucesso das ordens - Essa obra foi Proscrita na Franga, mas acreditais que tenha agradado ao ministério da Da modo algum. Os malditos Whigs pouco ligam se a sucessio episcopal foi ou nio Duma igre; £m seu pais, ou se 0 Bispo Parker foi consagrado num botequim (como se diz) ou hercanie {Fem que 0s bispos tenham autoridade outorgada pelo Parlamento a que a te titanos a os apéstolos. Lorde B.? considera que a idéia do direito divino sé serve para fazer Con a © sobrepeliz, enquanto a lei faz cidadios. todos os eg ago aos Sostumes,lo clero anglicano & mais regrado do que o da Franca, Causa: TUpgzo dq sttsticos so educados na Universidade de Oxford ou na de Cambridge, longe da cor- Paixses hye Pilal- Sto chamados as dignidades da Igreja s6 muito tarde e numa idade em que as Qui sig (antAS Se reduzem A avareza, quando falta alimento para sua ambigio. Os empregos 268 sain, ‘oar Por longos servios na Igreja ou no exército, de modo que nio se véem rapa- Os maus a © colégio como bispos ou coronéis, Além disso, quase todos os Padres sao casados. Hlamente }odos contraidos na universidade e 0 pouco contato com as mulheres obrigam ordina ©.US0 thee” PisPO a contentar-se com a sua. Algumas vezes os padres vio aos botequins, porque ‘Agupetmite, Embebedam-se com seriedade e sem escindalo. slcle ser indefinido, nem eclesidstico nem secular, em suma, aquilo que se chama abade, é Pretenders -o°Sconhecida na Inglaterra, Aqui, todos os eclesifisticos sio reservados e quase todos Sabendo nyt" Pedagogos eruditos. Agradecem a Deus por serem protestantes, quando ficam Que na Franga os rapazes, conhecidos por seus deboches e educados para a prelazia por dn femininas, fazem amor publicamente, divertem-se compondo ternas cangGes, oferecem ‘mente ceias longas e delicadas, indo depois implorar as luzes do Santo Espirito, ¢ ousada- mente nomei; ‘am-se sucessores dos apéstolos. Mas um protestante é um vil herege, a ser queimado Para 0 diabo, como diz mestre Frangois Rabelais — por isso nio me meto em seus negécios. SEXTA CARTA Sobre os Presbiterianos A teligiio angli -se apenas pela Inglaterra e pela Irlanda, Na Escécia, a religifio dominate é eae aa Feo tal enfvo latfalado ul. Paton « sibilant nebra, Como os padres desta seita vivem de pagas muito mediocres, nao podendo gozar os. Mesmos Iuxos que os bispos, decidiram naturalmente clamar contra as honras que nio podem aleangar. Imaginai Diégenes pisoteando o orgulho de Platio: os presbiterianos escoceses asseme- ase muito aqueleracocinador orgulhoso ¢ vehaco. Tataram o Rei Carlos If com menos Consideraco do que Didgenes tratou Alexandre, pois quando tomaram armas por ele contra » Bolingbroke, a despeito de suas idéias conservadoras.(N. do A.) CARTAS INGLESAS 17 Cromwell, que 05 enganara, faziam o pobre rei agiientar quatro sermBes por dia, Proibiam que Jogasse; exigiam que penitenciasse, a tal ponto que Carlos II cansou-se de ser rei desses mestves enfatuados ¢ fugiu de suas mos como um estudante escapole do colégio. Diante de um jovem e vivo bacharel (francés), de manhi a’berrar nas escolas de teologia e de noite a cantar com as damas, um teblogo anglicano é um Cato. Mas quio galante ao lado de um presbiteriano da Esobcia! Este simula afetadamente um andar grave, enorme chapéu, um longo manto sobre 0 casaco curto, prega pelo nariz e chama de prostituta da Babildnia toda igreja cujos eclesidsticos estio bem contentes por terem cingiienta mil libras de renda, e cujo povo é muito bom por suporté-los ¢ ainda chamé-los de Monsenhor, Vossa Grande. za, Vossa Eminéncia. Possuidores de algumas igrejas na Inglaterra, esses senhores introduziram na regitio a moda do ar grave e severo. Deve-se a eles a santificagio do domingo nos trés reinos: nesse dia é proi- bido trabalhar e divertir-se, portanto a severidade é dupla comparada a da Igreja Catélica. Nada de 6pera, nem de comédia, nem de concertos aos domingos em Londres. Até mesmo 0 baralho expressamente proibido, ¢ s6 as pessoas de qualidade — chamadas gente honesta — jogam nesse dia. O resto da nagio vai ao sermio, ao botequim e ao bordel. Embora a scita episcopal ¢ a presbiteriana sejam dominantes na Gra-Bretanha, todas as ou- tras também so bem-vindas e convivem muito bem, enquanto a maioria dos seus pregadores se detesta reciprocamente, quase com a mesma cordialidade com que uin jansenista atormenta um Jesuita. ae ental na Bolsa de Londres, praga mais respeitavel do que muitas cortes. Ai vereis reunidos, para a utilidade dos homens, deputados de todas as nagdes. O judeu, o maometano e 0 cristio negociam reciprocamente como se pertencessem todos a mesma religiao. Sé é infiel quem vai A bancarrota. O presbiteriano confia no anabatista, e o anglicano, na promessa do quacre. Ao sair dessas assembléias livres ¢ pacificas, uns vao a sinagoga, outros vio beber. Um vai ser batizado ‘numa grande cuba de agua, em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo. Outro leva o filho para que Ihe cortem o prepticio € despejem sobre sua cabega resmungos hebraicos incompreensiveis. Outros vio a sua igreja e, enchapelados, esperam a inspiragao de Deus. E todos esto contentes. Se houvesse uma tinica religido na Inglaterra, o despotismo seria temivel; se houvesse duas, uma degolaria a outra; mas como hé trinta, vivem felizes e em paz. um ar zangado, traz um OD A hem Orrava CarTA Sobre o Parlamento Sempre 08 ane. que pod 8 ant igos romano m, 0S membros do Parlamento da Inglaterra gostam muito de comparar-se 0 faz mui ie ie Seguintes Palais © Sr. Shipping, na Camara dos Comuns, comegou seu discurso om PPESSHO Provocoy nm ne eestade do povo inglés seria ferida... etc.”. A singularidade da Palavras com ar fi uu uma £xplosio de riso. Entretanto, sem desconcertar-se, repetiu as mesmas do povo inglés ¢ Cas © ninguém riu mais. Confesso que nada vejo em comum entre a majestade 10 © alguns de seus rere omano> € menos ainda entre seus governos. Hé em Londres um sena- Ocasionalmente suas membros sio Suspeitados, embora erradamente, sem divida, de venderem es parecem-me intone come, 8 fazia em Roma: eis toda a semelhanga. Ademais, as duas cura des gree inteiramente diferentes, tanto no bem quanto no mal. Entre os romanos, a lou- tos, Pregadores a le religizio sempre foi desconhecida; essa abominagiio estava reservada a devo- Ree ue humildade e da paciéncia. Mério e Sila, Pompeu e César, Antdnio e Augusto aed feram para saber se o flamine deveria usar a camisa por cima do hbito, ou este por ‘aquela, ¢ se os frangos sagrados deveriam comer e beber, ou apenas comer, para que se tor- teria dito Rainha Ana: “O Sr. Clarke € 0 mais aa Teria perdido o posto porque alguém que o deseja ser cristo”. (N. do A.) Sabio ¢ 0 mais honesto'dos ‘homens; $6 Ihe falta uma coisa: LEI 10.695/200 /BIBLIOTECA CENTRAL ~ COPIA NO 0 \y ss CARTAS INGLESAS Poder dos reis resistindo-thes, e que de esforgo era epcit 80Verno sibbio, onde 0 principe, todo-pederoso Para fazer senhores so grandes sem insoléncia e sem Camara dos Comuns sao os Arbitros da Nagao. O rei, o super-dr: alanga dos romanos: em Roma, os grandes eo» ovo estavam sempre di sem um poder intermediario que os pusesse de acordo. O Senado de Roma, cheio de um Orgulho injusto e punivel, nada querendo dividir com os Plebeus, 36 conhecia um segredo para rangeiras. Encarava 0 POVo como a uma besta feroz que deveria ser atigada contra os vizinhos, com medo de que devorasse seus senhores. “0s conquistadores. Por serem infelizes na ses os escravizaram, © governo da Inglaterra nio foi feito para um brilho tao grande, nem para um fim tao funes- to. Sua finalidade no é a brilhante loucura das conquistas, mas impedir que sejam feitas Por seus Vizinhos. Seu povo zela no apenas por sua propria liberdade, mas também pela dos outros. Os ingleses encarnigaram-se contra Luis XIV unicamente por acredité-lo muito ambicioso, comba- ‘endo-o com alegria de coragio e seguramente sem interesse algum, Sem divida, custou caro estabelecer a liberdade na Inglaterra, Nos mares o sangue afogou © idolo do poder despético, mas os ingleses nao julgam ter pago um prego muito alto por boas leis, Outras nagées nao tiver si hem verteram menos sangue; e, ‘no entanto, o sangue que espalharam it 1as cimentou sua escravidao. mar due @ cera — & verdade. Mas somente quando o rei comega a tempestade, querendo apode._ rar-se do navio, onde é apenas 0 primeiro piloto. As guerras civis da Franga foram mais longas, mais cruéis, mais fecundas em crimes do que as da Inglaterra, e, no entanto, em nenhuma das} guerras francesas o objetivo foi a sabia liberdade, : Nos tempos detestaveis de Carlos IX e de Henrique III, tratava-se somente de saber se serfa- mos ou nio escravos dos Guise. A tiltima guerra de Paris s6 merece vaias. Parece-me estar vendo estudantes amotinados contra um diretor de colégio ¢ acabando chicoteados. oO cardeal de Retz tinha muito esprto e muita coragem mal empregados. Rebelde sem motivo, faccioso sem props. sito, chefe de partido sem exército, conchavando por conchavar, parece fazer a guerra sila Para seu prazer. O Parlamento no sabia o que o cardeal queria ou deixava de querer; spendin, tropas com um decreto, cassando-as; ameagava, pedia perdio, punha a prémio a cabo poe deal Mazarino e depois vinha cumprimenté-lo tama cerimdnia, Nosss gueras cvs sob Ca \éis; as da Liga, abomindveis, e a da Fronda foi ridicul la. a Se oque male a reprova nos ingleses é ° suplio de Carlos I, tratado por seus ven- mo ele préprio os tera tratado setivesse sido bem sucedido. = fan hate wee olhai Carls J, vencido numa batalha planejada, prisioneio, inlgado © condenado em Westminster, ¢ de outro lado, Henrique VIL, aprisionado por seu SE aie comunhio, Henrique HT assassinado por um monge, minisro da cblera de um par iba trintaassassinatos premeditados contra Henrique IV, varios deles executados otltimo privando, enfim, a Franga de um grande rei. Pesai esses atentados e julgai. VOLTAIRE NOoNA CARTA Sobre o Governo Nem sempre subsistiu essa feliz mistura no governo da Inglaterra, esse acordo entre a Cama ,ra.dos.Comuns, a dos Lordes ¢ 0 rei..Durante muito tempo a Inglaterra foi escrava: romanos, saxdes, dinamarqueses, franceses a escravizaram. Guilherme, 0 Conquistador, governou-a com cetro de ferro, dispondo dos bens e da vida de seus novos siditos como um monarca do Oriente. Proibiu, sob pena de morte, que algum inglés ousasse ter um fogo ou uma luz em casa depois das oito horas da noite. Tentava impedir assim suas assembléias noturnas? Ou quis, com uma proibi- go tio esquisita, experimentar até onde vai o poder de um homem sobre os outros? E verdade que antes de Guilherme, 0 Conquistador, os ingleses tiverai parlamentos. Vangloriam-se disso, como se essas assembléias, chamadas entio parlamento, compostas de tira» nos eclesidsticos ¢ de saqueadores chamados barées, tivessem sido guardids da liberdade e da feli- cidade piblicas, ‘ Os barbaros, que, partindo das margens do mar Baltico, se estabeleciam no resto da Europa, trouxeram consigo o costume desses estados ou parlamentos, a cujo.respeito tem sido feito muito estardalhago € que sio tio pouco conhecidos. Nessa época, os reis nio eram déspotas, é verdade, mas os povos gemiam ainda mais numa servidao miseravel. Os chefes desses selvagens, devasta- dores da Franga, da Italia, da Espanha ¢ da Inglaterra, fizeram-se monarcas, Seus capities parti- Iharam entre si as terras dos vencidos, dando origem aos margraves, aos lordes, aos barées, subti- Fanos que freqiientemente disputam com seu rei os despojos dos povos. Eram aves de rapina, combatendo contra uma guia para sugar o sangue das pombas, Cada povo tinha cem tiranos no lugar de um senhor. Logo os padres entraram no jogo. Em todos os tempos, a sina dos gauleses, dos germanos, dos insulares da Inglaterra submeteu-os ao governo dos druidas ¢ dos chefes de suas aldeias, antiga espécie de bardes, mas menos tirdnicos do que seus sucessores. Os druidas diziam-se mediadores entre a divindade e os homens; faziam leis, excomungavam e condenavam 4 morte. Os bispos os sucederam pouco a pouco na autoridade temporal do governo gético e van- dalo. Os papas os encabegaram ¢ com enciclicas, bulas ¢ monges fizeram os reis tremer, depon- do-0s, assassinando-os e roubando todo o dinheiro da Europa. O imbecil Inis, um dos tiranos da heptarquia da Inglaterra, numa peregrinago a Roma, foi o primeiro a submeter-se ao pagamento da “esmola de Sao Pedro” (mais ou menos equivalente a um escudo da moeda francesa) por cada casa de seu territ6rio. Logo toda a ilha seguiu esse exemplo, Pouep a pouco a Inglaterra tornou-se uma provincia do papa. O santo padre enviava periodicamente legados que recolhiam impostos exorbitantes. Jofio sem Terra acabou fazendo uma cessio de seu reino a Sua Santidade, que o excomungara. Os bardes, que nada receberam, expulsaram o miserdvel rei, colocando em seu lugar Luis VIII, pai de Sao Lufs, rei da Franga. Mas desgostaram-se logo com o recém-chegado, fazendo-o cruzar novamente o mar, Enquanto bardes, bispos e papas dilaceravam a Inglaterra, todos querendo dirigir 0 povo, uma parte dos homens, mais numerosa, mais virtuosa e, conseqiientemente, mais respeitavel, com- posta de homens estudiosos das ciéncias e das leis, de negociantes e artesios, enfim, todos os que nao eram tiranos, em suma, 0 povo, eta encarada pelos primeiros como animais superiores a0 homem. Foi preciso, portanto que os Comuns também tomassem parte do governo. Eram vildes, cujo trabalho ¢ cujo sangue pertenciam aos seus senhores, chamados nobres. A maioria dos ho- mens era na Europa aquilo que muitos ainda so em certos lugares do norte: servos de um senhor, espécie de gado que se compra e se vende com a terra, Foram precisos muitos séculos para prati- car-se justica pela humanidade, para sentir-se como era horrivel que a maioria semeasse ¢ a mino- CARTAS INGLESAS 21 ria colhesse. Nao é uma felicidade para o género humano que a autoridade desses bandidos tenha sido extinta na Franga pela poténcia legitima do rei, e na Inglaterra, pela do rei e do povo? Felizmente, as sacudidas que as querelas entre os reis ¢ os grandes davam nos impérios afrouxaram os ferros das nagdes. Na Inglaterra, a liberdade nasceu das querelas entre os tiranos, Os bardes forgaram Joao sem Terra e Henrique III a promulgar essa famosa carta, cujo fim prin. cipal era, na verdade, colocar os reis sob a dependéncia dos lordes, mas que favorecia boa parte da nagao a fim de que esta se pusesse ao lado de seus pretensos protetores. Essa Magna Carta, vista. como origem sagrada das liberdades inglesas, mostra bem quio pouco a liberdade era conhecida. S6 o titulo ja prova que o rei acreditava-se absoluto de direito, e que os bardes ¢ 0 clero $6 0 forgaram a afrouxar esse direito porque eram mais fortes do que ele. Eis 0 inicio da Magna Carta: “Por nossa livre vontade atribuimos os seguintes privilégios aos arcebispos, bispos, abudes, priores ¢ bardes de nosso reino, etc.”. : Nos artigos da Carta no hé uma palavra referente & Camara dos Comuns, prova de que ainda nao existia, ou de que existia sem poder. Sao especificados os homens livres da Inglaterra: triste demonstragao de que havia aqueles que ndo o eram. Vé-se pelo artigo 32 que esses supostos homens livres deviam servigos aos seus senhores. A liberdade conservava muito da escravidao. Pelo artigo 21, 0 rei ordena que seus oficiais no poderao dai em diante tomar a forga cava- los ¢ carrogas dos homens livres, a menos que paguem. Para o povo, esse regulamento pareceu uma verdadeira liberdade porque afastava uma tirania maior. Henrique VI, usurpador feliz ¢ grande politico, que fingia apreciar os bardes, mas que os odiava ¢ temia, lembrou-se de promover a alienagio de suas terras. Com isto, os vildes, que em seguida adquiriram bens com seu trabalho, compraram os castelos dos ilustres pares, arruinados Por suas loucuras. Pouco a pouco todas as terras mudaram de dono, A Camara dos Comuns foi-se tornando cada vez mais forte. As familias dos antigos pares extinguiram-se com o tempo, e como na Inglaterra s6 os pares so nobres, segundo o rigor da lei, nao haveria mais nobreza no pais se os reis nao tivessem criado novos bardes de vez em quando, © conservado a ordem dos pares, muito temidos antes, para opé-los A dos comuns, muito temiveis agora. 5 : Todos os novos pares compdem a Camara Alta, recebem seu titulo do rei, e mais nada, Quase nenhum possui a terra cujo nome carrega. Um é duque de Dorset, mas nao tem um palmo de terra em Dorsetshire; outro é conde de uma aldeia que mal sabe onde esta situada, Tém poder no Parlamento e nao alhures, Aqui no ouvireis falar em alta, média ¢ baixa justiga, nem do direito de cagar nas terras de um cidadao, que nfo pode dar um tiro sequer em seu préprio campo, Porque nobre ou padre, um homem no est isento de pagar certas.taxas. Todos os impostos so regulamentados pela Camara dos Comuns, segunda por seu grau, mas primeira por seu critério. Os senhores ¢ os bispos podem rejeitar 0 projeto de lei dos Comuns no tocante as taxas, mas nao podem alteré-lo.em nada — devem aprovi-lo ou rejeiti-lo sem restrigo. Quando 0 projeto de lei é confirmado pelos lordes e aprovado pelo rei, entio todo mundo paga. ‘Cada um da, nao seguntlo sua qualidade (0 que seria absurdo), mas segundo sua renda. Nao hé tarifa ou imposto Per capita, mas uma taxa real sobre as terras. Foram todas “avaliadas” sob Guilherme III pos- tas abaixo de seu prego. A taxa permanece sempre a mesma, embora as rendas fundiérias tenham aumentado; desse modo ninguém é pisoteado nem se queixa. O camponés nao tem os pés feridos pelos tamancos, come pio branco, veste-se bem. no teme aumentar sua criagio nem cobrir seu teto com telhas ‘com medo que Ihe aumentem os impostos um ano depois. Ha aqui muitos camponeses com dois mil francos em bens e que nfo desdenham continuar cultivando a terra que os enriqueceu ¢ onde vivem livres, VOLTAIRE DeEcmma CARTA Sobre 0 Comércio Na yep srcio contribuiu para torné-los mais liv coms & rt 03 cidados ingles, 0 Some ona v0 coM0 CONC sc Atuaime Stabelecen, ampliou o Se cd 's navais, tornando os ingleses senhores dy. ry. a0 Uma inne Postuem pane a pouco a pera posteridade saberd, talvez COM SUDrgses, : " 1a, dated zentos navios dB Tobre, de estanhio, de Ma grosscira ¢ de Agila p tdurar os tess de um pou ‘ou-se, gragas ao comeércio, tao potent? que Py Sear eS ee a t iddades do mundo — uma a Sips al simultaneamente trés frotas ais trés extrem\™ ibral a © conservada por suas armas; outra a Porto Belo, arrancando do rei da Bog ahh to eee oe Potinciacae’ tesouros das Indias; e a terceira ao mar Baltico, para impeir @ BUEF. eneret Norte, ' Pronct2*do Luis XIV faz a lia tremer, suas armas ji senhoras da Sabéia c do Piemorn, ¢ i Uha ens P88 tomar Turim, fol preciso que o Principe Eugénio marchasse dos Contin a duque d i wido de dinheiro, sem o qual uma ci . Tren ee Sabin, oeeFanes ingleses. Em meia hora foram EMPestadogs so S com os quais libertou Turim, derrotou 0s franceses ¢ escreveu aos que Ihe ena: Pres. Soma: ‘Senhores, recebi vosso dinheiro © gabo-me de t@10 uusado para Vossa SAtista sign, ° Me inglés, levando-0 a comparar-st, ousadaMenee, nepsefe 2'8uma razio, com um eidadio romano. O cagula de um par do reino nao desealts 10 ex Milorde Townshend, ministro de Estado, tem um irmio que se satisfaz COMO Repocritnee Cante em <2 Sidade. Na época em que Milorde Oxford governa Inglaterra, seu cacula era fay dirge pagel?» donde nao quis sair e onde morrev. Esse costurtey que entretanto comes a acta. poder; t**ante, parece monstruoso aos alemies, obstinados com suas drvores seneal6ticas. Key pe ae Conceber que o fitho de um par da Inglaterra fosse um mero burgués rico ¢ Potente, tma sisi? 8 Alemanka tudo & principe e se vam trntaaltzas do mesmo nome c¥}0S bens fon. Ne aelusivamente em armadurase orgulho. a provi FFanga é marqués quem quer e qualquer um que chegue a Paris vindo dos confins de Ymna cia, com muito dinheiro para gastar € um nome em “ac” ou em “ille”, pode dizer Yum Como eu” ou “um homem de minha qualidade”, e desprezar soberanamente um sitgo. de tanto ouvir falar com desprezo de sua profissao, acaba sendo bastante tole fara *r-8e. Contuda, no sei.o que-é mais.dtil-a-um Estado: um senhor empoado Que sabe a mar; se levanta e se deita, com ares de grandeza fazendo papel de escravo ha aystrog- ata de um ministro ou um negociante que eniquece seu pals, dé ordens a Surata© 20 Cairo sem | de seu gabinete, ¢ contribui para a felicidade do mundo. LA NOS 8 DA LEI 9.610/1998 E LEI 10.695/2003 DEciMa TERCEIRA CARTA Sobre o Sr. Locke aie ogg ea tenha havido espiito mais sensato, mais met6dico, um ligico mais exato do CAleulog nee Bé® era, contudo, um grande matemético, Nunca pode submeter-se & fadiga dos tpirto. Aen A secura das verdades mateméticas, que de inicio nio apresentam algo sensivel ao da geo uinsuém provou melhor do que ele que se poderia ter 0 espirito geométrico sem 0 apoio Beometria, Antes dele, grandes filésofos haviam decidido positivamente o que é a alma do Mas como nada None iam sobre ela, era muito justo que todos tivessem opinides diferentes. se degen ote*ia, bergo das artes e dos erros, onde a grandeza e a tolice do espirito humano tanto “O yolveram, raciocinava-se sobre a alma como nbs 0 fazemos, O divino Anaxagoras, a quem foi erguido um altar por ter ensinado aos homens que o Sol era maior do que ior © Peloponeso, que a neve era negra ¢ os eéus, de pedra, afirmou que a alma era ‘UM espirito aéreo, mas imortal. Diégenes (no aquele que se tornou cinico depois de ter sido falsiio) assegurava que alma “ra uma porgio da prépria substancia de Deus. Esta idéia era brilhante, pelo menos. .. Epicuro compunha-a de Partes, como 0 corpo. Aristételes, explicado de mil modos, porque ‘ninteligivel, acreditava, a fiar-se em alguns de seus discipulos, que o entendimento de todos os ho- ‘mens era uma s6 ¢ mesma substincia. O divino Platio, mestre do divino Aristteles, ¢ 0 divino Séerates, mestre do divino Platio, diziam a alma corpérea e eterna. O deménio de Sécrates certamente Ihe ensinava que assim era. CARTAS INGLESAS 2 Na verdade, hé muita gente que acha que um homem que se gabava de ter um génio familiar era indubitavelmente um_ louco ou um velhaco, mas essa gente é muito dificil, Quanto aos nossos Padres da Igreja} nos primeiros seculos muitos acreditaram que a alma humana, os anjos e Deus, eram corpéreos. © mundo sempre se refina, Sao Bernardo, segundo o Padre Mabillon, ensinou que apbs a morte a alma nao vé Deus, mas conversa somente com a humanidade de Jesus Cristo. Dessa vez niio foi acreditado sob palavra: a aventura das Cruzadas havia desacreditado um pouco seus ora- culos. Mil escolasticos vieram em seguida, como 0 Doutor irrefragavel, o Doutor sutil, o Doutor angélico, 0 Doutor serifico, o Doutor queribica, todos bem seguros de conhecer a alma muito ] claramente, mas sem deixar de falar nela como se quisessem que ninguém entendesse coisa alguma. ‘Nosso Descartes, nascido para descobrir os erros da Antiguidade, a fim de substituf-los pelos seus proprios, ¢ arrastado’ pelo espirto sistemético que cega os maiores homens, imaginoa ter demonstrado que a alma era a mesma coisa que o pensamento, como, segundo ele, a matéria é 4 mesma coisa que a extensio, Assegurou que se pensa sempre ¢ que a alma vem ao corpo jé provi, da de todas as nogGes metafisicas, conhecendo Deus, 0 espago infinito, tendo todas as idéias abs. tratas, cheia de belos conhecimentos que, infelizmente, esquece ao sair do ventre da mae. © Sr. Malebranche, do Oratério, em suas sublimes iusSes nfo somente admitiu as idéias ina- tas, como também nfo duvidou de que vissemos tudo em Deus, e que este, por assim dizer, fosse etn va-icinatlones tudo eotiave topsance) da alma, veio enfim um sébio que modesta- mente esereveu sua histria, Locke desenvolveu a razio humana para o homem, como um exce- lente anatomistaexplica as molas do corpo humano, Apéia-se no archote da fisica;algumas vezes ‘buss falar afirmativamente, mas também ousa duvidar. Em vez de definir dum s6 golpe aquilo que nio conhecemos, examina por graus aquilo que queremos conhecer. Toma uma crianga no momento de seu nascimento; segue pass0 a pass0 os progressos de seu entendimento; vé 0 que possui em comum com os animais ¢ 0 que possui acima deles; consulta seu proprio testemunho, or] senci: pensamento. ea a eS ca epaas que sabem mais do que eu se nossa alma existe antes ou depois vv czacke do nosso corpo. Mas confesso que, na partilha, calhou:me uma alma grosseira da organizagse ampre,e tenho até a inflicidade de no conceber que seja mais necessério alma pensarsempredo que ao corpo estar sempreem movimento”, mim, gabo-me de ser tao estipido quanto Locke nesse ponto. Ninguém ha de me Rea nn appre, Endo estou mais disposto do que ele a imaginar que algumas sema. fazer creed Pe evcepgdi fosse uma alma muito sapiente, sabendo mil coisas que esqueci ao nas- = aN nomlio wetn inutilmente, no Gtero, conhecimentos que me escaparam assim que pre- ers ‘ender direito depois. cisei deles ¢ que nunca Cyapeiyy inatas, apés renunciar A vaidade de crer que se pensa sempre, Locke, aps arruina tas idéias nos vém pelos sentidos, examina nossas idéias simples e as estabelece que todas #5 NOOrs ito humano em todas as suas operagGes, mostra como as linguas compostas, acompania ¢ vo abusamos das palavras a todo momento. faladas sio imperfeitas ¢ Pe enso, ou melhor, o nada dos conhecimentos humanos. Nesse capi- a Fa i gestament® ‘as seguintes palavras: “Talvez nunca sejamos capazes de conhe- tulo ousa pro! eaegaart oe ete Pa para mais de um te6logo como uma declaragdo escandalosa de Esse discur que. alma é material € Mortal ia, deram 0 alarma. Numa sociedade, os supersticioso: Alguns ingleses, devote i tém e provocam terrores pinicos. Gritou-se que Locke dese. siio como os poltrdes Aum =" avia nada religioso no caso. Tratava-se de uma questio pura. java ee a ve dependent da fé e da revelagio, Bastava examinar sem acriménia se ha mente filos6fica, = i (o & matéria. Mag iloséfica, multe atria pens’, ¢ se Deus pode coriunicar o pensamento &n contradigio em dizer: A Tr ntemente dizendo que Deus foi ultrajado, desde que nio se tena a 0s tedlogos comegam le = VOLTAIRE \ ™Mesma opinidio que eles. Assemelhavam-se bastante aos maus poetas, acusando Despréaux de ifamar o rei porque zombava deles. : © Dr. Stillingflect adquiriu uma reputagao de te6logo moderado por ter injuriado Locke. En a liga, mas foi vencido porque raciocinava como doutor ¢ Locke, como filésofo, cdnscio da Taquezi e da forga do espirito humano. batendo-se com armas cuja tempera conhecia. Se oitsasse falar dum assunto tao delicado aps 0 Sr. Locke, diria: os homens discutem de longa data sobre a natureza e sobre a imortalidade da alma. Quanto a sua mortalidade, a demons- 'ragdo & impossivel visto que ainda se discute quanto sua natureza, e seguramente preciso Conhecer a fundo um ser criado para saber se é ou nio imortal, A razo humana € tao incapaz de demonstrar por si.mesma a imortalidade da alma, que a religido viu-se forgada a revela-la para ‘bem comum de todos os homens pede que se creia a alma imortal; a {¢ 0 ordena. Nao é Preciso mais. A coisa esta decidida. O mesmo nao ocorre com sua natureza, pouco importando a ‘eligizo qual seja a substincia da alma; o importante é que seja virtuosa, 6 um rel6gio que nos foi Para que 0 governemos, mas 0 obreiro nao nos disse do que era composta sua corda. _, SOU corpo e penso — é tudo que sei. Irei atribuir a uma causa desconhecida aquilo que posso Atribuir facilmente apenas & causa segunda que conhego? Neste ponto todos os filésofos da Esco- me interrompem, argumentando: “No corpo hé apenas a extensio e a solidez, s6 pode ter mor Mento ¢ figura, Nenhum destes elementos pode produzir um pensamento; portanto, a alma nio © ser matéria”, Esse grande raciocinio, tantas vezes repetido, reduz-se ao seguinte: “Nao matéria; adivinho imperfeitamente algumas de suas propriedades; ora, ignoro total- mente se estas podem estar unidas a pensamento; portanto, como nada sei, asseguro positiva pane que a matéria no pode pensar”, Eis, posta claramente, a maneira da Escola raciocinar. . om simplicidade, Locke diria a tais senhores: “Confessai, pelo menos, que sois tao ignorantes : Aanto eu, Nem vossa imaginagio nem a minha podem conceber como um corpo tem idéias; mO. entio, compreendeis melhor que uma substancia. seja qual for. tenha idéias? Nao conce. beis a matéria nem o espiritos como, entio, ousais assegurar alguma coisa? Por sua vez, o supersticioso também aparece dizendo que é preciso queimar, para o bem de Suas almas, aqueles que suspeitam ser possivel pensar apenas com a ajuda do corpo. Mas que Se ele proprio fosse culpado de irreligiio? Com efeito, que homem ousara assegurar, sem impiedade absurda, que seja impossivel ao Criador dar sentimento e pensamento a matéria? mei Pego-vos, em que embarago vos meteis ao limitardes assim a poténcia do Criador! Os ani. ats Possuem os mesmos Srgios que nbs, os mesmos sentimentos, as mesmas percepsSes; si0 dotados de meméria, combinam algumas idéias. Se Deus nio pode animar a matéria e darthe Sentimento, entao, de duas, uma: ou os animais so puras maquinas, ou tém uma alma espiritual, ee quase demonstrado que os animais nfo podem ser simples maquinas. Aqui est nio einer Deus fez exatamente os mesmos Srgios de sentimento neles eem nés. Portanto, se Vio. Porn, Deus fez uma obra initil. Ora, segundo vossa propria confissio, Deus nada faz em >. Portanto, no fabricou tantos érgios de sentimento para que nao sentissem, Portanto, os ani ‘mais nao sao puras méquinas. _ Segundo vossa opiniio, os anit obrigados, apesar de vos préprios, trou Umma ii Vede, ais no podem ter uma alma espiritual. Assim sendo, sois eee de a dizer que Deus deu aos érgios dos animais (que sio matéria) ade de sentir e de perceber. faculdade que neles chamais de instinto. a, Ora, o que pode impedir Deus de comunicar aos nossos érgios, mais penetrantes, essa facul- wake 3 Sentir, de perceber e de pensar que chamamos raziio humana? Para qualquer lado que vos ; Tevoltelg. is Prigados a admitir vossa ignorancia ¢ a poténcia imensa do Criador. Nao vos narviniie entio, contra a sibia © modesta filosofia de Locke. Longe de contrariar a religiio, ie e-ia de Prova, se precisasse. Pois, que filosofia poderia ser mais religiosa do que aqucla ANF concebe ¢ admite sua fraqueza dizendo set preciso recorrer a Deus quando se examinam os Primeiros prineipios? \ am (i“emais, nunca se deve temer que algum sentimento filosofico possa prejudicar a reli \ um pais. Por mais \Feverenciados pelos ue nossos mistérios contrariem suas demonstragdes, nunca deixam de ser filosofos cristios, pois sabem que os objetos da religido e da filosofia sio de An CARTAS INGLESAS 29 natureza diferente, Nunca os fildsofos far’o uma seita religiosa. Por qué? Porque nfo escrevem para 0 povo e porque nio sio entusiastas. Dividi o género humano em vinte partes: dezenove trabalham manualmente e nem sabem que Locke existe. Na vigésima, quao poucos os que Iéem! E entre estes, vinte Iéem os romances, enquanto apenas um estuda filosofia. O nimero dos que pensam é excessivamente pequeno e nio tém a lembranga de perturbar o mundo. Nem Montaigne, nem Locke, nem Bayle, nem Spinoza, nem Hobbes, nem Shaftesbury, nem Collins, nem Toland carregaram a tocha da discérdia em sua pitria. Foram os teblogos que a trouxeram, comegando com a ambigao de chefiar seitas e logo passandé a ambicionar aches de Partidos. Que digo! Todos os livros dos fil6sofos modernos, ajuntados, nunca fardo tanto barulho como fez outrora a simples disputa dos franciscanos sobre o formato de sua manga ¢ de seu | capuz. CRSIBIBLIC ECA CENTRAL ~ COPIA NOS TERMOS: DA LE1’3.610/1998 E LE! 10.695/200 aa] PUCRS/BIBLIOTECA CENTRAL ~ COPIA NOS TERMOS DA LEI 9.610/19 Ateu, Ateismo I Noutros tempos, qualquer pessoa que fosse detentora de um segredo numa arte, corria logo Petigo de ser tomada por feiticeiro; qualquer seita nova era logo acusada de imolar criancinhas ' SeUs sacrificios e atos de Culto; € 0 filésofo que se afastasse da terminologia da escola era acu- ateismo pelos fandticos ¢ pelos velhacos, e condenado pelos idiotas, Anaxagoras atreve-se a afirmar que o Sol nao era 885 chamam-the ateu e é obtigado a dar s de vila-diogo. - Arist6teles & acusado de atelsmo por um sacerdote; ee ‘se para Calcis, guiado por Apolo montado numa quadri- como nio pode mandar punir 0 acusa- ‘Mas a morte de Sécrates € decerto ainda o caso mais odioso da historia cena tist6fanes (esse homem que os comentadore: esquecer-se de que Sécrates era grego tambér ‘ienses a considerarem Sécrates um ateu. Esse poeta cémico, que no é cémico nem Poeta, entre nbs nao Ihe teriam consentido que fzesse representar as suas farsas farsalhonas ne fire de Sin Lourengo; a mim se me afigura ainda mais vil'e mais desprezivel do que o descreve Plutarco. Eis o que diz o sabio Plutarco deste tudo: «4 linguagem de Arist6fanes tresanda ao seu miseravel charlatanismo: nunca se ouviram Bracolas tio baixas e tio Tepugnantes; nem a propria ralé lhe acha graga c torna-se verdadeira- pent® insuportivel para as pessoas dé senso e honra; a sua arrogancia nie ne pode tolerar e as Pessoas de bem detestam a sua evidente malevoléncia”, Eis ai, diga-se de passagem, o Tabarin que a Sra. Dacier, admiradora de Socrates, ousa rar: este o homem que preparou antecipadamsnte o veneno com que os infames juizes fize- Tam morrer o homem mais virtuoso da Gréci Os tintureiros, os sapateiros ¢ as costureiras de Atenas aplaudiram uma farsa em que Sécra- te, tbareeia, suspenso no ar dentro dum eesto, proclamando que Dew axe existe e gabando-se de t#t Foubado uma ténica quando ensinava filosofia. Um povo inteiro, cujo governo corrupto auto- civ# to infames licengas, merecia com toda a justiga 0 que the aconteceu depois: tornar-se *scravo dos romanos e sé-lo hoje ainda dos turcos. Passemos em branco o periodo que medeia entre-a repiblica romana ¢ nbs. Muito mais sensatos que os gregos, © mesmo nfo aconteceu com o: 's tanto admiram s6 porque era grego, pare- im), Arist6fanes foi o primeiro que levou os ate- Os romanos, ‘nunca perseguiram nenhum filésofo por causa das suas idéias, J 8 povos birbaros que sucederam ao império romano. Mal 0 auurtador Frederico II tem querelas com os papas, logo o acusam de ser ateae tanlron de anc do livro dos Trés Impostores, de parceria com 0 seu chanceler de Vinéis, O nosso grande chanceler de L’Hospital afirma-se contrario as Perseguigées: imediatamente € acusado de ateismo, “Homo doctus sede verus atheus”,” ‘Um jesuita, tio abaixo de Aristéfanes como Aristéfanes esta abaixo de Homero, um pobre pateta cujo nome se torou ridiculo até entre °8 prOprios fandticos, o jesuita Garasse, para falar sem papas na lingua, em todo o lado descobre atetstas; pois & assim que apelida todos quantos sio alvo do seu deseabelats furor. Chama ateista 4 Théodore de Béze; foi ele, também, que induziu o pablico em erro a Tespeito de Vanin O desgragado fim de Vanini nao nos impressiona nem indigna tanto como o de Sécrates, ” Commentarium rerum Gallicarum, Liv. XVII (N. do A) A tradugfio da frase citada é; “Homem sibio mas verdadeiro ateu”. (N. do E.) E LEI 10.695/2003 DICIONARIO FILOSOFICO 109 Porque Vanini no passava de um pedante estrangeiro sem mérito nenhum; mas Vanini nao era nada um ateu, como se tentou fazer crer; era justamente 0 oposto disso. Era um pobre padre napolitano, pregador e teblogo de seu oficio, discutindo até o absurdo sobre as esséncias ¢ sobre os universais, “et utrum chimaera bombinans in vacuo possit comedere secundas intentiones”.® De resto, nfo tinha a menor queda para o ateismo. A sua nogao de Deus & teologia da mais si mais acatada, “Deus é seu principio e seu fim, pai de um e de outro e no tendo necessidade nem dum nem doutro; eterno sem estar no tempo, em toda a parte presente sem estar em parte alguma, O passado eo futuro niio contam para ele; est em todo o lado ¢ fora de tudo, governando tudo e tendo criado tudo, imutavel, infinito, sem partes; o seu poder é a sua von- tade, etc.” Vanini entusiasmava-se ao rubro em renovar aquela bela idéia de Platio, perfilhada por Averrois, de que Deus criara uma cadeia de seres, desde o mais pequeno ao maior, cujo iiltimo elo esta ligado ao seu trono eternal; idéia, com efeito, mais sublime que verdadeira, mas que esta tio distante do atefsmo como o ser do nada. Viajou muito, para fazer fortuna ¢ para polemicar: infelizmente, a polémica esté no caminho ‘posto ao da fortuna; criam-se tantos inimigos irreconcilidveis como se encontram sabios ou pedantes com quem disputar. E nao foi a origem da infeliz sorte de Vanini; o feitio impetuoso e a sua grosseria nas controvérsias valeram-lhe o édio de alguns tedlogos; ¢ porque tivesse tido uma querela contra um tal Francon, ou Franconi, esse Francon, amigo dos inimigos dele, nao tardou em acusé-lo de ser ateu de propagar o atefsmo. ; Esse Francon ou Franconi, auxiliado por varias testemunhas, teve a ferocidade de, numa acareagao com Vanini, sustentar 0 que anteriormente afirmara. No banco dos réus, Vanini, inter- rogado sobre o que pensava da existéncia de Deus, respondeu que adorava como a Igreja um ‘Deus em trés pessoas. E tendo apanhado uma palha do chao, acrescentou: “Basta esta simples palhinha para nos provar que ha um criador”. Entio embrenhou-se numa formosa discursata, acerca da vegetagiio e do movimento, ¢ ainda sobre a necessidade de um ser supremo sem o qual no haveria movimento nem vegetagio. O presidente Grammont, que nessa altura estava em Tolosa, transcreve essa arenga na sua Histéria de Franga, hoje tio esquecida; ¢ é 0 dito Grammont quem, por um preconceito dispara- tado, pretende que Vanini dizia tudo aquilo mais por vaidade ou medo do que por fntima convicgao, Em que base podera fundar-se este juizo temerario ¢ cruel do presidente Grammont? Pelas espostas que deu, € evidente que Vanini devia ser absolvido da acusagio de atefsmo. Qu - deu, entio? O desditoso padre estrangeiro era também um curioso por assuntos de medicina e foi dar em casa dele um grande sapo, que conservava vivo num vaso cheio de Agua; foi suficiente para o acusarem de feitigaria. Afirmou-se que o sapo era o deus que ele adorava; atribufram um sentido impio a varios passos dos seus livros, o que é coisa muito facil e muito comum, tomando as objegdes como respostas, interpretando malevolamente alguma frase mais ambigua, envene- nando uma expresso. Finalmente, a facg&o que o atacava conseguiu arrancar dos juizes a sen- tenga que condenou A morte o infeliz. ‘i Para justificarem essa morte, acusaram o desgragado de tudo quanto ha de mais horroroso. O minimo ¢ menos que minimo®, o insignificantissimo Mersenne, levou 0 despautério a imprimir que Vanini safra de Népoles com doze dos seus apdstolos para converter todos os povos ao atefs- ‘mo. Que lastima! Como podia um miserando padre manter ao seu servigo doze homens ¢ pagar- Ihes de sua bolsa? Como teria conseguido convencer doze napolitanos a viajarem com grandes despesas, para propagar por toda a parte, em risco das proprias vidas, aquela abominavel ¢ revol- tante doutrina? Um rei seria suficientemente poderoso para pagar a doze pregadores do ateismo? Ninguém, antes do padre Mersenne, ousara aventar atoarda tdo absurda, Mas, depois, muitos a repetiram, uma e mais vezes; encheram com ela os jornais, os dicionérios hist6ricos; 0 vulgo, que * “Se uma quimera sussurrando no vitcuo pode comer segundas intengSes.”(N.doE.) * Trocadilho entre minimo; frade da Ordem de Sio Francisco de Paula, ¢ 0 adjetivo minimo, forma irregu- lar do superlativo absoluto simples de pequeno, (N. dos.) PUCRSIBIBLIOTECA CENTRAL - COPIA NOS TERMOS DA EI 10.695/2003. 110 VOLTAIRE aprecia as coisas extravagantes, acreditou sem mais delongas, sem pensar um s6 momento naque- EB EE nos Pensamentos Diversos, fala de Vanini como se este fora um ateu: serve-se do seii exemplo para sustentar 0 paradoxo de que uma sociedade de ateus pode subsiti; garante que Vanini era um homem de costumes muito morigerados e que foi um mértir das suas idéias filosbficas. Engana-se redondamente nos dois pontos. E o padre Vanini em pessoa quem nos clucida, nos seus Didlogos, feitos & maneira dos de Erasmo, que tivera uma amante chamada Isabelle. Era uma criatura tio livre no que escrevia como na sua conduta; mas néo era um ateu. ‘Um século depois da sua morte, 0 sabio La Croze ¢ aquele que tomou 0 nome de Philaléte quiseram reabilité-lo, prestando-Ihe justiga; mas, como ninguém se interessa com a meméria de um infeliz napolitano, péssimo autor ainda por cima, quase ninguém Iétais apologias. O jesuita Hardouin, mais sabichéo que Garasse, mas nio menos atrevido ¢ impudente, no livro intitulado Athei Detecti, acusa de ateismo os Descartes, os Arnauld, os Pascal, os Nicole, os Malebranche: felizmente nenhum deles sofreu o destino de Vanini. De todos estes fatos passo para o problema de moral levantado por Bayle, a saber: se pode- ria subsistir uma soctedade de ateus. A propésito deste artigo, anotemos, para comegar, como os homens se contradizem no ardor da polémica: os que protestaram com mais furor contra a opi- nifo de Bayle, aqueles que Ihe negaram da mais injuriosa maneira a possibilidade de existir uma sociedade de ateus, foram precisamente os mesmos que a seguir afirmaram, e com igual intrepi- dez, que o ateismo é a religido do governo da China. Enganaram-se por certo bem enganados acerca do governo chinés; bastava que lessem os éditos dos imperadores desse vasto pais, logo teriam percebido que tais éditos sio sermdes ¢ que constantemente ali se faz referéncia ao Ser Supremo, que tudo governa, tudo castiga e premia. Mas, ao mesmo tempo, ndo menos se enganaram acerca de uma sociedade de ateus; e nio percebo como Bayle péde esquecer um exemplo assim to frisante que teria podido dar a vitéria sua causa. Por que razao sera imposs{vel uma sociedade de ateus? Porque se considera que homens sem freio nunca poderiam fazer vida coletiva — viver junto’; que as leis nada podem contra os crimes secretos — ocultos; que faz falta um Deus justiceiro que castigue, neste mundo ou no outro, os malvados que conseguiram ludibriar a justia humana. E certo que as leis de Moisés nao falavam de uma vida futura, nao ameagavam com castigos depois da morte, em nada inculcavam aos primeiros primitivos judeus a crenga na imortalidade da alma; mas os judeus, longe de serem ateus, longe de acreditarem que podiam esquivar-se a vin- ganga divina, eram os mais religiosos de todos os homens, Nao somente criam na existéncia de um Deus eterno como acreditavam que estava sempre presente entre eles; tremiam perante a hip6- tese de serem punidos nas suas pessoas, ou nas pessoas das mulheres, dos filhos, de em toda a sua posteridade até a quarta geragao: ora, esse era jé um freio muito poderoso. Mas entre os gentios varias seitas nao tinham freio algum: os céticos duvidavam de tudo; os académicos'® adiavam o seu jutzo a respeito de tudo; os epicuristas estavam persuadidos de que a Divindade nao podia ingerir-se nos assuntos dos homens e bem no intimo nao admitiam nenhu- ma divindade, Estavam conyencidos de que a alma nao é uma substancia, mas sim uma faculdade que nasce e morre com o corpo; por conseguinte, no conheciam outro jugo que no fosse o da moral ¢ da honra, Os senadores ¢ os cavaleiros romanos eram auténticos ateus, porque os deuses nao existiam para homens que deles jé nada receavam nem desejavam. No tempo de César e de Cicero, o Senado romano era, na realidade, uma assembiéia de ateus. O grande orador, na sua alocugao a favor de Cluentius, declarou perante o Senado: “Que mal the faz a morte? Rejeitamos todas essas lendas ineptas que falam nos infernos: portanto, 0 que é que a morte lhe roubou? Nada, exceto o sentimento das dores”. César, o amigo de Catilina, querendo salvar a vida deste contra o dito Cicero, alega as seguintes objegdes: que de modo algum se castiga um criminoso condenando-o A morte; que a morte ndo & nada, que é, simplesmente, 0 termo dos nossos males e que é um momento mais feliz '° Académicos, sectirios da escola de Plato. (N. dos T.) DICIONARIO FILOSOFICO Mt que fatal. E Cicero ¢ com ele 0 Senado inteiro nao se rendem a estas razées? E certo que os vence- dores os legisladores do universo conhecido de entio formavam visivelmente uma sociedade de homens que em nada se arreceavam dos deuses, que eram auténticos ateus. Bayle em seguida examina se a idolatria mais perigosa que o ateismo; se ser maior crime ndo acreditar na Divindade ou ter a respeito dela opinides indignas: neste ponto esta de acordo com Plutarco; acho que mais vale nao ter opiniéio nenhuma a ter uma opiniao mé; mas, apesar do que afirma Plutarco, é ébvio que valia infinitamente mais para os gregos temerem a Ceres, Netu- no ou Japiter, que niio terem medo de nada. Torna-se claro como Agua que é indispensdvel a santi- dade dos juramentos e que de preferéncia devemos fiar-nos naqueles que pensam que um falso juramento serd castigado, nfio naqueles que pensam que o podem fazer impunemente, E indubi- tavel que numa cidade civilizada é infinitamente mais ttil haver uma religido, por mA que seja, a nao hayer nenhuma, Parece, portanto, que Bayle devia primeiro examinar qual era mais perigoso, se 0 fanatismo ou 0 ateismo. O fanatismo é, decerto, mil vezes mais funesto; porque o atefsmo nunca inspira pai x6es sanguindrias, mas o fanatismo sim; o ateismo nao se opSe aos crimes, mas o fanatismo leva” a praticé-los. Suponhamos, como o autor do Commentarium Rerum Gallicarum, que o chanceler de L’Hospital fosse ateu; mas s6 lhe devemos leis sensatas e prudentes e s6 0 vimos recomendar a moderagio ¢ a concérdia; ora, os fandticos cometeram os massacres da noite de Sio Bartolo- meu. Hobbes foi tido por ateu; viveu vida trangiila e inocente; mas os fandticos do seu tempo inundaram de sangue a Inglaterra, a Escécia ¢ a Irlanda. Spinoza nao s6 de certeza era ateu mas até pregou o atefsmo: 0 que também é.garantido é que néo participou no assassinato juridico de Bameveldt; nem foi ele que esquartejou os dois irmios de Vitt e que os comeu assados na grelha. Na sua maioria os ateus sio sabios audaciosos e desgarrados que raciocinam erradamente € que, néo podendo compreender a criagio, a origem do mal e outras dificuldades, fecorreram hipbtese da eternidade das coisas e da necessidade. Os ambiciosos, os voluptuosos nem sequer tém tempo de raciocinar e perfilhar um mau siste- ‘ma; tém mais que fazer que comparar Lucrécio a Sécrates. Entre nds, é 0 que se verifica. ‘Mas jé assim nao era no Senado de Roma, quase todo constituido por ateus, ateus na teoria € na pratica, isto @, que nfo acreditavam na Providéncia nem numa vida futura; esse Senado era uma assembléia de fildsofos, de voluptuosos ¢ ambiciosos, muito perigosos todos e tanto assim que acabaram por dar com a RepSiblica em pantanas. O epicurismo subsistiu sob o jugo dos impe- adores, ¢ os ateus do Senado, que tinham sido uns facciosos e indomaveis nos tempos de Sila ¢ de César, sob Augusto e Tibério foram ateus escravos. Nao desejaria mesmo nada ter uma demanda com um principe ateu, que julgasse ser de seu interesse mandar-me pisar num almofariz: estou convencido que o faria e eu ficaria esmagado, Nao desejaria, se fosse en 0 soberano, ter que- silias com cortesbes ateus, cujo interesse fosse envenenarem-me: ver-me-ia obrigado a beber anti- dotos ao acaso todos os dias. £ pois em absoluto necessArio, para os governantes como para os povos, que esteja profundamente gravada nos espiritos a idéia de um Ser supremo, criador, que premia e castiga. Ha povos ateus, diz Bayle, nos Pensamentos sobre os Cometas. Os caftes, os hotentotes, 0§ topinambus e muitos outros povos pequenos no conhecem Deus: nem o negam nem o afirmam; nunca ouviram falar nisso. Se thes disserem que hé um Deus, facilmente acreditam; digam-Ihes que tudo se faz pela’natureza das coisas, ¢ acreditam-vos também, Pretender que so ateus vale ‘© mesmo que dizer que so anticartesianos; ora, nfo so a favor ou contra Descartes. Sao autén- ticas criancas; e uma crianga nio é ateu nem deista, nao é nada. "* Que conclusio devemos tirar de tudo isto? Que o ateismo é coisa monstruosa ¢ mui perni- ciosa naqueles que governam; que também o é nos homens da corte (ainda que levem uma vida inocente), porque dos seus gabinetes e altos postos podem furar até os que detém o mando e influencié-los; que, embora nio to funesto como o fanatismo, é quase sempre fatal para a virtu- de, Acrescente-se, principalmente, que hé hoje menos ateus do que nunea, desde que os filésofos * Parece que as criangas sio politestas ¢ fetichistas. Nenhum dos psioblogos que as estudaram (Prayer, Binet, Wallon) admitiria que em matéria religiosa a crianga no é nada, (Nota de Jullien Benda.)

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