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MOCAMBIQUE: ISLAO E CULTURA TRADICIONAL Feuzaroo Bourne! Existe um Isléo negro, nfo cismatico,integrado na Linma* global, adaptado as culturas africanas e &s mentalidades de cada momento historico. O Islao afsicano ancora-se nas estruturas da vida colectiva, impregnando as préticassociais do dia-2 dia, medificando antigas formas de vida, criando novas vivencias em conformidade ‘com os preceitos islamicos? Areligido islfmica existe hé longo tempo em Africa. Aislamizagio da Africa do Sul do Sahara fez-se em dois momentos. Primeizo, quando o Império abéssida, a partir do século VIN, procurou na Africa Oriental a mao-de-obra para as planlacbes do lraque. Estes trabalhadores, que tinham oestatuto de escravos, teriam o direito a ‘emancipacio se se convertessem ao Iso. A islamizagao da Africa Centrale Ocidental ‘corre mais tarde, entre os séculos XIe XV" (0 Isao ests em fraca expansdo hoje na Africa bantae em Mogambique, Dado que a maior parte dos mogambicanos se revé na cultura banta, para se entender melhor o sucesso do Islf0 no seu seio, vou primeiro abordar areligiosidade do homem banto, Em seguida os factores que facilitaram a expanséo do Islao na Aftica banta, Finalmente, abordareio Islo mogambicano no tempo colonial eapés a independéncia do pats. "Canto de studs Afianos U.P 2 Allnmis 63 Comunidade 2S BALTA, Poul (95) ~ Llano don mands Pais: Le Monde Editions ig, 252 “Tem, pag. 25. Fema Boe ue = = I-A religiosidade do homem banto Um dos fenémenos em que esta patente o carécter colectivista dos Bantos & 0 religioso. A religiso perpassa por todas as instituigdesafricanas, incluindo as politica, For isso, afirma Claude Wauthier que “as instituicdes politicas africanas esto impregnadas de misticismo religioso: 0 soberano é também, amaior parte das vezes, sumo sacerdote, e as familias so associacées rituals"? Mas alo é corzecto pensar ‘que ore, pelo facto de sero supremo chefe do ritual, ochefe do executivo,o chefe do ‘xérito, acumula cangos diversos e separados;existeapenas um tinico cargo integrado, de rei, que contém varias fungbes,incluindo a fungio religiosa.’ Quando o chefe de familia dirige as ceriménias rligiosas,f-lo na sua qualidade de chefe de familia ¢ ro de sacerdote. Naesmagadora maioria das sociedadles bantas existe crenga num Deus supremo, mas distante, que ndo se ocupa da vida quotidiana das pessoas. Raramente essa Divindade recebe culto directo; este éIhe dirigido através das divindades secundéias fe dos ancestros familiares.” Sem querermos comparar, porque as situagdes sie realmente distintas écurioso verificar que os Catélicos tm tambémn uma hierarquia ‘nas relagdes com Deus, onde se prefiguram a Virgem Maria, 08 arcanjos, 0s anjos, 08 santos € 0s beatos, como intermedifios nas stiplicas ao Omnipotente. Mesmo no Antigo Testamento, perante a transcendéncia divina, os homens, na sua pequenez, cestavam proibidos de se aproximar demasiado perto de Deus. Veja-sea recomendacio {feita a Moisés no monte Sinal: “O Senhor disse-lhe: «Desce e probe terminantemente ‘© povo que ultrapasse os limites fixados pata se aproximar do Senhor e vé-Lo, pois ‘morroriam em grande namero>” * (Os Banios, eximios ecéleresna criag8o deimagens, dante da transcendéncia de Deus no ousam criar nema figura para O representar. © Deus dos Bantos é um Deus que mio foi criado, ¢ detent de grande sabedoria e meios de actuagSo sem limite” E um Deus dinamico, porque maxcadamente césmico. No entanto, como jt foi referido, sio as divindades secundérias ¢ os ancestros que recebem 0s cults. Aquelas, representadas por estatuéria e retratos pintados sobre os muros, sio atribuidas fungbes protectoras nos mais variados aspectos da actividade humana, ‘mas protegem criangas,outras colheltas, outras enviam chuva,outras aula a fecundar uma mulher estéri. Enfim, onforme anecessidade, a divindade adequada. * WAUTHIER Claude 1986) - Ain delas ins Janene agri, Madi Ba. Tens ‘RADCLIFFE -BROWN, (951 Ak, Prison FORIES, M, ¢ EVANSPRICHARD, IF, - Somes soa: FundagioCalouse Gulbenkian, 20. ‘THOLAS,B, (960) - Lue Nate Pats: Blond et Gay, p18, * Brod, 18,21. "HOLAS, 8. Ga Git pal "ur Se quisermos recorrer novamente & angeologia e A hagiografia do mundo ocicental, podemos verifiear que ao anjo Gabriel competem as fungoes de enviacio ‘especial para misses importantes™, aS. Pedro as de abrir as portas celestes, ete (Os ancestros so, na tradigéo africana, 0s que passaram aos descendentes ofacho recebido do “Espirito da terra”, mas que continuam “vivos” na comunidade. Nos momentos mais importantes da vida comunitéria, como casamentos, viagem Jongingua, héceriménia religiosa presidida pelo chefe da famslia ouna auséncia por quem se lhe segue na hicrarquia, conforme o sistema em vigor'® Em casos de doenga, ou em outras situagées dificeis da vida, celebrante dos rtos & um individuo que se designa nhanga,e que além de “sacerdote” é também curandeiro e adivinho. Ndo ha aquinenhuma acumulagio de fungées; omhanga, como tal, exerce-as depleno dircto, F adivinho,® porque precisa de conhecer as origens dos males para os curar. £ “sacerdote”, porque se os remédios tradicionais no forem suficientemente eficazes, tem de levantar pzeces 20s poderesintermédios para que venham em socorro das pessoas necessitadas. de realear o papel desempenhado pelos espritos dos mortos, que encontrando-se jé na outra margem ainda “interferem na existéncia dos que, ficando no mundo tangivel, os respeitam, amam, com eles se identificam, mas os temem também’. _Muatis Mutandis, este comportamento religioso aqui referido vigora entre muitas etnias bantas. As pessoas sentem uma grande seguranca interior, porque em sintonia com a tradicio encontram um equilfbrio que néo existe fora do quadro herdado dos ° “Ao onto mds ano Gabriel fo enviado por Deus «una dade da Gaieln chamada Nezaré 2 ‘uma vege despomda cam um homer chamado Jos, da css de David eo nome da vrgem er Mata. [Ao entrar na cm del, 9 ajo das neo) lsd concer nate sige dar 2 uz ut fhe, 90 gal jordeo nome dejerune Vase Evangel Segundo S. ics 7.2631 1 SDaets ar chaves do eno doe obs ea quanto iares na tera ead igado ns cus, etudo quanta deslignesa teaser desgado orcas” Veo Evangel Segundo S Malus, Capl6,verscuo © Ent ou Changanas, ov antepstados sto equentementerecorddos- Fm encntrosoneselngam ‘bids ledles, as primchrae gota so erpalhadas pelo chlo wn Romenagem aes anepassndon. FS ‘etnbesem que dar de beber sos anispscadon server Ge formals espe A io chara“. posta * © adivino posi diversas pas de formato diferente, etagos, gue Inga para ocho, como dados, Ea posta de pages que inforns”o advo daqullo que et om sua. Eee exp a0 cents ‘Suu susp, enguano faz toate degen ao momento. ‘Scbrecie mnuno,vejse tne o que dl A Ria Frees “Fo nese eriscada existe dos thane om sau Irene angustater Incercras uaa sp rucato ea ul, ue conduit 20 ‘esenivimento de um spur «complex, mat prtco e poral, metodo deadlvinhago Destado no lancamentedegeandes Conus stdlogoee ute deepoje possindosgrfcaioespeciBa"-Van se FERREIRA. Rib- Ellie Pr Colma de Sudo Tnaia de Sh Lsbo: Centro de Estudos isco Ultramarine 6s Junta de invesgagiea Cenc do Ultamae, 938 "MONTEIRO, Fernando Amaro (950) -Q isla. o Fir 2 Guar (cmos 19681878, Porto: UnivereldadePortcalence, pa. 8 ancestros.£ por isso que encontramos muitos catélicos bantos que aos domingos vio A missa, mas nos momentos mais importantes da sua vida recorrem aos ritos tradicionais, contratiando deste modo as orientagées dos missionérios, (Os Bantos, além de lembrarem os antepassades, prestam culto, como vimos, as divindades;entidades que, ciosas das suas prezrogativas, nio dispensam os sacificios dos seus igi, Por vezes em vez do sangue espalhadonoaltar em honra das divindades ‘fo 0s animais que as simbolizam que recobem as ofertas. E assim que, crocodiles, peixes e, na rogido do Chade, também ledes, so destinatérios de parte de alimentos vitals. As divindades néo gostam de ser contrariadas, tim ciimes umas das outras, centram em querelas, provocando &s vezes cataclismos, sem que os homens tenham culpa, Tal como noutros aspectos da sociedade banta, as forgas sobrenaturais esto também hierarquizadas. A genealogia, a antiguidade, o temperamento, as aptides técnicas, a extensio do dominio operacional constituem ertécios para hierarquizar as forgas supetiores ao homem.**Segundo B. Holas, constituirse-ia do seguinte modo escala hierdequica, por ordem crescente: os ancestros do grupo familiar, que distcibuem energia vital e slo intermediérios junto aos deuses; diversas energias perverticas de origem humana; as emanagées da natureza, meio mitolégicas, meio- ivinas e as criag6es antropomnérficas ou teomérficas do espitito; as divindades menores cujo principal campo de acgio é a adivinhagio; os grandes deuses, secundirios, directores das principais secg6es do universo; por fim, Deus Supremo, dlistante, original, ltima instincia, que s6 excepcionalmente beneticia de ritos de cult” Perante os mistérios da vida, todas as sociedades criaram as suas religibes. As sociedades bantas néo so excepcio. Embora o seu sistema religioso seja aparente- _mente incoerente para um observador extemo, ele é no entanto, um dos pilares da vida social. O Banto vive o seu mundo religioso, que é 0 seu mundo social. Néo se compreenderé a sua politica tradicional, se primeizo nfo se entender a religifo tradicional. Dentro deste imbito é de referira sociedade banta a eitcaria, que persiste ‘com bastante forca. Hé autores desatentos, que no compreenciem bem o fenémen. ‘Um vigjante do século XVI, L. Degranpré, oficial da Armada Francesa, contava que “os naturais da Costa d’Africa, deste 0 Cabo de Lopes Gongalo até ao da Boa ° HOLAS,B.-Op. Cit ps, er ibe. Idem -Op.6. p23. ocman io cara OCON = | 11 speranca, so idolatras (.). Os Congos usam de idolos grandes, e pequenas; estes so génios, ou fetiches de 3 até 6 polegadas, imumersveis, e correspondentes a0 uso das cousas do mundo." Realmente nfo hé nenhuma idolatria, porque os Bantos go adoram as imagens, Fosse qual fosse a imagem que os fetigos tomassem, no hnavia adoracio. Nem hé hoje, apesar de a idela atris transcrita ter-se espalhado vigorar ainda em muitas mentes, Podemos dizer que, em tragos gerais,afetigaria € a prtica do mal por alguém {que invoca para si este poder, através de instrumentos préprios, com o objective de Prejudicar um inimigo. Ofeitigonao se confunde com o amulelo, um elemento formal com um valor préprio; “o valor do fetigo vern do espirito que o habita”.™ Para a prtica de feitigas, que se pode materializar por meio de galinhas sacrificadas ou ppedacos de carne animal ou mesmo humana, recorre-se a especialistas, como também ‘3 especialisias se corre para a defesa contra a fetigaria, Neste dltimo caso, s50 08 ccurandeiros os especialistas, que usam a arte da adivinhagio e as ervas medicinais. ‘Ao longo da Histéra, a broxara ea feitgaria tém germinado e espalharam-se ‘pelos vitios continentes. Na Buropa, por exemplo, quantas bruxas efeticeiros nao foram torturados, deportados, e mesmo queimades vivos. Ruy d’Abreu Torres dé -nos conta da seacgo da Igreja Catoica e do poder civil perante o ineremento da fetigasia nose. XVI. Os dois poderesconjugavam esforzos para punir 03 feiticeirs, conforme gravidade dos actos “com a morte, com a marca do fogo na face, com 0 degredo perpétuo paraaitha deS. Tomé, com os agoites (para.os pedes), ous degredo por dois anos para a Africa (para vassalos, escudeiros ou mulheres destes)”* A Africa nfo foi excepto a0 alastramento deste fenémeno, Nos limos anos, a imprensa tem relatado confissdes de acts ant-sociais praticados (ou supostamente praticados) por bruxas, como abrir sepulturas para comer came humana de bebés. 4 poucos anos, a imprensa deu-nos conhecimento de um relatério surpreendente divulgadona Aftica do Sul que “revela que centenas de pessoas tém sidoassassinadas por suspeita de feiticaria. Muitas foram queimadas vivas ou mortas por multiddes tem ria", De acordo coma Comisséo sobre Broxaria cRituaisde Violéncia da Aftica do Sul, entre Abril de 1994 e Abril de 1995 foram mortas 277 pessoas acusadas de pritica de feitigara. A acusagdo ocorre normalmente quando pessoas slo atingidas por raios, embora existam motivas como invejase outros de carécter pessoal.” Linton rcen Ansys terri, Vinge. #12. » SANTOS, Ehuarlodoe- Que pi. » TORRES, Ruy Abreu (98) Elian SERRAO, Jot (re), Disa de tra de Portus Ponto: Livaria Figuerinhs, vel I p42 Die de Nata, (1988) 15 de Agosto. * dan, biden 120 Na realidade africana © mal esta representado pela feitigaria, a que & preciso responder recorrendo & ajuda amiga dos poderes sobrenaturais. Mas, a0 mesmo tempo, ela pode ser um instrumento de vinganca dos antepassados, caso os membros do eld no trilhem os caminhos que a moral tradicional impée. Se Diabo é para o mundo ocidental, imbuido do Cristianismo, a personificagio domal#ofeiticeiro épara os Bantos omal por exceléncia. Mal queé preciso erradiear para que haja equilibrio moral. adh Factores que facilitaram a expansio do Islao na Africa anta neste quado religion que oslo tem condigGes parase expandis Globalments, pode falar co sucesso da expansto do Isltocm Africa, As caraceristicas doutrinais do Islemismo encontzaram fio terreno afrcano no sentido do acolhimento dos ensinamentos do Alcorao eda "Sunna”(Tradgto), Com eftito, esirutura em que se ancora 0 Islho é maleével; a intransigéneia doutrinal, excepto em aspectos fundamentnisomo omonateismo,¢outos poucos mais esta arredada da a pits, Diznos por isso E Amaro Monteiro que “o expansionismo islaico(.) bnefcion, por ode a parte aliés, da naturezae caracterstica do Direito que osuportou ou nee fe enriqueceu como realdade global. A plasticidade do Islao tomo sistema calfural eral assentou muito em fontesexseniais do rexpectivo Direito, como = “Sunn” {radigt), 0 “Ciyas” Uelgamento Analgca) eo “ma” (Consenso Comunitiric), voltadas para incorporagio epara a coesio socal”¥O Direitoislamico, pasando Sociedade religiosa civil também) eat conforme o sentiment banto, que nfo ve 2 realidade fracionada, mas a encara de um modo global, No Isiamismo, alguns chefes tradcionas, como os dos Yao de Mogambique, conseguiram transfert para © [mbite da “Umma” (Comunidade), e conserva, «fungio religioea que antes nha nas cerimonias radicionais* Outros factores, hou que faciliinram o alastramento do sito na Africa a0 Sul do Sahara Jost Jo Gongalvesenumera os seguintes, ent outros>* ® Oates gee Cie, (199) ctandoo Bvangetho Segundo Joo, da“e Diab perador ead 0 pnp 1a. 38) spat da mentzne fe 844) Voss Catecsme dais Catlen. Coimbrs ‘Gefen Se Coimbra, 92. 2 Ide Ct pa ® AMARAL, Munuel Gam (1980) -O-pam Yn Subili nn. sta eum poe do Nowe de MocauiuzLisbos: Ministre do Planaumentoe Adminisagio do Terri, Seczetaia de Estado da ‘Glens e Teno, Instat de Invetigagio Cheatin Topi, 9.382 "SGONCALVES, Jose Julio (1958) © ha r= lems pera Lishos: Cero de ‘Estudos Potties e Soci da Jura de Invesugagtes do Ulvamar, Minstéio do Ultamas Estudes de Clincias Police Soca m0, 7.67 068 opumqus sac cana ran, : : qa 2) A criagio de centros de difusio do Islao. Na verdade, além dos Estados inradiadores releridos, otras insttuighes de pestigio rugulmanas germinaram em Nairobi, Dakar, Zanzibar e DarEs-Salam. As elites aqui formadas difundizam zelosamente 0 Alcordo pelas sociedades negras; ») A coincidéncia ce algumas instiuictes muculmanas com certas institutes ‘hantas tradicionais. Podem zeferir-se algumas sociedades secretas bantas que encontram correspondéncia no Islio nas confrarias de cunko preponderanterente sigiloso, como as Qadiria,Tdjania e Ahmadia, na Atzica Ocidental” Pode reteri-se ‘apoligamia,frequerte em muita sociedad tradicionais bantas, omojé observémos. Defacto,0 Isao, tolera.apoligamia, fixando em quatro a miimero maximo de esposas legais desde que o homem consiga “manter a balanca da justia © equidade entxe todas as espasas”.# ) OAlcario come elemento unifcador ea sua inteligibilidade. O Alcorso, Livro sagrado dos Mugulmanos e sua primeira fonte de Direto, 6 um auténtico cédigo de ‘onduta.O Dieito Mugulmano, a Charis, “nora apenas tm cédigo legalncrmativo, mas também, nos seus aspectos sociopoliticos, um padrio de comportamento, um ideal pelo qual os homens e a saciedade se deviam pautax”.” Contém, em conse- quencia, o Alcorio normas inteligiveis. Alguns dogmas do Catolicismo, como 0 Mistéro da Santissima Trindade, Des Uno e simultaneamente Trino, néo tm aqui cabimento. Tudo é nteligivel porque deve orientar o homem na sua vida quotidiana, Tudo éintcigivel claro, al eomo acontece com as normas impostas pelassociedades bantas, Doutro modo, o seu curmprimento seca extremamente dificll Simbolos do Islamismo, como a sumptuéria de origem érabe, tomaram-no particularmente atraente. © segredo do sucesso do Isso sesidiu e reside na procura permanente da adaptagio & mentalidade e aos costumes dos povos a que se dirige. E uma religiso rmaledvele tolerant, desde que salvaguardada wma estrutura bisica e acossivel ‘A sua plasticidade aparece-nos em gerans gigantes se fizermos a comparaszo com o Catoicismo. Este manteve-se igual nas suas manifestagées, durante muito tempo, na Europa e na Africa, O Kyrie eo Te Deum laudamuscantavarse do mesmo odo ne Vaticano e em Mogambique; 0 dogma da Assungio de Nossa Senhora era apresentado com as mesmas roupagens em Lisboa ou na Belza. Ou sea, a greja Catéica manteve uma rgidez de processes e de posigSes que nao encontramos no 2 Idem «Op. p70 > MAMEDE, Suliman Valy (6/4) -O oe o ite Muclmana Lisbos Casha, p68 > LEWIS, Demard (1988) Os Aber Hit Lisbou a. Estanpa, edo, p52 ae Islamismo2 Muitos acabavam por optar pela religiso que mais passos dava na sua dleogso, na compreenséo do homem banto em toda a sua dimensi. Outro elemento que em comparagio com o Catolicismo pesou na expansio do Islao foi a natureza do agente de propaganda sobretudo: o homer nado ot fixado localmente de longa data, com familia constituida, dedicado parcial ou totalmente as mesmas actividades econémicas dos outros, e no 0 missionério celibatério ecarismatico oriundode outros continentes. Foi um factor de aproximacko, Ver pessoas ‘da mesma cor, que felam a mesma lingua, se inserem no mesmo nivel sociale tém os ‘mesmos habitos, a orientar 0 servigoreligioso contribuiu para tomar mais atractivo © fenémeno islimico. As religides cristis procuraram seguir o exemplo muito mais. tarde. Durante bastante tempo foram consideradas como religiées do Branco, em que toda a simbologia assentava nas éreas culturais daquele, Implaniado no terreno o Ilo afsieano procurou desenvolver uma influéncia, econémica e sociocultural ao se associando 20 poder colonizador, como ocorret com 0 Cristianismo. Afastado partida desses referenciais, por Gbviarazto, logrow. a simpatin dos autéctones, provocando surtos de converses, dada a similtude das bases religiosas esociais a erenea num Deus tinico que é 0 See Supzemo das crengas teadicionais bantas. O Deus do Islao é um Deus Czisdor. Criou os Céuse a Terra, 0 Ihomem, bem como os bens de que carece,o vestusrio, a habitaao esiquezas. Eu Deus inacessivel,insondlével epeceroso, mas queintervém em toda acbra" portato, dindmico eapelativo, Por outro lado, o Deus dos Bantos, Ser Supremo. é também uno, transcendente e invisivel. Vimos atras que os Negros no criaram representagSes de Deus; no 0 ‘izeram para fugir® idolatria, mas porque Deus é orga vital, dinamismo, caraceristicas no enquadravels no estaticismo de uma imagem. Deus é inacessivel, pelo que as preces que Lhe sio dirigidas chegam-Lhe por intermédio dos espiritos dos antepessados, Hmbora transcendente, tem sentimentos: ama e perdoa®. No Isléo, Jesus no tem uma dimensio divina, como reza a fé crist&. # apenas lum profeta, piedoso, abengoado por Deus, exemplo para os outros mortais. Embora ‘oslo reconhesa que Jesus nasceu sem pai humano™, nio admite que seja o Verbo Manuel Gaza Amara selonndo-se t transigtncis com alguns setumes, mais coeretament, 3 transigncia com a inwoeagio dos antpassados, alma ha obra Je clad ppina 3850 seine: “0 |slamlsmo tansige com estes costumer pouco orto como com muitos outs que casters sis, ‘ngquosndo pecan em madam etinca da down MONTEIRO, F Amaro 0 isle. a Pater ea Guzen pag, 15. 2 AMARAL Manvel Gata Qh Gipa 378 GASPAR Robert (19) Pores Batol Popo Socom, pg 112 ogee 0 € cura TOK LIK + 123 Divino, a Plavra pela qual Douscriou o mundo. apenas o Vezbo enquanto Palavra ensinada na recapitulagio do Pacto pré-tero Esta visio coranica de Deus atrai mais facilmente o homem banto (que aspira associar a0 Jesus do Isldo os seus ilustres antepassados) clo que a descrigdo cat6lica da Divindade, Por outxo lado, a0 conirtio da eviizagio ocidenal,alicegada no edifcio conceptual da Filosofia Grega edo Direto Romano ena separa dos dominios de Césare de Deus, a qual viria a degenerar numa separagio maniquesta do Espritval ¢ do Temporal a civilizagio banta tem doMundo eda Vida uma visio unitria,o que faclitouadifusdo do sido, quendo 6 apenas realidaderligiosa,mas também poten e social A visto anaitica do mundo ocidental¢ perceptive também aa concepez0 do hhomem. E curiso verifier que, pse embora a Tgreja Catlica ter ensinado, por infiuénca deS. Toms de Aquino, mado estenafilsofia goga (Pitégoras Piste Auisttles), que exita uma dalidade corpo/espirt, a radiglo semita vinha em sentido diver. A Biblia diz que “o Senhor Deus frmou o homem do p6da terrae insuflowthe peas narinasosopzo david, eohomem transformou-se num se vivo"™ O ser huinano é um todo unitirio, portant, Anténio Couto afiema que “a tradigfo bibl, hebraicaprimeio, rst depos, desconhece em absolut acancepgio de que ‘ohomem é um composto de corpo alma enquanto substancinsdstntas, no sentido «qe les dio, por exemplo, Plath, Platno e Descartes”. \Vimos anteriormente como no pensamento tradicional banto a auscultagio da vontade dos ancestros determina o comportamento dos individuos que, receosos de _punigdo, evitam transgredis as normas da sociedade, buscando sempre 0 equilibrio, ‘Ohomem é responsével pela harmonia do grupo eda sociedade. Por sua vez, oAlcors0 xesponsabiliza o individwo quanto a si mesmo, quanto 20 outro e quanto & lideranca do conjunto; responsabiliza a"Umuna” (Comunidade) pela harmonia que deve existir na ordem gobal*, Esta patente aqui a similitude na actuacio das instincias que perseguem o mesmo objective, a harmonia. Da coesto social cosntruida a partir da familia e doc, segundo a tradicio banta, a transposta para o palabre” ou “palavea” caminha-se sem grande esforgo para a nogio islimica ce Consenso Comunitario (ma). "Nas ociedades tradicionais bantas os mortos nfo sio identificados como pessoas, ‘mas como espiritos que, embora prolonguem a vida noutra dimensao nao perdem os S Genesis 2,7. = COUTO, Antéalo(1992)-© Corgan Tila In grea emistes. Cucjes EsoleTpogtice das Musas, jnaio Dezembro, pig ‘MONTEIRO, P Amaro» Opt p. 1 seus sentimentos nem as suas paix6es. Sao-hes devidas ceriménias rituais, que evidenciam a coesio social por exemplo quando 0 grupo, orando, procede a0 “enviamento” para outra morada; com as proces, “garante-se, perto de Deus, & acessibilidade de quem conserva as caracteristicas pessoaise oestatuto social da vida terrena, se compraz em ouvir dos humanos as noticias da comunidade, zecebe com snecessidadee prazeros alimentos da oferenda, mas detém, adquirida pela passage, estado de ancestro, a qualidade virtual e temivel de poder intermédio"”. Além de demonstragao caritativa, com a celebragao dos sacificios visa-se, em iltima andlise, ‘ comunhio com os antepassacios,intermediarios perante Deus. III-O Isléo em Mocambique 1. Tempo colonial Desc longinguos tempos que é vistvel acgio do Isto ne Norte de Mocambique. Os principais agentes da difusdo da religixo foram os comerciantes érabes easiaticos que, contactando com os aut6ctones, Ihestransmnitiam os ensinamentos do Alcorio. Este proselitismo no deixou de se intensificar, mesmo no tempo colonial. No sul do Save, menos islamizado, existe também uma forte propaganda junto dda populagio nativa mais instrufda; é Ihe explicada que certos costumes, como poligamia, no colidem com os preceitosislimicos.* Além da difusdo religiosa por via comercial, é de destacar também o papel das associagées. Em 1934, foi eriada a Assocagio Afio-Maomitana de Lourenca Maru, {ujos objectivos eram, entre outros, 03 seguintes: "1° Defender todos 0s prineipios do rito maometano, bem como (..) pedir As entidades superiores toda apratica de quaisquer actos em conformidade como mesmo sito; 2° Promover o desenvolvimento mora e intelectual dos seus associados; 3°Difundir ainstrugdo por meio deescolas, conferéncias, reunides e propaganda literdiae religiosa”.” Ainda no Sul, encontramos a Comunidade Mahometane Indiana, fundada em 1995, apelidada de Comunidade Paquistonesa, ap6s a invasto ce Goa pela Unio Indiana, «em 1961; a Associago AnnuarilIsslamo, uma associagao de mestigos indo-africans. dem 03.0. pis, SGONCALVES Jost jlo (958) © Munda isin eam prtgts isos: Estudos de ‘Cléncias Poltease Soca, n° 1p 228 idem. pi, 202 No Norte do Pas, nove confarias dominavam, nos nais da década de esserts, © panorama religioso; estavam divididas em dois grandes grupos; Shadhiliyya (Ciaxuri, Madhania,Iifaque) e Qadiriyya (Sadate, Bagdad, Jailane, Saliquina ¢ Macherepa) © ‘A-existencia destas miltiplas organizacdes, embora evidenciem a vontade de difundir cada vez mais Isiio,6 também sinal das divishes existentes em Mogambique: Na verdade, havia, na altura da independéncia, representando cerca de 15% da populagio, mais de um milhdo de mugulmanos, dividides por corzentes religiosas, classes sociais e cor. En primeiro lugar /Ad que distinguir um isléo africano e um iso de cari asitico, Este, xita (smaelita), 6costeiro e urbano, encontra-se no Sul, sobretudo nas cidades de Lourengo Marques e Inhambane. O primeito é prepon- erante no Norte, sobretudo entre Macuas e Ajaus; é dominado pelas confrarias Qadiriyya, Shadhiliyya e Rifiyya.® Nos finais da década de cinguenta aparecem novas correntes em Mocambique, nomeadamente a corrente wahabita, cujo cresci- ‘mento se toma visivel no Iskio de matriz asstica. © Govema portuguts ndo era favorével§ difusto do sito; o seu verdadero aliado ern Iga Catlica que inka omnis de colabornr na acgtocolonizadors.O Ministro das Colnias, Joio Belo, quando emi 1926 public, através do Decreto n° 12485 de 13 de Outubro, o Estatuto Orginico das Missbes Portuguesas de Africa © ‘Timor trac, de modo apidare crstalino, sem deixar mangem para dividas, oumo ue hide levar 0 processo de colonizato, Verse a temenda expressividade do artigo 21° docitado Deereto: “programa gers das missbes nacionas é sustenta os interesses do império colonial Portugues.) Fazem parte do programa: a) Aceducago e instrugio do native portugués homem e mulher dentro ou fora da colénia procurando aperfeigoé-lo pela morigeracio dos costumes, pelo abandono das suas superstisbes e selvajarias, pela elevagso moral e social da mulher e pela

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