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coLscAo COMUNICASRO cece nanenemwein ones SRE arene ere a omerescnartt — as tga oneoessomge emma een rate Asta s noernend erage ire uy ober Tae Canes * Qu re-create aC comungs, G 40 COMUNICAGAO UBIQUA Repercussées na cultura e na educacao Lucia Santaella Pauus Comyrght © Paulus 2012 Directo eitarial ClaudianoAvalina dos Santos Coordlenagi ealtoral: Vali xt da Casto [Assstente editorial locqusine Mendes Fontes Revistor hago A Dias de Oia Giese G5. Monts Dagramagio: Ava Lica Parfoncio Capa: Marce Campenhs Iinpressao e eeabamento: PAULUS ‘Dados internacionas de Catalogacao na Publica (CI?) (Camara Sasa do io, $e rea Sumario Sorvaeta Luda Comonlcscto ubiqu:repercustOes na cultura © ne educa Luce werRODUCAO. B Sonacta Sho Paulo: Pets, 2013. (Colegio comunicagae) ee ey 1. Hipexmoabilidade e ubiquidade desdobreda, 5 son 978-9526926978 2. sind corpse 16 Chvreutura > Cogniao 3, Comuniosoes dias internet Rede 3. comic alts eeauai. 8 dlecomoutadores ® Mie gas 6. Redes socio 7. Tecnologia Aainormasao comuntcacto Tule HS 1. OPOSHUMANO NA CONVIVENCIA COM AINTERNET DAS COIAS ou. 23 13.00502 c00:303.4993 1, shun sine ass 3 es 2. Nas enn ds Fa es ee 42, Conwersagbes das objetos com a internet e as pessoas. 30 1. Comunicagio ubiqua: Repercussdes na cultura e na educacéo: Comu- a = ih i 33 Ticoeo weenaogia 2084893, bara novaetl 7 a (2. AWEB EM PERSPECTIVA, EJ 4 1, Oesao ts are cai » an 2. asqrmesas coed 30 s Vedio, 2019 1. Tendéncias par um futuro préxime 33 3. ACIDADEEO CORPO COMO INTERFACES Fa ‘peaulis= is ] 1. Oe ner s : 2. Ciaran @ : 3. Ocupoani eal Gove 6 (6117-091 ~ Sao Paulo Braid 4 ane aie is Tol (1) 8087-2700 Fax (1) 8579-9627 : : verepashs cam br sate i ee ne 4. AMBIVALENCIAS DA PRVACIOADE NA ERA DISTAL n 1. eles ence ried a ISBN 978-65-3¢9-2037-8 2. sagopa, ccomnac xc KO UBIQUA: RERERCUSEOES NA CULTURA ENA EDUCACAO 126 ce deve ser explorado sob urna muh tiplicidade de aspectos. O que precisamos reter em nossas mentes # a eae lee tempo em que mio hé mais lugar nem tempo essa nowalgia, A velocidad romou conta do mundo es i oink Ffrea da acéo humana que nao permite que fiquemos 2 janela vendo. a banda passar, essa drea é a da educacéo. é ' Sanaa jgeragio de computadores surge quando ha mudange na maneia do ser humano interagit com a maquina, Estamos bg cm plena era dos tablets ¢ outros dispositivos de inwriee A ‘com potencial inegivel para a reconfigurag qualitativa “ ince | Go na pluralidade de seus aspectos. Mas, para quc essa reco! a ‘Go se dé, exige-sea redefinigdo cabal, a partir de prcsupostosd igh fais, dos paradigmas pedagégicos herdados do passa ortantoy. sa caios que a realidade edocacional hoje apresenta colocan-nts Ghanre da necessidade de miratmos novos alves com encrgia Hi bbeagos, muita atengio no olhar ¢ vontade firme no coragso- 0 contexto é vasto. Ele pode A UBIQUIDADE DA VIDA ON-LINE a alguns anes, no contexto ds fotomania,promovida peas cameras dig Is, entre as transformacées hoje intensiicadas pelo uso de smartphones iPhones, coloquei em siscussdo o aspecto ontolegic da vida que passou “aet fotografada quase no exato flixo do tempo em que € vivida, Ora, sa condicbo de simultaneidade que pertencia apenas 20 reisro da im 788M, hoje, com @ exploséo das races socias e corn a possbildade de ua “alalizagao a parc de dspositvos moves, a qualquer hore, em quoquet “iar, 6a dferenca ontologica entre otranscorter da vida e o seu registto “ie também se dissoke. Vier e registrar o vvdo sobrepoem-se tempo- hi mais separacdo eno viver @ narrar a vida enquanto ela 82, Este capitule analsaré essa forme de Ubiqudade que resulta ca A CONDICAO DA UBIQUIDADE NA IMAGEM E NO VERBO ‘om a facilitagio da portabilidade e do uso das cameras digi- tais, no trinsito veloz entre o instante ¢ sua captura, dissol- veu-se a distingéo onrolégica, antes muito nivida, entre.a “Yida que passa ¢ a foto que paralisa o fluxo. Ao contritio, so tantos “®instancineos, ao sabor de cliques repetitivos, que as fotos paste ORC CCOMUNICACAO UBIQUA: REPERCLSSOES NA CULTURA E NA EDUCACAD 128 ram a acompanhar 0 fluxo temporal da vida, no mesmo ritmo em ue 0 instante transcorre. O lapso,o hiato temporal que separava 0. objeto forografado da propria foto tomou-se extremamente ténus, Em ver de um duplo, devidamente separado, estitico, cternizador. de um instante que se foi para sempre, as fotos imiscufram-se na continuidade, na vertente da vida que vai passando, O instantineo € ainda rastro, mas um rastro capar de acompanhar, quase sem defi sagem, 0 mesmo movimento da matéria evanescence do instante que o presente engole para devolvé-lo como passado. A vida, por= tanto, recebe, em um instantineo visual, seu registro quase na exata temporalidade em que cla escoa (ver Santaclla, 2007, p. 389-404 ‘Tem-se af uma condicéo de ubiquidade que hoje também foi} transferida para o registro escrito. A narragéo da vida nas redes, 8 = | qualquer hora, em qualquer lugar, leva de roldo e dissolve a dif renga ontolégica entze 0 cscoar da vida ¢ o seu registro que também se dissolve. Viver ¢ registrar 0 vivido sobtepdem-se temporalments, | 2, SORTILEGIOS, ENIGMAS E DILEMAS DO TEMPO Apesar de jé ter sido apresentada na introdugio, por razées de contexto, no custa voltar brevemente a definigao de ubiquidade, Esta é um atributo ou estado de algo on alguém que se define pelo poder de estar etn mais de um lugar ao mesmo tempo. A chamada computacio pervasiva, computagio em todos os lugares, é ubiqua: E certamente também ubiquo, onipresente, o ciberespaco informa oni, uma nuvem invisivel gue incessantcmente nos envolve ques hoje, por meio dos dispositivos méveis, em quaisquet moment pode se tornar visivel ¢ pingar no mundo dito real. A disponibili de e expansio dos acessos & internet, porencializados pela portabili: dade conectada, disseminada por toda parte, concede ao ser huma no o atributo da ubiquidade, algo que, amtes, Ihe parecia impossive Assim como dois corpos néo podem ocupar o mesmo lugar #i@ espaco, uum mesmo corpo nao pode ocupar dois lugares do espagd a mesmo tempo. Com que base, portanto, cm oposigio a ests A VRIGUDADE DA VIDA ON Ke 129 certeza fisica, podemos afirmar que a ubiquidade agora se tornou vidvel? Comecemos com as nogées de tempo, espaco e lugar, que tio implicadas no conceito de ubiquidade. 2.1. O tempo externo A pesquisa ¢ reflexéo sobre 0 tempo tém ocupado os fisicos ¢ filésofos ao longo dos séculos. © modo como ambos, fisicos ¢ filésofos, entendem 0 tempo no € coincidente. Enquanto os fisi- “00s preocupam-se com a mensuragio do tempo, a maior parte dos fl6sofos, especialmente depois de Santo Agostinho, nao separam 0 tempo da consciéncia e do ser do homem, Para uns, 0 tempo é um dado objetivo da criagéo natural. Para outtos, 0 tempo nio passa de um modo de contemplar os fatos, bascado na peculiaridade da consciéncia humana. Trata-se, sem ddvida, de um conceit dos mais controvertidos, uma vez que cada pensador o delincia na pers- pectiva do sistema de pensamento que cria. Os enigmas do tempo fio poupam nem mesmo o universo da fisica, pois, neste também, ' tempo estd envolvido em muitos dilemas, Apesar de afirmarem que medem o tempo, utiliaando para isso frmulas mateméticas nas quais 2 medida do tempo é um quantum definido, 0 tempo dito fisico nao pode ser visto, nem sentido, nem avid, nem degustado, nem cheirado, Como € possivel medir algo gue os sentides nfo podem caprar? Embora uma ou duas horas §gjum invisiveis, embora 0 tempo seja sempre invistvel, os relégios, de fato, medem algo muito conereto: 0 correr do dia ¢ da noite, ‘uma jomnada de trabalho, o eclipse da lua, a velocidade dos avioes tc. (Flias, 1989, p. 11) A noite se segue a0 dia, Aquele exato dia e aquela exata noite 0 retornarso jamais, sto irreversiveis, mas, depois de outro dia, _Win§ outra noite, depois da noice, vird o dia, depois do vero, vird outono € assim por diante em repetigées sucessivas, mum. jogo Paradoxal cnure irreversbilidade e repetigdes. Fala-se em unidades de tempo e existem meios para medi-ls. dificil negar que exista um tempo fisico. Contudo, 0 tempo néo um objeto fisico. Ble nio é medido da mesma maneira com que ica CCOMUNICAGAG UB/QUE: REPERCUSSBES NA CULTURA E A EDUCACRO se mede um terreno, uma montanha, um lago. Quando pensamios nna frase “o tempo corre”, ela quase parece insinuar que nadamog. ‘em um rio do rempo, o que nos dé a ilusio de que o tempo é um tipo de coisa, algo fisico que, para exists, como afitma C. S. Peitce cchama por algo como tempo € espaco. sso nos levaria 20 sortilégio. - cde que hd um tempo dentro do tempo. “Apesar dos enigmas, sortilégios ¢ dilemas, nao podemos dei sar de conceder 20 tempo uma existéncia fisica, externa, fora de | ‘nosso pensamento e de nossas fantasias. F essa existéncia que nos. constrange, pois € impossivel deixar de percebéla na sua fisical (6 desabrochar de uma flor, ou quando observamos os estragos € & decrepitude que o tempo provoca nos seresvivos que envelhecem, | como cnvelhece uma drvore, nosso cachorro de estimacio, come cnvelhecem os sees humanos. Ou soja, a existéncia ¢ passage do rempo, puramente fisico, deixam matcas na matétia, que, pati exists, chama pelo tempo em espagos determinados. 2.2. 0 tempo interno Igualmente, no podemos nos livrar da inseparabilidade entre viver ¢ sentir a experiencia do tempo. f dela que o subjetivisme: filoséfico extrai uma boa parte de sua forga de conviesio (Elias ibid, p. 21), até 0 ponto de se afirmat que 0 tempo nfo passa de uma invengio humana, Asim, os anos que em ininerrpramens de convengoes, simbolos para garantr a regulasio social do tempo: Concordemos ou nao com isso, a histdria daquilo que ¢ cha mado de emp sbjevo longa e complicada de ser apreendida. Se zsche, passaram a se interessar pelo imanente, Ora, refletir sobre a imanéncia, como nos diz Puente (2010, p. 38), “significa refletir sobre a temporalidade e a finitude”. Foi assim que Fdmund Hus serl, fandador da fenomenologia continental, buscou compreendet pice d A UBIQUIOADE DA IDA Otvame I31 como se dio fluxo do tempo no interior da consciéncia humana. Ea peroepgao do tempo que produz “a continuidade ¢ a unidade da consciéncia humana, (...) O fluxo do tempo é 0 préprio fluxo continuo da consciéacia humana’ (ibid). A partir do século XX, sio muitos os filsofos que pensaram sobre 0 tempo no aspecto da interioridade humana, Entre cles, os ‘mais notérios sio Henry Bergson e, certamente, Martin Heidegger. Para Bergson, consciéncia & durario. Na sua fungi de conectar 0 passado ao presente, memdria é dutacio, Bergson leva a interiorida- de do tempo tfo longe a ponto de considerar que 0 tempo absteato das fisicos nao é real. “Fle é uma ficcio nascida da necessidade de cxpacializar o tempo por meio de graficos, retas e segmentos nume~ redos sequeiacialmente, na intengao de medi-los” (Puente, ibid., p. 38, ver também Nyfri, p. 101-112). Tempo real, a0 contritio, & duragio, ou seja, & 0 tempo vivido pela consciéncia de cada um de nbs, fluxo continuo e incessante da vivéncia do tempo. Em ver de tentar explicar se o tempo existe ou nao, Heidegger dew uma guinada na questéo da temporalidade ao perguntar se no 0 proprio ser que deve ser enrendico em um horizonte temporal Como resposta 4 pergunta, veio a afirmacio de que o modo de set do homem ¢ constitutivamente temporal. A finicude ¢ inelutavel- mente constitutiva no humano. O tempo, portato, € 0 horizonte Possivel para a comprecnsio do ses, 2.3. 0 tempo social Antes mesmo da invengio do relégio, esse instrumento que na scmidtica chamariamos de signo, as sociedades ea natureza nunca se constituiram como mundos independentes, pois os determin dores do tempo, emitidos pela propria natureza, sempre funciona- fam como emissores de informacio para os sercs humanos. © movimento do sol, de um ponto a outro do horizonte, 0 movimento das marés, as estagdes do ano sempre funcionaram ‘como unidades de referéncia, como signos cognitivos ¢ reguladores de unidades de tempo. Desde entéo, 0 tempo passou a ser uma igo social que se diferencia de acordo com o nivel OmCGO CCOMUNICACAD UBIQUA: REPERCUSSOES IA CULTURA E NA EDUCAGRO A UBQUIDADE DA WOR ON-LINE de desenvolvimento das sociedades. Nesse sentido, o religio meci: — qaobilidade arual (Santaclla, 2007, p. 155-188 e 2010, p. 99-114), nico € todos os seus sucedincos mais sofisticados representam um — | apresentar us conclusées que me pareceram mais dos mais notéveis dispositivos para representar © tempo. Certamente, os reldgios nfo sio o préprio tempo, mas um signo | Pura Harrison ¢ Dourish (1996), espaco € a estrurura do dele. E por meio dos mecanismos desse signo, desse aparato indi- mundo. Espagos sio os ambientes tridimensionais nos quais objetos ‘ado, sializador do tempo, que se estabelece uma relagio inter: ¢ eventos ocorrem € nos quais eles tém posi¢éo e direcio relativa pretante com as fungées sociais que relégio desempenha tanto Lugar, por seu lado, ¢ espaso investido de compreensio, de com- como autorregulador quanto regulador coletivo do funcionamento | portamento apropriado, de expectativas culturais. Uma vez que © dos seres humanos em sociedade, Vem daf a coagio que 0 tempo | mundo € espacial ¢ tridimensional, nogoes de espaco perpassam exerce desde fora, uma coacio representada pelos horérios, calens tossa experiencia cotidiana. Tudo se localiza no espago, de modo divi e que ¢interalzads peas eoagbes que 0 individuo impoe | que ugares também esto ligados a espago. Estamos locaizados no a si mesmo, sem as quals nfo conscguc desempenhar seu papel nt aspaco, mas agimos em lugares. O lugur & ¢ modo como o espago sociedade em que vive é usado, Portanto, é geralmente um espago com algo que se the Assim, o tempo, antes marcado pelos si i adiciona: sentido social, convencio, compreensio cultural sobre natureza, hoje marcado pelo relégio, funciona como um signe | paptis, fungio ¢ natureza etc. O sentido do lugar transforma 0 regulador que concede ao ser humano um substrato de realidade — | expaco. Lugases sio criados e sustentados pelos padrdes de uso. Em para orientarse no mundo ¢ coordenar sua conv Suma: a acio humana néo ¢ emoldurada apenas pelo expaco, mas — | por padsées de compreensio, associagbes € expectativas com que os lugares estio impregnados. (O privilégio da nogio de lugar em detrimento de espago, que “mais desenvolvidos, sinaliza a direcio de um processo civilizador® | estava af expresso, softeu uma revisio em artigo de Dourish, de (Blias, ibid, p. 34) e, certamente, sinaliza também a intensificagia 4 2006. Desde meados dos anos 1990, os designers passaram a ter do mal-estay da civilizagio e de seus sintomas cospodents | 2 tarefa de eriar lugares colaborativos para a pritica e apropriacio como foi devidamente estudado por Freud (1968). | dos usudrios nos ambientes do ciberespaco. Dex anos depois, 0 uso cada ver mais generalizado de redes tecnolégicas por meio de : remas sem fio e tclefonia celular veio alterar os modos como vvejamos brevemente a pablo do espaco ¢ lugar necessiria. 4 compreendemos as relagées cntie a8 pessoas, agbes e os espacos para pensar a atual perspectiva da ubiquidade. =} em que clas ocorrem. Uma vez que quest6es de mobilidade estéo indissoluvelmente ligadas a quest6es de espacialidade, Dourish concedeu ao espago, tanto quanto ao lugar, 0 estatuto de produco 3. 05 CONCEITOS DE ESPACO E LUGAR «de priticassociais. De fato, os ambientes criados no ciberespaco desde o inicio ‘Uma ver que jé discuri, com algumn cuidado nos detalhes, alg | da internet, agora incrementados pelas tecnologias méveis, nos as das teorias ~ e controvérsias entre elas ~ que versam sobre os} forcam a reconsiderar o espaco, a legibilidade do espago, 0 modo ‘como as pessoas reencontram 0 espaco cotidiano, pois, quando 0 133 ORKgcg CCOMUNICACAO UBIQUA: REPERCUSSDES NA CULTURA E NA EDUC 134 movimento da cidade e a mobilidade humana ~ ambos tecnologi- camente mediados ~ se cruzam, rniiltiplas espacialidades podem se interseccionar. Assim, 0 papel da computagio ubiqua e pervasiva no ambiente urbano, nes ambientes de trabalho, lazer © doméstico tomou-se hoje questio primordial para os estudiosos da ciberculttx za, nesta era que venho chamando de hipermobilidade (Santaclla, 2010, p. 140-141). 4, POR QUE E COMO A UBIQUIDADE SE TORNOU POSSIVEL Para pensarmos a possbilidade da ubiquidade, quer dizer, do. fato de que podemos finalmente ocupar dois lugares no espaco a0 ‘mesmo tempo, temos de considerar o advento de um espaso ante | lormente inexistente na textura do mundo: o ciberespaco. Umi ‘vex. que jd apresentci diversas definiges do ciberespago em outta” ocasies, para variar, citarei a seguir uma definigio sintética, mat _ bastance inmegradora, formulada por Lévy (2003, p. 92-93). Eu defino ciderespaco como 0 espago da comunicacao aberto pela interconexao mundial dos computadores des mem6rias dos computadores. Essa definicéo inclui o conjunto dos sis- temas de comunieagao eletrOnicos (af incuides os conjuntos de redes hertzianas e telefOnicas classicas), na medicle em que transmitem informacoes provenientes de fontes diaitais ‘ou destinades & digitaizacdo. Insisto na codtficagao digital, pois ela condiciona o carater plastica, fluido, caleulavel com precisao e tratdvel em tempo real, hipertextual, interativo ¢, resumindo, virtual da informacdo que ¢, pareco-me, a marca distintiva do ciberespago. Esse novo me tem a vocagao de colocar em sinergia e interfacear todos os cispositivas de criagao de informacso, de gravagdo, de comunicacio e de simulacéo. A perspectiva da digitalzac30 gerai das nforme ‘Goes provavelmente tornara o cherespaco o principal canal de cormunicacéo e suporte de meméria da humanidade a partir do inicio do préximo séeulo, ‘A UBIQUIDADE DA VIDA ON-LINE 135 Ly fez essa afiemagio em 1999. De lé para ed, a realidade tem Ihe dado razio, assim como tem dado raz0 aos principais modos de comunicagéo e de interagéo por ele levantados, a saber: a) acesso a distincia e transferéncia de arquivos; b) corrcio eletrdnicos ©) conferéncias eletronicas; €) groupware, ©) comunicagio através de mundos virtuais compartilhados; £) navegagbes (Lévy, 2003, p. 93-107). De fato, esses sio 0s recursos mais marcantes que, nos diltimos quarorve anos, foram cada vez mais inctementados, reecbendo nomenclaturas mais afinadas. Tanto o ciberespaco é um espago com cexisténcia prépria que deu origem a uma nova forma de cultura que he é correspondent, a cibercultura. Conforme Prado (2012, p. 19-20), nos seus primeitos anos, 0 iberespaco acolheu “ss publicagées digitais, contando com browser, - porais, sites, homepages, linguagem HTML, e-mail livros de visi, - féruns, chass, dlbuns de foros, 0s primeitos sistemas de busca, 0 ir cio do e-commerce ¢ 0s ‘io, entéo, a fase “da cooperagio, com redes de relacionamento, ‘emoticons, blogues, ransferéncia de arquivos (PTP), marketing viral, social bookmarking (folksonomia), webjornalismo participativo, esi ta coletiva, velocidade © convergéncia”. Trata-se, portanto, de um ‘spaco ilimitado para produgbes independentes, ativismos politi- 208, atisticos ¢ a formacéo de redes de cidadios conectados, ‘Antes do advento das midias méveis ¢ das redes sem fio, a ‘entrada no ciberespago dependia dos rituais, pot vezes demora- dos, de ter de chegar em casa ou no esctitério, ligar o derkrop ow ;emas de criprografia’, Em continuidade, | laptop, esperat a conexio para poder navegar pelas infovias ou se comunicar com nossos pares ou fmpares, em pontes dispersos do planeca. Por isso, nessa época circularam muitos discursos sobre 0s espacos que corriam paralelos, nas oposig6es muito enfatizadas do mundo real e do mundo virtual. A emergéncia das midias méveis dotadas de conexio aboliu os rivuais, instaurou a hipermobilidade € dissipou a dicotomia, infelizmente ainda renitente, entre real € rin c30 CCOMUNICACAO UBIQUA: REPERCUSSOES NA CULTURA E NA EDUCAG BO virtual. De qualquer lugar, em qualquer momento, no movimento | dos afazeres cotidianos, a entrada e saida do ciberespaco tornou-se ato corriqueiro. Ora, 0 ciberespaco é, por natureza, mével, luido, liquido. Nele, a informagio circula num piscar de olhos, portanto, conectar: hoje significa conduzir & intersecgéo de dois tipos de mobilidade, aqucla mobilidade prépria do nosso corpo nos espacos fisicos que habitamos ¢ a mobilidade propria dos espacos informacionais que — visitamos, ‘Tudo se move em conexio. Isso deu origem aquilo que, cm nosso pais, passou a ser chamado de espagos hibridos (Souza € Silva, 2006), espacos informacionais (Lemos, 2008) e espagos — intersticiais (Santaella, 2010). ‘Tendo se dissipado os lamentos sobre o vi que nos transporta para um mundo irreal, roubando de nés a experiéncia verdadeira da vida, surgiram outros tipos de discurso que proclamam o fim do ciberespago em uma era pés-vireual. Uma ver que jé coloquei em discissio os contrassensos implici- questéo. ‘Aqueles que tiveram algum conhecimento dos prinefpios ele- mentares da tearia dos conjuntos devem saber que dois conjuntos podem se interseccionar. A intersecao de dois conjuntos Xe Y é 0 conjunto de elementos pertencentes a ambos X ¢ Y: XeY= fx] (CCEX) ee EY Exemplo: Considere dois canjuntos AwB={Sh4 Ou seja: A intersegio dos espagos, antes chamados de real ¢ de virtual, constitui hoje uma mistura inextricavel que se imiscuiu no tecido = mesmo das nossas vidas. Nio faz, portanto, sentido preconizar a morte do ciberespago. Tanto nao faz sentido que, na auséncia do 1,3, Spe B= (4,5, 6} entio ciberespago, como est demonstrado na figura acima, 0 espago hibrido nao poderia ter existéncia, Mais do que isso, sem o ciberes ago, nao seria posstvel postular a viabilidade de uma vida ub/qua, ‘A UBIQUIDADE DA VIA ON-INE 137 jusamente aquilo que as midias méveis, conectadas sem interrup- ‘0, podem nos proporcionar e que as plataformas das redes sociais digitais sabem explorar com riqueza de recursos. 5, A VIDA UBIQUA NAS REDES SOCIAIS Constatada a existéncia de dois espagos igualmente fisicas, ‘mas fisicamente diferenciados, o espaco ciber, ou seja, a nuvem informacional que nos envolve, ¢ 0 espaco de circulagio de nossos corpos, constatado também o fato de que, dotados de dispositivos éveis, podemos nos mover no munda fisica e, ao mesmo tempo, acessar 0 espaco da nuvern informacional que nos rodeia, pode-se afirmar que esté aberto para nés o horizonte da ubiquidade. De fato, nessas condigées, estamos em dois espagos a0 mesmo tempo. Independente dos sitmos estabelecidos de trabalho e descanso, de estudo ¢ lazer, a vida cscoa nio mais na mera sequencialidade temporal em locais fisicos determinados, mas a isso se sobrepoe 6 escoamento da vida na intermiténcia do tempo em espacos reticulares. Trata-se de uma condigio que as redes socials, especialmente ‘6 Facebook, levam as tltimas consequéncias a ponto de petmitir ‘que nossa vida transcorra tanto aqui quanco i, no mesmo corece do tempo. Com a ajuda de uma plataforma de interacio como © Facebook, com sua pergunta sobre 0 que estamos pensando, & possivel anotar, com grande preciséo temporal, mensagens sobre nossas vidas enquanto a vida vai fiuindo, A sucessio temporal da vida como um continuum especifico em devir ganha a chance de ser registrada enquanto a vida vai passando. ‘A primeira vista, isso pode causar a etrénea impressao de que, por estar registrando o viver no seu acontecer, 2 pessoa pode estar deixando de viver para proceder 2o seu registro. A impressio é, de fato, etrOnea porque sio muitas as facilidades que os dispositivos méveis apresentam para que viver € registrar 0 viver possam se dar simultaneamente. Ademais, essas facilidades so incrementadas Ontcao. CCOMUNICACAO URlOUA: REPERCUSSDES NA CULTURA E NA EDUCAG AD 138 pelos recursos inseridos na prépria plataforma que tornam a inser uma experitncia de vide tou, construindo sistemas complexos de ¢éo continua no fluxo do tempo um ato sem custos temporais, quet izes, imediato. : Em conclusio, essas sio as condigées dla ubiquidade de uma conexio entre espacos on e offline’. Descnvolvendo uma intexpre- tacio de Foucaule que nio se prende & letra foucaultiana, a autora ressalta que, ns seus escritos, Foucault (1977, 1981-1982) associa vida on-line. Condigécs que fizeram desaparecer 0 grande dilema apritica da autoescrita com o ethos da vida quando cle reivindica ‘que “escrever transforma a coisa vista ou ouvida em tecido e san- ue”. Se assim for, blogues e mensagens nas redes néo sio apenas comentitios sobre a prépria vida, mas vida materializada, Essa é a tese que a autora defende, Para Foucault, ética € eshos, compreendendo a pritica, a cor porificagio eo estilo de vida. Uma pritica de liberdade que deriva do jogo da verdade. Dos dois imperativos antigos, “conhesa-te a mesmo” e “ouide de si”, que o cristianismo cransformou em asceti ‘mo, Foucault extraiu uma vocagio focalizada no desenvolvimento das autobiografias, naquele tempo em que os autores precisavam. esperar a vida acontecer para, depois, poder conti-la. Hoje, abr: -s¢ 0 horizonte da vida em estado de simultaneidade, ou seja, 20 mesma tempo em que é vivida, a vida pode ser contada, ‘Antes de formular a grande questio que inevitavelmente surge ue se interpsem de imediato como respostas prontas. «ha telagdo livre do cu consigo mesmo até chegar a um “sujeito do dese” responsével pela criagéo de novas formas de prazer. Como enfatiza a autora, ese principio afasta a ética foucaultiana das regras a priori de conduta, Estas sio substituidas pelo senso de obrigicio @ dever que impomos sobre nés mesmos, de um modo direto © | mesmo desconfortivel. “O cuidado de si é uma espécie de espinho que deve ser fincado na carne do individuo, empurtado para dentro de sua existéncia, e é um principio de inquietagéo movimento de ‘continua preocupagio ao longo da vida" (Foucault, apud Zylisnka, p- 63), Portanto, esté af algo que fica a anos luz do culto do eu cali- forniano, lembra a autora. Quanto a verdade, para Foucault, ela nfo tem nesse contexto nenhusm cardter universal, como um geral 6, DESMASCARANDO CLICHES No seu admirabilissimo texto sob 0 chamative titulo What J Foucals had had a blogue? (B se Foucault tivesse tido um blogue?) Zrlinska (2012) vira © jogo, desmascarando uma série de clichés cspecialmente aqueles teferentes 20s cuidados de si, ao individu lismo e a0 narcisismo, pechas que costumam pesar sobre os blo guenreitos qespecialmente sobre os usustios das redes socais. Pa colher com propriedade os argumentos da aurora ~ recheaclos adendos e comencatios de minha pr6pria alcada -, cumpre seguit= paso a passo o seu engenhoso riciocinio. Seu ponto de partida & explorar até que ponto as priticas facilitadas pelos blogues — ptecxistente, cla é ctiada por cada eu numa relagéo com aquilo {que ele nao é, esperando para ser descoberta, sem codificagies ou instrugées apriorfsticas de como viver. Novamente um conccito a tnilhas de distancia dos pueris aconselhamentos dos liveos de auco- ajuda ou de terapias pautadas na ortopedia do ego. Ao contritio, € muito mais pelas redes intermitentemente atualizadas, devo actes- centar -, podem ser compreendidas & luz da bioética, Para isso cettamente, sua visio de biostica nao se reduz~ mais um cliché ~ 38 cigncias bioldgicas e médicas, is interferéncias politicas ¢lucrativas, Afinal, a vida, concebida na sua integralidade, nao se restringe seu lado de tratamento médico. ‘© texto tem inicio com uma questfo que sintoniza perfeit mente com 0 tema tratado neste capfeulo: “os blogues visa ct uma atividade ética que deve ser vigilante, continua ¢ regular, em lugar do preenchimento de comandos particulares, ‘Transformar-se pelo préprio conhecimento de si visando & elaboragéo de novas ¢ ‘A UBIQUIDADE DA WOR OW-LE 139 OmRcao CCOMUNICACRO UBIQUA: REPERCUSSDES NA CULTURA E NA EDUCAGAO : 140 belos modos de vida, com ecos de Nietasche, traz a éxica de Fou: ccault uma forte dimensio escética. Algo como aproxima @ propria vida a uma obra de arte, 0 que néo dispensa o autoescrutinio ¢ | certamente 0 faro de que estamos mergulhados em instituigéet c relagies sociais de poder com suas disciplinas e efeitos que n ‘constrangem Entretanto, para Foucault poder & mais uma relagio escratéghea. ddo que meramente opressiva. Hé o elemento de resistencia €a pos sibilidade de mudanca pelo reassanjo da mulkiplicidade de forgas {que nos atravessam. Assim, 0 poder pode akcernativamente ser pro= dutivo, criando a possibilidade de agenciamento para o individu | no caminho do seu desejo e verdade. E isso que Foucault nomei como “técnicas do eu”, também chamadas hoje de “tecnologias ceux”, Estas permitem “20s individuos afetar por seus proprios meios, fou por meio de outros, certo nimero de operagdes no seu compa ‘e alma, nos pensamentos, conduta ¢ modo de ses, de mancira a st transformarem a fim de atingir certo estado de Felicidade, pureras sabedoria, petteigio ou imortalidade” (Foucaule, 1997, p. 225} Entre as téenicas ou tecnologia, sio colocadas na lista a interpte= tacio dos sonhos ¢ “tomar notas por si mesmo para serem relidas; cescrever tratados ¢ cartas para os amigos a fim de ajudé-los, € manter cademnos de notas para reativar as verdades de que cada um precisa” (ibid. p. 225 ¢ 232). Deslocando a costumeira c extremada énfase nas opressées do poder, caracteristica da maioria dos comentadores de Foucault, Zylinska dp. 64-65) acentua que essas atividades de escrever | cartas € manter didtios séo particularmente televantes para st indagagéo sobre a extensio em que as redes sociais e os blogue podem facilitar 0 cuidado de si tal como concebido por Foucat Embora se chame tecnologia do eu, trata-se na realidade de um tecnologia da vida, da conducéo da vida. Nada existe ai de pro mogio do individualismo egoico. Um certo afastamento das ls do mundo significa uma preparacio mais prudente do estar a? mundo e se relacionar com as pessoas, a coisas, 03 eventos. tum novo significado para uma vida ética ¢ saudavel que nio vet [AUBIQUDEDE DA VIDA ONLINE 14] jpronta e para a qual nao ha reccitas nem valores ¢ molduras legals pré-determinados. assemos, portanto, aos sentidos que isso adquire quando se trata da participacio nas redes sociais, na busca nela implicita de criar uma expesiéncia de vida total, segundo a autora, Antes de tudo, é a possibilidade de atualizacio constante dos blogues, que € Jevada ao limite nas redes sociais ~ j que sio plataformas codifi- cadas para isso ~, 0 que faz o texto parecer-se com a prépria vida, Prefito dar a isso 0 nome de “ubiquidade”, pois, além de se tatar cde uma felagio especular entre 2 vida e seu registro, isso se dé na simultaneidade do tempo. Para dar continuidade aos argumentos, entretanto, & preciso virar do avesso alguns lugares comuns. Um deles vem das leituras popularizadas do marxismo, segundo as quais essas sio acividades de pura banalidade ¢, pior, alienantes, Atividades que revelam a inconsciéncia dos individuos do papel que desempenham nas rela Ges sociais de producio, das expropriages que sio tipicas dessas telagées e dos constrangimentos do poder que pesam sobre aqueles {que, de uma forma ou de outra, sio mais ou menas optimidos pelas contradigbes do modo capitalista de produsio. ‘Menos apoiada nessa “grande” narrativa, dl denunciada por Lyo- ard (1979) na condigio pés-moderna que pds tal tipo de narrative ‘em ctise, encontra-se a contradigéo que € rotineiramente apontada nas discursos pliblices sobre blogues ¢ redes sociais. Estes sio vistos ‘eomo ocupando uma posi¢ao excessivamente piiblica, visto que ~ mensagens so postadas potencialmente para o mundo, mas, 20 ‘mesmo tempo, ocupam uma posigéo néo suficientemente publica, uma ver que nos blogues ¢ nas redes as pessoas escrevem sobre si ~ mesmas e, por yezes, para si mesmas. Na auséncia de urna audiéncia teal, 20 fim e 20 cabo, esses milhares de pessoas, bilhdes, vale dizer fstio apenas enganosamente se espelhando nas éguas de Narciso @ylinska, ibid. p. 66). Neste ponto, cncontramos o grande cliché “do nosso tempo, o narcisismo, descle que Lasch (1979), vio acla- fo aos imac pred, public su bestzeller sobre a cultura do narcisismo. Conn c50 COMUNICACAO UBIQUA: REPERCUSSOES NA CULTURA E NA EDUCACAO ae ‘A UBIQUIDADE DA VIDA ON-LINE 142 1B 7. O LADO DO AVESSO DO NARCISISMO ‘outro, Essa afirmagio aparentemente paradoxal Zylinska (p. 68) foi buscar cm Levinas (1969, 1989), na nosio que este tom da ética ‘como abertura para a alteridade infinita do outro do que decor ‘que o narcisismo é uma parte inextricdvel da ética. Por certo hd Bons c maus narcisismos, mas estas nfo so categorias morais pré ~ > -decerminadas, mas, sim, condigées de nossa subjetividade. © apa~ rente delirio da checagem dos comentarios de uma postagem € sua continua atualizagao, ou seja, 0 que estou aqui chamando de vida an-line, & algo muito mais sério do que uma mera performatizacio do ego. Zylinsla compara esse delirio com o arrebatamento niet- | axchiano que coloca o individuo fora de si, num sentido positivo de ethos que também € compartilhado por Foucault ¢ Delewze. Adcmais, a atragio por esse movimento de denito para fora pode - serlocalizado no coragao do ethos Foucaultiano. £ nese movimento fF queo ow arrebenta as formas congeladas e fixas de ser na “tentativa o estado do espelho. de criar novos modos de vida” (ibid.). Movimento para fora signi- Farendo cco a psicandlise, Zylinska declara que o narcsismo & Bice entregar-se a0 devs, e iso ce assemetha ao delicio porque o ex inevitével e mesmo necessiio para a socialidade. O lado que Detti: 4 = — nao pode se conter dentro de seus peoprios limites cla traz para o primeito plano nio esti bem salientado na psicandlise — c exploré-lo nos leva a enxergar as redes sociais de maneira mais dia- léciea, & luz das ambivaléncias da economia psiquica humana. Em suas palavras:“ndo hd narcisismo © nZo-narcisismo; hd narcisismos. que sio mais ou menos compreensiveis, generosos, abertos ¢ este s° (Derrida 1995, p. 199). O que se costuma chamar de nlo~ ‘A grande pecha que se aplica ao mundo das redes sociais € 2 do narcisisme que esas redes estimulam até aleangar um. nivel pavoldgico. E 0 que se aficma por ai até a saciedade, fazendo uso de vulgatas da psicanilise, numa espécie de disfarce para um moras | lismo néo assumido, segundo meu ponto de vista. Trazendo para sium precioso texto de Derrida (1995), Zylinska desconstrbi essa pecha. Embora nao haja uma aliang2 muito intima entre o discurso psicanalitico e 0 derridiano, vale mencionar, ances de entratmos nos comentitios de Zylinska, que, na psicandlise, como foi discur tido no capitulo 6, narcisismo € um conceito central, consticutive da natureza humana ~ e, talver, igualmente de alguns animais = ¢ nio tem sentido pejorativo, Faz parte inexordvel de nossa condigéo, como foi bem explorado por Freud ¢ pela releieura de Lacan sobre} A ética do devie néo nega que ela € também politica, na medida _ em que as redes déo voz potencialmente a todos, além de abrir aminho para engajamentos politicos (capitulo 5) nos quais 0 en se dispersa. Também néo significa negar que a banalidade, tédio auto-obsessio igualmente fazem parce das redes, espelhando e espa- thando a banalidade da propria vida ea dos outros, na repetigio de -aarclsismo € apenas um nazcisismo bem-vindo c hosptaleiro, m ieiasc valores fixos. Eniretanto, a critica via de egra emia por aberto & experiéncia do outro. “Creio que, sem o movimento aqueles que se julgam acima dessa banslidade ~ nfo oculea as pre- eapropriagié narcisica, a relagéo com o outro seria absolutamente fecéncias intclectuais ¢ culturais, ¢ até mesmo os preconceitos refle- destruida, destruida de antemio, A relagéo com o outro, mesma: “tidos nesses julgamentos. Somos sempre traidos pelos julgamentos que permanega assimétrica, aberta, sem uma possivel reapropriagia ue fizemos, o que ndo quer dizer que estamos por isso impedidos ~ deve tragar um movimento de reapropriagio na imagem de a‘ de profericlos, Ao contririo, além de necessérios, cles sio inevité- ‘mesmos para que o amor se torne possivel, por exemplo” (ibid). = eis, Apenas& preciso estar consciente dessa complexidade, saber de Assim, 0 aro de postagem on-line © 0 desejo de alcan {jue posicéo falamos, como estamos implicados nesses julgamentos, plos e desconhecidos leitores € um ato narcisico necessrio juste F—— que coloca abaino a arrogincia tpica das crtias mente para estabelecer a relagio com 0 outro. Esse desejo do outeo ‘Quando Foucault associa a pritica da autocscrtura com a éyea € condigio, senéo uma garantia, de um modo ético de estar com 8 davida, nos atos de manter livros de notas ¢ de memsrias, voltados OWE CAO CCOMUNICRC AO LBIQUA: REPERCUSSCES ALUBIQUIDADE DA VIDA ON-NE 145 para a rememoragéo do passado, ou captura do que jé foi vivido ¢ mordial alteridade do Outro, Essa é uma maneira de assegurar que dito, 0 que se ouviu ou leu, tudo isso é para ele “uma questéo de | 4 alteridade e a diferenga nao fiquem reduzidas @ metos recursos constituir um logos bioético para si mesmo (...) uma ética explicita. | para o eu. ‘mente orientada pela preocupagio com o eu na directo e objetives | Dante disso, que os bloguegers ¢ os usudtios das redes sejam definidos como: recolher-se em si mesmo, entrar em contato con- | inelutavelmente narcisistas nfo hé diivida. Mas ser que praticam a sigo mesmo, beneficiat-se ¢ apreciar a si mesmo” (Foucault, 1977, | gica do devir? Kysinsky (bid, p. 74) afiema que apenas rarament p. 211), Ora, por mais banais, extrovertidas © até despudoradas | Quanto a mim, comando por base a evidéncia de que nas redes estd que possam parecer as participagdes nas redes, hd nelas sementes emergindo um novo tipo de ética (Santaella, 2010, p. 311-322), de um retrabalho das forgas da vida, pelo estabelecimento de novas }__ereio que os blogues e as redes de relacionamento estio abrindo rclagées bioéticas, ral como foram entendidas por Foucault, embora | caminho para isso. Basta ver a rapidez com que equivocos si0 cor- cle reconheca que essa ética cxige forca, coragem, persistéocia € __tigidos e nossas contradigdes sio apontadas no fluir das redes, 0 que habilidade de apreender a importincia da tarefa, 0 que parece mais. | parece, pelo menos, incorporar vislumbres de uma ética, sendo tio raro no tanto nos blogues, mas sim nas redes sociais. radical quanto idealizada por Levinas, que pelo menos nos defron- ‘Um dos motivos dessa raridade reside no mito da popularidade, {ta com a alteridade como limite inelutavel do cu, na dentincia de que nao tem nada a ver com a ética da vida, como lembra Zylinska —}_—_nossasfalhas demasiadamente humans. (ibid. p. 70). Por isso, em lugar de ver 0s blogues~e aqui estendo | _-_Desconstruidos os clichés, cumpre retomar a pergunta que nio para as redes sociais ~ como concernentes primariamente & troca, “4 ~_ se pode calar. Por que 0s usudtios de todas as racas, cores, gcografias ‘em que os participantes esperam ser lids, ansiosamente na expec: formagdes, enflm, os bilhdes que, pelos quatro cantor do globo tativa de respostas, a aurora os vé como a experiéncia em ato das co-habitam tanto lugares quanto redes, séo tho irrsistivelmente dificuldades ¢ nevessidades do relacionamento como condicio de atraidos pela condugio de uma vida ubsqua? Encontrar uma res- se estar no mundo, condicéo esta que as redes intensificaram, vale posta ¢ difleil, mas néo custa ensaiar. ‘actescentar, 0 mesmo tempo em que funcionam como um labora De onde vem o fascinio? Provavelmente do fato de que contar a vide responde a uma ntativa de etemizé-la. Se a vida se esvai _ 0 fluxo temporal do seu acontecer, o registro funciona como uma evidentes. Promessa de que, de algum modo, ela seré guardada para toda a De todo gnodo, segundo Zylinska (p. 73), as reces habilitam o: _ Stemidade, Sonho-vio, mas, a0 mesmo tempo, capaz de suturat, articipantes a estabelecerem uma relagio ativa com sua prépria | mesmo que ilusoriamente, o drama trégico, incontorndvel, da nossa vida e com os processos de sua administraco, Sao esses desafios que | mortalidade. ‘autora chama de bioética como responsabilidade que o individua Fica evidente que no hé af nenhuma mensagem de salvasio. assume na condugéo da vida nela mesma. Mas se ficarmos apenas As ambivaléncias, contradigdes e paradoxos humanos ~ que so com a concepgio ética de Foucault, ou seja, a de um experimento vém aumentando no processo evolutivo e que a revolucio digi- com a possibilidade de ir akém dos limites que nos sio impostos tal do “humdquind”, no seio de sociedades capitalistas, esté hoje essa ética falha em acomodar @ obrigagéo com o Outro. Nesse Jntensificando — impedem qualquer sonho pueril e roméncico de onto, portanto, é preciso ir ao encontro do chamamento ético f—siperacio, o que nio significa deixar de incansavelmente Iuar estudado por Levinas como advindo da sempre andrquica e pri Por ela, a comeyar pelo plano in idual ético-estético, acenado OMCaO. CCOMUNICACAO UBiQUA: REPERCUSSOES NA CULTURA E NA EDUCAGAO por Foucault. Contudo, sem escorregar em uropias salvacionistas, Sob toda promessa de salvagio, oculta-se, sob os disfarces mais variados, um fundo moralista, principalmente daqueles que, por «eis da ansiedade do que chamam de criticas 3s condigées humanas acuais, dissimulam, na realidade, seu conservadorismo. Uma pena pois todo conservadorismo néo passa de uma forma aguda ¢ pouco visivel de moralismo. O pior dos moralismos, portanto. panorama. Ora, 0 O QUARTO PARADIGMA DA IMAGEM Entre espectaistas nas questoes relativas & imagem tém surgido pergun- tas do tipa: Seré que a fotografia néo existe mals? Como sera 0 nema do futuro? A tradico do cinema experimentat foi inteiramente engolida pela videoarte? Como se situa a arte digital no cenério dessas mutacoes? ‘Alguns vém dando © nome de era pésotogratica a esse complicado *posfotogrdtico” foi uma nommenclatura que dominou Nos anos 1980, quando se deu @ entrada triunfal do computador na cena dda producéo de imagens, o que me levou a produzir, na époce, um estudo sobre os trés paradigmas da imagem: o pré-fotogréfico, 0 fotagrafico eo ds-fotografico. A luz desse estudo e no confronto cam as condicoes atu 2is da criacdo imagetica, este capitulo iré postular um quarto paradigma ‘da imagem, radicalmente hibrido, cujas caractersticas ¢ consequéncias estéticas serdo aqui dscutidas. 1,0 DESCONCERTO DOS TEORICOS E CRITICOS as batizou (2008), as quais prefiro chamar de imagens tecno- 6gicas (Santaella, 2004, p. 152-153, 2007, p. 257-259), € tal a hererogeneidade e diversidade de produgées na arte contempo- Ez na area das imagens técnicas, tal como Plusser ONS 0.

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