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PARTE I

Palavra de poeta
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Palavra de poeta

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O desencanto encantado: Manuel Bandeira

Iniciando o nosso percurso, ouamos o que os poetas disseram sobre o


processo criador. Manuel Bandeira1, no poema Desencanto, publicado em seu
primeiro livro, A Cinza das Horas, declara:

Eu fao versos como quem chora


De desalento ... de desencanto ...
Fecha o meu livro, se por agora
No tens motivo nenhum de pranto.
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Meu verso sangue. Volpia ardente ...


Tristeza esparsa ... remorso vo ...
Di-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do corao.

E nestes versos de angstia louca


Assim dos lbios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu fao versos como quem morre.

Ou os fez para no morrer ou deixar-se melancolicamente morrer, em um


ato de desistncia simblica. Porque A afeioar teu sonho de arte, / Sentir-te-s
convalescer. // A arte uma fada que transmuta / e transfigura o mau destino.
No estudo crtico estampado em Testamento de Pasrgada, Ivan Junqueira2
assinala o movimento de integrao do poeta em relao dicotomia entre forma
e contedo, estabelecendo entre os dois um continuum. Junqueira acrescenta que,
ao realizar a indissolvel comunho entre poeta e poesia, entre o criador e a obra
criada, Bandeira se afirma enquanto autor moderno e at mesmo ps-moderno,

1
BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa, P. 153.
2
JUNQUEIRA, Ivan. Testamento de Pasrgada, p.105-106.
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pois no raro retrocede do lirismo da persona para o lirismo pessoal, remetendo-


nos assim quele estado de vidncia que caracteriza a iluminao rimbaudiana.
Mantendo isto em mente, ou seja, a totalidade orgnica forma / contedo, a
comunho entre poeta e poesia, podemos dizer que a realizao do poema, a sua
construo, implica, indissoluvelmente, a ordenao emocional e psquica do
poeta. Ao ampliar e revolucionar as formas poticas com as quais se expressava,
Bandeira, como um artista verdadeiro, engaja-se em si mesmo, nas formas mais
ntimas que emergiam dos desvo de sua alma, clamando pelo lirismo dos
bbedos, dos loucos, dos clowns de Shakespeare, ou seja, o lirismo encarnado
e medular, mas contido pelas formas lgicas do poema. No captulo dedicado a
Bandeira, este assunto ser estudado em detalhe.
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