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GLOBALIZACAO EEDUCACAO Huns uaet eae tTerls Naito) Ome -Tel 1) 4 eT GP Vela OM LK Cre in ie Estado, Globalizagao O QUE E GLOBALIZAGAO? Quaisquer que sejam seus outros méri- t0s, a preocupacao com a teoria pés-moderna tem produzido dois efeitos incapacitantes. Por um lado, em seu desafio as formas tradicio- mais de ciéncias sociais, ela desviou a atengio das tentativas de compreender as forgas ¢s- truturais que continuam a motivar as mudan- ‘5 sociais. Por outro lado, concentrando-se 1a suposta autonomia, espontaneidade e ca- réter duvidoso da cultura pés-moderna, ela freqiientemente encobre o papel estratégico continuo do Estado no contexto da politica cultural. A problematica da globalizagao pro- porciona um arcabouco potencial convenien- te para abordar as fraquezas das chamadas abordagens “pés-modernas”, especialmente no contexto de estudos sobre a educacao e as politicas educacionais.’ Nossa posicao aqui é um tanto paradoxal, no sentido de que reconhecemos simultanea- mente que a globalizagao tem uma longa his- téria e, ainda assim, também estamos preocu- pados com as caracteristicas novas dos avangos recentes. Pelo menos trés posigdes basicas fo- ram adotadas com relago as origens da globa- lizago. Certas pessoas afirmam que suas ori gens encontram-se juntamente com as da civil acto humana de um modo geral e, assim, - fazem parte de um processo que j4 ocorre hd mais de cinco séculos, Nessa formulagao, a pro- ‘blemdtica da globalizagao origina-se no surgi- mento de religies universalistas que estabe- e Politicas Educacionais Raymond A. Morrow e Carlos Alberto Torres leceram a dicotomia universal-particular que culmina na questéo contemporanea da globali- zacéo.* Uma segunda e mais influente aborda- gem ~ a teoria de sistemas mundiais — conecta a globalizagéo com as origens do capitalismo, culminando no surgimento de uma economia global no século XVI.’ Porém, uma terceira perspectiva - que explodiu na década de 1990 como a forma mais tipica de “teoria da globa- lizagdo” — considera que esta é um fendmeno recente, datando, no maximo, da metade do século XX, ou talvez das duas tltimas décadas. Previsdes desse tipo de andlise podem ser en- contradas nas teorias da sociedade pés-indus- trial que surgiu na década de 1960, mas a mu- danga decisiva veio com a literatura das déca- das de 1970 e 1980, na chamada transfor- magio “pés-fordista” dos processos de produ- co como proceso global, assim como em nar- rativas similares de uma sociedade da informa- do, da globalizacao cultural ou da cultura pés- moderna.* Nossa discussio sobre a relacao entre a educagio e a globalizagio considera funda- mentais os processos globalizantes liberados pelo capitalismo como sistema mundial. Essas explicagdes adotam como seu foco de andlise © papel dos sistemas educacionais na forma gdo e reprodugao dos Estados capitalistas,* as- sim como os temas colonialismo e imperia- lismo no contexto do universalismo contradi t6rio do “Iluminismo” europeu.* Porém, nosso foco aqui esta na fase mais recente da forma- co de um sistema mundial, no qual a nocao 28 Nicouss C. BuRaULES, Cantos AuseRTO Toxtes & COLABORADORES de globalizacao assumiu novas e diferentes co- notacdes com diferentes implicacées para 0 “Primeiro”, “Segundo”, “Terceiro” e “Quarto” mundos. Como veremos, uma das implicacdes mais fundamentais da globalizagao contempo- ranea est centrada em torno da relacao alte- rada entre a educagaio e 0 Estado. Enquanto a retérica do neoconservadorismo e do neolibe- ralismo sugerem um papel menor para 0 Esta- do e a desestatizacao de facto das sociedades civis, 0 papel do Estado permaneceu funda- mental para a articulagéo de interesses sociais, © a representagao de grupos e classes que se beneficiam ou sofrem com os processos de mo- dernizagdo e formagao de politicas puiblicas. Entretanto, também est claro que a globaliza- do altera dramaticamente muitas das manei- ras como os Estados mediam o poder nos ni- veis subestatais e transnacionais. A globalizagao foi definida como “a in- tensificagao de relagées sociais mundiais que ligam comunidades distantes, de modo que os acontecimentos locais so moldados por even- tos que ocorrem a muitas milhas de distdncia e vice-versa”,” David Held sugere, entre outras coisas, que a globalizacdo ¢ 0 produto do sur- gimento de uma economia global, da expan- séo de elos transnacionais entre unidades eco- némicas, criando outras formas de tomada de decisio coletiva, desenvolvimento de institui- ‘des intergovernamentais e quase supranacio- nais, intensificagéo das comunicacées trans- nacionais e criagio de outras ordens regionais € militares. O processo de globalizagio ¢ visto como algo que obscurece os limites nacionais, altera solidariedades dentro dos Estados e en- tte eles, e afeta profundamente a constituigao de identidades nacionais e de grupos de inte- resse. Seria util, com propésitos introdutérios, distinguir os processos de globalizacéo nos contextos da vida econémica, politica e cul- tural.* Porém, com relagdo a educacao, a inte- ragdo entre os contextos econdmicos € politi- cos da globalizagao & o que tem motivado a maioria das discussdes sobre a necessidade de uma reforma educacional. Embora a impor- tante questo da globalizagao cultural se so- breponha @ problematica do multiculturalis- mo na educacio, limitagdes de espaco impe- dem que essas questdes possam ser abordadas neste ensaio.? A TESE DA NETWORK SOCIETY Trés literaturas diferentes, mas sobrepos- tas, iluminaram diversos aspectos do proceso de globalizacao em sua fase mais recente — e, alguns diriam, revolucionaria. A literatura da sociedade pés-industrial enfatizava a evolugo da economia rumo & produgao de servigos ea primazia do conhecimento na produgéo.” Teorias intimamente relacionadas sobre a so- ciedade da informagio mudaram o seu foco para o papel da comunicacao e da informa- tizagdo como parte do complexo de conheci- mentos por tras da transformacao pés-indus- trial."" Essas teorias compartilham uma ané- lise do desenvolvimento do capitalismo com base em trés importantes patamares tecnolé- gicos, ou “revolugdes”: a revolucao inicial no século XVIII, baseada na maquina a vapor; a transformacio do final do século XIX, baseada em avancos em indtistrias elétricas e quimicas; ea terceira revolugao, baseada em tecnologias de controle ¢ comunicacées, culminando na revolugdo do computador.** © terceiro corpo de literatura, que diz respeito ao pés-fordis- mo, reinterpreta as evidéncias analisadas por teorias da sociedade pés-industrial e da infor- magio, mas muda o foco de analise, das “for- cas” de producao (ou seja, tecnologias) para as “relagdes” de produgio. Em vez da linha de montagem centralmente organizada da orga- nizagao industrial fordista, a produgao pés- fordista é organizacla em torno de estratégias de produgo flexivel, que permitem realizar campanhas curtas de mercadorias mais dife- renciadas."* Por meio de uma perspectiva pés-for- dista, a nova economia global ¢ muito diferen- te da antiga economia nacional. O que ha de mais novo nao é a expansio do volume do co: mércio ou a divisio internacional do trabalho. Segundo criticos de teorias simplistas da glo- balizagao, as atuais tendéncias quantitativas do movimento global de mercadorias € pes- soas podem ser verificadas desde o século XIX; além disso, as empresas multinacionais no as Giowauzacho € eoucagio / 29 evolufram necessariamente para empresas “vansnacionais” que enfraquegam o sistema anterior de economias nacionais como bases de politica e poder econémico."* ‘As mudangas mais significativas ocorreram. na organizagao da produgao e em sua relacdo com 0 conhecimento e a informagao. As econo- nias nacionais baseavam-se anteriormente na produgéo em massa padronizada, com poucos administradores controlando o proceso de pro- dugdo de cima para baixo, e um grande mimero de trabalhadores seguindo ordens. Essa econo- nia de produgao em massa seria estdvel enquan- to conseguisse reduzir os custos de produgao (ineluindo 0 prego da mao-de-obra) e reinstru- mentalizar-se com suficiente rapidez para per- manecer competitiva no nivel internacional. De- vido aos avangos em comunicagées e tecnolo- gias de transporte e ao crescimento de indiistrias de servigos, a produgio tornou-se fragmentada ao redor do mundo. A nova economia global é ‘mais fluida e flexivel, com miiltiplas linhas de poder e mecanismos de tomada de deciséo and- Jogos a uma teia de aranha, em vez da organi- za¢io piramidal estética do poder que caracte- rizava o sistema capitalista tradicional."* Uma das mais ambiciosas visdes da glo- balizagdo, do ponto de vista tedrico, e mais detalhadas, do empiric, que sintetiza temas baseados na teoria da sociedade da informa- foe em teorias pés-fordistas da produgio, foi publicada recentemente por Manuel Castells nos trés volumes de sua obra The Information Age: Economy Society and Culture. Conforme ele conclu Uma nova economia surgiu nas duas tltimas décadas em escala mundial. Eu a chamo de informacional e global para identificar suas nitidas caracteristicas fundamentais e para enfatizar o seu entrelagamento. Ela é infor- ‘macional porque a produtividade e a competi- tividade de unidades ou agentes nessa econo- ria (sejam eles firmas, sejam regioes, sejam nagées) dependem fundamentalmente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar infor- mages baseadas no conhecimento de forma eficiente. Ela € global porque as atividades basicas de produgdo, consumo e circulacao, assim como seus componentes... sio organi- zados em escala global... Ela ¢ informacional ¢ global porque, dentro das novas condigées histéricas, a produtividade é gerada ¢ a com- Petigéo ocorre através de uma rede global de interagéo,"® Para Castells, essa economia informacio- nal é diferente da economia mundial que sur- gitt no século XVI: Uma economia global é algo diferente: ela é tuma economia que possui a capacidade de operar como uma unidade em tempo real e em escala planetéria, Enquanto 0 modo capi- talista de produgdo caracteriza-se por sua expansio incansdvel, sempre tentando supe- rar os limites de tempo ¢ espago, é somente no final do século 20 que o mundo consegue se tornar realmente global, com base na nova infra-estrutura proporcionada pelas tecnolo- gias da informatica e das comunicagdes.”” Uma caracteristica central desse capita liso altamente globalizado que tanto afetou os mereados de trabalho é a localizagao dos fatores de produgéo que nao se encontram mais dentro de uma proximidade geogrifica. Além disso, as taxas de lucros marginais cres- cem por causa do continuado aumento na produtividade per capita (cujas taxas de cres- cimento continuam a aumentar em alguns patses de capitalismo avancado) e da redugio de custos (por meio de demissées, intensifica- do da producao, substituigao de trabalhado- res mais caros por outros mais baratos e subs- tituigdo de mao-de-obra por capital). Com a crescente segmentagao de mercados de traba- Iho, na qual os principais mercados oferecem mais renda, estabilidade e privilégios, ha uma crescente substituigao do saldrio fixo por pa- gamentos de servicos realizados. Isso cria uma clara distingdo entre os ordenados nomi- nais e reais dos operarios e o saliiio social via empréstimos indiretos e agdes do Estado. Ao mesmo tempo, esse conjunto de transforma- ‘des implica 0 declinio da classe trabalhadora € uma redugao do poder da mao-de-obra or- ganizada para negociar politicas econdmicas € a constituigao do pacto social. Essas mudangas na composi¢ao global da mio-de-obra e do capital ocorrem em um mo- mento em que hé uma abundancia de mao-de- obra e em que os conflitos entre o trabalho eo capital esto diminuindo. © aumento no nti- 30 / NicHOUS C. BURAULES, CARLOS ALBERTO TORRES & COLAFORADORES mero de trabalhadores excedentes também es- 1té associado ao aumento na competicao inter- nacional ¢ conviegao, por parte da classe operdria e dos sindicatos, de que nao é possi- vel pressionar as companhias na busca por mais ¢ melhores servigos ou saldrios sociais. Isso € impossivel porque hd abundancia de m§o-de-obra e porque as margens de lucro re- duzidas das companhias no ambiente transna- cional e competitivo resultaram em perdas de emprego e na migracio acelerada de capital de mercados regionais em paises capitalistas avanados para dreas onde a mao-de-obra é altamente qualificada e mal remunerada. Uma das conseqiiéncias mais dramdticas foi a es- tagnacao ou 0 declinio de salérios reais para a maioria da forca de trabalho nos Estados Uni- dos, durante as duas titimas décadas, assim ‘como grandes aumentos em riqueza e renda para os 20% da populacdo que j4 eram mais ricos."® ‘A. ameaca de acordos regionais de livre- comércio como 0 NAFTA out 05 novos acordos propostos pela Organizagéio Mundial do Co- mércio marca os limites das politicas prote- cionistas. Exemplos conhecidos sao: engenhei- {0s treinados e especialistas em informatica da india entrando na folha de pagamento de em- presas norte-americanas por uma fragéo do custo de empregar funciondrios de colarinho branco norte-americanos; produgdo em massa de baixo custo feita por operdrios chineses, as vezes sujeitos 20 trabalho escravo; e jovens garotas da Indonésia, trabalhando na produ- Go de ténis da Nike com um saldrio de dez centavos de délar por hora. Para lidar com essas taxas de lucro redu- zidas, o capitalismo transnacional busca maior produtividade per capita ou a redugio dos custos reais de produgio, assim como a trans- feréncia de atividades de producdo para zonas francas, onde existe mao-de-obra barata e al- tamente qualificada, pouca organizagio dos trabalhadores, acesso fécil, eficiente e barato aos recursos naturais, condigdes politicas fa- vordveis, acesso a infra-estruturas e recursos nacionais melhores, mercados maiores e in- centivos fiscais.” E imperativo situar as novas realidades nacionais e regionais dentro do contexto das mudangas econdmicas, politicas, sociais ¢ cul turais globais dos uiltimos 25 anos. A atual si- tuagdo regional é afetada por intimeras mudan- as, entre elas: a ascensdo dos pafses recém- industrializados da Asia ¢ do Circulo Pacifico (e seu impacto sobre os modelos de desenvolvi mento econémico até 0 fiasco financeiro do vero de 1997); a promessa de consolidar mer cados econ6micos regionais no contexto da glo- balizacao e regionalizaco politica (por exem- plo, a Comunidade Econémica Européia, 0 NAFTA e 0 MERCOSUL, assim como o Fundo Monetario Internacional e 0 Banco Mundial); a intensificagdo da concorréncia entre as prince pais poténcias industriais da Alemanha, do Ja- pao e dos Estados Unidos; a abertura da Europa do Leste; ¢ 0 ressurgimento de conflitos étnicos e religiosos regionais. E, finalmente, dentro da categoria de globalizagao cultural, essas mu- dangas estéo ligadas a cultura global e a pro- cessos complexos de imposigio neocolonial, hi- bridizagio e resisténcia.”” ‘Trabalho, estrutura ocupacional e educagao. Enquanto o sistema ptiblico de educagio, na velha ordem capitalista, estava mais orientado para a producao de uma fora de trabalho confidvel e disciplinada — embora houvesse resisténcia a reprodugao sist8mica ea outras respostas politicas radicais, mesmo nes- ses cenétios escolares -, a nova economia global requer trabalhadores com a capacidade de aprender rapidamente e trabalhar em equipe de formas confidveis e criativas.® Os trabalhadores mais produtivos em uma economia global sao aqueles que Robert Reich chama de “analistas simbélicos”, que formarao os segmentos mais produtivos e dindmicos da forga de trabalho.” Juntamente com a segmentago de merca- dos de trabalho, a globalizagao implica a subs- tituigdo dos trabalhadores fixos por trabalha- dores avulsos (com uma redugao substancial no custo da mao-de-obra, devido a menos conti buigdes do empregador para satide, educacao ¢ previdéncia social), um aumento na participa- gio feminina nos mereados de trabalho, uma queda sistematica nos saldtios reais e um cres- cente abismo que separa os trabalhadores assa- lariados dos setores dominantes da sociedade e daqueles que recebem saldrios de subsisténcia Guoaauzacao € spucacho! 31 feno internacional semelhante pode ido no crescente abismo social e eco- féo entre os paises em desenvolvimento € as ‘nagées capitalistas avangadas. As implicacdes do modelo econmico in- formacional global para as estruturas ocupa- cionais e as demandas educacionais sao signi- ~ ficativamente diferentes daquelas propostas por modelos da “sociedade pés-industrial”. Es- tes, baseados principalmente em extrapola- 96¢s lineares de dados da primeira metade do século XX, enfatizam a mudanga do local de produtividade pelos setores ocupacionais, de- fendendo uma mudanca da atividade priméria pare a secundaria, e depois para a tercidria {por exemplo, servicos). Porém, como afirma Castells, com base em uma detalhada andlise comparativa, “A distingao apropriada nao é entre uma economia industrial € uma pés-in- dustrial, mas entre duas formas de produgao industrial, agricola e de servigos baseadas no conhecimento... Portanto, proponho mudar a énfase analitica de pés-industrialismo.... para informacionalismo”.®* Baseado na andlise com- parativa de tendéncias nas duas iiltimas dé- cadas e de projecdes futuras, Castells descreve as mudangas ocupacionais complexas que re- sultam como segue: ‘© 0 declinio estdvel de empregos tradi cionais em fabricas; a ascensio de servigos de manufatura servigos sociais, com énfase em servigos comerciais na primeira categoria e servi- os de satide na segunda categoria; a crescente diversificagio de servigos industriais como fonte de empregos; a répida ascensfo de empregos adminis- trativos, técnicos e de profissionais libe- rais; a formacdo de um proletariado de “co- larinho branco”, formado por trabalha- dores burocraticos e vendedores; a relativa estabilidade de uma porgao substancial dos empregos no comércio varejista; © aumento simultdneo dos niveis supe- riores e inferiores da estrutura ocupa- cional; € a relativa elevagio da estrutura ocupa- cional ao longo do tempo, com uma parte crescente das ocupacées que re~ querem habilidades superiores ¢ edu- cago avancada proporcionalmente mais alta do que o aumento nas cate- gorias inferiores.** Conforme adverte Castells, essa estru- tura ocupacional “elevada” nao possui uma re- lagdo necessaria com “elevar” a sociedade co- mo um todo ou aumentar a renda ou a igual- dade. A partir dessa perspectiva, nao existe um modelo tinico de uma sociedade informa- cional; varios paises do G-7 jé buscaram estra- tégias um pouco diferentes.* O sucesso rela- tivo da Alemanha e do Japao nas décadas de 1970 e 1980, por exemplo, baseou-se, em par- te, no processamiento de informacdes embuti- do na produgio material ou na manipulagéo de mercadorias, “em vez de ser separado em uma acelerada divisdo técnica da mao-de- obra’. O resultado sao dois padrées distintos de economia informacional: 0 “modelo da eco- nomia de servigos”, representado pelos Esta- dos Unidos e 0 Canada, e o “modelo da pro- dugo industrial”, encontrado no Japao e na Alemanha, Uma implicagéo crucial dessa linha de andlise para a educagio é que o advento da economia informacional no acarreta - apesar de muita propaganda popular do contrério ~ qualquer mudanga radical ou dramética de padres de emprego além de tendéncias que ja tem estado evidentes nas duas tiltimas déca- das. Embora essas mudancas néo impegam outras tentativas de relacionar a formacao pa- rao trabalho com projecdes sobre a globaliza- co, a eficdcia geral ¢ a significdncia dessas, estratégias so passiveis de serem anuladas ou limitadas. Se essa linha de argumentacao for valida, entao o impacto mais significative de uma economia global e informacional sobre a educagio sera sentido em outro lugar. Poderiamos argumentar que as implica- gdes mais decisivas da globalizagio e do pés- fordismo para a educacdo estao em trés reas: (1) de maneira mais fundamental, o papel di- ferente do Estado na economia global e infor- macional (ou seja, pés-fordista), em resposta aos fracassos do modelo de desenvolvimen- to keynesiano, de bem-estar social anterior; 32 / NicHoLas C. BuRALLES, CARLOS ALBERTO TORRES & COLABORADORES (2) presses neoliberais para desenvolver poli- as eduicacionais que tentem reestruturar sis- temas educacionais pés-secundarios, seguindo inhas empresariais, para proporcionar respos- tas educacionais flexiveis ao novo modelo de produgao industrial; e (3) um apelo semelhan- te pela reorganizacao da educagio primaria ¢ secundaria e pela educagéo do professor, se- guindo linhas que correspondam as habilida- des e competéncias (¢ assim, qualificagdes educacionais) exigidas de maneira ostensiva dos trabalhadores em um mundo globalizado. Consideraremos a questo do Estado se- paradamente na préxima seco. Depois disso, ‘examinaremos diversos contextos de transfor- magdo que sugerem os impactos sobre cend- rios educacionais: educagao internacional, educacdo global a distancia, a mudanga para © “capitalismo académico” na educagdo supe- rior e apelos por mudancas na educagéo de professores ¢ em curriculos, que s4o adap- tados aos supostos imperativos do novo traba- thador “flexivel”. A EDUCAGAO E O ESTADO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAGAO 0 sistema tradicional. Com relagio a educacio, o sistema pitblico de educagéo, na antiga ordem capitalista, estava orientado para a construcéo de “cidados” para o Estado, as- sim como para a produgéo de uma forca de trabalho disciplinada e confidvel, do tipo agora caracterizado como processos de produgao “fordistas”.2” No contexto da globalizaao in- tensificada, © proprio nacionalismo, ligado a formagio tradicional da cidadania, tem sido questionado. Como conseqiiéncia, um novo impeto foi dado a uma concepgao mais cosmo- polita de cidadania, do tipo anteriormente pro- movido no contexto do papel de “estudos in- temnacionais” em um curriculo de ciéncias hu- ‘manas.* De forma mais ameagadora, a nova economia global pés-fordista parece requerer novos tipos de trabalhadores que sejam adap- taveis a regimes de trabalho flexiveis e empre- gos inseguros, um processo com implicagdes profundas para as “fungdes” de instituicdes educacionais. Nessa perspectiva, as organiza- ges de professores funcionam principalmente como um obstaculo & adaptagio dos sistemas educacionais a esses novos imperativos. ‘Mas os argumentos mais dramaticos em favor do impacto da globalizacdo sobre a edu: cacao foram desenvolvidos em nome de rei- vindicagdes “pés-modernas” a respeito da ob- solescéncia do Estado. Na provocativa for mulago de um critico "pés-moderno”: © sistema educacional nacional tem algum § futuro? O pés-modernismo sugere que nao. de fato, toda a légica da teoria pos-modernae da globalizagio é que o sistema educacional F nacional em si jé est morto, tornou-se irvele- 73 vante, anacrOnico ¢ impossivel de uma s6 vex. & Os governos nao tem mais o poder de deter minar seus sistemas nacionais e, cada ver [== mais, cedem o controle para organizagées regionais e internacionais por um lado... €p# a consumidores por outro... Com a crescente diversidade social ¢ fragmentagio cultura, individualistas, despidos de suas associagbe piiblicas e coletivas. A medida que o Estade nacional se torna uma forca marginal na now & uum bem de consumo individualizado, que é oferecido em um mercado global e acessade através de conexdes via satélite ¢ cabo. & educagao nacional deixa de existir’” ‘Mesmo que formulagées to extremasse jam rejeitadas, fica claro que as tarefas da ed cago na formacdo da cidadania nacional de vero necessariamente mudar em diregio # terdependéncia globais. Porém, o erro subje cente a esse tipo de argumento sobre a irrele vancia dos sistemas de educacao naciona parte de uma explicacao simplista das impl cagées da globalizagéo para a autonomia é Estados nacionais. © Estado: ineficaz ou interdeper- dente? A celebragao ¢ a condenagao do supa to declinio do Estado de bem-estar social po dem ser encontradas em muitas formas deol! orienta ggicas e analiticas. Porém, a maioria dessas ané &* -otientac lises nao aborda a questo mais precisa de ce," + volvidas ‘moo enfraquecimento dos poderes estataisten’:< Gré-Bre conseqiiéncias potencialmente graves, devidoie. de pode a da globalizagao. Além disso, muitos as confundem perda de soberania com da de poder; como em oposicéo 8s formas sformadoras de poder. Segundo Castells: Enquanto © capitalismo global prospera, € ~ ideologias nacionalistas explodem por todo mundo, 0 Estado, historicamente criado na dade Moderna, parece estar perdendo a sua forca, embora, € isso € essencial, ndo a sua -influéncia... De fato, 0 crescente desafio & soberania do Estado em todo o mundo parece se originar na incapacidade do Estado moder- no de navegar nas 4guas turbulentas ¢ desco- nhecidas entre o poder das redes globais ¢ 0 desafio de identidades singulares. A capacida- de instrumental do Estado é enfraquecida, de forma decisiva, pela globalizagio de ativida- des econdmicas fundamentais, pela globali- zagfo da midia e da comunicagao eletronica e pela globalizacao do crime.” 0 neoliberalismo versus 0 desafio da globalizagdo. O desafio neoliberal para 0 stado de bem-estar social proporcionou as “mais influentes bases ideolégicas para dar as doaswvindas a esse enfraquecimento dos po- ma aa F t deres estatais centrais. Porém, a ascensao do lol neoliberalismo parte de algo além de seu iv apelo ideol6gico; 0 seu sucesso esteve intima- mente relacionado com as pressdes da globali- za¢io que surgiram na década de 1970. A crise fiscal do Estado, produzida pelas estratégias keynesianas classicas do Estado de bem-estar, nio produziu uma crise de legitimagao do tipo que levasse ao ressurgimento do socialismo democratico, conforme muitas pessoas de es- querda esperavam.*’ Em vez disso, o thatche- rismo e 0 reaganismo tornaram-se os pontos de referéncia ideolégicos para um vasto pro- cesso de reestruturagiio que reduziu as de- mandas feitas aos Estados de bem-estar social € proporcionaram um ambiente regulador mais flexivel, dentro do qual os processos eco- némicos globalizantes puderam proceder com menos obstaculos. Paradoxalmente, contudo, essas politicas orientadas para um Estado menor e mais orientado para o comércio também foram en- volvidas, em certos contextos (por exemplo, Gri-Bretanha ¢ Austrdlia), com o uso do gran- de poder estatal para forcar a reorganizagao Guopauzagho € EDUCAGAG [33 de sistemas educacionais. Por exemplo, em uma recente entrevista com um dos autores, Noam Chomsky, com discernimento, afirmou que as universidades sempre foram institui- g6es parasitarias, pois dependem de recursos pliblicos e privados e, de fato, 0 processo geral de recursos financeiros impoe limites severos A autonomia das universidades em sociedades capitalistas avancadas: As universidades so instituigdes parasitérias. Elas ndo geram os seus recitrsos. Nao temos uma verdadeira sociedade de mercado. Até 0 ponto em que esta ¢ uma sociedade de mercado ~ uma sociedade de mercado con- duzida e limitada — as universidades nao es- to no mercado. Entao, elas nao se sustentam com as matriculas, elas se sustentam com financiamentos de outras fontes. Parte desse financiamento € puiblica. Pode-se chamé-lo por diferentes nomes: pode-se chamé-lo de bolsas de estudo, ou de verbas para pesquisas, mas uma das fontes é publica, por meio do governo. Outra fonte & por meio de pessoas ricas que fazem doagdes. Uma terceira fonte é © patrocinio empresarial da pesquisa, e assim por diante. Basicamente, essas sio as fontes de financiamento. As universidades, todavia, tém 0 sério problema de que, de fato, os indi- viduos, em seus departamentos, tém micro- cosmos do problema para manter a indepen- déncia e a integridade intelectuais diante de uma existncia parasitéria, E esse nfo é um ‘caminho facil de seguir... universidades sérias =e esta é uma afirmagio séria ~ devem en- frentar 0 conflito entre as fontes de sua exis- téncia e financiamentos que ajudarao, de for- ma avassaladora, a manter os sistemas de poder e autoridade existentes. Nao hé como ser de outra forma. Chomsky parece concordar com a supo- sigdo implicita de Castells de que o Estado po- de ser enfraquecido por imimeros processos, a globalizagdo sendo um deles, mas que a sua influéncia nao ¢ enfraquecida. De fato, a fun- 40 tradicional dos subsidios estatais para em- presas niio foi abandonada sob as politicas neoliberais. Chomsky concordaria que, no passado, as politicas industriais se resumiam de forma clara e simples na fungao das forcas armadas: “A fungdo das forgas armadas ¢ subsidiar a tecnologia de massa, elas nao se 34/ NicHours C. BURBLLES, CARLOS ALaERTO ToRRes & COLASORADORS preocupam realmente com a aplicagao militar Seu papel é criar uma base tecnoldgica e cien- tifica para a préxima geracdo de lucros empre- sariais... isto se chama politica industrial”. De fato, para Chomsky, a atual condicao neoliberal nao é tao diferente do passado, se olharmos os financiamentos militares para pesquisas ¢ as implicagdes para uma das mais populares e crescentes ferramentas comer- ciais, a Internet: Na verdade, um dos exemplos mais recentes disso é a Internet, que atualmente é con- siderada a grande oportunidade comercial, 0 triunfo da livre empresa, e tudo isso partiu de uma agéncia de pesquisas de defesa. Eles tiveram a maior parte das idéias de softwares € forneceram os recursos iniciais... Durante 30 anos, o financiamento ¢ a iniciativa inte- lectual vieram predominantemente do setor estatal: do Pentagono, da Fundagio Nacional da Cigncia, Finalmente, alguns anos atras, aquela foi passada para as empresas, e agora elas a estio usando como uma ferramenta pa- a 08 seus lucros enormes, o que tem ocorrido com quase todas as tecnologias titeis.* GLOBALIZAGAO E DIALETICA LOCAL: IMPLICACOES PARA AS POLITICAS EDUCACIONAIS Introdugao: 0 local, 0 global e a mercantilizagéo. As mudancas educacio- nais ligadas a globalizago do capitalismo nao podem ser resumidas rapidamente em teses gerais, pois a educacao esta envolvida em mu- dangas culturais mais amplas, que sao essen- cialmente contraditérias. Conforme Kellner coloca de maneira criteriosa, “A cultura, atual- mente, é um terreno especialmente complexo € disputado, porquanto as culturas globais permeiam as locais, e novas configuragées sur- gem, sintetizando ambos os pélos, proporcio- nando forgas contraditdrias de colonizacao ¢ resisténcia, homogeneizagao global e formas ¢ identidades hibridas locais”* Como conse- qiéncia, versdes simplistas da teoria da de- pendéncia e do imperialismo cultural nao sio adequadas para explicar os padrées emergen- tes que relacionam o local e o global No contexto da educacao, contudo, Possivel identificar um efeito estrutural crucial © penetrante que define a forma de globalized sao neoliberal que est ocorrendo: a mercan tilizagao, Historicamente, 0 Estado manteve uma considerdvel autonomia ao construir si temas ptiblicos de educagao em massa e fisca- lizar empreendimentos privados orientados para o lucro de forma ampla. Embora as teo- rias de reprodugo cultural enfatizassem as maneiras como esse uso da autonomia estatal contribui de forma indireta para a perpetus do dos sistemas de classe existentes, cles mantinham o pressuposto de que o Estado de- veria exercer essa responsabilidade diretiva, ainda que de uma forma mais igualitéria. Além disso, a globalizagao, em_ principio, admite a possibilidade de que um planejamen- to tao radicalizado possa assumir formas in- ternacionais, abordando desigualdades trans- nacionais. O que as primeiras teorias de reproducio cultural nao previram, contudo, foi a possibi- lidade de que houvesse uma privatizacao ¢ uma mercantilizagio em massa de atividades educacionais que fossem racionalizadas em termos da inevitével “légica” e dos imperati vos da globalizagao, vista como um processo deterministico. Nesse sentido, 0 advento da globalizagio proporciona uma base racional para reorganizar o “principio da correspon- déncia”, que conecta, segundo os marxistas estruturalistas, a economia e os sistemas edu- cacionais, Porém, esse elo entre “competitivi- dade” e privatizacdo representa uma expres- so da ideologia neoliberal mais do que qual- quer um dos imperativos inerentes e invarié- veis que surgem da globalizacdo. E por isso que um dos pressupostos basicos deste capi- tulo € diferenciar a globalizacdo neoliberal, como ideologia, da globalizacao da economia, da politica e, as vezes, da cultura, como pro- cesso histérico e cultural. A criaao original da educagao em massa ‘como bem ptiblico baseow-se em uma visio fundamental das forgas e fraquezas dos merca- dos como um meio de organizar atividades civis. Acima de tudo, em sociedades rigorosa- mente divididas em classes, existe uma discre- pancia profunda entre as “necessidades” edu- | cacionais e a capacidade de pagar, assim como requisitos da sociedade para o planejamento, os quais nao podem ser cumpridos por decisdes de nercados a curto prazo, individualistas, e que apresentem uma flutuagéo ampla, Apesar da importancia de se fazer uma critica ao conhe- cimento educacional no contexto do planeja- mento estatal,** ela nao deve ser confundida ‘com argumentos para abandonar a responsabi- lidade piblica as forgas do mercado.” Finalmente, deve-se reconhecer que, com as condigdes certas de mercado, este pode ser usado de forma seletiva para abrir e plura- lizar aqueles sistemas educacionais ptiblicos que estiio caleificados. Esta possibilidade é particularmente atrativa em sociedades com instituigdes democraticas fracas ¢ instaveis, que sio incapazes de iniciar reformas eficazes ‘no setor publico. Porém, 0 perigo crénico = desse tipo de estratégias é que elas simples- mente reforcam desigualdades educacionais, encorajando os setores afluentes da sociedade * acriar um sistema educacional privado, ero- dindo assim os compromissos das elites domi- nantes com o sistema piiblico. De maneira ampla, o surgimento da pro- blematica da globalizacao na educagiio contri- buiu para uma reconfiguragao de posigdes po- lticas com relagio & politica educacional.®* As posig6es politicas da esquerda esto cada vez mais defensivas, por exemplo, defendendo os valores humanos mais humanistas ¢ os méto- dos pessoais de instrugo da educagao tradi- ional.” Nesse contexto defensivo, muitas das criticas anteriores da esquerda sobre os efeitos das escolas na reprodugio de desigualdades de classe, raga e género sao inevitavelmente deixadas de lado, Além disso, a agenda de reforma educacional em resposta a globaliza- cio tem sido amplamente dominada pela di- reita neoliberal e por profetas otimistas, que falam da forca da integracdo de novas tecno- logias da informatica para transformar a transmissdo da educagao. Neste ponto, seria educativo deixar o quadro mais amplo das relagGes entre a globa- lizagdo, a educago e o Estado, abordando alguns contextos de transformagao especi cos. Varios desses contextos de globalizagao na educaco podem ser identificados: novos Cosauzagao € toucagio / 35 avangos em educacao intercultural (por exem- plo, a educagio internacional e a educacao global a distancia); o impacto de politicas de ajuste estrutural impostas por érgaos interna- cionais em paises em desenvolvimento, em nome da criagao de uma economia global; a ascensio de universidades empresariais, em resposta as pressdes da globalizacao; e tentati- vas de reformar os curriculos primdrio e se- cundario e a formagio do professor em nome da globalizagao, enfatizando os imperativos da produgio flexivel que sio exigidos pela competitividade internacional. Educagéo intercultural. Certos as- pectos de tendéncias mais recentes da globali- zagio em educagio originam-se de problemé- ticas interculturais mais antigas que assumi- ram novos significados. Por outro lado, a cres- cente percepgao de interdependéncia deu vida nova a nogdo humanista de “educagio cosmo- polita” como parte de uma estratégia de des- fazer as diferengas culturais ¢ a falta de comu- nicagdo. Por outro lado, essa nova situagio criou os meios tecnolégicos ¢ a demanda ~ de- rivada principalmente de sociedades ¢ regides marginalizadas e periféricas — por acesso a0 conhecimento “global” dominado pelos cen- tros cosmopolitas, por exemplo, no contexto da educagao global a distancia. Educagdo internacional. Em uma de suas formas mais construtivas, porém margi- nalizada, essa “conversa global” deu um novo impeto a velha nogio de educagio “interna- cional” como a base do curriculo de ciéncias humanas. Em vez de ser diretamente moti- vada pelos imperativos econdmicos da com- peticao global, essa tradi¢ao pedagégica origi- na-se em uma concepcao humanista da diver- sidade cultural, um tema que ¢ reforcado por nogées contemporaneas de multiculturalismo, assim como por estudos pés-coloniais."? Talvez ainda mais importante do que o objetivo lou- vavel de criar um entendimento intercultural, essas novas formas de educagio internacional, devem confrontar os aspectos negativos da globalizagio, especialmente porque eles afe- tam as instituigdes educacionais. Porém, essas abordagens criticas tendem a ser marginaliza- 36 / Nicovas C. Buasutts, CARLOS ALBERTO TORRES & COLABORADORES das devido & origem filantrépica de grande parte dos recursos para esse tipo de projetos educacionais globais ¢ suas ligagdes com a criagio de.estagidrios nao-criticos ¢ disponi- veis para empresas internacionais, ‘Ainda assim, a internacionalizagio da educagio parece ser um elemento funda- mental para 0 cendrio educacional contem- pordneo. Universidades do tipo “fabrica de di- plomas” nos Estados Unidos, por exemplo, que hao conseguem capturar wma porgao razodvel do mercado universitario do pais devido & sua ma reputagio, cresceram em outros paises, ‘com programas de educagio a distancia, au- mentando radicalmente suas matriculas, par ticularmente de estudantes de classe média, em paises em desenvolvimento ¢ emergentes. ‘Angariar fundos adquiriu uma dimensao in- ternacional, porquanto as universidades se abrem a estudantes de paises emergentes ~ embora a tendéncia crescente de angariar ver~ bas para a academia na Asia tenha diminuido com a crise dos tltimos dois anos. Os sin- dicatos de professores tém-se envolvido mais ativamente em intercdmbios internacionais centre seus membros, com a criagéo de organi- zagbes mais hemisféricas de sindicatos de pro~ fessores, Relagdes do tipo escola-irma explo- diram nas ultimas trés décadas, com uma par- ticipagdo cada vez maior. As organizagdes internacionais de educagéo aumentaram sua participagdo e ago em suas dreas de compe téncia nas titimas décadas (por exemplo, 0 World Council of Comparative Education e os programas Fulbright). Os padrdes educacio~ nais tém sido estabelecidos por determinadas organizagées internacionais e sio conside- rados marcos em muitos campos educacio- nais, Por exemplo, a Organization for Eco- nomic Cooperation and Development (OECD) desenvolveu “equipes de certificacao” para avaliar, no caso de solicitagao por um pais ou instituigio, as condiges de universidades pes- quisadoras em paises em desenvolvimento, € suias recomendacées tém um peso substancial sobre os financiamentos locais, 0 reconheci- mento oficial ¢ a avaliago da instituicao. Esse processo da OECD néo apenas tem sido funda mental para reconstruir a educagéo superior ‘em muitos paises em desenvolvimento, como “a OECD tem sido uma fora importante em produzir informacdes e em estimular a anélise Ge um modelo comparativo, transnacional € global”.*” De fato, esta surgindo outro tipo de Tovimento social, particularmente em pafses avancados, com uma rede crescente de eduuca- dores e associagées ligada a educagao global, como uma tentativa de expandir a “visio global” dos estudantes. Educacdo global a distancia. Outro contexto em que a globalizagao tem tido um impacto significativo é o campo, crescente, da educagio “global” a distancia. Embora mo tivada, em parte, por avangos tecnoldgicos co mo a Internet, a educacao “global” a distancia tem respondido com sucesso a cortes na edi cago publica e atingido aqueles que necesst § tam de acesso a recursos externos aos paises em que vivem. Entre os argumentos a favor desse tipo de educacao global, estao: as vante gens de uma clientela de estudantes mais di: versa; maior acesso (um tema que define a or gem ¢ a atual expansao global da Open Uni Versity no Reino Unido); disponibilizagao de niveis mais altos de conhecimento para au diéncias maiores; € resposta a um curricule educacional que é inerentemente global (po exemplo, ambientalismo, estudos do pacts mo e até mesmo negécios).“* Porém, també existem alguns importantes argumentos 4 questionam esses avancos: as limitacbes cog: nitivas da transmissao eletrénica e de sistema computadorizados de busca de informacits paseados na fragmentacao do conheciment a perda do lado critico e reflexivo da educaci em um contexto orientado pela venda de pi: cotes de treinamento; a contribuicao da edi cacao global para o sucateamento de coms nidades e sistemas educacionais locais; ¢ 4 papel da educagao global como parte de us proceso mais amplo de invaséo cultural, pecialmente das dreas desenvolvidas do m do para as “subdesenvolvidas”.“® Enquanto ‘ses avangos em sociedades industriais dese volvidas so importantes e afetam as poli cas educacionais de maneira radical, a8 m dangas causadas pela globalizagéo em pai em desenvolvimento sao ainda mais assust doras. sou esc = Thos E: ortante ¢ s em desenvolvimento: ajuste ar a andlise e politica educacional. O im- ‘nacional visivel da globalizagéo sobre a edu- > tipo d -sociedades em desenvolvimento parte m pais esigéo de politicas de ajuste estrutural. e educa sto diretamente ligadas a globalizacao, itido de que todas as estratégias dle desen- nfo esto atualmente ligadas aos impe- $ de criar estabilidade para o capital es- 0, fm outras palavras, devido aos obst nsurdvels de levantar suficiente capital pemamente, ndo hd outra escolha sendo adap- jarse a politicas que sistematicamente reduzem tapacidade dos governos de construir politicas {icos cox dmededueacionais que aumentem a igualdade educa- istancig gnal-ou busquem desenvolver algum grau de na edit iia nacional no contexto da pesquisa e necessi ig desenvolvimento. Neste contexto, organiza- 5 paise bileterais e multilaterais (de maneira mais a favor importante na educacao, o papel do Banco Mun- ‘eda UNESCO) tém uma forte presenca na ymulagéo de politicas educacionais, ainda © mais dentro de contextos de austeridade finan- irae reformas estruturais das economias. ais dis do de Indmeras andlises criticas da presenca in- ra au. ional na politica educacional enfatizam rriculo ee quea presenca de doadores externos pode levar al (por fee aum proceso de planejamento de politicas sacifis- ae piblicas por meio do marketing, em vez de imbém fe escolhas e planejamento ptiblicos racionais (ou Ds que ‘$e sea, selecionando 0s tipos de projetos que sao 5 cog- fe mas provaveis de serem financiados por doa- temas ‘fee dores externos e torna-los os componentes ages, ¥. centrais de determinada politica ptiblica"). Esses nento; ge tigos de estudos criticos examinam a maneira icagao como a presenca de érgaos externos, como 0 te pa- f= Banco Mundial ou a UNESCO, condicionam e, 1 edu- fe emalguns casos, determinam a maneira como somu- fe areforma educacional é conduzida; prioridades eo B sio atribufdas; pesquisas sobre reformas le umf educacionais sao projetadas, implementadas ¢ al, es- fp utlizadas; e iniciativas de politicas sao sele- mun- — _ conadas, avaliadas ou propostas. Certas opes toes. p ée politicas puiblicas recebem legitimidade e esen. f @poiofinanceiro to amplos que se tornam pra- soliti. — ticamente hegeménicas.** mu Por exemplo, imimeros debates e iniciati- ‘aises | v#8de financiamento educacional, como vales usta. f- ov escolas charter and magnet, desenvolvidas nos Estados Unidos e na Inglaterra,"* esto Groanuracio € eoucagho / 37 sendo discutidos ¢ implementados em diver- sas sociedades em desenvolvimento; ¢ certas pessoas descrevem a discussio central a res- peito da presenca de organizagées internacio- nais na formulagao de politicas educacionais como a luta por “responsabilidade”.” Talvez nenhum local tenha estado mais sujeito a es- ses processos de internacionalizacao € globa- lizago do que a universidade. Globalizagao e universidades: 0 capitalismo académico. Em sociedades altamente desenvolvidas, 0 impacto mais severo da globalizagao sobre a politica educa- cional ocorreu naqueles contextos em que 0 desafio real ou imaginado da globalizacéo teve implicagdes para a reestruturagao funda- mental das instituig6es pés-secundérias.“* Conforme afirmam Slaughter e Leslie em Aca- demic Capitalism, as mudangas contempora. neas na academia — baseadas em seu estudo da Gra-Bretanha, dos Estados Unidos, da Aus- trdlia e do Canada — sto compardiveis em signi- ficdncia aquelas realizadas durante os tiltimos 25 anos do século XIX. Assim como a Revo- lugdo Industrial daquele periodo criou a rique- za que possibilitou o sistema universitdrio mo- derno, a globalizagio da economia politica do final do século XX estd desestabilizando os padrdes de trabalho universitario profissional desen- volvides durante os tiltimos cem anos. A glo- balizagao esti criando outras estruturas, incentivos e recompensas para certos aspec- tos das carreiras académicas ¢ est, simulta- neamente, instituindo limites e desestimulos para outros aspectos das mesmas.” Como concluem Slaughter e Leslie Apesar das diferengas to reais em suas cul- turas politicas, 0s quatro pafses desenvolve- ram politicas semelhantes naquelas questdes em que a educagio superior se encontrava ‘com a globaliza¢ao da economia politica pds- industrial, Polticas de educagdo tereidria em todos os paises aproximiaram-se de ciéncias e tecnologias que enfatizassem o capitalismo académico, as custas da pesquisa bésica ou fundamental, em direcao a politicas curricu- lares que concentravam recursos na ciéncia & 38 / NicHowas C. BuRBULES, CARLOS ALMERTO TORRES & COLABORADORES tecnologia e em campos préximos ao mer- cado..., objetivando um custo governamen- tal menor por estudante € politicas edu- cacionais que reduzissem a autonomia das instituig5es académicas e do corpo docen- te* Porém, seria perigoso tirar conclusdes precipitadas a respeito das implicacées gerais desses achados. Embora os autores concluam que essa “convergéncia é melhor explicada pela teoria da globalizacio” (ou seja, pelo im- perativo do abandono do modelo keynesiano de crescimento e competigao internacional), esse padrdo nao tem sido amplamente encon- trado em formas extremas em outras socie- dades avancadas. Mesmo 0 caso do Canada ~ onde as universidades tém resistido de ma- neira eficaz a essa mudanga estrutural, ape- sar de um maior interesse em financiamentos ena redugao de custos por estudante - diver- ge em importantes aspectos. Essa diferenga é atribuida a descentralizacao extrema da edu- cagio, embora se argumente que niveis ele- vados de divida publica podem exigir tais mudangas no futuro.*! © problema aqui envolve distinguir, de maneira mais clara, a crise fiscal do Estado de bem-estar social (que forca uma redugao de custos que néo corresponde a inclinacées ideolégicas) e as supostas pressées da globali- zagio que envolvem uma reorganizagio dos processos de produgo e a subordinacéo da educagio a cla, Nao se deve pressupor que es- sas respostas especificas a globalizacdo sigam algum tipo de légica inexordvel baseada em imperativos econémicos, em vez de uma con- vorgéncia ideolégica ~ mais notavel nos pai ses de lingua inglesa — para receitas educacio- nais neoliberais como uma resposta especifica & globalizago e a competigo internacional. Com certeza, 0 fracasso da esquerda em pro- por, de forma eficaz, estratégias alternativas & globalizacao (por exemple, politicas orienta- das mais para a cooperacéo do que para a competicéo neo-darwiniana) deixou a im- presséo de que as opcées neoliberais eram as tinicas disponiveis.** ‘Também nao sz deve esquecer que res- postas locais a pressdes globalizantes tém im- plicagées paradoxais e até contraditérias. Por exemplo, no caso da Califérnia, 0 fendmeno global da imigrago foi recebido com as dec- ‘sdes politicas das Propositions 187 © 209, as § quais, em efeito, tornam mais dificil aleancare ‘manter uma sociedade diversa (uma caracte- ristica da globalizacao) no contexto da luta perene por igualdade e representagao. De ma- neira semelhante, a proscrigao da educacio bilingtie em alguns estados dos Estados Uni- dos, assim como a forma como sao tratados 0s, empregados estrangeiros na Europa e no Ja- pao, reflete uma atitude popular defensiva Giante da globalizagao, que indica a disjungio entre o local e o global na vida cotidiana da maioria das pessoas. Globalizando a educagao funda mental e secundaria: 0 trabalho e o trei namento do professor. Embora o principio de treinar as pessoas para a economia globa- lizada seja central & agenda das reformas neo liberais na educagdo pés-secundétria, esta ques to é complicada, devido & ampla dindmica de reorganizacéo da pesquisa e do desenvolvimer- to no contexto da autonomia consideravel des sas instituigdes pés-secundarias. Além disso, 0 elevado grau de capacidade e criatividade ex gido dos estudantes nesse nivel facilita desafia as nogées simplistas de treinamento técnico que sfio orientadas para os mercados de trabalho emergentes. Nos niveis fundamental e médio, contudo, ¢ consideravelmente mais facil intr duzir uma agenda que possa envolver a redef- nigio do papel e a preparagao dos professores, bem como um curriculo complementar, orient do para a formacao do novo tipo de trabalhador que é necessdrio na economia global. Em parte, isso requer que se faga uma distingao nitida en © tre rotas académicas e vocacionais, revertendo, assim, movimentos anteriores contra streaming and tracking’, desenvolvidos em nome da equ dade educacional. Algumas das reformas mais F radicais e bombésticas desse tipo foram realize 7 gucaming and wacking: prticas escolares em quese je ida agrupam os alunos de acordo com sevnivel de desempeto ( escolar: Turmas ‘A’, “B”, “C*. =. -neolit mune s. Por meno ; deci- =, as are cte- ‘uta ma- do Ink fiar ue tho tio, tro efi- tes, tae dor ne, en- do, ing iit rais za rho das na Gra-Bretanha e especialmente na Aus- trélia* De muitas maneiras, a imagem do novo tabalhador sugerida pela teoria pés-fordista parece atraente. Os imperativos da produgio fle- xivel exigem trabalhadores capazes de niveis elevados de autonomia e participacao no grupo, e isto esté ligado ao treinamento de capacidades amplas. Porém, como Soucek demonstrou de forma persuasiva, as aparéncias de uma parti- ipagio mais democrética so contraditas por trés aspectos problematicos do modelo indus- trial pés-fordista: (1) na prética, a introdugao de novos conceitos de produgao envolve apenas ‘uma pequena minoria de trabalhadores; (2) por- tanto, as continuidades com o fordismo, neste ‘contexto, permanecem centrais & légica da pro- dugdo; e (3) mesmo aqueles que possam estar envolvidos na producdo pés-fordista confron- tam-se com uma nova economia de tempo e con- trole que questiona muitos dos supostos benefi- cios da autonomia e da participacdo, pelo menos para o trabalhador individual: A flexibilidade pés-fordista, assim, & uma faca de dois gumes ~ por um lado, ela promete a0 trabalhador autonomia, participagio demo- critica e treinamento; por outro lado, ela ten- dea cumprir essas promessas em pacotes, cu- jo contetido nao corresponde a seus rétulos. A autonomia do trabalhador entdo se torna urna disposigio de trabalhar mais, a participagio democratica significa pensar em novas ma- neiras de intensificar 0 esforgo de trabalho, € 0 treinamento passa a significar aprender ‘menos sobre mais coisas."* Reformar sistemas educacionais de for- ma dréstica, com base nesses pressupostos probleméticos sobre 0 local de trabalho pés- fordista, pode estar no interesse imediato de muitos tipos de empregador, mas nfo esta cla- rose iré servir de maneira eficaz aos interesses mais amplos da sociedade, muito menos dos trabalhadores em geral. O efeito total é voltar a educagdo para capacidades baseadas em competéncias, as custas das formas mais fundamentais de competéncias criticas exigi- das para um aprendizado auténomo e uma cidadania ativa. © outro lado da politica educacional neoliberal pés-fordista exige a transformacao Grosauacho € eoucacho / 39 do profissionalismo e da responsabilidade dos professores. Mais uma vez, a agenda possui certas caracteristicas que sio atrativas do pon- to de vista superficial, como a responsabilida- de para com 0 estudante como cliente. Assim, desafiam-se as formas tradicionais de profis- sionalismo do professor, sob o pressuposto de que, para ser responsdvel, a educacao nao po- de ser deixada para os professores & pesquisa- dores. Porém, por trds da retérica, existe uma ambigiiidade considerdvel com relago a quem 6 cliente (os estudantes ou os empregadores potenciais) e quem deveria definir a natureza do servigo.%* Conforme conclui Soucek, por tras desse modelo, est a redugao do ensino ao modelo de trabalho industrial do local. Muitos eriticos das politicas neoliberais jé mostraram, de forma criteriosa, como a padronizacao do ensino e do curriculo est intimamente ligada a desespecializacdio do professor e a légica do controle técnico em educacao.” Estudos que questionam se o desemprego excessivo é causado pela falta de correspon déncia entre as escolas € 0s empregos contra: dizem a visdo que responsabiliza os professores pela empregabilidade dos estudantes. Além dis- 80, 0 suicesso a longo prazo no mercado de tra- balho, medido de acordo com a renda e a sa- tisfagdo, est intimamente relacionado com intimeras competéncias ¢ qualidades pessoais que nao podem ser conceitualizadas dentro do arcabouco desse modelo pés-fordista do traba- Ihador e do professor:*# Embora a globalizacio tenha implicagées claras para a reforma edu- cacional, o argumento em favor de uma estra- tégia neoliberal de subordinar as instituigdes educacionais a légica de um novo processo in- dustrial € falho em questoes decisivas. CONTRAMOVIMENTO: CONTESTANDO A NOVA ORDEM GLOBAL Revisio do argumento até 0 pre- sente. Até aqui, apresentamos a problema- tica da globaliza¢ao principalmente nos con- textos estruturais da inter-relagao entre mu- danga econémica, a mudanga do papel dos Estados em ambito nacional e o impacto des- 40 / Nicvouns C. Busoutes, Cantos AveeRTO TORRES & COLABORADORES sas instituigdes educacionais e da politica educacional. Na maior parte, essas relagbes foram descritas como o resultado dessas mu- dancas estruturais, tenham elas resistido de forma passiva ou se antecipado de forma pré-ativa (como no caso de alguns tipos de reforma educacional). Apesar de levarmos a sério a alegagio de que esses avangos repre- sentam, de fato, mudancas notaveis na or- dem mundial e no papel dos Estados, perma- necemos céticos com relagdo a varias afir- mages e projecées feitas em nome da glo- balizagao. Somente com o tempo e pesquisas mais conclusivas, sera possivel avaliar 0 que tem acontecido € quais sio as direcdes futuras de mudanga. Acima de tudo, todavia, temos nos preocupado em questionar algu- mas das afirmagées neoliberais a respeito da adaptagdo “necessdria” de politicas educa- cionais para sustentar a competitividade in- ternacional. Essas alegagbes refletem afirma- gées contestdveis a respeito da natureza da globalizagao e os supostos beneficios a serem derivados da importaciio do modelo de pro- dugao flexivel para o campo da educasao. Entretanto, os profetas da globalizacao devem ser questionados de outra forma: tam- bém é importante considerar a maneira como essas mudangas criaram outras formas de desigualdade, pobreza e exclusaio social, pro- cessos de formacio de identidade cada vez mais desorganizados, e impulsionaram movi- mentos sociais pré-ativos e reativos. As vitimas da globalizacao: a as- censio do Quarto Mundo. Um dos para- doxos trigicos da opressio e da impoténcia é que as posigées das vitimas da mudanga social e da dominacdo politica nao tém uma relagio necessaria com as formas de consciéncia que poderiam facilitar uma resisténcia eficaz a es- ses processos. Com 0 beneficio de uma teoria problemética da histéria, 0 marxismo ortodo- x0 postullava que o status-objetivo das classes trabalhadoras dentro do modo de producao capitalista garantia a formagao de uma cons- ciéncia universal ¢ um senso de interesse cole- tivo que conduziriam & emancipacao. Um dos temas centrais das concepgdes pos-modernis- tas da politica, ao contrario disso, é a celebra- cao da diversidade de pontos de vista para re- fletir sobre a opressio, especialmente no con- texto da politica de identidade. Porém, a partir de uma perspectiva global critica, a diver- sidade das vitimas da globalizagéo apresenta importantes problemas, com relagdo as bases potenciais para uma identidade compartilha- dae uma resisténcia coletiva. No periodo mais recente, os significados dos termos Primeiro, Segundo e Terceiro Mun- do mudaram radicalmente e sugeriram a necessidade da nocdo de um “Quarto Mundo”. O mundo estatizante do coletivismo burocra- tico desmoronou, em parte porque nao conse- guiu dominar os desafios do mundo da infor- macao global. O termo “Terceiro Mundo” tornou-se problematico, pois refere-se a con- textos to diversos de desenvolvimento, que possuti pouco valor descritivo. Enquanto a no- Go de Primeiro Mundo retém alguma plau- sibilidade como o locus do capitalismo da informagao, sua identidade é ameagada pelo “Quarto Mundo”, 0 lado obscuro dos mesmos processos globalizantes que criow: Devido a globalizacao, surgi. um novo mun- do, 0 Quarto Mundo, formado por iniimeros buracos negros de exclusdo social espalhados pelo planeta. © Quarto Mundo compreende grandes dreas do globo, como a Africa subsaa- riana, ¢ areas rurais empobrecidas da Amé- rica Latina e da Asia. Porém, ele também se apresenta literalmente em cada pais, ¢ em cada cidade, nessa nova geografia da exclu: sio social. Ele é formado por guetos subur- anos norte-americanos, enclaves espanhdis de jovens desempregados em massa, banlieus franceses que acolhem individuos do norte da Africa, os yoseba japoneses ¢ as favelas das megalopoles asidticas. Ele ¢ postulado por milhdes de pessoas sem-teto, encarceradas, prostituidas, criminalizadas, marginalizadas, doentes ¢ analfabetas. Elas sio a maioria em algumas dreas, a minoria em outras, ¢ uma pequena minoria em poucos contextos pri vilegiados. Entretanto, em toda a parte, elas crescem em ntimero, aumentam sua visibili- dade, a medida que a triagem seletiva do ca- pitalismo da informacao € a desorganizagio politica do Estado de bem-estar social au- ‘mentam a exclusao social. No atual contexto histérico, a ascensio do Quarto Mundo é & & i; & t Iss gic 50 rel para re- no con- a partir diver- ‘senta bases +tilha- cados Mun- am a ndo”, vocrd- onse- infor- indo” con- » que ano plau- o da pelo smos mun- ‘neros bsidos zende _ Ibsaa- Amé- fm se © em axelu- ubur- nhéis" olieus reda | s das > por | adas, adas, uma pris | » elas wii 0.ca- ‘ago Vau- texto do € inseparivel da ascensao do capitalismo global da informagio. A questo de uma pedagogia critica para esse Quarto Mundo ainda esta por ser desen- ~ volvida, apesar das formulagdes pioneiras da Pedegogia do oprimido, de Paulo Freire.® A concepsio de transformacao social subjacente A andlise de Freire ainda foi estruturada den- tro dos pressupostos do Estado e da possibili- dade de superar a dependéncia por uma estra- tégia socialista de desenvolvimento nacional. © Ainda assim, como eventos recentes no Brasil salientaram, os grupos dominantes se aliaram de modo realista (e cinico) aos imperativos impostos pela ordem econémica global, dei- ~ xando que 0 proprio Quarto Mundo do Brasil - suprise as vitimas para mais “ajustes estrutu- ais". Opondo-se a globalizacao: a dis- juncdo entre o local e 0 global. Embora seja possivel entender o “Quarto Mundo” como um constructo analitico, ele nao cor- responde a uma forma provavel de cons- ciéncia coletiva entre as suas vitimas. No ‘ontexto da globalizagao, 0 afastamento do locus do poder e de tomada de decisao do “Estado erode a capacidade dos grupos margi- nalizados de entenderem os processos estru- turais que determinam o seu destino. Esses grupos marginalizados sao os menos capazes de lutar por si mesmos contra os fluxos e as presses globais por ajuste estrutural. Nesse sentido, as novas categorias de oprimidos nfo estéo em posicao de levar vantagem so- bre as formas de identidade reflexiva que tém sido alardeadas como um traco defini- dor da alta modernidade (ou pés-moderni- dade). Assim, as possibilidades potencial- mente libertadoras do “planejamento de vida reflexivo” (uma expresso utilizada por Giddens) permanecem wma opgao para pou- 0s. Conforme sugere Castells: Isso se dé porque a network society baseia-se na disjungéo sistematica entre o local ¢ 0 slobal para a maioria dos individuos e grupos sociais.. Portanto, 0 planejamento de vida reflexivo se tora impossivel, exceto para a lite que habita o espaco atemporal dos fluxos Gtonauzagio ¢ roucagio f 41 das redes globais ¢ seus locais ancilares... Sob tais condigées, as sociedades civis diminuem e se desarticulam, pois nao hé mais continui- dade entre a logica de criagdo de poder na rede global e a logica de associagao e repre sentagéo em sociedades e cultuiras especi ficas. A busca por significado ocorre entéo na reconstrugéo de identidades defensivas em torno de principios comuns. A maior parte da agio social é organizada na oposicao entre Auxos nfo icentificados e identidades isola- das... Enquanto na modemidade (inicial ou tardia) a identidade do projeto era constitui- da a partir da sociedade civil (como no caso do socialismo baseado no movimento operi- rio), na network society, a identidade do pro- jeto, no caso de ela se desenvolver, nasce da resisténcia comum. Esse € 0 significado real da nova primazia da politiea de identidade na network society. Apesar da retérica do inevitvel progres- s0 evolutivo, associada a muitos dos profetas da globalizacao econémica, ela no passou in- contestada, enfraquecendo aquilo que Castells chama de “as forcas da identidade”: Juntamente com a evolugio tecnolégica, a transformagio do capitalismo e 0 fracasso do estatismo, experimentamos, nos tiltimos 25 anos do século, o surgimento disseminado de expressdes poderosas de identidade coletiva que desafiam a globalizagdo € 0 cosmopo- tanismo, em nome da singularidade cultural e dio controle do povo sobre suas vidas © seu ambiente.®* A diversidade desses movimentos ¢ sua relagéo marginal com os sistemas educacio- nais existentes — especialmente aqueles que atravessam reformas em nome da globaliza- go - sao indicativos do crescente abismo en- tre as instituigdes “oficiais” ¢ as realidades co- tidianas daqueles que nao se encaixam na Ié- gica econémica da nova ordem global." CONCLUSAO Em resumo, afirmamos que as historias dos sistemas educacionais estatais e piblicos sdo elementos fundamentais para explicar a for~ magao de politicas piiblicas em educagio no 42.) NicHowas C. BuRBULES, CARLOS Atseato Tonnes & COLABORADORES contexto da globalizagao. Com certeza, a ascen- so de uma economia global da informacéo enfraqueceu 0 Estado e reforcou estratégias neoliberais de politicas econémicas € sociais. A posigao enfraquecida do Estado, por sua vez, ‘abriu caminho para uma mereantilizacdo maior da educagio, bem como para apelos por uma “reforma” da educagdo em resposta aos supos- tos imperatives da “globalizagao”. Certas res- postas, como os apelos renovados por educagao internacional, possuem um potencial critico. Outras, como a educacao global a distancia, per- ‘manecem ambiguas em suas implicagdes. De- vido as limitagdes de espaco neste capitulo, ndo fomos capazes de abordar em detalhe as impli- cages da globalizagao para o multiculturalismo crescente das sociedades industriais avangadas e, além disso, as stias implicagdes para a educa do multicultural na promogéo da cidadania da democracia, um desafio que foi abordado em outros textos. Enquanto existem oportunidades claras para auimentar 0 acesso educacional e para formar uma cultura global, essas possibili- dades nao devem ser celebradas de forma nao- critica e devem ser sujeitadas a uma avaliagéo mais diferenciada e equilibrada, assim como um debate e, talvez, a regulamentacdo inter- nacional. Nos paises em desenvolvimento, on- de regimes democraticos fracos e empobreci- dos ainda nao foram capazes de estender os beneficios basicos a educagao publica em mas- sa de forma igualitaria, as politicas de ajuste estrutural tém sido impostas como parte da globalizacao das opgdes de desenvolvimento. De forma clara, abordar novamente as desi- gualdades em educacdo entre 0 Norte € o Sul requer novos tipos de estratégias ativas que possam ser justificadas segundo uma visio bastante diferente da globalizagao. Além dis- 50, a universidade empresarial é vendida co- mo sendo necessdria para a competitividade no capitalismo global da informacao, em vez de também ser vista como uma estratégia de motivagdo ideoldgica para reduzir a autono- mia da educagio e desviar o seu potencial cri- tico. Neste contexto politizado, torna-se dificil analisar e avaliar os tipos de reformas que podem de fato aumentar a flexibilidade e as escolhas significativas, sem atrapalhar os ob- jetivos a longo prazo ¢ a necessaria autonomia das instituigdes educacionais. De maneira se- melhante, a retérica da globalizagao é utiliza- da para guiar estratégias de reforma da edu- cago fundamental ¢ secundéria, cujas agen- das baseiam-se mais em ideologias do que em analises empiricamente justificdveis dos bene- ficios de um modelo de “producao flexivel” que destréi as tarefas culturais ¢ humanistas mais amplas da educacao. Paradoxalmente, a esquerda politica adotou uma posi¢ao mais “conservadora” ao defender esses objetivos tradicionais da educagéo, mas submeteu 2, agenda de experimentagao educacional e re- forma a apelos neoliberais por “escolha” € “flexibilidade”. ‘Além disso, a retdrica da globalizagéo usada para promover a agenda neoliberal ig- nora o lado negativo da globalizacio, ou racionaliza-o como sendo um mal necessérrio. Porém, a ascenséo de um Quarto Mundo inti mamente conectado & expansio da globaliza- do permanece, como uma lembranga das no- vas formas de desigualdade ¢ exclusao social que foram criadas pela economia global da informacao. Embora esses mesmos processos tenham liberado novas formas de resisténcia, a disjuncdo entre eventos locais ¢ fluxos glo- bais dificulta a articulagao de estratégias de movimentos sociais que sejam mais do que de fensivas.® Entretanto, o futuro ainda nao esté escrito € ninguém pode reivindicar uma com preensio definitiva das atuais relacdes entre globalizacdo, Estado, educagéo e mudanca so- cial, Por essas razOes, prevemos que essa pro- blemética permanecerd como uma das ocup ¢6es mais centrais dos especialistas em edu- cago por muitos anos. NOTAS 1. Com certeza, existem abordagens tedricas clasifce das como “pés-modernas” que nio negligenciam 3 questées estruturais € que, assim, sho amplament & complementares 4 problemética da globalizacio que 5, cexploramos neste capitulo (por exemplo, David Har § ‘vey, The Condition of Postmodernity (Oxford, Eng: 82 sil Blackwell, 1989); ¢ Fredric Jameson, Postmoder ism, of, The Cultural Logic of Late Capitalism [Duham, N.C.: Duke University Press, 19911.)

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