ENSAIOS DE LITERATURA OCIDENTAL (AUERBACH, Erich. So Paulo: Duas Cidades; Ed.
34, 2007)
Sobre o lugar histrico de Rousseau
Rousseau o primeiro que, apesar uma constituio interior inteiramente crist, no
logrou permanecer cristo. [...]primeiro, queRousseau era cristo por constituio interior, isto , um cristo in potentia; segundo, que ele no logrou atualizar esse cristianismo potencial; terceiro, que ele foi, tanto quanto sabemos, o primeiro a sofrer tal destino. (p. 279) Na poca e no pas de Rousseau aparecem pela primeira vez homens abertamente no cristos: sentem-se seguros em seu modo de vida e procuram orden-lo a seu gosto por meio de preceitos racionais. [...] Suas esperanas tambm no se dirigem mais redeno do Mal e a realizao do Bem, mas sim uma existncia terrena bem-ordenada: a razo deve vencer os preconceitos humanos, ao passo que a experimentao sistemtica e aplicada deve vencer a resistncia da natureza, at que, algum dia, o mundo terreno seja inteiramente moldado pelo esprito humano. (p. 280) Para Rousseau, o mundo sempre lhe pareceu mau por natureza e no apenas temporariamente imperfeito como acreditaria um homem iluminista. A perenidade da imperfeio, o estado temporrio de desarmonia, uma viso ligeiramente pessimista tpica do iluminista. Para o sculo das luzes h possibilidade de reparar o mal do mundo, seus atrasos: por mais imperfeito que tudo seja, tudo ainda fundamentalmente reparvel (p. 280). No caso da potencialidade crista de Rousseau, o mundo calcado por um mal inerente: este o espreme por todos lado e de certa forma descarta a possibilidade geral de progresso. O bem estaria numa inocncia irreconstituvel, pensamento (pr)romntico, ou num ideal transcendente.