You are on page 1of 50
0 que me deu.a idéia de escrever est liinho fol ume mis- ‘tura de cansaco e indignacao com a orlentacio dada a pesquisa ras escola fundamental e média. Quando pergunto 2 meus filhos e acs colegas qual foi real- mente o “comando” da professora, eles me mostram 0 caderno onde esta anotado, laconicamente: “Trabalho de Pesquisa. Tema: X. Entrecar até dia X." E nada mais Eou nao € para gente se indignar? Para vencer a indignagdo, resolvi costurat alguns retalhos de {déias que vertho jantando num balaio e tentar, com elas, ajudar aqueles que sentem falta dem pequeno “manual de instruces" ‘ara empieender uma pesquisa ou — ¢ este é meu principal ob- jetivo — pare ensinar a pesquisar. ste livro se divide em duas partes. A primeira trata da pes- quisa a escola em geral, ¢ quer dar alguinas sugestOes para trans formar a atividade de pesquisa mima verdadeire fonte de aquisi- (ao de conhecimerto, A segunda ¢ uma tentativa de introdualr a atividade de pesqisa também naquela disciptina que, a0 lado da matematica, € considerada 2 mais importante: lingua portugues. 4s idéiasexpoatas ali sio buatante diferentes d,que tradicional mente se lee se-oave'#veqpelio das qstoes gtamaticas. Algu- ‘as peisdas podtit até ge asdustar com clas) mids este € um dos smieis objetivoti sarndit'a poeta acuinulada durante séculos sobre Marcos Bagno & Doutor em Lingua Portuguesa. pele Universidade de 530 Paulo, poeta, vadutor e contista premiado. Tem divers livras dedicados grav. Una vez exo- fhubo tune, & tural que» pesqua vise responder a de feeminadss pérguntss, que o profesor nio tri. diculdade ‘em formular. E um modo bastante didético de dirigir a pes Aiios Querendo responder oo asim de quettbe, 0 abd Biber ae mixin de forncs poutves, o que € bom, O professor esperto ters obtido muitas informacdes | acerca do tema a ser pesquisado para poder formular boas nas Alem disor pode compor © quesioniio junc ee ere ca tomes xcept & aad prop enter Se estamos pesqusando a vida de uma pessoa, ¢ #6 sabemos que se trata de um escritor, nao ha como escapar das eepuates perguase fonte: Tal noise completo de Monteiro Lobat 2, Onde nasceu? Quando? . Onde morreu? Quando? De qué? ual o nome de seus Ghrecu univnidate? Quand sformou? One Exereeu sua profissio? Quando? Onde? Quando iniciou suas atividades literdrias? ~ Qual foi o primeiro listo que publicou? Quando comesou a escrever para criangas? ive no exterior? Onde? Quando? YeNogree 0 fio de Arid 10, Qual a sua participagio na questio do pettélea? 11, Soficu repressio politica? Por que? 12, O que fez pela industra editorial do Brasil? “Tal como 05 dados coletados nas fichas, as respostas dadas ¢ cosas perguntas podem ser “costuradas” até forma~ Fem um texto. Faja ver aos alunos que cada uma das Fontes consultadas teri respostas diferentes — mais longas, mais breves, mais detalhadas, mais sucintas — para as mesmas peiguntas. Alm disco, slgumas fontes bibliogrificas podem fimplesmente nao ter respostas para algumas delas, 0 que exigird mais consaltas 5.3. Conbega uma velba amiga: a sintese Nito & mé idéia fazer um uso mists das duas téenicas | que acabamos de ver. Por exemple, terminado o fichamente das fontes, o pesquisador pode aplicar as fichas o questions- slo elaborada em classe, Em vez de fazer cada fonte biblio- grifica responder 20 questionirio, ele pode simplesmente pincar as respostas ja dadas nas fichas, obtendo assim ume sintese. Este € um teimo que merece atenga0. Sintcw & uma linda palasrinha grega. Para traduzi-a os latinos usavam compostia, compastionis. Iso mesmo: € & nose ‘composigae) Fazet uma sintese & somfor um produto novo sevindo-se de todor of “ingredientes” coletados 20 longo do caminho. Lemnbra:se do capnecina? E uma bebida sintéei ‘en, um compost de diversos elementes. 46 A clea de wa, | O texto que desejamos ehiborsr como produto final da possa pesquisa sexi a dinte do nosso trabalho, wna compr- Jjyda que faremos com base nos dados obtidos. Este conceito de sintese seri fundamental para a etapa cequinte do vabalho, que € justamente a redagao do texto ral 64 Uma palavrinha sobre as fontes de consulta Como jf simos no primeiro capitulo, a pesquisa sem "como objetivo razer ums contribuigao tora ao conhecimen- ‘fo.do campo de saber em que val sex fet. Por isso, nio | adianta muito fazer uma pesquist que dé resulados que jé | foram aleangados © ultrapassados por trabalhos anteriores. “Qual a graga de fazer uma pesquisa para descobrir que os “ portugueses chegaram a0 Brasil em 1500? E chover no -rolhado. Interessante serd investigar se de fito foram cles os _primeiros europeus a passar por aqui, ou se Cabral ssiu ou ngo de Porwgal com a miss2o secrets de ocupar 2 parte sul do continente descoberto oito anos antes por Colombo a ‘ervigo da Espanhat Para darmos esta conttibuigio nova, precisamos selecio ‘ar com muito cuidido nossas fontes de’ consulta. Todos os dias a ciéncia dé um passo adiante, a historia da humanidade também (infelizmente, nem sempre na melhor diresio!). me lembro de ter ido na infincia um livro de cién- cias que dizia que 0 “sonho” dos pesquisidores era inventar lum avilo que decolasse versicalmente— em 1982, na guerra das Malvinas, 0s ingleses ja estavam usando avides assim! E Yeja que eu nem sou tio velho! Um mapa do Brasil anterior 21988 nio trari 0 Estado de Tocantins. Um mapa da Eu- ropa anterior a 1990 nso apresentaré uma dizia de paises ovos que se constituiram depois dessa data! a O fiv de Ariane Por essis € outras, devemos buscar sempre obras de reléréncia atualizadas. £ claro que tudo vai depender, eam bém, do tema da pesquisa. Quando se wats de ciéncia, tecnologia e historia recente, € bom ter A mao um material intonizado com os Glkimos acontecimentos (ou, pelo me nos, com os penaltimos, a que € tao diffil acompanhar no mesmo ritmo o assim chamado pragreso da humanidade). ‘Uma boa sugestao € consultar © ALMANAGUE ADL, em livro ou em eb-4OM, pois € uma obra que se atualiza a cada ‘ano, Embors suas informasdes no sejam muito extensas nem ‘muito profundas, clas s€m a vantagem de estarem mais sin- tonizadas com o momento atual. Por iss0, procure sempre & edigao do ano em que vor est Se voce & bem ingles e est conectado Internet, nfo exise melhor fonte de consulta no mundo (e dest vez. N30 xagero meu) do que a HNCYCLOPAEDIA BRITANNICA ON-LINE. O fenderego € wuwieb,com. Alias informayées sio atualizadss Gquase que diariamentel Para consulté-la, voet precisa fezer imi assinatura anual, que no € muito cara (nao chega a tuzentos délares), principalmente tendo em conta a mmaravilka {que € Aken dist, existe a opgio de assinaturs institucional ‘Se sua escola ter condizoes € estiver conectada 3 Internet, ‘mio eusta nada trae vantagem dessa nova forma de “biblioreca Ural”. Hoje em dia, nfo sei 0 que seria da minha vida de Tadutor se nso pudlesee recorrer a cla. J6 obtiveinformacOes aii sobre o Brasil que nenhum lio impreso por aqui me deu! ‘Outra boa sugestdo pars 2 escola como um todo é assinar a revista Superiuecrassante. Ela cumpre 0 que promete no nome: seus artigos e reportagens sio interessantissimes! ‘A linguagem é clara ¢ acessivel, pois 0 piblico visado é a garotada de 1° ¢ 2° graus. Além da revista existe também um ‘CD-ROM com as matérias mais interessantes publicadas naque |e ano, Vale 2 pena consulta 48 O prods finsd Na televisio brasileira, infelizmente, no existe, nem de Longe, © objetivo de educar o cidadio, de contiibuir far va formac2o cultura ¢ intelectual. Muito pelo cont M5, 0 apelo se faz sempre no sentido inverso, 0 do Eniburrecimento, do estimalo As atitudes mais mesquinhas “Ges. As finicas excegbes, nos canais abertos, ficam por ynca da TV cuLTuRA, de Sio Paulo, € das televis6es edu: as dos outros Estados. Nelas existe uma programacio jae yaloriza a inteligéncia do espectador: documentérios sntfcos, entrevistas com gente que tem o que dizer, rogramas infantis ¢ juvenis que ndo querem apenas vender fndilia de plistico ¢ boneeas medonhas de feiss... Na te: levisdo por assinatura, conheyo pelo menos dois canais que ‘yale pena ver de yez em quando: piscovERY CHANNEL € ___pscoveny kins. (O tinico problema é que os programas s30 ‘todos estrangeiros, ¢ as tradusdes de ver em quando me fazem subir pelas paredes de tio horviveis!) Essas sio apenas algumas sugestdes para voce orientar “seus alunos na consulta as fontes de pesquiss. Pesa para eles estarem sempre de tho na data de publicagzo do material “gue forem usar em seu trabalho. Dependendo do tema, uma iiclopédia velhinha pode continuar send iil: & difell que | aparega uma “novidede” na biografia de Monteiro Lobato, | por isso uma enciclopédia como a minha Delta-Larousse, ‘que €de 1970, tem ainda sua coniribuicio a dar. Mas € bom telorear a nccessidade de consultar sempre 36 fontes: mais novas, pois isso criaré no aluno um hibito que the scré muito Gil na sua atividade profissional ¢ intelectual futura. 4 : 6. 0 PRODUTO FINAL ‘ag lam abo pase 3 parte privea do now entatho J vimos muizos concciras¢ definigoes¢ aprendemos o signi 49 Of te Ariadne © pros final cado de algumas palavras importantes Chegou a hors de comecarmes realmente a nossa pesquisa, Eo primeize passa, - como ja sabemas, vai ser a coleta de dados por meio de fichamento. : Como meu interesse aqui € fazer o professor “por a mao na massa”, selecionei quatro fontes de consulta para o nosso trabalho. Jé que a nossa pesquisa é basicamente biblio- srifica, nossas fontes de consulta, obviamente, serao textos, Os quatro textos que escolhi estdo agrupados no ancxo, Ih xno final do livro, por medidas prétieas. Vou pedir para voce fiché-los, tudo bem? Nao tenka presa. Eu espero (lernbre- “se que ji fizemos um cronograma de atividades)... 6.1. Outra amiga nossa: a anilise “Teainniba' ichsradetb Oam,. Vaud pana agai analisar os dados que temos nas fichas. E muito comum a palavra audtiv aparecer como um oposto de sintew. Por que seri que isto acontece? NOs jé vimos que stew quer dizer “composigio”. Eo que significa analistr’ Significa “cissolver, desligar, decom- por, quebrir em pedagos”. Parece estranho, nio @ Mas & | jss0 mesmo © que acontece f ‘Veja s6: quando um médica pede um exame de sangue, 2 amostra coletada vai ser analistda num laboraxécie: © analista vai investigar cada um dos elementos que compoem o san- gue (gidbulos brancos e vermelhos, plaquetas ete.) para ver se h8 algo errado em algum deles Analisar wma situacao € uma atividade que sempre comega com uma enumeragio de fitores. Se formos analisar 4 situagdo da educaso ne Brasil, por exemplo, teriamos de falar do saldsio dos professores, da formagio dos professores, 50 =o investimento do governo na educagio, da supertotag3o das silas de aula, da austncia de equipamentos e assim por fants. De posse de todos esses dados, poderemos eleborar a sintoe da situagZo cduucacional no pals. Comoe objetivo da anitie (“desompesisso, disolusio, " quebra") € obrer uma ideia geral do que esd sendo investiga “da 0 verbo aneliaar passou a ser sindnimo de “examinar”. 62 0 que vamos analisar? Na nosis pesquisa, 0 objeto da nossa andlce sest0 os | fextos que consultamos. Vamos “quebré-los cm pedacinhos", isto 6, Vamos cxtrair deles os dados que nos interessam. ‘io seré dificil notar que esses dados podem ser clas ‘ficados emi dois grandes tipos, De um lado, os dados que © sio comuns a todos 0s textos. De outro, os datos que si “ fomecidos apenas por um ou outro texto. Dai a importaacia ie um nimero variado de fontes: cada uma delas vied a crescentar as informagdes oferecidas pelas outras. 0s dados do primeira tipo sto aqueles que terio de | parecer no nosso tiabalho abigatoriansente: nome comple- “16 de Montciro Lobato, dats de nascimento © morte, lugar ‘onde nasceu, titulos dos principais livros, atividades mais ‘importantes etc. Nio hi como escapar disso em qualquer pesquisa sobre qualquer tema. Os datos do segundo tipo sto informagoes que pode- femos ou nio acrescentar a0 nosso trabalho, tendo como “eitéio para “pencirélos” of objetivo que estabelecemos desde ceda no nasso projeto. No nosso caso, difiilmente vamos queter deitar de fora alguma coisa, ¢ iso por duas tazdes bem simples. Primeiro, nosso objetivo € tomar Monteiro Lobato mais bem conhecido de quem vier 2 ler nosso tex, ¢ por ino qualgucr informagio nova seré bem Hecho 31 © fo te Aridne vinda. Segundo, nessa pesquis é simples, breve, em nivel de 1" grauy € nossas fontes de consulta nio sio muito profundas, Em pesquisas mais demoradas, contudo, 0 investigndor tem que ser muito criterioso na hora de acolher ou descartar informagoes que vai encontrando ao longo de seu trabalho ‘As vezes a gente lé um livra inteiro para descobrir que ape~ nas algumas pigines tém interesse para 0 nosso trabalho, Aqui a palavra-chave € relenincia, Nao postemos encher nossa pesquisa de dads, informagdes, digressoes € citacoes que no contribuam especifieamente para 0 nosso objetivo. Mas também no podemos deixar de fora coisas muito importan- tes, relevantes para 0 tema oc estamos investigando. Como ‘eu Jf disse, pesquisa € coisa séria e dificil! Anilisando, portanto, as fontes que temos, vamos ver que todas elas tém cin comum: ‘YVejamos agorz 0 que cada uma delas nos apresenta de diferente em relagio as outras: © produ finat 3, Vamas tomar uns capuccino? | Chegou o momento de prepararmos 0 nosso capnecine, | go & © N00 texto informativo, produto final da nossa ‘peoquiss. Nele clovem aparecer todas os dados comuns a todas FB fontes de consulta ¢ também aqueles que, pelo critério da -elevincia, jwlgamos imporcantes para 0 n05s0 objetivo. | Bu elaborei 0 meu proprio texto seguindo esses crté ios. B provivel (e desejavel) que ele apresente diferengas em elocio 10 texto que voce esereveu. Afinal, ninguém faz mesmo | cada igual a ninguém. Se dois seres humanos no tém sequer ___s meamas impressder digits, que sio apenas umaslinhazinhas | fa pele dos dedos, imagine se conseguirdo escrever os mes- “08 textos, que sio um produto muito mais elaborado das as faculdades mentais! “Ter isso em mente ¢ sempre bom na hora de avaliarmos trabalhos de nossos alunos. E natural que tenhamos uma | expectativa: sabemos de antemio o que é importante naque- © fe momento da aprendizagem, o que estamos tentando en- "anar. Mas nido devemos usar essa expectativa como se fosse ima camisa-de-forca para aprisionar a criatividade das crian- ‘gu. Alifs, este me parece um bom momento pars eut Ihe contar uma historinha... 64 Ja ouvin falar de Procustor Na velha € boa mitologia grega, havia um personagem riuito eruel que se chamava Procusto. J ouviu falar desse nome horrivel Procusto era um malftitor que morava numa foresta. Ele tinha mandado fazer wnta cama que tinha exa- tamente as medidas do seu préprio corpo, nem uum milime- ‘ro a mais, nem um milimetro a menos. Quando capturava uma pessoa na estrada, Procusto amarrava-a naquela cama. f 38 (0 fio de Ariadne nares idéias wore pesguia na escola Se a pesoa foste maior do que a exma, ele simplesmente ortava fora 0 que sobrava, Se fosse menor, ele a espichava ¢ esticava até ela caber naquela medida. Simpitico cle, nao? Procusto foi morto pelo herdi Teseu, 0 mesmo que depois matoa o Minotauro. E ficil deciftar a simbologia desse mito. Procusto repre- senta a intolerincin diante do ourro, do diferente, do desco- nhecido. Representa a visto de mundo toralitiria daquele sujeito que quer moder todos os demaissereshumanos @ sua prépria imager ¢ semelhaca, Ea recusa da muliplicidade, Ua diversidade, da criatividade, da originaidade: “Quem nto ‘= conforma 20 meu tamanho ao poste andar soltO por af, a menos que vi jogando fora tudo 0 que es nao tenb até caber ra sninhn medica, on 3 menos que se espiche e se estique aré ter o mesmo que eu © scr igual a mim”. O espirito de Procusto esteve presente em varias etapas da historia da humanidade, Esteve presente durante a Inquisigg0, que condenou 4 fogucita tudo 0 que nfo. 3 encaixava nos dogmas da Igreja. Esteve presente na caga 35, bruxas, que levou 4 morte milhares de mulheres, cujo Gnico time era saber um pouco miale que of homene 2 qilem devia submissio, Esteve presente na conquista da Amética, ‘ue representou o exterminio de ewiizacoes inteiras de nor: te a sul do continente, Esteve presemte no longo ¢ doloroso processo de escravizagto de milhdes de negros africanos. Estee presente os eanpos de eoneentnao one 0 nai | tus climinaram milhdes de judeus, ciganas, homossexuais ¢ | todo € qualquer opositor ao regime. Esteve presente nos | ‘em demonstrar as diversas fases do experimento ow as regimes totaltirios de esquerda de direita que imperaram coisas que aprenderam na pesquisa depois de 2? Guerra mutual em vévios palses do mundo. +: Uma. pesquls, pede: ter conto pect nal um bel {efante — sempre se guiou pelo autoritarismo e pels conse idagio dle preconceitos dos mais diversas tipos. Nao acha que 4 € hora de tentermos mudar essa situacSo? 7. OUTRAS IDBIAS SOBRE PESQUISA NA ESCOLA Agora que nessa pesquiss acabou ¢ que obtiveos nosso | produto final, podemos descansar um pouco e deitar vir 3 osa imaginagio algumas idéas que possm tornar mais weressante € (por que no?) divertido © ato de ensinar 3 aprender, 7.1. O que faser do produto finali Nosto produto final foi um texto informative sobre | Monteiro Lobato. Vimos 0 que poderfamos fazer para que le saisse do circulo fechado da sala de aula ¢ se tornasse um - instrumento de divulgacao do saber itil também para 0 resto ch escola ¢ 2 comunidade em geral. Mas e se 0 produto final © da pesquisa for outra coisa? Vamos pensar juntos: + Uma pesquisa no campo da quimica, da fisica € da biologia, por exemplo, pode ter como resultado a de- monstragio de um experimento pritico. Que tal mon- tar uma feira de céncias na escola para exibir esses experimentos [é visitei muitas feiras deste tipo € vejo quanta satisfigio 0s alunos que participam delas tém Infelizmente, 10 longo da histéria, pereebemos que a cartaz, um quadro, um painel, um mural, uma “insta- escola teve um papel muite importante na difusdo do espiito lagio artistica”, uma maquere ou qualquer coisa do de Procusto. A educagao tracicional — repressora e into- agénero. Que tal organizar uma exposigio? Melhor sin 2 fia de Ariadne dda; que tal manter uma exposicio permanente dos pro. dutos das pesquisas cientificas/ativi alunos da escola? Uma exposicao que se renovasse pe- substirair os mais ancigor Isso geraria entre os alunos a curigsidade de estar querendo sempre descobrir 0 que as oultras classes andam aprontando. Seria também uma bboa amostra do dinamismo da escola, da sua capacidade de instigar os alunos a produzie! * Una pesquisa na area dz literatura, do folclore ow da Histéria pode oferecer aos alunos a chance de demons. | trar suas habilidades dramticas. Jé vi excclentes ence- inagdes de pequenas peczs adaptadas de livros escritos por mim, Confesso que gestei bem mais delas do que de saber gue os alunes tinham que ler equeles livros para “Yazer prova”. Voce pode nao acreditar, mas ainda fem professor que manda a turme toda ler um livro s6 pars preencher aquelas horripilantes fichas de leitura ‘qu as editoras tcimam em enfar dentro dele! E ai do aluno que nao presncher igualainiio as respostas que jé vvém prontas no livro do professor! E a cama de Procusto! riodicamente, 3 medida que novos trabalhos pudessem, | ‘Uma vez uma professora quase teve um faniquito de- E pois que cu entrei na sala de aula dela ¢ convidei todos | 65 alunos a rasgar junto comigo a ficha de leitura que | vinha dentro de um livro de minha autoria! Em com- ppensagio, ja vi coisas lindas feitas inspiradas em textos ‘que escrevi: teatro, miisica, cartazes, maquetes... 7.2, Diminuindo a distancia entre escola e comunidade Ours coisa que me intrign muito € a distincia que ainda existe ene a escola a comunidade. Nao falo da comut nidade em sentido amplo — bairro, cidade, Estado—, mas da des artisticas dos | "as simplesmente para serem entrevstadas pelos alunos Neo Ouray ins mle peri ne eros peépria comunidade formada pela escola e pela familia dos Minos. Por que nio aproveitar, por exemplo, as habilidades/ _ profiss0es dos pals, mies, itmios © demas familiares como fpaterial didético”? ‘Se voce tem um aluno em cuja familia hé um médico, “gor que rio trazé-lo para falar com a turma ou mesmo com, _foda 2 escol? Nao faltam temas relativos 3 sade para serem | giscutidos na cxcola Se vocé tem na sua comunidade escolar um funcionirio {a limpeza urbana, por que no convidé-lo para relatar suas siencias profissionais, suas opinides acerca do modo como. 8 pessoas cuidam do lixo na cidade? & uma boa ocasido para lar dos problemas do lixo € da reciclagem! Pode ser que essas pessoas se sintum acanhadas ou no ‘¢ considerem apnas para filar em piblico. Que tal ajudé-las ‘preparar uma palestra ou uma demonstragio? Ou convidi- 4 preciso ser nenhum génio para responder 2 perguntas re- Lativas iquilo que se faz diariamente, nfo & Seria bom, nesse tipo de atividade, satientar a importan- ‘ia de todas as profisées, por menos prestigiadss que sejam ta sociedade. Imagine a cidade sem lixeitos, que horror se fa! Imagine a sua propria escola sem faxinciros, que terror! Pense na tristeza de um mundo sem manicures e cabeleire:- tos! O melhor restaurante do mundo no sobrevive quinze ‘minutos sem um batalhio de cozinbcites. © importante & user métodos persuasivos para atrai os familiares de nossos alunos a essas atividades. Enfatizar que toda experiéncia pessoal € digna do interesse da escola. Re- Petir aquele frase velha ¢ verdadcira: “A vida € a melhor sscola®, Mostrar que ¢ escola € também um lugar privilegia- o para toca de informasbes, para intercmbios de experién= 7 O fir de Arindne cias, € que 0 trabalho do professor tem um sentido pritica, objetivo, valido. Ji no séeulo T antes de Cristo 0 filbsofo ‘Seneca lamentava, com amargura: Nom vitae, sed scholae discimus, isto &: “Nao aprendemos para a vida, mas para a escola”. Que tal contribuirmos para acabar com essa situagto deplorivel? £ claro que iso tudo vai depender muito do tipo de comunidade em que a escola esté inserida. Nao vamos neger a realidade: sabemos que existem muitas pessoas (nocnial- ‘mente da classe média para cima) que torcerso o nariz diante de uma proposta dessas. Conhecemos muita gente que acha gue © dever de excols & entupir os filhos de “eontetido” pars “entrar na faculdade” € ponto final — e existem escolas que se prestami a esse papel deplorivel. Eu mesmo fii visitar exolas onde os administradores mio ¢ acanhavam em dizer, com todas as letras: “nosso objetivo é preparar 08 alunos para © vestibular”. Sai de 15 agradecendo a Deus por nao ser a escola dos meus fikhos! Afinal, eu tenho a ilusio de que a fancio da escola é preparar um cidadio consciente de seus deveres ¢ de seus direitos, apto para levar uma vida digna em uma sociedade! 7.3. Pesquisa permanente Seria muito bom que a atividade de pesquisa no se limitasse aos trabalhos batizados com este nome e emprecn. didos oficialmente poucas vezes durante o ano letivo. Que tal cestimularmos nossos alunos a pesquist permanente? Pega a seus alunos que tragam, pelo menos uma vez na semana, uma noticia de jornal ou de revista que Ines pareceu interessante, divertida, estranha, absurd, horrivel....A not cia pode ser lida € comentada por todos, gerando um bom debate, (J ouviu falar do livia O jornal na sala de aula, de Oras ins bre pesiea na ecela aria Alice Faria? Nao? Entio trate de ler ji! E da Editora - Mpntexto, de Sio Paulo! Nenhum professor pode deixar de - fonbecer ese manual maravithoso!) Encoraje-os a falar de alguma coisa que viram ma tele- Be vs ovvicum vo rhdio. Contra Nao goose? Por que? Surgiu alguma divida? Mostrar que a escola pode (¢ devel!) estar integrada com a vida diiria das pessoas. Que tal pedir um relatério informal de um passeio, de uma viagem, de uma visita a um muscu, de um espetéculo de teatro, de um filme, de qualquer atividade de lazer ou cul- © ial Gita pelo alana? Pode haver uma boa troca de informa- |Gdes, outros alunos podem se interessar em repetira experién ia do colega | Basas Glkimas sugesties — df para perceber — sto um ‘esimulo para que of alunos s¢ manifizem em sala de aula, “para que tenia vee e epinito propria. Precisamos derrubar “esse Mito autoritério de que a escola € 0 repositério exclusivo © do saber, de que s6 cla tem 0 que transmitir em termos de onhecimento ¢ cultura! Nao existe professor, por mais culto bem informado que seja, que ado tenha sempre © que aprender, nfo € A verdade nio € privlégio de ninguem! = Temos que abrir 2 palavra aos alunos, conscientizi-los de que cles sto parte integrante de um todo chamado socie- dade, que cada ato e gesto deles influi na vida de todos os dems! Se nio fizermes isso desde pequenos, como vamos | Guerec que, mais tarde, eles se conscentizem do eigrifead | do vor nas eleigoes ow da importincia de participasem de | uma passeata de prowesto contra algum tipo de injustica? S | 74 Scbre 0 acesso as Fontes Imagino que alguns leitores deste liveo podem estar pensindo; “Este autor feta de compuindor, Internet, Cerna e 59 Ofie de Arindne coisas ass conn se fase muito ficil pare qualyuer profesor ter ‘acesio @ ests meior!” Eu sei por experiéncia propria (meus tréy filhos estudam na rede oficial) que a escola piblica brasileira, sobretudo nes segides mais pobtes, enfrenta graves difculd des materiais, E verdade que muitas escolas particulares j6 estdo inte- | grads aos novos meios de comumnicacio representados pela expansio da rede mandial de computadores, a Internet, Essas escolas ttm suss préprias heme pages, onde sto exibidos os uabalhos feitos pelos alunos, que podem também entrar em contato com universidades, museus, centros de pesquisa ere, por meio do eorreio eletrdnico, ‘Mas ¢ as escolas piiblicas? Muitas no tém sequer um tinico computador... Além disso, sabemos que enisiem pro- fessores que, formados pelos métodos tadicionais de ensino, tém rezelo de se aventurar pelo mundo da informatica. Diz ante desse universo cm vertiginosa expansio, muitos s© apa- voram e preférem dar ap costas as novidades, agarrando-se com toda forya as velhas metodologias, aos yelhos recursos | pedagogicos de quando eles préprios se formaram, Realmente, « mudanga aconteceu muito depressa, Mas jé € o profunda, jf causou tamanha revalugao em tantas areas da sociedade, que rdo podemos fechar os olhos ¢ fingit que cla nio eats ai Jé surgiu até um teemo especifico para 1s Pessoas que ndo conhecem 05 recursos da informatica: anal. fibeto digital. & isso mesmo: hoje em dia, desconhecer esses Fecursos & uma deficiéacia to grave quanto nao saber ler € No caso dos profissioncis envolvidos com a educasao, © tema ganha proporydes ainda maiores, Muitas eriancas, no que diz. respeito a informitica, esto bem 4 frente de seus professores. Ji nasceram aum mundo informatizado ¢ 0 60 Queras ities sobre pease na tesla rador ndo representa nenhum mistério para els, Com: Biter 6p que tio ltecno leancoy nevmnpcimeraee ara, na Farmacia, no cinema, na livearia, no sopping center Aiuitos dos aparelhos usados em casa também jf incorpors: {am esta tecnologia, como 0 telefone, o fat, 0 videorasecte, B forno de microondas ¢ até as miquitas de lvar roupa, sem {lar nos t30 potémicos videogames. ado isso. 4 falta de recursos, certamente, € um problema grave, que nenhum professor sozinho pode resolver. Mas “todos 08 professores juntos, oxganizados em suas entidades je classe, sseociasdes e sindicatos, podem ¢ devem exigic _ sempre do poder piblco 2 arengio devica a ecucacto, E preciso também que 0s pais ¢ a comunidade em geral se nobilizem nessas exigencias Por que no cobrar, por excmplo, das secretarias de ~ ensino, municipais ¢ estaduais, que eriem uma home page na internet onde as escolas da rede possum estar intecligadas, tocando informagdes, comunicando experiéncias bemsuce. icas, clavorando projets conjuntos? Os computadores estko se tomando cada di mais bu- tatos. O poder pdblico gasia tantas milhoes em obras multas ‘eres dispenséveis que ndo ha desculpa para que as escolas piiblicas ndo tenham pelo menos um computador! Por outro lado, os professores de uma escola, junto com seus alunos, podem tentar se servir dos recursos que Sitio a eu aleance. Us 0 computador pessoal de um aluno {11 pai de aluno pode ser uma idéia. A maioria das empresas Provedoras da Invemet fazem promogoes pari conquistar hovos clientes, oferecendo um periodo de acesso gratuito, ftormalmente de um més. A Encyclopaedia Britannica On- ling, que jé cite, também oferece sete dias de fire eria, isto de teste gratuito, Ha empresas (por excmplo, fabricantes 6 Of te Ariaine de reftigerantes) que dio um computador para quem conse: ‘guir jentar certo namezo de embalagens,latas ou selos, Todt tuma escola engajada nessa missio nao tera dificuldade em cumpricla! Existcm bibliotecas ¢ outras instituig6es piblicas, mu- seus, espacos culturais, universidades, que dispaem de de computadores onde 0 usuario pode consultar a Internet As livrarias do tipo megnstore que estao surgindo nas grandes cidades tém sempre varios terminais que poclem ser usados livremente pelos clientes. Sio chances que devem ser pro veitadas! © importante & mostrar a0s alunos que existe na escola tums yontade de acompanhar as transformagdes que cstio se processando do lado de fora da sala de aula € que todos o: meios ¢ multimeios oferecidos pelas novas tecnologias tam. bem devem ser usados para tornar 0 aptendizado mais atra- cente, mais atualizado, mais vivo. ae O FANTASMA DE PROCUSTO A pesquisa em lingua portuguesa 8, PESQUISA EM LINGUA PORTUGUESA? ‘curioso, mas aquelas que sto consideradas normalmente as duas disciplinas mais importantes — lingua portugue- | & € matemitica — nunca (ou raramente) sio objetos de "pesquisa na escola. De matemitica eu entendo muito pouco, | fas acho que estou mais ou menos habilitado 2 dar meus _palpites no ensino de portugués. ening da lingua ainda & fro com base em dogmas, | preceitos « regras que nada ttm de cientificos — ¢ esse € 0 __ stu maior defeito. Fomos habituados a aprender e a ensinar - portugués como se a lingua force ums coisa imével, pronta, “teabada, estitica, sem nenhuma possiblidade dz mudanga, Yatias20, transformacio, Essa € a atitude dos graméticar tra. ‘dicionaliseas, exatamente oposta 4 dos lingitstas, que S10 08 cientistas da linguagem. Para o gramético, 0 certo € 0 certo € acabou, ponto final. Tudo © que escapa desse conceito de certo (ou tudo 0 que escapa da cama de Procusto!) ¢ considerado “errado”, “fio”, “estropiado”, “corrupto”, “viciado™ ctc. E assim se instala’ um tertivel preconceto lingwérico na mancira de ens nar portugues Para o lingiista, 20 contrério, o que a gramética wadi ional chama de “erro” € um fendmeno que merece ser 65 investigado cientificamente, com métodos rigorosos de ani. lise. Se alguém diz. y onde era de se esperar x, € porque existe algum faror que estf influenciando essa variagio. Esse fator pode ser linguistico, social, étnico, hist6rico, geografi- co, etério ete 0 censino da gramétice (¢ provavelmente também o da matemtica) nao acompanha os progressos da ciéncia de lin- guagem, o que é simplesmente um absurdo. Do mesmo modo como a guimiea, a Fisica, a astronemia, a biologia, » psicolo. giz, a medicine € outs citncias yao avangando € fizendo ‘novas descobertas a cada dia, a lingtistica também vai se enriquecendo mais € mais gracas a0 trabalho de incontiveis cientistas espathados pelo mundo inteiro. Hoje em dia, por exemplo, ninguém mais ousa dizer, como no século passado, que as moscas nascem da came podre. A biologic jt mostrou que esa nogio é false. Recen- emente, a astronomia descobriu que outros planezas, além de Saturno, também tém anéis, ¢ que as luas de Jépiter so em niimero maior do que se pensava, Nosso ensino grama- tical, porém, se baseia em conceitos € nogdes formuldos centenas de anos atrés © que a ciéncia lingtistica jf provou serem equivocsdos, ambiguos, errados mesmo. Nao é ume maluquice? Nao vou me alongar aqui sobre esse assunto, que € 0 meu “cavalo de batalla” hoje em dia, € que ex jé abordei em outros trabalhos. Se vocé tiver interesse em se aprofundar mais no tema do preeanccite lingitistica, pode les 0 meu livro A lingua de Eatitia (Edivoca Contexwo). 8.1, Pesquisa, sins, em lingua portuguesa © que vou propor agora sio algumas idéias para tentar soprar um pouco de ar fresco no ensino de porcugués, Nada 60 Pesquisa ene linge portseyucta? | yadical demas, nada profuundo demais. Atividades simples ¢ aré gostosis para a escola de 1° grau, Um dos firndamentos da bos cigncia € investigar as | regrase leis que provocam os fendmenos naturais, que fazer 4s coisas acontecerem. $6 que no ensino da gramética, em | yez de investigarmos as regras ¢ as leis, nés simplesmente as “ entregamas prontas ¢ acabadas para os alunos, que so obri- jos a decors-las, sem terem percebido de modo mais pal- “pivel por que as coisas funciona daguek: jeito. | Vocé jf tentou ensinar 0 fendmeno da crise © jf viu -omo is: dé dor de eabera, nfo é? Eu gostaria de the propor tuna atividace diferente das tracicionais para ver se funciona. acs o teste © depois me diga 0 que aconteceu (escreva para “as Edigdes Loyola ou mande-me uma mensgem eletrénica: __ pasbagihoumail.com). Ao invés de listar aquele monte de regres para depois | mandar os alunos preencherem buracos em frases soltas ¢ descontextualizadas, vamos agir exatamente 20 contrat Esta € a atitude do cientista. Um zodlogo, por exem: | plo, nto vai extudar uma determinada espécie de animal es- perando, de antemio, que ela se comporte assim ou assado. Hle vai obseroar 0 comportamento do animal, tomar nota de tudo o que le parecer importante para depois poder aficmar, om base em slia pesquisa: “Esta espécie se alimenta disso ¢ | diquilo, vive nos ambientes tas € tas, acasila-se rantas vezes Por ano, nos meses x°¢ J” © assim por diance. Essa mesma atitude cientifica, de observagio © dedu 50, pode ser aplicada ao estudo da lingua. Vamos experi- mentar? a O.pimunsme de Proceso 82. O que é evase, afinal? Primeiramente, mew caro professor, vamos definir o ‘nosso problema, em termos cientificos, por favor. As pessoas no diz-acdia costumam falar de “crase™ como se ela fosce um “acento” grifico: “Esse o aqui leva crase?” “Tem erase nesse 2502" ¢ coisas assim. Mas nds somos especialistas ¢ temos que agir com mis rigor, nao & Crm, para comeso de conversa, uma palavra grega que significa “mistura”. Este termo € usido para designar tum fendmeno fonético: a usta de duas vogais iguais numa 56, Na formagio da lingua portuguese aconteceu erase a dar cont © pau. Se voct fez Letras, deve se lembrar de suas aulas de grmatica historica, quando o professor mostrou, por exemplo, a origem da palavra gé: pode > pee > pl Primeiro, houve @ queda do —d- intervocilice, caracte- ristica da lingua portuguesa, que eliminou as chamadas con- soantes dents (4, 4, ») quando vinham entre vorais, Por isso 6 latim fara dew hia em portugues, ¢ 0 verbo volare deu 0 nosso rear. Em seguida, as dias vogais oz xe “mistuearam” (sto ¢, softeram crase) e se transformaram numa s6. Esse € um exemplo de crase bistriea, isto & de uma ‘erase que aconteceu no passado da lingua, Mas 0 fendmeno continua atuando na lingua de hoe. Quanda as pessoas pro- hunciam alciticoa palavra escrita aLcoOLIC0, est2o fazendo a crase dos dois v¢. Os nordestinos da zona rural chamam de catings aquela vegetagto que, nos livios, aparece descrita COMO CAATINGA. E existe, € claro, « mais famosa das erases: a erase do 3. A origem dest crase & bem conhecida. Temos a preposicao 6s Peaguion eve lings portuguesa? que se encontra com 0 artigo definido ferninino a. Quan- {do acontece este encontro, 0 fenémeno fonético da crase faz ‘com que pronunciemos os dois ae como um s6. Para indicar ‘ese fendmeno na escrita, ficou definido que usarfamos 0 geento grave: . © acento deixz claro que ali houve um jfendmeno de crase, ¢ que aquele a nito € o artigo definido, sm 2 preposi¢ao, mas uma “miistura” dos dois (uma “con- Na teoria, ndo fiea to dificil, nao € Mas na pritica... “83. A crnse no portugnés do Brasil: explicagies velias A visto tradicionatista do ensino gramatical pergunta- ‘ra: “Por que 0 brasileiro erm tanto na hora de usar 0 “azento grave indicador de crase?” E Ki viriam aquelas respos tas cheias de preconceito: porque “brasileiro € burro”, por- que “a gente nio sabe portugués”, porque “portugues & muito dificil” J€ 0 cientista da linguagem formularia a questio de otra mancira: “Notamos que as pessoas no Brasil, em geral, © que | tém dificuldade para representar a crase na esc - cstard causanco essa dificuldade?™ EB claro que “burrice”, “subdesenvolvimento” e “atraso mental” do nosso povo n30 So respostas cientifieas. Muito menos a bobagem de que “portugues € muito diffeil” (nenhuma lingua € diffcil para seus falantes nativos)... 8.3.1. Uma preposigio cm desuso Pesquitando, a gente descobre algumas respostas. Por ‘exemplo, 2 preposigdo , na fala didria informal de boa parte 69 0 faneasna de Prvessts dos brasileiros, esti caindo em desuso. (Digo bon parte por que sei, por exemplo, que em Pernambuco, onde morci, ainda se usa bastante essa preposicio). Com os verbos dizer, falar, der, entregas, tlefonar, res- ‘onder, screver, pedir-¢ muitos outros — que na lingua lite- riria cléssica usavam a preposigio # — nbs estamos usando com muito mais freqléncia a preposigio gard, Em vez de dizer “En dei o livro ao Pedro” dizemos “Eu dei o livro pro Pedro” Com 05 verbos de ditegio do tipo #5 vir © chegar é muito mais freqiiente o uso da preposisio ent (e suas combi- nagdes) do que da preposigio a. “Eu vou ne cinema”, “Voce ja tinha vindo neste loj2”, “Ela chegou em Sto Paulo ontem™ io formas perfeitamente normais do uso didrio do portusués do Brasil. “Quando chego em casa nada me consola”, ji can- tava Cactano Veloso, Embora os gramiticos tredicionalistas fiquem de cabelo em pee queiram morder a parede de raiva, ar mesmo os grandes poetas e escritores brasleiros deste steulo jé incorporsram essas construgées na linguagem liter ria. (E claro que ene eles cu incluo o Caetano!) Por isso, aquela explicagio que a gente dava para ori entar os alunes sobre o fendmeno da crase — prestar atensa0 ros yerbos que “pedem” a preposigio a — nila funciona mais muito bem, pois a preposic3o a ji esté se rornando um “corpo estranho” na Kingua falada clos brasileiros. 8.3.2. Dois sons 4, um sé aqui Outra explicacio que se combina com essa para respon- der 4 pergunta do lingtiista pesquisador est no campo da _finética, isto €, dos sons da Hnygua, No portugues falado em Portugal existem dois sons vogais bem diferentes representa- Puiguioa om ligque portuguesa? - os pela letra A Um deles, que a gente vai representar aqui pelo simbolo /a/, & exclusivo do portugues falado por li ¢ Bo fax parte dos sons da lingua pormguesa do Brasil. £ um | %a" fechado e atono. Na bora de portugueses, esse som est __ presente na preposicao 4 e no artigo feminino singular a Quando acontece a erase, aparece o segundo som vo- gal, que vamos representar como /a/, que € 0 “2” aberto € “{Oniea, que nds conhecemos bem e que aparece na palavea {ub Por isso os portugueses nao tm lificuldades em repre- sentar, na escrita, o fendmeno da erase. O “a crascado” tem im som diferente do “a nio erasesdo”. Eles ouver dois (ols, por i380 sabem onde vio colocar o acnto! Um portugués pronuncia diferentemente 0 a nas frases: Vi 4 casi” € “Vou A casa do Joo". Ora, isso nfo acontece = entre n6s, no Brasil, porque a nossa lingua nao tem esse | outro “a” fechado tao diferente do “a” aberto. Nenhum brasileiro confunde, por exemplo, avde avé ou pee pé, porque 16s temos esse jogo entre vogal fechada € vogal aberta no _ cas0 do 0 € do #. Mas nosso ouvido nao reconhece dois sons sm a Babin” e * Bahia” 8.2.3. Entio para que ensinar? Se na lingua que falamos diariamente nao usamos mais 4 preposicao a ¢, mesmo que 2 usissemos, no ouviriamos a diferenca entre 6 a simples © 0 @ “misturado”, seri que € inguil ensinar crase no Brasil? Claro que no! Sé precisamos ‘omar consciencia de que a crase € importante, sim, mas num linico contexto de nso da lingua, que € 0 da lingua excita formal. Precisamos ensinar nossos alunos a acentuar correta- mente o “a eraseado” pars que possam ser capazes de excre- n O fnncasia te Procaso ver bons textos, © acento indicador da crase toma o texto eserizo mais preciso, evita ambigilidades de interpretaclo: “mencionei a aluna” € diferente de “mencionei d aluna”, Aids, acredito que foi exatamente para evitar esse tipo de ambigtidade que a lingua falada passow a recorrer mais & preposicio para, que nfo tem como ser confundida com o artigo definido. ‘Viu s6 como 2 investigacio cientifica € muito mais inte- ressante do que 25 velhas rabugices dos gramiticos herdeitos de Procusto, cue a6 sabem penser em tevmos de certy ou erado? Felix gui fotuit rerum cognocere causas(*Feliz de quem péde conhecer a8 causas das coisis”), cantava o poeta Virgflio, 8.4. Uma sugestio para peiguisar a erase Como faremos, entio, para que nossos alunos descu bbram as regras que governam 0 uso do acento indicador da erase? J4 sabemos que despejar aquela lista de explicagdes € cexemplos no adianta nada, As explicagdes sfo confusas porque no se basciam na reilidade da lingua falada pelos brasileires ¢ ainda se serve de teozias ultrapassades. Os excmplos sio inal escolhidos por ‘que nao representam essa mesma lingua falada, além de mis turar lingua falada com lingua escrita: “Vou 3 casa do Pedro” ‘ou “Maria saiu 3s compras” sie exemplos infelizes € pouco didaticos simplesmente porque ninguém no Brasil fala assim! Minha sugestio € 2 seguinte, Sabe aquele livio que voce mandou os alunes lerem para depois fazerem algum trabalho com eles? Isso mesmo, aquele livro “paradidatico” que vocé (espero que tenha sido vocé!!) escolheu para cles lerem. Eu chamo esses livros simplesmente de literatura ¢ tenho embruthos no escmago quando alguém diz que sou rz © | @“Assinalem 20 longo do texto todas as ocorréncias de de as”. Pagnic om Unga portapncia? autor de livros “paradidéticos” (esse nome me faz pensar ogo em densa!) ‘Que tal pegar esse mesmo livro como material para a nossa pesquisa sobre a crasc? Depois que os alunos jf 0 fiverem lido pelo simples prazer de ler uma historia interes sante € bem escrica (assim espero!), vocé pode pedir a eles que leiam 0 fivro todo novamente como uma pesquisa de lingua portuguesa. O comando é simplissimo: Isso pode ser feito em grupo, na sala de aula, em casa, junto com o professor, como Ihe parecer melhor. © impor. tante é que 0 texto seje longo o bastante para que aparesam muitas ocorréncias do “ craseado”, Pega 20s alunos para recotherem todas essas ocorréncias ume folha de papel, por ordem de aparigio no texto. Lem bre-se sempre de dizer a eles para colocar a ocorréncia entre aspas, seguicla do niimero da pagina entre parénteses, para -Gcilitar a localizacio. ATENCAO: E iinportansistimo que'se-reoiha'ndo's6: (0 “acraseado”, mas também o contexto em que ele aparece. Para isso, digs 3 eles para copiarem tudo que ests entre © ponto final imediatamemce anterior € 0 ponto final imediata- mente seguinte, Por exemplo, nao copiar apenas 43 janela” (p. 18) ‘3 “Valentina aparece jane'ae sorrin para nés” (p. 15) 7 0 fantasnn de Procuses Por que isso? Porque queremos levar os alunos a dedia- stiras regras de uso do acento indicador da erase, © para isso € importante ver o contexto sintético maior em que este uso vai ococrer, ‘Terminada a lista com todas as ocorréncias, voce pode ‘comeyar 3 agir como o velho € bom Sécrates, aquele fil6sof0 rego que, por meio de perguntas, ia levando seus discipulos a encontrar as respostzs adequacas 38 suat inguietagBes filo séficas, (Sécrates queria “arranear” a verdade de dentro de scus discfpulos, por isso seu método & chamado maiéutica, “a arte do parto”.) A primeira pergunta que voet pode fazer €: % Observer na lista todas as palavras que vém logo depois de Ais © gue elas tm em comum? Espere as respostas. Quando alguém disier: “si0 todas palavras femininas”, voce levanta 0 polegar € diz: “E isso ai”. E continua: “Jé descobnimos entio a regra de ouro do uso do acento indicador de crase”. Vai aré a lousa ¢ escreve: % Usa-se @ © ds exctuswaenre diante de palayras FEMININAS (Observe que escrevi sxamnumyas em CAIXA ALTA, negrito ¢ sublinhado, pare chamar a atencio 0 maximo posse.) Essa regra simples ¢ clara jé resolve uma porsio imensa das dividas sobre 0 uso ou nio do acento indicador de crase. Procure fixé-la bem para seus alunos, insistindo na. auséncia total ¢ ebsoluta de palavias masculinas depois de a/as: Inven- te uma cima, uma musiquinha, qualquer processo mneménico que os ajude a se lembrar disso. a Pepuise om lingua portuguesa? Em seguida, procure ver com os alunos quais sio os verbes que estdo sendo regidos naquele texto pela preposicio 1. Peca 2 opinido deles: “Por que se usa c/s depois desses werbos?” Ouga o que cles vém a dizer. Explique que, na lingua falada, 2 gence di prefertncia a outras preposicoes, como para ou em, € que mio hi nenhum problema nisso, mas que na lingua escrita formal — como num texto liters. tio, sientifico ou jomnalistico — € necessirio conhecer bem os vyerbos que sio regidos pela preposicio @, Escolha alguns exemplos dentre os recolhidos pelos alunos em que a nio acentuagio do @ podetia gerar ambigiidede: “aparceeu a jane” versus “apareceu janela”; “chegou # noite”, “che gou @ noite” etc. 2 presiel quay ae tena remitne we hora da Mostre aos alunos que o sempre € acentuado quando va- mos designaras horas: “Cheguei d uma da tarde”, “Jantaram ds onze © meia”, “O avilo partiu as dezenove horas”. Nas locugées adverbiais com palavras femininas no plu- ral, 0 ds € sempre acentuado: as vezes is preseas, ds eustas dey as vesias, ds cegas. Na lingua escrita mais comum de hoje, sobrevivem poucas desms expresses, embori nosst lingua Iiteréria mais requintada tenha um repertorio infinito ¢ deli ioso delas ("as escdncaras”, “is bandeiras despregadas”, “as expensis de”, “as chusmas”, “is boas”, “is favas” etc.). Dificilmente, num livro destinado 3 fuixa etéria que nos in- teressa, aparecerd0 locugDes 120 rebuscadas. 8.4.1. Nao seja um magico amador: evite os truques que nao funcionam! Evite cair no vetho hibito de mostrar quando nao se usa 0 acento indicador de crase. £ methor, mais ficil ¢ mais 6B 0 finutssma de Brea til mostrar os sisor do que os nfo usos, Outra observagio que me parece importante: evite recorrer iquele tradicional Smacere” ou “truque” para saber se 0 4 € acentuatto ou nzo, Qual macete? “Se no masculino aparecer ao ento no femi- nino seri @ eraseado” Por que eviti-lo? Primeiramente, porque dar “macetes” alo contribui em nada com © nosso proposto de investigar (de pesquim) as regras de funciona. mento da Kingua. Segundamente, esse “macete” nem sempre funciona ¢, 0 que é pio ele pode acabsr confundindo o aluno. Vamos ver quando o “trugue” apresenia falhas? Nas locugées adverbiais em que aparecem palavras no feminine singular ¢ substituigso por uma palavra masculina a0 vai provocar de modo sistemdtico o aparecimento da forma combinada aa, Isso porque nessas locucdes a preposi {20 A ganha um acento grave apenas para evitar ambigtida- des de interpresagao do significado da frase, Veja 0 seguinte exemplo. % (1) Nao sou mwito hibil para desenhar 3 mio. Se substituirmos mio por ldpis teremos: (2) Nao sou muito hibil para desenhar a Hipis. Veja que nio podemos dizer: “Nio sou muito habil para desenhar ao lipis™ Viu como aqui o tugue no funcio- na? No entanto, se na frase (1) apagarmos 0 acento grave em 4 mndo, estaremos falando de alguém que tem habilidades para desenhar outras pertes do corpo, mas no para “dese thar mao. © que 2 hisiéria da lingua nos conta € que em situapdes desse tipo 0 acento grave & apenas uma marca iferencial, uma mera indicasio gréfies pata que, 19 exerita, nao haja equivoco de interpretagio do significado, Observe 76 Feu ems lingua portuguesa? «sted outros conjuntos de locusdes adverbiais em que a subs situigao da palavra feminina por uma masculina nao fiz surgic 2 forma go, mas onde a eliminacio do acento grave acarte- ‘aria ambigtiidade: = Cortar a navalha/Cortar a facdo % Cozinhar & lenha/Cozinhar a gis/Cozinhar a vapor = Comprar 4 vista/Comprar a prazo Sa Matar & fica/Matar a tiro ®. Trancar a chave/Tranear a cadeado Essa € a razio da minha campanta contra “truques” € smacetes”, que fazem tanto sucesso nos cursinhos de prepa- ragio para o vestibular, onde brilha certo tipo de professor que acaba ganhando famna de astro pop! Essa prética de ensino fem como meta exclusiva fazer 0 aluno passar no vestibular, e no tomé-lo um bom usisrio da lingua escrita falda em suis modalidade mais culta. Eu nfo me acanho em dizer que 6 vestibular uma das instituigoes mais perniciosas, mais medonhas € mais injustas que existern no Brasil! Dai voce ja pode eleduzir qual & minha opinio acerca daqueles que trans- formaran: o vestibular em micio de vida fonte de lucro! Ultima sugest2o: deixe para mais tarde também, ld pelo nal do 2° grau, aqueles casos em que aparece “a craseado” diante de palavra masculina, subentendendo-se a palavra moda “escrever di Machado de Assis”, “sapatos @ Luis XV" (sto sempre as mesmos exemplos, meu Deus!). Quase ninguém mais escreve assim hoje! Quando muito, ele aparece em ear pio de restaurantes muito requintacos, desses que cobram oitenta reais por uma canja de galinha “i Fulano de Tal Este uso € um arcaismo que ests em vis de extingio. Fu consultci, por exemplo, © Co-nom que contém todas as 365 edigdes do jornal Folia de $. Paulo do ano de 1997 € nio 7 2 fonensina he Procuse aparece um 56 caso desses! Para que, entZo, confundie nassos slunos com esses dinossauros lingilisticos? 85, Muito além da frase © mesmo procedimento que aplicamos 4 questo da erase pode ser aplicado a outros aspectas do ensino a gra mitiea na escola. O velho ensino dos sindnimos, por excin- plo, precisa urgentemente ser modificado. Fodemos aplicar a cle © mesmo método que aplicamos & questo da crase. Ao invés de darmos aquel lista bolorenta som or mesmos sind- nnimos (feliz, alegre, contente”), ¢ depois pedir que os ali- ‘nos substituam uma palavra pela outra em fiases descon- textualizadas ¢ sem vidi propria, varios pesquisar em um texto de verdade os sinénimos que o autor utilizou para dar coesio © cocréncia iquilo que excreveu. Voe€ vai se surpre- ender com as descobertas possiveis. E preciso ampliar'a nossa visto do fendmeno da Kngua. Estamos viciados em parar a nessa anilise na frase. Ora, a lingua nao se organiza em frases! Ela se organiza em textes, € 0 cstudo de um texto exige ferramentas bem mais interes” santes ¢ sofisicadas que as classficagdes da velha gramitica tradicional, Aliés, existe todo um samo vive ¢ dinimico da cincia lingoistiea que se chama justamente LINGLISTICA TEX- UAL. Quer saber o que & Experimente ler PAVERO, 11. & Kock, 1G. v., Lingititien textual inzrodugao (S10 Paulo, Cortez, 1988), além dos diversos livros da Prof Ingedore Koch sobre o tema publicados pela Editora Contexto, 86. Lingua falada ¢ lingua escrita: é preciso saber separay Algumas nogbes, contudo, tém que estar bem chras pars 0 professor antes dle empreendlcr essas pesquisas, A mais, B Papuise om lingam portupuess? importante delas é que 2 lingua tsoritec a lingua falada sto fos universos muito complexos de uso da lingua, cada um dleles com suas préprias caracterfsieas, regras de funciona mento, funzdes. Existem coisas que #6 acontecem na escrita, putrss que 86 ocorrem ne fila. Procure investigar, por exemplo, os tempos verbais que estamos acostumados 8 ensinar na escola. Alguns deles (como "9 mais-que-perfeito simples © o futuro do indicativo) apare cem quase exclusivamente na lingua escrita. Duvida? Apure | seus ouvidos: tente contar quantas vezes por dia voce ome alguém dizer “Quando cle chegou, eu jé sais” ou “Pedro “¢ Paula se easarao més que vem”... E 0 imperativo de néz | *Fiquemos por aqui”, “Entremas no carro”, *Falemes baixo” | —sio formas que 2 gente nunca ouve na lingua do di | ia, A lingua falada prefere dizer: “Verso: ficer por aqui”, | “Vamos entrar no carro”, “Vamos falar mais baixo”, no Os postessivos também rem uma distribuigio bastante | interessante no que diz respeito 4 lingua falada © lingua escrica. Na fala, 0 possessive sen/sua & usado exchisivamente com referencia a roeé, Com referéneia a cle/ela usamos, na fala, | exclusivamente dele/dela, Na escrita, porém, a coisa € diferen: ‘te: e/a pode muito bem referirse a de/ela ou eles/elas,€ também a vocé/oocés. Se ex pergunto: “Vock e Pedro vieram no sew carro?", € dbvio que estou me referindo ao carro que pertence a vecé. Se quisesse flar do carro de Pedro, eu per: _guntaria: “Vocé e Pedro vieram no carro dele?” Quando, porém, Ieio um texto exrice que comeza: “Quando Pedko entrou em seu carro comezou a chover” € Gbvio que 0 carro € de Pedro, ‘Agora procure ver s¢ alguma gramitica normativa trata dlessis coisas. Nem em sonho! Pare elas a lingua falada € uma verdadeica obscenidade! Desde antes de Cristo 0 ensino grax matical ten insistido exchisivamente na lingua escrita, como ” Ofimeasmn de Procuto se cla fosse a tinica modalidade de uso ds lingua digns de ser estudada e analisad. Imo é a pré-histéria da lingiistica, mas infelizmente © nosso ensino ainda est nessa fase! Se Voce quiscr se sintonizar com os avancos da cincia da lingusgem esse campo, procure ler, por exemplo, O espace da ornlidade ta sala de aula, de Tania Ramos (Ecitora Martins Fontes), ¢ A lingua falada ne ensino de pertuguis, de Ataliba Castilho (Editoca Contesto). Vocé vai se surpreender com 0 que é, realmente, a rigueza da lingua falada! 8.7. Quem née sabe portusuis? (Outra idéia pré-historica que continua vagando por ai feito um fantasma que se recusa a i para o inferno éa de que “portugués € muito difc!”. Bobagem! Falicia! Mentira! Difcil € aprender (ou antes, decorar) todas aquelas coisis perfeita- ‘mente inGteis ¢ ittelevantes, que sempre nortearam 0 ensino da lingua no nosso pats (e nio s6 da lingual). Para que saber que 0 coletivo de camelo € cffila?’ Quando na vida voce ja ‘eve ocasizo de usar is50? A andlise sintatica, do jcito que & ensinada, serviri mesmo para alguma coisa? Para que despe- jartanta nomenclaturs (aliés, pouco clara até para-os préprios Jingtistas) na cabega de criangas que podriam usar sua cria- tividade € meména para descobnr coisas muito mais interes- santes na lingua que filam? A nogio absurda de que “portuguts € dificil” € ima gémea de outra bobagem que tanto brasileiro inteligente vive repetindo: “Eu nio sei portugués”. A pessos que con- segue produzir a frese “Eu nao sei portugues” est meittin- do, pois xe nto soubesse “portugues” nzo teria conseguido pronuncii-la. O que ela nio sabe nem consegue aprender & © caético conjunto de regras, definigBes, conceitos ¢ fSemi- Is que compdem o cnsino tradicional da eramética ¢ aute. 20 20 Fesnvio em lingua portuguesa? fim ¢ 20 cabo, mesmo para os poucos ilaminacos que con- segiem aprendé-los, nie tém utilidade nenhuma. Afinal, para ser um bom motorista ninguém precisa saber 0 nome € a fungio de cada pesa do carro, aio € Ora, tum dos melhores “mocoristas” ea lingwa foi, sem davida, Rubem Braga, ¢ ele nao hesitou em cmitir 0 seu protesto contra‘o ensino do iniitil ¢ do irrelevante na gostosa crénica “Naseer no Cairo, ser femea de cupim”: “Por que fazer do esuuelo da lingua portuguesa uma série de algapoes € adivi ‘kas? No fundo 0 que esse tipo de gramstico deseja € tor rar 4 Vingua portaguess adios; nio alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, mas um instramento de supli cio ¢ de opressto que ele, gramético, aplica sobre nés, os ignaros”, Por essis © por outias € que meu live Draméries da lengua portuguese mostra 0 que € valido ¢ 0 que € irreievante no ensino de portugues. ‘Mas, agora falando sério, © que nds, professores, pode slamos fazer para reverter essa situacio? O primeiro passo € simples. E-um apelo que fago sempre aos professores quando tenho a oportunidad de flar em piiblico. Pezo a cles que no primeiro dia de aula digam o seguinte a seus alunos: “Tenho uma boa noticia para lar: voces sabem portugues!” Parece piada, mas no & © preconceito lingiistico ests 120 arraigado no nosso modlo tradicional de ensinar que entra ‘mos em sala de aula imbuicos da certeza de que nossa misio € dar 0s alunos algo que cles no tm. ‘Ora, cigneia lingistica j4 provou hS muito tempo gue {quatquer eriang2 entre quatro ¢ cineo anos jé domina periei- tamente as regras de funcionamento de sua lingua. Nos, porém, desprezamos todo 0 eonhecimento prévio, intuitive © natural dos nossos alunos, imaginando que 2 cabecinhs deles € uma pigina em branco (ou uma séGuda rasa, como 81 0 favinans ds Procite se dizia antigamente) onde nds vamos escrever ou inserever © conhecimento da lingua materna Nio € nada disso. Se fosse assim, os analfibetos 30 seriam eapazes de falar, de exprimie suas idéias, de manifestar seus pensamentes nem de sc fazer entender, © mesmo acon- teceria com civilizagdes inteiras que nunca tiveram uma ins. tituiggo semelhante 3 escola, mas que conservaram durante milénios uma vasta literatura oral, um ampio repertorio de Fendas, mitos, hinos ¢ canticos, toda uma arte ¢ uma religizo, além de um grande arsenal de conhecimento sobre 0 homem © a naturezs. (Posio citar como exemplo 0 povo mais, da América Central, que desenvolveu um sofisticado sistema de Célcalo estronémico mas que nunca elaborou uma forma de. escrita.) Este € © ptimeiro paso, entio, dar a boa noticia 20s alunos de que cles jf sabem portugués, nfo tanto para ele 9¢ conseientizarem disso, mas para que nés, professores, no nos esquesamos dessa verdade simples. O que nés vamos fazer é desenvolver esse conhecimento prévio, amplisr a visio do aluno sobre as infinitas possibilidades de uso do idioma, despertar seu imeresse pela aquisig’o de recursos que Ihe Permitam fazer um uso adequado ¢ accitivel da lingua nas mais diversas situagSes e contextos. 8.8. Basta uma sileba © segundo passo € uma simples troca de silaba. Em vez de rePEtir alguma coisa, nés devemos reFLEtir sobre cla. A sgramitics tradicional, que vem norveando 0 ensino da lingua ‘ha quase dois mil anos, nao € uma ciéncia: é uma doutrina. Como toda doutrina, ela tem os seus degmas, que dever set aceitos sem contestagio e transmitidos intactos as geragoes cy Pesyisn em Hinge portuguesa? futures. A nomenclatura gramatical, por exemplo, que usa- mos até hoje — sujeito, objeto, auvérbio, subjuntivo, preté- Fito, antOnimo, preposicio, artigo etc. — € a mesma propos- ta pelos gregox antes de Cristo. O que 0 ensino gramatical faz, cntio, € repetir esics mesmos termos, eonceitos e defi- nigoes, sem submeté-los a uma andlise profunda. A astude oposa é a atitude investigativa, reflexive © critica da citncia, Em ver de se contentar em receber um pacote pronto e passélo adiante, o cientista da linguagem abre esse pacote e vai ver o que tem If dentro, por que aqueles coisas estdo reunidas daquele jeico, para que elas server realmente, para quem elas podem de fato ser ats, se ces deviam mesmo estar ali, se © nome que elas recebem & adequado etc. eic. ; Por exemplo, todas as gramitieas dizem que 0 sujeito dla frase “Nio se faz mais filmes como antigamente” € “fil mes” € que por iss0 0 verbo tent de estar n0 plural: “Nao se asim eiais filmes como antigamente”. Ora, se ett cit de ‘gravador em punho ¢ registrar fala normal ¢ espontinea de pessoas cultas, vou poder verificar, na pritica, que a grande mmaioria dessas pessous desrespeita esse dogma ¢ diz trangii- laments: "to ce mis lier como nsgamene”,“Ven- de-se casas”, “Akuga-se salas comerciais”, “Nio se respeita os Girctos dos cdadies humides" ce, O que deve ce Condenar & fogueira da reprovagio todas essas pessoas? Dar now ze10 para toxks? Nao. Eu vou refltirsobre 0 fenémeno e tentar ver 0 que esti acontecendo. Se chego a uma estatis- tica de 90% de verbos no singular contra apenas 10% de verbos no plural, 36 posso achar que 0 problema esti no dogma € nao em quem nao o respeita. Entdo eu comeso a pensar. No caso de “vende-se ea si8", por exemplo. © verbo vender s6 pode ser praticado por 83 O fensnsma de Precuto seres humanos. Portemto, as casas nio podem se vender a meses. Logo, «sts mio € 0 sujeito. Além disso, & normal 0 verbo euler vir acompantado de um complemento, de uum objeto direto, isto é, da coisa que é vendich, Na fa “Wende-se casas” € mais da que claro que o que exti 3 vende ‘80 fasns. Ab, € assim entio que o falance da lingua pots guest do Brasil inuitivamente analisa esta frase: “Alguéms Rende casas", sendo que este “alguém” indefinido ests repre ‘Entado pela particula “Se”, que € ur indice de indeccrminagto de sulci. Por isso 0 verbo esté corretamente no singular “Vende-se casts”. A reflexio pode se. levada ainds male adi, ‘ante, mas nio vou fazer isso aqui agora. Quem tiver intereane Pode ler 0 capitulo “Accta-se roupas novas" do meu livte Lingua de Exlilin, que aborda dctalkadameme todo eee Problema das frases em que aparece 4 particula “se” Fests fflexio também se encontea formulada em obras de grartles Slologos ¢ gramfticos brasilcicos ds primeira metace Co se, gulo como Antenor Nascentes, Manucl Said Ali ¢ Mattoco Gimara, embora sejasistemtaticamente desprezada pelos wo ors contemporineas de gramiticas normativas e livros di- iticos, pelos redatores de programas de televisto ¢ de radio £ de colunas de jorale revista sobre lingua portuguesa, gue querem ser mals realstas que o rei. 8.9. Varnos nos preparar melbort Mutas pessoas dirio que para fazer esse tipo de rele: Mao crities da gramivica tradicional ¢ necessiria uma forma, sko especifica, uma preparagio rigorosa dentro da ciénels da inguagem. E eu digo: & necessiria sim! A formaao dos Rossos profestores de lingua portuguesa precis comecar a ser feits de outro modo, sem recorrer tio descapecadanente & gamitica tradicional como iinies eibua de salvasion 8 Pespsisn exe lingua poreugusa® Por exemplo, qualquer pessoa pode trsr excelente pro- yeito com a leitura dos seguintes livros: ‘secHana, Evanildo. Busing da gramdtica, Opresta? Liberdnde? Sio Paulo, Atics, 1986. Ss oxen, Maurizzio. Lingnagem, excrita © poder. Sa0 Paulo, Martins Fontes, 1985. . SiuiRi, Rodolio. A liugiiisiea eo ensina da Hnngua portugueia. S30 Paulo, Martins Fontes, 1986. S3 marros & sieva, Rosa Vinginia. Contradicces ne ensine dle parrugués, Sto Paulo, Contexto, 1997. nevrs, Maria Helena Moura. Gramdsica ua evel Sio Paulo, Contexto, 1990. . IN, Mario A. Sefhendo a gramdtica. Sio Paulo, sins Sos Po ne (nd) ensnar rami na reeia: Campin, Mead de Lew, 1997. sous, Magda. Linguagens « escola, Uma perspectiva ‘acial. 10+ ed., Sto Paulo, Atica, 1993 an les do livros pequenos, escritos em linguagem sinxpl Beatateett wea na cnt seams pecretouene para a critica € a renovagio das préticas tradicionais do ensino da lingua, a Bess gi Urs lt Ht a i ra voré, profesor, do que ese monte de “manuals Fedagio do jomal "ou livtos do tipo "Nio ere mas!” que andam por af, além dessa infinidade de programas de rédio, televisto e colunas de jomal que dio “dicas” de portugués “certo”. Com que autoridade essis pessoas querein ditar as normas do “bem falar"? Allis, seria interessante fazer um sépido levantamento do curricntum cientffico das pessoas que estio transforman- 85 © fanenemn de Pracusin do 0 que elas chamam de “portugués” (ou pior, “nossa” {ingua portuguesa) num produto de consumo que tira prox eito da fiesicia “dificaldade” da lingua ou, piot, da “igno. sincia do brasileiro", mitos e preconceitos to arrtigados na nossa cultura. A maioria delas tém apenas 0 diploma de Letras: nio fizeram mestrado nem doutorado (ou seia, nfo empre- enderam uma pesquisa cienulfica rigorosa), nunca publicaram a-tigos ou livros sinconizados com as mais recentes tendén. Gas cientificas no campo da linguagem, nunca participaram de nenhum projeto de pesquisa, nunca dirjgiram neabum grupo de investigagio cientfica da lingua viva, S30 meros repetidore: ca velha doutrina gramatical. Fechados em seus escritérios, limitam-se a copiar e copiar indefinidamente os mesmos exemplos dedos pelos scus antecessores des décadas € dos séculos passados. Por isso seus trabulhos 530. tio reconceituosos, 8.10. Uma questco de direitos bumanos © que estou querendo dizer € que, para mim, 0 pro- bblema do ensino da lingua tem muito a ver com a questio da cidadania e dos diteitos humanos de que tanto se fla hoje em dia Para mim, é um verdadero atentado aos direitos do idadio © da pessoa Ihumana dizer que sio formas ceradas “eu vi ele chegar” ou “aluga-se casis” ou “me d4 um tem. po” ow “eu you no cinema” ou “assisti o filme”. A pessoa ue passa um trago de caneta vermelha sobre essas manifes: tap0es lingiisticas, ou que reprova num exame ou num con. curso quem se expressa dessa mancira, esté na minha epiniao violando os direitos humanos, E uma reencernacio de Procusto. Afinal, é assim que s exprestam cento e tantos milhdes de brasileiros, de todss as classes socizis, 86 Peapuiso em Uengos portegnese? Conidenar essas formas de uso da lingua — que j6 foram inclusive consagradas pelo uso literitio dos escritores deste -— seculo —€ o mesmo que recusar um emprego a uma pessoa porque & negra, ou nio querer pagar um salirio decente a luma pessoa porque € mulher, ou achar certo uma pessoa ser ‘espancada porque € homosexual, ou considera uma pessoa -merecedora de deboche e zombaria porque € nordestina, como acontece nat novelas da television, onde todo personagem nordestino é fatalmente uma caricatura grotexa. Sio todos preconceitos cuja origem ¢ a necessidade que as elites tim de se manter no poder politico, econdmico © ‘cultural. Encorajar um prevoneeito — que € fruto da igne- rincia — & um dos muitos instrumentos que as elites empre- gam para se apropriar dos bens piiblicos e da riqueza cole- tiva, mantendo cada vez mais i margem as amplas camadas jé to marginalizadas da populagio. Vocé acha que é exagero? Entio me dé outa explicasio para os seguintes paradoxes: 0 Brasil tem a oitava economia do mundo, 0 maior pargue industrial do hemistério sul, roclu7.e exporta tecnologia de ponta, mas 20 mesmo tempo fost ye doe plore seamen nhac a planet pr endo feio até mesmo parz paises muito mais pobres, como cs da Affica. Ocupemos também um triste lugar entre os pafses com maior nimero de analfibetos, além de termos a segunda pior distribuigio de renda do mundo, ficando atris somente de Botswana, um pais desértico da Africa, bem menor bem mais pobre que o Brasil, Em termos de investimento social 2 coisa também é feia para o nosso lado: nenbum ‘outro pais grande da América Latina investe to pouco em habitagio popular, educasao, saiide © transporte péblico. Existem cinco miles de familias de camponeses sem-terra sagando por este pais giganterco, onde o que nio falta € terra, € pasando fome numa nagio que exporta alimentos! 7 © Fonte I: ENCICLOPEDIA MIRADOR INTERNACIONAL, Vol. 14. Sio Paulo, Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1987. MONTEIRO LOBATO J oie, is trasieiro, Jost Rento Monteiro Labato rnasecu em Taubaté, SP, a 18 de abril de 1882 ¢ morrew em $a0 Paulo, SP, a 3 de julho de 1948. Foi viver no interior de seu Estado até 1917. No ano seguinte com- prou a Revise do Brasil e publicou Urnpé, seu primei- ro livro, fundando a Editora Montciro Lobato. Suas obras para criangas comecam 2 aparecer em 1921, com A Menina do narizinbo arrebitado (mais tarde Reinagies de Naricinbo). A Semana de Arte Moderna (1922) enconira no escritor um adversirio, que considera © movimento modemista “mais um estrangeirismo” ¢ “parandico”. 2. A Editora Monteiro Lobato faliu em 1925, sendo subs- titufda pela Companhia Editora Nacional. Adido co- mercial do Brasil em New York (1927-1931), Monteiro Lobato volta preocupado com o subdesenvolvimento a1 Anes 2 brasileiro, passando a incentivar as campanhas do petra. leo ¢ do ferro. Em 1931 funda a Cia. Petrbleo de Brasil. Uma carta que escreve a Getilio Vargas, criti cando a politica braslcira do petrOleo, leva-o 3 priszo ¢ 4 julgamento pelo Tribunal de Seguranga Nacionl, que © condena (1941) ¢ seis meses de cércere, de que cum. pre és Garacterizacao. Na personalidade de Monteiro Lobsto, do contists de Urupés a0 defensor insubornével das interesses nacionais, pioneiro na luta pelo petréleo, va. lorizam-se sobretudo o ficcionista que descobriu a ree lidade do interior brasileiro — contraposta a una dvi liassio litoranes de fachada — © 0 admirdvel autor de historias para criancas, verdadeiro criador do género na literatura brasileira Dono de um estilo saboroso, verndculo entremeado de bom humor ¢ colorido caipira, © contista &, também, Muito apreciado nos E.U.A., especialmente pela trac, s#0 norte-americana de “O comprador de fizencas”. © Lobato das historias infantis tem sido paixto e alegi de muitas geragdes de criangas braslciras, particulate mente por set um hibil inventor de tipos, alguns dos ausis, como Emilia, vio 20 encontro da semente de critica ¢ imeveréncia que jf se excita na alma dos ado- lescentes, Personagens como Dona Revita, ‘Tia Anasticia, o Mar qués de Rabies (um leitio), o Visconde de Sabugosa (wm sbugo de mitho) traciuzem para o mundo: die criangas a visio induica e brincalhona ce uma sociedade que deita raizes no pacrarcalismo dle base colonial € ainda evoca as frustradas ambigoes de um império me. lancélico. & signiicativa a omissio da figura de um se- Monsen Laban hor ou patriarea no sitio do Pica-pan Amarelo, centra- Tzandorae em Dona Bena o papel social daqucle. No brinquedo, a critica; na critica, a idealizagdo, a utopia. Obras. Para 0s adultos, Monteiro Lobato excreven ‘Tatu (1919) — que Rui Barbosa mentonau en docuso ro Serade amanda a ser so sobre 0 autor, por sua dentincia do atraso do inte ior —, Gidadder mortas (1919), Negrinba (1920) — na mesma linha de Urupés O cheque das raras ex 0 Presi dente negro — romance cobre 0s B.U.A. (1926), entre 0s escrites politicns, 0 Escindalo de petréco (1936). De alto senso pedag6gico, Lobaro ensinou discipinas exco- lares através dor mesmos personagens de suas histérias Jnfantis. As obras infantis foram reunidas em 17 volumes pela Editora Brasliense, compreendendo, entre outros, Viagem 20 céu, Histiria do seundo para criancas, Memé- ins da Enilin, O Pogo do Visconde — crn ee as © problema do petrdleo —, A refarma ds na- tne, tine do tment et, Tnporants € tbs sua corrcspondéncia com Godofredo Rangel, editada em A Barca de Gleyre. ‘© Fonte 2: wonreo tonto, 1 8, Histérias de Tia Nasticia, 20° ed., Sto Paulo, Brailiense, 1993, p. 78, BIOGRAFIA DE MONTEIRO LOBATO 18 de abril de 1882 em Taubaté, Estado de Sao Paulo, nasce 0 filho de José Bento Marcondes Lobato e Olimpia ‘Augusta Monteiro Lobato. Recebe 0 nome de José Renato Monteiro Lobato, que por decisio préprie modifica mais tarde para José Bento Monteiro Lobato desejando usar uma bengala do pai graveda com as iniciais J.B.ML Juca— assim era chamado — brincava com suas irmas menores Ester ¢ Judite. Naquele tempo niio havia tantos bbeinquedos; eram toscos, feitos de sabugos de milho, chuchus, ‘mamgo verde etc. Adorava os livros de seu avd materno, o Visconde de ‘Teemembé, Sua mie 0 alfabetizou, teve depois um professor particular © aos 7 anos entrou num colégio. Leu tudo 0 que hhavia para eriangas em lingua portugues. Fm dezembro de 1896, presta exames em Sto Paulo das matérias estudadas em Taubaté. 95 Anco, Acs 15 anos perde seu pai, vitima de congestio pulmo- rar € aos 16 anos, sua mac. No colégio funda varios jornais, eserevendo sob pscu- dbcimo. Aos 18 anos entra para a Faculdade de Direito por imposigio do avd, pois preferia a Escola de Belas-Artes. E anticonvencional por exceléncia, diz sempre 0 que pensa, agrade ou nfo. Defende sia verdade com unhas € dentes, contra tudo © todos, qualquer que scjam as conse. quéncias. Em 1904 diploms-se Bacharel em Direito, em maio de 1907 € nomeado promotor cm Arcias, casando-se no ano seguinte com Maria Pureza da Natividade (Purezinha), com quem teve os filhos Edgar, Guilherme, Marta ¢ Rute. Vive no interior, nas cidades pequenas, sempre escre~ vendo para jomais ¢ revistas, Tribina de Sentos, Gazeta de Noticias do Rio © Fon-Fon para onde também manda carica- turas ¢ desenhos. Em 1911 morre seu avé, o Visconde de Tremembé, dele herda 2 fazend2 de Buquira, pacsanda de promotor a fazendeiro, ‘A geada, as dificuldades levam-no a vender a fazenda em 1917 ¢.4 wansferirse para $30 Paulo. ‘Mas na fzenda escreveu o Jeca ‘Tatu, simbolo nacional, Compra a Revista da Brasi! ¢ comega a editar seus livros para adultos, Urupés inicia a fila em 1918. Surge a primeira editora nacional, “Monteiro Lobato 8 Gia, que se liquidou cransformando-se depois em Compa hia Editora Nacional sem sua participacio. Antes de Lobato os livros do Brasil eram imprestos em Portugal; com ele inicia-se 0 movimento editorial brasileiro. 96 Biygrapia de Stontere Lebato Em 1931 volta dos Estados Unidos da América do Norte preganeo a redengio do Brasil pela exploragio do ferro € do petréteo. ‘Comesa.a luta que o deixaré pobre, doente e desgestoso. Hiavia imteresse oficial em se dizer que no Brasil alo havia petréleo. Foi perseguido, preso ¢ eriticado porque teimava em dizer que no Brasil havia petréleo © que era preciso exploré-lo para dar ao seu povo um padrio de vida 8 altura de suas necessidades. Ji em 1921 dedicou-se literatura infantil. Retoma-2, desgostoso dos adultos que o perseguem injustamente. Em 1945 pastou a ser editado pele Brasiliense onde publica suas obras completas, reformulando inclusive diversos livros in- fantis, Com “Narizinho Arcebicado” lanca o Sitio do Picapau Amarelo e seus eélebres personagens. Através de Emilia diz tudo o que pensa; na figura do Visconde de Sabugosa critica 0 sibio que s6 acredita nos livros j4 escritos. Dona Benta € © persomagem adulto que aceita 2 imaginacio criadora das sriangas, admitindo as novidsdes que vio modificando 0 mundo, Tia Nasticis € o adulto sem culuira, que vé no que € desconhexido 0 mal, 0 pecado. Narizinho'e Pedrinko sto as crangas de ontem, hoje e amanka, abertas 2 tudo, queren- do ser felizes, confrontando suas experiéncias com © que 08 mais velhos dizem, mas sempre acreditando no. futuro. E assim 0 P6 de Pirlimpimpim continuaré a transportar criangas do mundo inteiro a0 Sitio do Picspau Amarelo, onde nao hé horizontes limirados por muros de concreto ¢ de idéias tacanhas. Em 4 de julho de 1948 perde-se esse grande homem, vitima de colapso, na capital de Sto Paulo. ‘Mas 0 que tinha de essencial, sew espirito jovem, sia coragem, estd vivo no coracio de cada erianga. Viveré sempre enquanto estiver presente a palavra inconfundivel de “Emilia” 7 © Fonte 3: CO-8OM ALMUNAQUE ABIL 99, MONTEIRO LOBATO, JOSE BENTO. sonrron paulista (1882-1948), considerado © principal autor de literatura infantil do pais. Nascido em Taubate, diploma-se pela Faculdade de Direito de Sio Pauloem 1904. Ingressa no Ministério Piblico ¢ € promotor em Areias (SP) durante sete anos. Abandon 0 cargo € torna-se fazendeiro em Buquira (SP), Em 1918, publica Unupés, coletinea de contos onde nasce o Jeca Tatu, protétipo do lavrador brasi- Iciro abandonado i propria sorte pelo poder piblico. Funda uma editora, mas ndo tem sucesso comercial. Volta-se, entdo, para a literatura infantil. Com A Menina do Narizinko Arre- Bitads (1921), cris um universo mégico habitado por Pedrinho, Natizinho, « boneca falante Emilia, 0 sabugo de milho Visconde de Sabugosa, 0 porquinho Marqués de Rabicd, Dona Benea e Tia Nasticia, que eonvivem com per- sonagens das histérias encantadas, da mitologia grega © do folclore brasileiro, como Peter Pan, Hércules € o sack pereré. As histérias do Sitio do Pieapese Amarels sio contadas em diversas obras, eseritas de 1921 a 1946. 0 Anesor Vive em Nova York de 1926 2 1981, como adida co- ncreial, entusiasma-se com 0 progresso des Estados Unidos ¢ publica 0 livo América. Preocupado com a questao ener- gética, volta a0 Brasil ¢ langa 0 livro o Eseindalo da Petrélee (1936}, com suas idas sobre © assunto, Durante o Estado Novo escreve uma carta a0 ditador Getilio Vargas, protes- tando contra sua politica petroifera. Em conseqliéncia, em 1941, € preso ¢ condenado pelo Tribunal de Seguranga Nacional. Depois da morte do filho, de tuberculose, mora na Argentina. Nao se acostuma zo clima € volta para o Brasil, Publica sua correspondéncia com o amigo Godofiedo Rangel em A Barua de Gleyre (1943), 2 Fonte 4: Granile Encicpédia Larvwse Cutlewral, vol 17, Sio Paulo, Nova Cultural, 1998. ONTEIRO LOBALO (José Bento), eseritor brasilei- ro (Taubaté, SP, 1882 — Sio Paulo, SP, 1948). Em 1918 editou seu primeiro livre de contos, Urupésscom gran de sucesso, e principiou sua atvidade editorial fundando pri- meira a empresa Monteiro Lobato & Cia., depois Compa- nhia Gréfica-Editora Monteiro Lobato. Estreou em 1921 na literatura infantil com A paewina so narizinbo arrebitado (ve~ fundido depois como Reinagies de Narizinho). Escreveu a seguie Osaci, O Marqués de Rabicé, Fébulas, O Jeca Tatuzinko, com milhdes de exemplares vendidos. Em 1924, » editora faliu. Posteriormente, com a venda de uma casa de loterias de que era sécio, arrematou espélio da massa filida de sua propria cditora, criando a Companhia Editora Nacional. No Rio de Janeiro, escreveu para 0 Jornal os “Ditlogos de Mr Slang” e para A Manha um romance em folhetins, O chogue ddas iment ow Presidente negro. Adido comercial do Brasil em ‘Nova York, mostrou-se empolgado com o progresso dos EUA, publicando cm 1930 0 livro Américe. Em 1931, preocupado com © problema do petrélea, voltour a6 Brasil, fundando a Companhia Petréleo do Brasil. Em 1933 chegou a extrair 101 at petrlco do seu pogo em Araqui (BA) ¢ no ano seguinte percorreu o Brasil, numa espécie de pregagio civica e econd: mica, em que denunciava manobras dos trustes pecroliferos. Em 1936, expos em O eseindals do petréleo todas as sas idéias sobre o tema e traduaiu e publicou A lutw pelo petréle, de Essad Bey, Em 1935, com as finangas novamente abala- das, voltou a escrever ¢ traduzir, Publicou entao Contos leves, Contor pesados, Geegrafia de Dona Benta, Histévin das inves ies, Momérias da Emilia. Em 1937 publicou Serdes de Dona Bonita, Historixs de Tin Nastécia, O poco do Visconde e, em 1939, O Minetauro, O Pica-pau Amarclo, além de contos, Em margo de 1941, em pleno Estado Novo, esteve preso por haver enderesado 2 Gecilio Varges uma carta de critica ’ politica brasileira do petrileo. Em 1946, fez a revisio das suas Obvar eomapletas, publicadas pela Béitora Brssiliense om 13 volumes: Urupés (1918), Cidndes moreas (1919), Idéias a Jeca Tatu (1919), Negrinbn (1920), A onda verde (1921), Mindo da Lua (1923), O inacaco que st fez bomen (1923), © chogue das sagas ow O presidente negro (1926), Mr Slang ¢ Brasil (1929), Ferro(1931), Amévien (1932), Na autevtspera (1933), O exaindato do petrileo (1936), além de Miscelinea, Preficios ¢ entrevistas, ¢ um vokime de correspondéncia, A daria de Gleyre. Além da literatura infantil de sua aueoria, merece mengao 9 notivel trabalho de tradusao © adapracao para criangas de clissicos como Dom Qnixote, Guiliver, Rolinson Crusoé e outros.

You might also like