You are on page 1of 12
Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. ARTIGO A redug&o a prova da expe Natalie Depraz'; Francisco J. Varela™"; Pierre Vermersch™Y ‘Université de Paris IV-Sorbonne LENA - CNRS (Centre National de Recherche Scientifique) SICREA - Ecole Polytechnique, Paris MGREX (Groupe de Recherche sur Explictation) “CNRS (Centre National de Recherche Scientifique) Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ 7 Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. RESUMO © artigo apresenta uma nova descricdo da époché que se apéla em uma mudanca de paradigma quanto a0 estatuto da fenomenclogia. Substituindo 0 enfoque hermenéutico tradicional pela _abordagem pragmética, 0 artigo define trés Componentes da époché: a suspensao, a conversdo e 0 deixar-vir. Palavras-chave: Redusio fenomenolégica; Epoché; CognigSo; Experiéncia. RésuME article présente une nouvelle description de I'époché qui repose sur un changement de paradigme concernant le statut de la phénoménologie. Substituant une approche pragmatique 4 approche herméneutique traditionnelle, article définit les trois composantes de I’époché: la suspension, [a rediretion et le lacher-prise Mots-clés: Réduction phénoménologique; Epoch’; Cognition; Expérience. Retirado do World Wide Web http://w. psiclogia.uty-br/abo/ 7 Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. “Die Praxis steht uberall und immer voran der ‘Theorie’ (Husserl, 1966, Hua XIV, n® 3, p. 61) “Hier drangt sich die Frage auf: kann ich die phanomenologische Reduktion eines anderen Menschen verstehen, ohne selbst phinomenologische Reduktion zu Uben ader rmindestens in eine Motivation hineinzugeraten, in der sie mir sich aufnotigt ~ also ganz landers, als wie wenn ich sonst einen Zorn, ein Urtell des Anderen nachverstehe, ohne ‘Gberhaupt fahig zu sein, dergleichen jetzt wirklich zu vollziehe? Kann also far mich in der Welt eine phénomenologische Reduktion vorkommenn, ohne daB ich selbst sie wirklich geubt hatte?” (Husserl, 1966, Hua XV, n° 31, p. 537) I, INTRODUCAO 1. Uma nova abordagem da fenomenologia A cescrigéo renovada da époché que nés apresentamos aqui conta com uma mudanca de paradigma no {que concerne ao estatuto da fenomenclogia. Em primeiro lugar, 2 fenomenologia relvindicada aqui se caracteriza por seu funcionamento concreto, sua dimensio operatéria, processual ou performativa, logo, sua prixis, muito mais do que por sua sistemética teérica interna, sua visada de conhecimento e de justificaco 3 priori e apodictica dos conhecimentos, Seria o mesmo dizer, & guisa de corolério, que se trata de se engajar diretamente na descrigo de fenémenos novos, de re-efetuar certas descriges para afiné-las, confirmé-las ou rejelté-las antes de discutir as descrigées dos outros fenomendlogas, anteriores ou contemporsneos, ou ainda de calocar em ‘causa seus argumentos doutrinais. Trate-se de recusar a perpetuacao da ldgica infinite do comentério, fem nome de uma exigéncia exploratéria, Unica capaz de renovar os procedimentes (démarche) da fenomenologia como método de descricdo © de explicacéo categorials. Priorizar tals requisitos para a fenomenologia implica uma mudanca de paradigma filséfico que conduz da hermendutica 3 pragmética. E, ent8o, a partir do horizonte filoséfico do pragmatismo que seré conveniente apreciar a justeza e 0 cardter Inovador da cescricao que se segue, muito mais do que proceder a uma avaliagdo hermenéutica da compreenso da époché aqui praposta, em comparagio com ‘suas apresentagdes nas fenomenologias anteriores. 2. No coragSo da dinémica estrutural da chegada & consciéncia: a époché [A descrigio da prética da épaché inscreve-se em um trabalho mais vasto que visa retomar as diferentes tapas do processo pelo qual advém & minha conscléncia clara alguma colse de mim mesmo que me habitava de mode confuso e opaco, afetivo, Imanente, logo, pré-relletido. De acordo com as disciplinas convocadas - essencialmente Filosofia, Psicologia, ciéncias cognitivas de forma geral, tradicées ‘espirtuais (budismo tibetano e, embora mais lateralmente, a prece do coragdo na tradi¢so da Igreja Ortodoxa) =, chamou-se esse ato de chegada 8 consciéncia de “reducSo fenomenclégica”, “ato refletinte’, *tomada de consciéncia® (becoming aware), prética da presenca atenta (mindfulness) [As etapas em questo so as seguintes: 1) um cielo basico, composto de (a) époché e (b) evidéncia intuitive, que fornece o critério da verdade interior do ato; 2) duas etapas opcionais, a expressao ¢ a validac30, que permitem a comunicagao e a objetivagio do ato; 3) a temporalidade diferenciada do ato de chegada & consciéncia vem conferir a dinamica necesséria & descrigao em questéo, [A épochd forma verdadeiramente 0 corago do ato, ¢ isso em um duplo sentido. Enquanto etapa inical, ‘constitui o disparador (gatilho) da dindmica de conjunto, dé a Impulséo de partida; e enquanto gesto ue percorre as outras etapas descrtivas da chegada & consciéncla, contribul para manter a qualidade da presenca requerida para tal experiéncia Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ ” Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. PRATICAR A “EPOCHE”: UM EXERCICIO (UBUNG), UMA APRENDIZAGEM (SCHULUNG) 1. Os trés componentes da époché Este ensalo de descrigdo se inscreve em uma Iégica de desencadeamento, Isso significa que tal descris0 no se apresenta como um resultado acabaco, mas como um primeiro ensalo de tematizacgo de uma fexperiéncia individual, ativada ou reativada por cada um dos autores deste artigo, e submeti¢a a uma regulacdo intersubjetiva progressiva no quadro de discussdes de onde nasceu a dindmica estrutural em questo, segundo uma légica imanente da descoberta, Epoché e evidéncia intuitiva formam, como jé dissemos, um ciclo minimo, mas auto-suficiente, do ato Fedutivo. Isso quer dizer também que elas chamam uma a outa: a époché acha seu acabamente natural na cristalizaco intuitiva como evidéncia interna forte; esta citima se v8 preparaca e qualificada por um processo gradual de preenchimento, que é dotado de sua qualidade préprie de suspensao, © primeiro tempo, a époché, desdobra-se segundo trés fases principals: ‘AO. Uma fase de suspenséo pré-jucicativa, que € a possibilidade mesma de toda mudanca no tipo de atencdo que o sujetto presta a seu préprio vivido, e que representa uma ruptura com a atitude natural. |A1, Uma fase de conversio da atengio do “exterior” ao “interior” |A2, Uma fase de deixar-vir, ou de acoshimento da experiéncia, Nés chamamos époché ao conjunto dessas trés fases organicamente ligadas entre sl, pela simples razo de que as fases Al e A2 supdem sempre reativada e a reativar a fase AO, Notemas de passagem, alm disso, que esse gesto suspensivo esté também em operagéo com uma qualidade a cada vez dliferenciada, a cada etapa de reestruturagao do ato refletinte. Epoché Suspensio Reversdo Deisaesie 2. A suspenso e o que se segue imediatamente [A fase inical, suspensiva, pode se desenrolar sob trés modos distintos: * um acontecimento existencial externo é suscetivel de desempenhar um papel de disparador da atitude suspensiva, Por exemplo, o encontro com a morte de outrem ou a surpresa estética; a mediagao de outrem pode ser decisiva para isso, quer trate-se de uma injungéo para realizar ‘0 gesto, ou bem uma atitude menos diretiva, como € © caso ce quando alguém cesempenhe o papel de um modelo; * © exercicio individual supée injungles que a pessoa dé a si mesma e, qualquer que seja 0 caso, ciclos longos de treinamento, de aprendizagem até a estabilizacéo. Essas trés possibildades de desencadeamento no so excludentes, mas funcionam em canjunto e em relacdo umas com as outras: so motivagdes de cardter mundano, intersubjetivo, ou mesmo individual. Todas trés, desigualmente presentes em funcdo dos individuos, tendo em vista o periodo de Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ 7” Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. desenvolvimento destes, concorrem para tornar possivel, e depois para manter, 2 possibilidade das fases AL © A2. Convém, entio, manter a cisposigao suspensiva mesmo quando a atencéo se vé convertida ou quando a atitude de acolhimento se desdobra, Falar de fase inicial a propésito da suspensSo exige uma observagio: esta “iniciazagSo" j4 teve lugar e, ‘20 mesmo tempo, é produzida a cada vez de uma maneira nova, Que é preciso para que 0 ato refletinte ‘Seja colocado em ago? Um gesto de suspensio. Mas 0 fato mesmno de se colocar esta questo mastra {que ha problema, Considerada sob 0 aspecto de indicadores comportamentals ou por melo de produtos de sua atividade, a diferenga com 0 ato refletido no é talvez muito relevante quando se considera essa relagio de desencadeamento. Todavia, de chofre, ndo & possivel descrever 0 ato refletinte sem colocd-Io em acéo. Isso tem muitas conseqdéncias: nés nos encontramas no circulo provisério de ter que descrever um ato ‘20 mesmo tempo em que o colacamos para funcionar; a questo da inicializaco em seu caréter radical & mascarada pelo fato de esse comeco Jé ter tido lugar para aquele que se serviu dele para descrever festa mesma concuta, Entretanto, uma parte desse cardter circular poderla ser suprimida pela descricdo das diferentes técnicas que permitem induzir, catalisar esta inicalizagio (mesmo se elas néo tematizaram esses exercicios de rapésite), Tals técnicas também permitem medit as dificuldedes que precisam ser contornadas ou ultrapassadas para que 0 ato seja colocado em agdo, acentuande assim a temada de consciéncia de seu crater inabitual, [As duas fases ulteriores sdo complementares e suptem, nés j6 dissemos, a fase inicial, assim como sua manutencao em atividade. Elas correspondem 2 duas mudancas fundamentais na orientagéo da atividade cognitiva. A primeira provém de uma mudanca de direcdo da atencfo, a qual se desprende do espeticulo do mundo para fazer retorno sobre 0 mundo interior. Em outros termos, a percepcéo substituida de maneira majoritéria por um ato aperceptivo. Hé um obstdculo massivo a esta mudanca, a saber, a necessidade de se desviar da atividade cognitiva habitual, orientada mais frequentemente em direcdo @ um mundo exterior. A segunda consiste em pessar de Um movimento, ainda voluntério, de retorne da atenclo do exterior para 0 interior, a um movimento de simples acalhimento ou de escuta. Em outros termos: de Ai a A2, passa-se do “ir buscar” a0 “deixar-vir’, deixar “se revelar”. Um obstdculo principal a esta terceira fase reside na necessidade de se atravessar um tempo vazia, um tempo de siléncio, de auséncia de apreenséo dos dados disponivels j8 conscientizados. Nés trabalhamos af com duas reversdes do funcionamento cognitivo mais habitual, das quals a primeira & a condigdo da segunda, o que significa que a segunda néo pode advir se @ primeira no teve ainda lugar. Tais reversées séo es seguintes: * Um retorno da diregio da atencao do exterior 20 interior (A2), * Uma mudanca na qualidade da atencdo, que passa co ir buscar ao deixar-vir (A2). Enquanto 2 primelra reversio permanece regida pela distingio do interior e do exterior, quer dizer, movide por certo desdobramento dual, ¢ comporta um teor de atividade voluntéria inegavel, a segunda ceracteriza-se por uma disposicao passiva & espera receptiva, a qual permite conjurar 4 dualidade remanescente da primeira reversio, Compreendidas a partir da filosofia fenomenoligica, essas duas reverses recobrem adequadamente 3 versdo husserliana da redugdo como conversio reflexiva e a versio heideggeriana de uma pré- compreenséo afetada que deixa ser e deixa advir 0 acontecimento!. De maneira similar, na tradicéo da presenca atenta (mindfulness), faz-se uma distinc3o de principlo entre o shamata de base, a titulo de ‘gesto voluntario ne qual se pée sua atencdo, e sua expansio natural, por melo do treinamento, em uma consciéncia mais panorémica (awareness-vispasnya), que se caracteriza pelo relaxemento de toda a busca voluntéria © pelo acolhimento de um modo de receptividade vivide como mais aberto e mais pacifico (Varela, Thompson e Rosch, 1991). © carter inabitual, © mesmo contranatural dessas duas reverses, traduz-se pela constatagio de resistencias, de cificuldade em operd-las, e pode por isso mesmo necessitar de estratégias indiretas que permitam efetud-las, evitando o paradoxo do “seja esponténeo"” 3. As dificuldades da conversio do olhar Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ 7” Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. Habitualmente engajada na percepcSo dos outros, na apreensio de informagées provenientes do mundo, na busca de objetivos ou de interesses ligados sobre um modo imanente a nossas atividades cotidianas, ‘a atengio é naturalmente interessada no mundo. Ela no se desvia dele espontaneamente de forma alguma, pois o efeito de captacdo ¢ irresistivel. A propésito disso, na Sexta Meditac3o Cartesiana, Fink fala em “Weltbefangenheit” (esta palavra pode ser traduzida por “aprisionamento no mundo"). Esta outra directo da atengio, desviada do mundo, desinteressada, voltada para @ representagio, em direcdo ‘305 pensamentos, aos atos mentais, 8 apercepcao da tonalidade emocional, é muito inabitual, na medida em que hi relativamente paucas ocasiées de exercé-la espontaneamente au em resposta a uma demanda educativa, Husserl aborda a dita reverso sob 0 Angulo de uma mudanca de atitude na relago que eu entretenho com © mundo. Pela expresso “mudanga de atitude” (Umkehrung der Einstellung), € claro que ele néo fentende somente uma modificac3o do meu estado existencial relativamente a0 mundo, mas antes 2 converséo do interesse natural dedicado ao objeto, qualquer que ele seja, em direcdo ao ato que me permite acedé-Io, No sentido estrito, 0 que est8 aqui em jogo é 0 movimento mesmo da reduc3o como converse do objeto ao ato ou, ainda, como passagem do quod ao quomodo. Mas & verdade que 0 fundador da fenomenologia cescreve esta "passegem ao ato” como um resultado da anélise, muito mais do que reitera a experiéncia em sua dinamnica. Por isso hd poueas referéncias feitas & dificuldade de tal reverso, Deste ponto de vista, a descrigio husserfiana & muito pouco funcional ou processual. O dnico indice de dificuldade reside na revelaggo das contradigées internas, da ambivaléncia presente na exposigo dessa passagem a partir da circularidade da motivacdo. 0 fato de haver ambivaléncia testemunha ai uma dificuldade de ordem tedrica que se rebate sobre o plano prético em termos de esforgos, au mesmo de obsticules. ‘Sob 0 &ngulo psicolégico, Piaget insiste sobre @ pregnancia dos objetivos © das informacdes positivas com relacdo & atencdo voltada para os instrumentos que as tornam acessivels para mim. A teorla da tomada de consciéncia de Piaget permite precisamente avaliar até que ponto 0 fato de desviar a atencdo do mundo exterior, da visada do objetivo, ca percepcao dos efeitos da aco, disso que tem uma presenga material, humana, palpavel, é mais espontaneamente pregnante que a atengSo voltada para os ‘atos mentais ou para a representacio, Esses aspectos esto presentes em ato, eles n3o tém necessidade da tomada de consciéncia para funcionar de maneira eficaz. A lei da "conscientizacio", que vai ca periferia em direcdo ao centro (Piaget, 1937; 1974), esclarece a hierarquizacéo daquila que mobiliza a atencSo do sujelto em uma atitude ratural, quer dizer, do lugar da aco ou da percepcdo do sujeito em ciregéo aos meios mobilizados pela acdo, 0 pensamento que organiza e regula esta acéo. Esta hierarquizacdo mostra também até que ponto interessar-se pelo que nao é o mais diretamente pregnante é alguma coisa secundaria na motivacio esponténea co sujelto. Por outra via, Piaget (1977) mostrou 0 primado das informacdes positivas (quer dizer, que existem de maneira diretamente perceptiva) sobre as informagées negativas, que s6 aparecem em sua auséncia. Voltar sua atengio em direcdo aos instrumentos que organizam as acdes sobre o mundo s6 pode vir em um segundo tempo, tal 4a poténcia do primado das informacdes positivas, ou seja, diretamente perceptivels em sua presenca materiel a mim. 4, Dificuldades pragméticas Ha Igualmente obstéculos de fato a este retorno da atencéo para si mesmo, sobre os quals, testemunham notadamente a maior parte dos profissionais, Voltar sua atencio para o interior, & para alguns, sindnimo de se voltar & sua intimidade, com o risco de tomar consciéncia das coisas que s8o do dominio do recalcado. A rejeigSo repousa, entéo, sobre a recusa de contate com sua prépria intimidade. Em uma situacdo na qual estou na presenge de outras pessoas (entrevistador, pequenos grupos), esta reverse da atenglo supe aceitar diminuir 0 controle social que eu exerco sobre os autras pelo olhar ou pela palavra. Esta reverséo supée, ento, um movimento de conflanga gue faz com que eu possa me autorizar 2 colocar minha atencdo mais sobre 0 meu mundo interior que sobre 0 mundo social Seguramente, toda mudanga de diego da atengo para o mundo interior no é necessariamente um ‘ato de tomada de consciéncia, Esta reversao da atencao é comum a muitas préticas, como aquela da entrevista de explicitagdo (Vermersch, 1994), da presenga atenta, da psicandlise. Ora, a experiéncia da técnica da entrevista de explicitacdo ou 2 prética psicoterapéutica mostraram que esta condicgo podia ‘encontrar recusas intransponivels. No quadro de uma descricio desta mudanga de direco da atenclo, é dificil aprender o que constitui tal dificuldade para colocé-la em ago. Apenas o conhecmento das técnicas desenvolvidas com o propésito de ajudar a pessoa a pracuzir esta mudanga da ateng8o (0 exemplo eminente sendo a tradigao da presenca atenta) cé a medida do grande esforco que pode constituir esta reversdo para alguns. O Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ 80 Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. sintoma mais evidente da amplitude desta dificuldade parece residir no fato de que essas técnicas visam somente produzir esta mudanca de direcdo da atencio, um pouco como se, uma vez provocada tal mudanga, © resto (sua utlizagio exploratéria refletinte) acontecesse por si mesmo, Essas técnicas exploram correntemente o fato de que esta direcio da atengio para a percepsio coincide em parte, a titulo de suporte orgénico, com uma atengao voltaca 8s ‘sensagies sinestésicas e propriaceptivas. Prestando atencdo & posiglo da respiracio, ou & disting’o do que esté tenso e do que néo esté, somos conduzides a centrarmo-nos no interior ‘corporal, em segulda psiquico ou mesmo espirtual, e 3 deixarmas de lado © mundo que se situa para além das fronteiras corporais E evidente, portanto, que este retorno da diego ca atencdo supée condigdes para tornar-se familiar a titulo de pratica. Multos tipes de condigBes podem ser distinguidos, trate-se de pré-requisite metédico, Uificuldades tedrices, obstéculos pragméticos ou ainda de seus modes mesmos de manifestacéo, quer dizer, seus reveladores. © pré-requisito metédico é da ordem da suspensio evocada anteriormente, com esta qualidade singular, de que ela diz respeito ao investimento no agir. Com efeito, a converséo do olhar &, para o iniciante, Incompativel com o engajamento simulténeo na acdo ordingria. E tal engajamento implica uma forma de no agir que &, em seu principio, per force, totalmente literal: permanecer em uma pasigo sentada, ou ‘em uma atitude de escuta atenta, ou ainda se deitar no diva. 0 engajamento na aco é, para a maior parte das pessoas, muito pregnante, e suscita uma mativago e uma centracdo da atencdo mais fortes © mais imediatas que seu retomo aperceptivo e a inibicdo da aco que ele supée. Entretanto, 8 medida que se passa, na prética, de um nivel de iniciante @ uma mestria maior, a suspensia pode coexistir de maneira completamente’ natural com uma aco em situacio totalmente encarnada, De fato, uma coexistancia fluida desta espécie é 0 indice preciso de que se adquiriu uma forma de mestria, Ao longo de estados intermediérios, a major parte das préticas inclui explictamente etapas transitérias, © ‘exemplo simples reside na alterndncia entre a meditacgo sentada e a meditacgo na marcha, em um treinamento samatha, Esta mudanca de dirego da atencio corresponde a um fazer do ponto de vista da cognicSo: ele acarreta (ou & causado por) uma mudanca de atitude na minha relaglo com © mundo. Analisada do ponto de vista das técnicas de ajuda 8 sua realizacéo, tal mudanca é essencialmente percebida como uma ssuspenso de controle, no sentido em que se Doderia quase acusar 2 atitude natural (pode se acusar uma atitudel) de exercer uma influéncia hipnética muito dificil de ser interrompida. Este primado conferido & idéia da suspensdo do controle conduz 20 uso de uma linguagem que é& aquela do relaxamento, do abandono, ou mesmo da entrega ou do deixar-vir (lécher-prise), 5.0 deixar-vir ea qual lade da atencao Com @ terceira fase, & a qualidade mesma da atencSo que muda de teor: passa-se de uma atividade de conquista regida pela intencionalidade, que nos faz buscar o interior em detrimento do exterior, a uma isposiggo passiva de acolhimento, e um deixar-vir, que sé tem de passivo o nome, Trata-se de fato de uum agir eminente ‘Assim, a époché visa, em sua fase final, deixar operar uma reverberagio do vivido, Dito de outra forma, ela & dm movimento ativo da atenco, que pode ser deliberado, mas, ao mesmo tempo, supde a espera, ‘que, 0 que hd a refletir pertence por definigso ao dominio do ticito, do pré-refletide e/ou do pré= consciente, Trata-se, dessa forma, de manter uma tenséo entre um ato de atengéo sustentada © um ndo-preenchimento imediato. © cacador imével sabe ao menos o que ele espera com vigilincia & paciéncia, enquanto que, no caso em questéo, hé a espera sem conhecimento do conteudo que vai se Fevelar. Em diversos graus, aqullo que é objeto do ato refletinte nao esté Imediatamente disponivel Existe apenas em poténcia € $6 viré a revelagéo por melo de um ato cognitive levado por uma intengso particular, ‘Assim, © gesto de deixar-vir supde uma espera no focalizada, aberta, logo, eventualmente vazia de fo durante um tempo, sem nenhuma ciscriminacgo imeciata outra que "nao hd nada’, é uma “6 frouxo", “é confuso”, “no se passa nada”. névoa’ Este tempo de vazio relative pode ser bastante breve ou durar muitos minutos ou mais, sendo o tempo para que se forme uma primeira configuracio, podendo ser também o tempo que o sujelto leva para se entender com 0 que pode vir a ser 0 objeto desta reverberagio. Na medida em que nfo pode haver aqui busca em um sentido voluntéria, este ajustamento ngo pode se fazer sengo em estrutura, sem poder imediatamente se ajustar ao detalhe de um conteddo que no esté ainda revelade Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ ar Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. E um tempo fécil de ser encontrado na experiéncia da percepgio de figuras estereoscépicas. Mesmo que se tenha a pritica perita de aceder a esta percepcio, hd um tempo em que nada se distingue ainda, fembora se veja que jé nBo se esté na “percepgao natural". Durante este tempo, sente-se a forma ‘emergir até um ponto de mudanca brutal da percepgio clara. Encontramos em psicaterapia este tipo de fenémeno quanco o paciente sabe que aluma coisa esté em vias de voltar do seu passado, com a impressio de que “est a caminho para vir & sua consciéncia”; algumas vezes pode mesmo haver referéncia de que isso vem de longe, de muito longe, mas sem se saber ainda inteiramente qual € 0 conteido da cena passada, ou mesmo as palavras que virdo. No entanto, mesmo quando ¢ objetivamente muito breve, este tempo vazio tem a duragio subjetiva de uma falta de sinal, em que o siléncio de alguns segundos’ parece imediatamente se eternizar. De fato, & subjetivamente muito longo, em comparagio com @ rapide subjetiva ce nosso funcionamento cognitive consciente mais habitual. Na prética do acesso guiado a esse ato, na entrevista de explictacdo, 3 desaceleragio da ritmo da expressio e 0 tempo de parada para aceder a reverberagio $30 freqlientemente um critério confiavel de colacada em acéo do ato refletinte Por um lado, & como se as dificuldades para realizar 0 advir & consciéncia tivessem duas vertentes ingissocidvels, De uma parte, 0 abandono do movimento natural; de outra parte, a aprendizagem do exercicio do acolhimento, ai compreendida a aprendizagem que consiste em Saber gerit 0 paradoxo de ter 0 projeto de fazer alguma coisa que é involuntérial Por outro lado, pode-se distinguir trés estagios da atencdo: 2 atencdo presente dirigida a0 exterior, em direcgo 20 mundo; a desetencao, estado nao ‘escalhido, resultante simplesmente da fato de que eu paro de prestar atencéo (frequentemente sem me dar conta disso), e que é 0 estado habitual; eo terceira, mais estranho no sentido de inabitual, seria a atencio presente no dirigida, ou antes dirigida a uma revelagio possivel. Esse tempo simultaneamente vazio e subjetivamente longo parece ser 9 principal obstéculo pare a descoberta e realizacdo esponténea desse ato de consciéncia. E dificil no sucumbir imediatamente 20 medo ou ao tédio que pode suscitar essa posico de acolhimento, de receptividade atente:. Este tempo & desconcertante para cuem tem a crenca ingénua em uma mestria instanténea, permanente © mecénica dda cognigo em seu funcionamento, jé que, com esta dimensio de acesso ao pré-refletido, eu passo tomar consciéncie, claramente, de que faco coisas eficazes, efetivas, sem saber de maneira refletida ‘como me coloco para fazer isso. O que pode ser desconcertante, também, é descobrir uma nova conduta cognitiva que me abre & revelaglo de propriedades inéaitas e de aspectos inausitos do real aos quais eu descubro, retrospectivamente, ter estado Insensivel E evidente que, se na primeira reversio, aquela que modifica @ direso da atengéo, era preciso no minima inibir a’ ago imediata para dexxar lugar a apercepcdo, na segunda mudanca 0 que é para ser inibido € © movimento de preenchimento imediato por projecdo das minhas categorias, das minhas fexpectativas e das minhas identifiagdes. A qualidade da suspenséo, aqui ainda inibidore, parece singular, perpassando cada etapa do ato de tomada de conscléncia. Ora, com esta idéia de uma suspensio do julgamento, estamos muito préximos da époché hussertiana no sentido lato, ou ainda do principio da auséncla’ de pressuposiggo formulada desde 1901, nas Investigacées Ldgicas (57). Mas a apresentacéo husserliana permanece como principio, e nao fa? jus, neste caso, a essas qualidades diferenciadas de suspensao com as quais nés nao cessamos de nos cconfror Em um plano mais prético, estamos também préximos da atitude que preside a prética psicoterapéutica: ‘0 profissional abre sua aresenca ao outro e Ihe dé sua atencSo, estando ao mesmo tempo vigilante para nao interferir com seus comentarios interiores, e seus movimentos contratransferenciais, no acolhimento aberto e paciente do que o outro revela. A capacidade de registrar simultaneamente 0 verbal, 0 ndo- verbal (modificacdo das posturas, da gestualidade, da respiragio - em ritmo, amplitude, localizagio -, das mimicas, dos micromovimentos), 0 epiverbal (0 que é dito pela maneira como o outro o diz em fungdo das estruturas lingUisticas utllzadas, mas também das categorias de descrigso do mundo imanente a suas escolhas semanticas), 0 paraverbal (25 variacdes da entonacéo) sé € possivel por uma ‘escuta e uma observagio aberta ("flutuante", dir-se-4 em psicandlise), sem procurar uma apreensio. Todavia, talvez pudéssemos fazer a mesma anilise para o trabalho do pintor: interessante noter aqui que a reducSo fenomenolégice [...] tem um duplo efeito. Ela deve nos fazer ‘esquecer ao mesmo tempo 0 que ela faz aparecer. A redugio é, no fundo, em fllosofia 0 equivalente de uma técnica de visio em pinture. E preciso esquecer 0 que parecem ser as coisas quando 2 gente olha para elas superficalmente, e fazer aparecer na coisa mesma o que ela é em realidade, Assim, praticar a redugo fenomenoligica, é menos ver do que aprender a ver” (Piguet, 1963, p. 154)°. Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ 82 Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. Na tradigBo de presenga atenta, 0 gesto do deixar-vir faz parte do que tende a ser considerade © método mais dificil ou ainda mais “avancaco". Sdo as escolas Mahamudra-Dzogchen no budismo tibetano © Japonés que insistem mals sabre estes métodos, Em todo caso, 2 prética repetida do delxar-vir torna-se ‘do paradoxal no mamento em que se introduz nela um componente pré-discursivo. No Zen Rinzai, 0 trabalho repetitive com a ajuda dos koans fornece um quadro cléssico; as escoles tibetanas, a lassociagdo emocional 8s qualidades manifestas de um mestre vive (a "devosio") € considerada como sendo essencial, de tal maneira que nés somos "empurrados” a aprender mediante uma constituicéo pré-discursiva (Namgyal, 1987) © ato refletinte parte da néo-disponibilidade do refletido; poderiamos dizer que ele parte do néo-veroal, do pré-refletida, do antipredicativo, Mas afirmar isso é dizer que a reverberacao no parte do nada, ‘embora © vivido que pode ser refletide no esteja imediatamente disponivel. Se ndo, estaria j4 sob 0 controle do refletido. Ora, 0 refletido s6 pode controlar as condicdes da reverberagéo, néo a sua ‘efetuacdo nem 0 contetide refletide. 0 ato refletinte parte de uma ralacio “silenciosa” ou no "vazio" no que se refere & experiéncia, E mais da orcem do acolhimento, da escuta, da impregnacéo, da contemplacdo, que da busca pré-determinada. Parece supor uma modalidade mais passiva da cognicso, mesmo se sabemios que esta passividade relativa é tecida nos basti¢ores por nossos filtros categorials, cuja atividade permanente pode dificlmente ser suspensa. Nesse sentido, no se trata, com a descricao do ato refletinte, de se apoiar sobre uma concepgio de um reflexo passivo, mecnico, O espelho que representa a pessoa que opera e reverberago nao é nada passivo ou neutro, Mas 0 que ests em jogo & a possibiidade de nao esmagar imediatamente a realidade por um pensamento e sua linguagem Jé disponivel, e isso a fim de estabelecer uma zona de siléncio relative proviséro, e fazer o esforco necessério para conseguir a relagio com a realidade vivida, de um mode renovado. Ha af uma dimensao de vazio fecundo que escapa, do ponto de vista experiencial, 20s parémetros de um mundo ou de uma linguagem, e Isso para penetrar em um plano ontolégice que é abertura a uma forma mals radical e que s6 pode aparecer em claro-escuro, sob 9 modo de um contraste que € precisamente fornecido pela ssuspensao do deixar-vir Essa inversio do movimento espontineo da busca de informagées sé pode ser relativa. Trata-se de frear, de inibir os movimentos cognitivos mais grosseiros, aqueles,cuja operaco pode ocultar totalmente 2 dimensdo de acolhimento e tornar impossivel o ato refletinte. € © paradoxo segundo o qual eu posso voltar deliberadamente minha atencao para o interior, nao para ai buscar alguma coisa, mas para acolher o que pode se manifestar, ou'o que eu sou capaz de deixar se manifestar. endo essa descrigio da reverso do movimento da atencéo © das dificuldades que ela pode encontrar para se realizar, pocer-se-ia pensar que esta sendo pintado ai um quadro multo sombrie, Poder-se-la rer a partir dai que se trata de uma reversdo que permanece sempre como uma grande dificuldade, como um grande mistério, Ora, este tempo de revers3o pode ser bastante breve para passer despercebido ao espirito de alguém que no presta a ele uma atencdo deliberada; as informacées reverberantes séo em certos casos de acesso facil. A dificuldede néo vem somente da pratica do ato redutive: pode estar também ligada 8 natureza do que é visado, ou ainda & relagio que eu mantenho ‘com 0 que é visade e que pode tornar a disponibilidade & reverberagao mais diffi. 6. Devir-consciente: a estrutura de base ~ a dupla dobra da reflexéo e da afecséo Exeminemos agora de modo renovado o diagrama que desenha os contornas do ciclo basico: Epoché Suepensto Reversio Desai Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ 83 Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. Pode-se, assim, distinguir ~ no coragBo deste processo de devir-consciente que é 0 ato refletinte ou a redugao fenomenoligica em ato ~ as duas vertentes da époché que so a conversao reflexiva/redirecao 0 acolhimento/delxar-vir, 2 saber, um duplo movimento correlative. Dessa forma, pode-se descrever ‘esses componentes como momentos de emergéncia, como dobras do processo. A primeira dobra, que conduz & reflexdo (e desemboca na expressdo), caracteriza-se por um retono sobre si; 2 segunda dobra, que leva ao deixar-vir (e chega a uma intuigdo técita) caracteriza-se por uma abertura a si No primeiro caso, © movimento descrito corresponde @ um anel que se fecha sobre o Interlor, sem se fechar totalmente sobre ele mesmo, j8 que & a partir desta abertura minima da reflexdo que se abre 0 segundo movimento, de acolhimenta em direcdo a si mesmo e a0 mundo. Estes dois movimentos podem Ser expressos pela metifora da dupla dobra da didstole e da sistole, da contracéo e da dilatacdo. Um dos movimentos parte da consciéncia refletida (pré-ciscursiva, pré-noétics, ante-predicativa, técita, pré- verbal, pré-légica ou ndo conceltual, como se queira)®, © se desenvolve, pela atitude reflexiva ela mesma em um tomada de consciéncia que é 2 apercengio deste pré-refletido, até desembocar em uma estrutura finalizada: tal é a vertente cognitiva do devir-consclente. A outra dobra enraiza-se na afecgio pré-associativa e no habitus involuntério? que, mediante uma aplicacéo prética sistemética, conduziré, fem virtude da estrutura mesma da afeccio, & dimensdo emacional do ato cognitive. Quando este desdobramento habitual ¢ suspenso, intervindo a dobra do deixar vir, aparece 0 movimento de revelagao que é deixar vir ou acolhimento, abandono ative ou receptividade cisponivel: tal é a vertente afetiva do processo. Esses dois movimentos formam uma dupla dobra, aquela da reflexdo cognitiva e da ‘afeccdo, na medida em que elas se recobrem mutuamente de maneira dingmica, encadeando-se uma na ‘outra, até dar lugar, no coragdo desse processo do devir-consciente, a uma nao dualidade da reflexio de afeccao. (© processo do devir-consciente caracteriza-se, entdo, por quatro movimentos correlatives: 1. A base corresponde & emergéncia intencional a partir de sua dimenso pré-dada, passiva, hilética e sinestésica, quer dizer, imanente © corporificeda, @ qual fornece a impulsao da intencionalicade dirigida 20 objeto & a orientagdo perceptiva em diego 20 mundo. 2, Dobra reflexiva: converséo da reflexéo; tomada de consciéncia, 3! Dobra de dear vir: acolhimento ou deixar vir a partir de uma dimensdo hilética afetiva origindria, 4, Explicitagdo discurs'va @ partir da situacdo experiencial ante-predicativa ‘As duas dobras formadas pelos movimentos 2 € 3, 0 reverso um do outro, enlacades um no outro na Unidade no dual de um recto e de um verso, formam a dindmica mesma do processo. Tal processo compreende limiares e gradacées. No temos aqui o propésito de nos lancar em uma andlise estrutural detalhada (que seria, no entanto, necesséria) dos termos irefletide ou inconsciente (no sentido freudiano) com relagéo aquele de pré-refletido no que concerne 20 movimento reflexivo, ou alnda, daquele de passividade originaria com relagdo ae habitus, no caso do movimento do delxar vir Conseatlentemente, um proceso come o de que tratamos contém pontos-limite e zonas de sombra: de um lado, 0 neuro-computacional, © subpessoal so dimensdes que, por principio, escapam & possibilidace de seu devir-consciente. De outro lado, a consciéncia pura, a experiéncia pura ou transcendental esto na dependéncia de um acesso experiencial possivel, mas como que em excesso em relagdo a atividade redutiva do devir-consciente. Somente um exercicio aprofundado e durével pode, talvez, permitir ultrapassar esses limites. De qualquer modo, tomar consciéncia é um processo limitado, tanto em montante como em jusante, CONCLUSAO Como 0 Ieitor péde se dar conta, @ époché constitui o faco metonimica do ato do advir & consciéncia, Também o leltor se beneficiou, no curso desta descrigao, da amplitude do projeto fenomenolégica detathado em toda a primeira secdo deste texto, Essa estrutura dindmica de metonimia entre 2 époché e o ato em sua totalidade ¢ notével. Ela permite ‘compreender bem que a ligica de desdobramenta do ato redutiva em seu conjunto no é expositiva ou simplesmente sucessiva no sentido de linear. Corresponde bem mais a uma légica exploratéria Imanente, em que toda a descricdo do ato se faz a partir de seu desencadeamento pela épaché, em que, correlativamente, a époché continua a operar com uma qualidade especifica a cada etapa de ‘desdobramento do ato. Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ a Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. REFERENCIAS HUSSERL, H. Analysen zur passiven Synthesis, Den Haag: M. Nijhoff, 1966. BERMUDES, J. L. The paradox of self-awareness: Cambridge: MIT Press, 1998, BERNET, R. La vie du sujet. Paris: PUF, 1994. BRAND, G. Ich, Welt und Zett. Den Haag: Martinus Nijhoff, 1955. COURTINE, J.-F, Réduction phénoménologique-transcendantale et différence ontico-ontologique. In: - idegger en la phénoménologie. Paris: Vrin, 1990, p. 207-247, DEPRAZ, N.; VARELA, F. 1.; VERMERSCH, P. On becoming aware. Amsterdam/Philadelphia,Benjamim Press, 2003, GALLAGHER, S. The Inordinance of Time. Evanston: Northwestern University Press, 1998. HENRY, M. Quatre principes de la phénoménologie. Revue de Métaphysique et de Morale, n. 1, p. 3-26, 1991, MARION, J.-L. Réduction et donation. Paris: PUF, 1989. MAZIS, G. Emotion and embodiment: a fragile ontology. Evanston: Northwestern University Press, 1993. MERLEAU-PONTY, M. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard, 1945, MONTAVONT, A. Le phénoméne de 'affection dans les Analyses sur la synthése passive. Paris: Ed. Alter, Alter 2, 1994, NAMGYAL, T. Mahamudra: the quintessence of mind and meditation. Boston: Shambhala, 1987, PIAGET, J. La construction du réel chez l'enfant, Neuchatel, Delachaux e Niestlé, 1937, . La prise de conscience. Paris: PUF, 1974, Les recherches sur abstraction réfigchissante. 2 vols. Estudes o’épistémologie génétique. 1977, PIGUET, J.-C. La connaissance de Vndividuel et la logique du réalisme, Neuchatel: La Baconniére, 1975. RICCEUR, P. Le volontaire et Ninvolontaire. Paris: Seuil, 1950. VARELA, F.; THOMPSON, E,; ROSCH, £, Linscription corporelle de Wesprit, Paris: Seuil, 1991 VERMERSCH, P. L’ entretien d’ explictation en formation Initiale et en formation continuale. Paris: ESF, 1994 YAMAGUCHI, Y. Ki als leibhaftige Vernunf, Beitrag zur interkulturellen Phanomenologie der Leiblichkeit. Munchen: W. Fink Verlag, 1997. ZAHAVI, D. Self-awareness and alterity. Evanston: Northwestern University Press, 1999, Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ as Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 58,9. 1, 2006. {Ver Depraz, Varela e Vermersch (2003) 2A obra citada na nota 1 compreende os exemplos que, dados em extenso, em paralelo, permitem, @ ulo das variacies do ato, dar uma carne ao esqueleto. Ver, a respelto, @ Introdugio da obra de Bernet (1994), Courtine (1990), Marion (1989) © Henry (3981) Piguet (1975: 4.439, grifo no original), com a expresso de “reversio seméntica”, coloca en evidéncia esta dimensio de acolhimento:: "O termo reversdo semédntica que nés empregamos ultrapassa em muito © quadro da seméntica como ciéncia. De maneira geral, ele visa uma reverséo da maneira que 0 homem tem de se ligar ao mundo, determinando-o, em prol de uma ligago ‘passiva’, em que o homem acolhe inicialmente 0 sentido co mundo a fim de, sem desnaturalizé-lo, transmiti-lo pele via do conhecimento”. E ainda: "A questi critica da linguagem consiste em suspender, do lado dacuele que {quer compreender (e eventualmente conhecer) uma totalidade interna, toda espécle de atividade loquaz, fa fim de mergulhar metodologicamente, em ‘um siléncio de acolhimento” (Piguet, 1975: 4.422). De maneira muito mais geral, 2 Gelassenheit heideggeriana traz igualmente esta dimenséo de escuta acolhedora, Ser ainda a carta de Husserl & Hofmannsthal de 1907 (trad. fr. E. Escoubas), em que Husserl desenvolve uma homologia estrita entre a atitude redutiva ¢ a attude estética (carta traduzida publicada no numero “La part de enl", consagrada & Art et Phénoménologie, n® 7, Bruxelles, p. 13-19, 1991), “Para dar mais preciso a esta distingdo-chave entre consciéncla pré-refletida/pré-reflexiva @ consciéncia reflexiva, ver @ obra inaugural de Merleau-Ponty (1945), Ver também Brand (1955) e as discussées, recentes'de Gallagher (1998), Zahavi (1999) e Bermudes (1998). 2A propésito dessas no¢des complementares, ver Husser! (1966), Ricabur (1950), Montavont (1994), Mazis (1993) e, mais recentemente, Yamaguchi (1997). Nota: [Attigo originalmente publicado em Etudes Phénoménologiques, Tomo XVI, nos 31-32, p. 165-184, 2000, Titulo original: "La réduction a l'épreuve de Vexpérience”, Tradugdo de André Firado e Virginia Kastrup. Retirado do World Wide Web http://www. psiclogia.ut.br/abo/ 86

You might also like