Vitor Manuel Adriado
PORTUGAL
TEMPLARIO
VIDA EOBRA DA
ORDEM DO TEMPLO
@cidentalisTitulo original: Portugal Templdrio Autor:
Vitor Manuel Adrido Composicio: Via
Occidentalis Editora, Lda. Design de capa:
Dextrus Impressio e acabamento: MR -
Artes Graficas, Lda. 1* edigdo: Setembro de
2007 ISBN: 978-972-8966-29-4 Dep, Legal:
263085/07
Via Occidentalis Editora Lda.
http://via-occidentalls.blogspot.com
occidentalis@netcabo.pt
Todos os direitos reservadosdntroducdo
Ao longo dos anos que tenho dedicado a
Histéria Sagrada de Portugal, a Intra-Histéria
ou a nao-contada, positivamente margina-
lizada talvez por preconceitos e desconheci-
mentos tanto académicos como religiosos de
mais alta e valorosa Sabedoria, mas ainda
assim assistindo ela 4 Portugalidade hoje
mesmo presente na diaspora dos portugueses no mundo, afigura-
se-me quase permanentemente, nas investigagdes levadas a cabo
tanto em terreno como em gabinete, a presenca soberana da Ordem
dos Templarios nas tltimas centirias da Idade Média.
Assim nao deixa de causar estranheza ser actualmente téo
pouco ou mesmo nada estudada nos manuais de carteira uma
organizacao da extensa fama e ainda maior poder como foi a Ordem
dos Templarios a qual, mesmo que somente observada da
perspectiva sécio-econémica, teve papel tao determinante na
formagiio dos futuros estados europeus como ora se aprresentam,
mormente a Franca, mais de metade do pais lhe pertencer, e
Portugal. Talvez isso se deva a ser a Instituicio monastico-militar
mais assombrada ou de intencao vedada e velada da Idade Média,
como se depreende dos parcos mas significativos documentos
sobreviventes até hoje referentes a ela, o que lhe valeu o dbvio
actual do descuro, repito, tanto académico como religioso.
As recolhas documentais e fotograficas que fiz até ao presente
esto arquivadas e catalogadas, boa parte delas agora dadas 4
estampa, vindo a preencher varias prateleiras com material
exclusivamente do foro da Ordem dos Cavaleiros Pobres de Cristo
e do Templo de Salomao (Pauperes Commilitonum Christi{6}
Templique Salominici), também conhecidos por Cavaleiros Pobres
de Cristo e da Santissima Trindade (Pauperes Commilitonum
Christi Santaeque Trinitatis). Através dessa documentacaio
verifica-se ter havido no escrinio dessa Milicia determinado tipo
de praticas que, chamemo-las assim, tera constituido 0 Ocultismo
Templario, certamente exposto na férmula da mentalidade reli-
giosa da época mas, contudo, afigurando-se ser a propria Tradigao
Iniciatica das Idades de que o Templo tera sido fiel depositario.
Ante tudo e desde 1997 quando foi escrita a primeira verso
deste livro, agora revisto e aumentado (contudo mantendo-se o
titulo original e a mesma imagem de contracapa retratando Mestre
Jacques de Molay, concebido pelo imagindrio de artista do século
XIX, o que se poderd confirmar pela consulta 4 publicitagao da
mesma obra pelo jornal “Correio da Manha”, enchendo metade
da pagina 33, com foto da capa, em texto assinado por Victor
Mendanha na edicdo de quarta-feira,11/6/97. Adianto que na
época a edicHo deste meu livro foi a titulo pessoal e de tiragem
limitada, ainda assim chegando a vasto niimero de pessoas e
entidades piblicas), 6 obrigatério reconhecer ter aparecido nos
Ultimos tempos um escol razodvel de investigadores nacionais e
estrangeiros que tém abordado e dado A lavra as suas conclusées,
nao raras dignas de mérito e aplauso. Mesmo assim, nessas
conclusées nao raro parece ficar, ad intempore, o etéreo flutuo da
incoeréncia na conclusao dos documentos lidos, talvez por se os
Jer 4 luz do momento presente e nao do tempo em que foram
escritos e em que condigées. Est4 nisto 0 célebre documento de
Chinon, de que darei noticia num dos préximos capitulos.
A par desse escol de raros mas proveitosos investigadores,
ha o vasto leque dos que se arremessam ao incoerente exercicio
da arte de bem fantasiar, aproveitando os dados crediveis que a
Histéria conservou até hoje, para num delfrio febril langarem-se 4
aventura infrutifera das mais inconsistentes conjecturas, seja por
inocéncia mental prépria ao estatuto “new age”, seja por
consciéncia mal-intencionada no pretendo de algum intento
imediato mas ainda assim mais ou menos velado, indo converter-
se em politica obscura de aparéncia cultural. Nesta condigao esta{71
a invencio rasurada de imensas bulas, cartas e outras a par de
razoavel iconologia, tudo atribuido aos Templarios mas que,
verdade se diga, o seu crédito nao vai além de Setecentos, a maioria
inventada por autores do século XIX e principios do XX. Nesta
precarissima condi¢ao esté o célebre bafometh assim como as
famigeradas Profecias de Jodo de Jerusalém, dito profeta dos
Templarios, e de ambos darei noticia nos préximos capitulos.
Outros, jovens desejosos de seguir as pisadas acauteladas
dos mais velhos em saber e idade e num desejo incontido de
receberem créditos publicos pela publicag&o constante das suas
redaccdes de tematicas tao variadas e tao ao sabor juvenil do “sabe-
tudo”, estatuto ardoroso que a idade experimentada acaso havera
de refrear e talvez revelar ridiculo, acabam assimilando de tudo
um pouco assim se dispersando sob a capa dum positivismo que se
torna incoerente, quer por disporem o Sagrado no mesmo patamar
do profano, quer por ostracizarem ou tao-s6 ignorarem o sentido
do falar e do agir, nado raro com a politica aparelhando com a
religido, do mundo medieval, falar e agir esse bem diverso do de
hoje e que sé encontra paralelo na permanéncia secular da religiao
continuar aparelhada com a politica.
De maneira que ignorando ou entao superficializando acerca
dos motivos de determinadas manobras politico-religiosas que nos
bastidores sociais levaram a certos acontecimentos controversos
relacionados aos Templarios, como foi o caso da polémica batalha
de Ascalon, vai-se desavisadamente redundar no erro factual por
o parcelar ser tomado pelo todo, e mesmo esse incompreendido
por nao se saber das pretensdes veladas dos que assumiram
posigdes determinantes que viriam a marcar os acontecimentos
subsequentes. E o caso do imperador Frederico II da Alemanha,
primeiro protegido do Templo e depois insurgido contra o mesmo,
acusando os Templarios de trairem a Cristandade por sua mancebia
com o Xiismo islamico, particularmente com os Assacis da
Jordania e do Libano, estes que logo receberam da parte da Igreja
Tomana os maiores vilipéndios vingando até hoje, como o de serem
“fumadores de haxixe” e “assassinos” de punhal a soldo de quem
tivesse bolsa mais gorda, e... nada mais errado! Mas por certo que[8]
esses vilipéndios romanescos aconteceram por o Papa se sentir
ensombrado com a presenca desassombrada do Cheik Al-Djebel, 0
Iman Madhi Encoberto da Linhagem Al-Sabah, que Marco Polo
celebrizaria como o “Velho ou Anciao da Montanha” (Bey Al Bordi,
Senhor de Alborj, a Montanha Primordial, assim identificado por
judeus e cristGos a Mikael, o arquétipo do Monarca-Pontifice de
Salém, Melki-Tsedek, também igualado por hindus e budistas ao
Chrakravarti na Morada Santa de Monte Meru, que como
Primordial também é o Pélo Norte magnético, figurado “Torre de
Fé” pelo monoteismo das trés religides do Livro), Chefe Supremo
da Ordem dos Assacis. Este é assunto que desenvolverei nas
paginas seguintes.
Qu entio, nZo se precavendo do sentido da Regra diferir do
de Estatuto, tal qual o cimento com que se faz a parede do edificio,
confundir-se ambos e desfechar nao se sabendo desse mesmo e
primaz sentido. A Regra e aos Estatutos sujeitavam-se os Cavaleiros
Templarios, por norma gente culta provinda exclusivamente das
melhores famflias nobres, fortemente brasonadas, da Europa. Se
nao fosse de sangue nobre, de Casa armoriada distinta, nfo poderia
ser Templario. Menos ainda seria Monge-Cavaleiro se nao
contraisse antes os trés votos perpétuos, espirito da prépria Regra
e logica da mesma, de Pobreza, Obediéncia e Castidade. Ipsum
factum. Aos Estatutos sem a Regra, logo sem votos contrafdos,
sujeitavam-se os Cavaleiros laicos contratados pelos Tempreiros,
como era uso chamé-los em Portugal, que mesmo assim também
eram Templirios pelo direito que os Estatutos lhes conferiam.
Grande nimero destes viriam depois a tornar-se Templarios
acrescendo ao direito a fé pelo abraco, além dos Estatutos, da Regra
e contracgao dos votos eternos. Era-lhes entGo deposto o manto
cruzio de Cavaleiro-Monge, certamente a ambigio maior de
qualquer um que entrasse na Instituigio.
Dos nove Cavaleiros que originalmente fundaram a Ordem
nenhum era analfabeto, pobre e de familias minguas, no:
provinham das melhores Casas da Europa, frequentavam as cortes
mais ilustres, dominavam as letras com mestria igual as das armas
sagradas pela Regra de Cavalaria que lhes legitimava os Dons[9]
adiante dos nomes préprios. O seu abraco 4 Fé Beneditina, antes
da Reforma de Cister, tornando-os protétipos dos futuros Monges
e Cavaleiros, ainda assim nao lhes concedia o direito canénico de
aplicar os sacramentos e do oficio da missa. O monge néio detém
esse poder e direito sacramental, s6 o sacerdote. Este esta sagrado,
é pontifice ou “ponte” entre o Divino e o Terreno. O monge esta
consagrado 4 Ordem, mas nfo sagrado no Oficio, e nisto reside
toda a diferenga: um sacerdote é sempre um monge, mas um monge
nem sempre é sacerdote. Por isto eram solicitados sacerdotes de
outras Obediéncias (principalmente Cistercienses) para ministra-
rem os oficios divinos nas Casas do Templo, onde os cavaleiros
certamente seriam monges, mas nunca sacerdotes. Isto nao
invalida os seus conhecimentos teolégicos das escrituras e dos
oficios. Conheciam-nos mas nao detinham o poder sacramental
necessario 4 sua legitima e regular transmissao sacerdotal, ou seja,
a “transmissao apostélica”.
Foi essa diferenga, que é tudo, a levar a redacciio da
proibigo, na alinea XXI da Regra, dos seculares nao usarem dos
mesmos trajes e insignias impostos pela Religiao dos Templarios
canonicamente investidos, a fim de evitar confusées e escindalos,
tanto civis como religiosos, como aconteceu nos primeiros tempos
da Milicia, agrupada pelas armas e pela fé mas sem norma de vida,
ou seja, desregrada, sem Regra. Assim, para separar o temporal
ordinario do espiritual ordenado criando ordem distinta como vida
regrada, Sao Bernardo doou aos Cavaleiros Pobres de Cristo a
Regula Vitae, logo aceite, assumida e vivida, com o apartamento
das vicissitudes antigas nascidas da desordem de nfo se ter norma
condutora, reconhecidamente afiliada 4 Tradic&o e que pudesse
ser lida, interpretada e vivenciada tanto como catequese quanto
como gnose, para todos os efeitos, sempre vivenciada por todos
que abragassem a Religiao. E todos quantos posteriormente, ainda
assim excepcionalmente, quiseram passar por Templdrios mas
sem 0 ser, aproveitando-se desse estatuto distinto para actos de
banditismo e abusos de toda e qualquer espécie, tanto na Europa
como no Ultramar, sabe-se terem sido os préprios e verdadeiros
Templarios a denuncid-los, combaté-los e desbarata-los ad
definitivus.[10]
Por vezes também se me revela um desconhecimento grasso
dos usos e costumes medievais, estes geralmente saidos dos
preceitos religiosos, como esse antincio dos Templarios usarem
barbas longas e cabelos desgrenhados, indo formar a “prova cabal”
do seu “escasso asseio fisico”, compensado pela “gula desmedida”!
Afirmativas desse tipo vao além da ignoradncia: penetram
bastamente o terreno risivel do patético. Na sociedade medieval
s6 os nobres e distintos usavam barbas longas, os demais nem
sempre. Eram sinal de soberania viril e de poténcia espiritual,
heranga judaica transmitida 4 Europa e cuja fonte é o Sepher
Dzeniutha, o “Livro Oculto”, indicando a “Barba” da “Cabega
Suprema”, ou o Eterno, como enfeitada com nove gloriosos
adornos (sefiras). Logo, todo o nobre e todo o monge deixavam
crescer as barbas para que fossem como as do Eterno em si mesmos,
e assim ]hes desse a poténcia viril indispensdvel tanto nas armas
como na fé. O mesmo vale para a cabeleira basta. Quanto as regras
alimentares, sabe-se pela Regra e pelos Estatutos que os Templarios
quando nio eram rigorosamente comedidos eram pouco mais que
frugivoros, e o vinho era por norma terminantemente proibido
nas mesas das suas refeicdes, segundo a mesma Regra.
Com tudo, e isto é muito positivo, mesmo assim denota-se 0
fascinio que a Ordem dos Templarios exerce actualmente um pouco
por toda a parte, certamente por causa do halo de mistério e
segredo em que se envolveu, e na demanda do que terd sido resta-
me convidar o leitor a que me acompanhe no roteiro desfilado
nesta obra que voto lhe seja de grande proveito ao destrincar ou
no minimo entender, do que foi e fez a Ordem dos Cavaleiros Pobres
de Cristo e do Templo de Salomio.
Vitor Manuel Adriao
‘Sintra, Reis Magos de 2007CAPITULO!
Patrofogia Afonsina
¢ Cavalaria de
Demanda
Raro halo de sagrado e segredo envolve as
fundagdes genesfacas da Casa de Borgonha,
revestida de mito e mistério quando se lhe
atribui descendéncia dos primitivos Reis
Visigodos pretensos descendentes da nao
menos pretensa Linhagem Biblica no Ocidente
(urgida do matrimonio apécrifo entre Jesus
Cristo e Maria Madalena), ainda que, oficialmente, a mesma Casa
tenha tido inicio em Oto Guilherme (... 1026), casado com a nobre
Ermentruda*.
Essas nipcias derem a seguinte descendéncia:
— Filho de Otao e Ermentruda: Renato, casado com Alice,
filha de Ricardo II, Duque da Normandia.
— Filhos de Renato e Alice: Guilherme, o Grande; Gui, Conde
de Brienne e Vernon; Fulque; Sibila, mulher de Henrique Duque de
Borgonha (que nao chegou a governar o Ducado), mae de Henrique,
depois Conde de Portugal.
— Filhos de Guilherme, o Grande: Renato; Estevao, Conde de
Varais e Macon; Hugo, Arcebispo de Besancon (1088-1101);
ooo
1) Vitor Manuel Adrido, Introdugaéo a Portugalidade. Edicio
Academia de Letras e Artes, Cascais, 2002.(2)
Raimundo, Conde da Galiza, genro de Afonso VI, Rei de Ledo e
Castela; Gui, Arcebispo de Viena e, mais tarde, Papa Calixto II
(autor do famoso Cédice Calixtino compostelano) ?; Matilde,
mulher de Edes1, Duque de Borgonha e irmio do Conde D. Henrique
de Portugal; Gisela, mulher de Humberto II, Conde da Sabdia, e
(em segundas nipcias) de Rainério, Marqués de Monferrato;
Cleméncia, mulher de Roberto II, Conde de Flandres, e (em
segundas niipcias) de Godofredo, Duque de Brabante.
Cerca de 1090 D. Raimundo casou com D. Urraca, filha de
Afonso VI de Ledo e Castela, dando inicio 4 ligagdio consanguinea
da Casa de Borgonha a Leonesa, hispinica ou intra-Pirinéus. Como
dote de casamento D. Raimundo recebeu, cerca de 1092-1093, 0
Condado da Galiza, e de imediato deu comeco 4 pretensio de o
distender mais para Sul, pois ha noticias de surtidas militares suas
a Coimbra, Santarém e Sintra >.
Em 1094 D. Henrique, irmio de Edes I, veio para a Peninsula
Tbérica dar auxilio militar 4 Reconquista crista do Norte e Centro
da mesma, e, tamanhos e valorosos deverdo ter sido os servigos
prestados que, antes de Fevereiro de 1095, D. Afonso VI deu-lhe a
mao da sua filha bastarda, D. Teresa +.
E muito possivel que tenha sido D. Raimundo a chamé-lo
para lhe suceder no trono da Galiza, visto ter a ambigio maior de
assumir o trono de Leio e Castela e toda a parte crista até aos
territérios estremenhos e andaluzes, em posse do Isldo, sucedendo
a Afonso VI. Desta maneira, poder-se-4 interpretar mitica e
politicamente a pretensao ultima e suprema da Casa de Borgonha
em unir o Coragao da Europa (Franga, englobando o Ducado
Borgonhés do Luxemburgo) 4 Cabeca do mesma, a Hispania, e sob
a égide de Raimundo que dela seria o I. Nesta antevisao mitoséfica,
assim se podera assumir temporalmente Raimundo como o para-
digmatico Raimondin, Roi du Munde, “Rei do Mundo” ou Melki-
ooo
2) Ulysse Robert, Histoire du Pape Calixte I. Paris, 1891.
3) Historia Compostellana, in Fr. Enrique Florez, Espaiia Sagrada,
tomo II, cap. 53. Madrid, 1765.
4) Luiz Gonzaga de Azevedo, Histéria de Portugal, volume III. Edigdes
«Bfblion», Lisboa, 1940.(13)
Tsedek, “Rei de Salém e Sacerdote do Altissimo”, tanto vale, ao
qual os mais insignes da Casa de Borgonha prestavam o tributo ou
dizimo, neste contexto a “décima parte” das suas conquistas, da
sua Cruzada continental. Isto mesmo atesta Juan Garcia Atienza 5:
«As interrogagdes sem resposta imediata referentes 4 Ordem
(do Templo) comecam no mesmo instante do seu reconhecimento
no Concilio Trecense, porém podemos descobrir ja as suas
silenciosas ramificagdes desde anos antes. Aquela Milicia composta
— aparentemente — por nove cavaleiros flamengos e borguinhdes
que se refugiaram entre as ruinas das cavalarigas do Templo de
Jerusalém em 1118 e que parece haver-se mantido em discreto
siléncio até ao instante do seu reconhecimento (Janeiro de 1128),
estava jé, ao que parece, actuando no Ocidente antes da sua
elevagio A categoria de Ordem Militar. Com a data de 1 de Julho de
1124, o Conde Guilherme de Poitiers faz-lhes a doagio da igreja de
S. Bartolomeu de Fréjus. E, o que resulta mais significativo,
encontram-se em Portugal em 1125, segundo Pedro Alvares,
ajudando aos Condes D. Teresa (filha de Afonso VI) e D. Henrique
de Borgonha a consolidar um Estado que est4 gestando
aceleradamente a sua independéncia do Reino castelhano-leonés.
Incluso parece que em 1127 ha j4 em Portugal um Procurador da
Ordem, Frei Guilherme Ricardo, que permaneceré ali na qualidade
de primeiro Mestre Provincial até 4 sua morte em 1139.
Curiosamente, D. Henrique, assim como o seu irmio (antes, primo)
Raimundo — casado com a outra filha de Afonso VI, Urraca, e
instalados na Galiza, a terra da Prisciliano® — sao oriundos da mesma
comarca donde procedem o fundador do Templo, Hugues de Payns,
alguns dos seus primeiros cavaleiros — Guilherme de Champagne,
por exemplo — e nada menos que o grande lider religioso de Cister,
Bernard de Clairvaux. A Casa de Borgonha tem, pois, um poder
estabelecido sobre o nucleo sagrado da espiritualidade arcana
peninsular, onde j4, desde ha séculos, chegavam os buscadores do
saber remoto: 0 monge arménio Simedo, Estevao o Grego...
ooo
5) Juan G. Atienza, La mistica solar de los Templarios. Ediciones
Martinez Roca, Barcelona, 1983.
6) Prisciliano, Tratados e Canones de Prisciliano, III-IV, p. 129.
Editorial Nacional, Madrid, 1978.14]
«E precisamente aqui, em Portugal, neste Portugal
embriondrio que comega a dar fé de vida independente, onde se
produz um desses acontecimentos — o da sua propria
Independéncia — que os historiadores no conseguem de modo
algum demarcar nas coordenadas em uso. E, afortunadamente,
por vezes o confessam: “E preciso que tenha havido uma série de
circunstAncias ou de sucessos, que a Histéria nao consigna, que
infundissem na populagio existente entre o Tejo e o Minho um
espirito de independéncia. Nao temos de procurar o germe destes
factos em época muito distante. Durante a dominagio Romana, a
Provincia da Lusitania era muito mais extensa que o actual Portugal
e nenhum indicio persiste de que houvesse nessa comarca, uma
vez submetido o Reino Suevo, o menor traco de resisténcia contra
os reis godos de Toledo” 7.
«Naturalmente, esquece-se aquilo que se deseja esquecer, 0
que nao tem visos de revestir importincia, o que a Historia tem
desapreciado como desapreciava as uvas a raposa da fabula. Ou
acaso nao registam as crénicas as rebelides galegas «sem
transcendéncia» que os reis das Asturias tiveram que reprimir,
precisamente préximas 4 época em que se estava inventando a
descoberta do sepulcro do Apéstolo (Santiago)? Fixemo-nos na
circunstancia temporal desse instante histérico. Por um lado, uma
identidade total, no étnico e no espiritual, entre a Galiza e Portugal.
Eu me atreveria a chaméa-la o espirito atlante ou ligure, que 6 0
mesmo que animou Prisciliano a descobrir a sua propria identidade
teligiosa e a do seu povo (se nao recorde-se os vestigios inclusive
toponimicos desse espirito: las Noyas, Noelas e Navias, por uma
parte; os Lugos e Lisboas, por outra). Por outro, a tomada pacifica
dessa terra por membros da Casa borgonhesa, que se constituem
em seus Condes com o consentimento tacito ~ que nao esta
documentado — do Imperador Afonso VI. Por outro ainda, a morte
prematura do Conde Raimundo (1107) separa acidentalmente as
duas zonas irmas da Galiza e Portugal, deixando a segunda nas
mos da Casa de Borgonha, que criaré o Reino independente, e a
Poo
7) Marqués de Lozoya, Historia de Espaiia, t. I, p. 412. Salvat,
Barcelona, 1967.(35)
primeira envolta em litigios pela legitimidade sucesséria do filho
do morto, Afonso Raimundes, que angaria com o seu apego a
Castela 0 arcebispo Gelmirez. Enxotai, se vos atreverdes, as moscas
pela cauda da Histéria: o arcebispo D. Diego Gelmirez é cluniense
de pré6, rival, portanto, da reforma estdéica, ascética (e solar, com
perdao), que proclama o Cister de Bernardo de Clairvaux, de quem
nasce o Templo como filho légico e natural; Gelmirez e os seus
escribas nao se molestam sequer a citar os Templarios uma sé vez
na Compostelana 8, apesar do vestigio dos freires detectar-se j4 na
Galiza bastantes anos antes da morte do arcebispo, em 1140.
sapa, 0 que desenvolveram em Por-
tugal foi aberto e didfano. Em Marco
de 1128, dois meses depois da
celebragio do Concilio de Troyes, o
Templario Raymond Bernard recebe
da Condessa Teresa o castelo e a
“dignidade” de Soure, sobre o rio
Mondego, na fronteira mucgulmana; e
muito pouco depois, “a terra selva-
gem e despovoada entre os termos de
Leiria e Colimbria”, com os castelos de Pombal, Redinha e Ega. O
filho da Condessa, Afonso Henriques, que serd o primeiro rei
portugués desde 1139, formula na serra de Albordas a promessa
de oferecer terrenos ao abade Bernardo de Clairvaux, que havia
auguriado a vitéria sobre os mouros em Santarém, vitéria em que
muito tiveram a ver o Templo e o Templario Gualdim Pais, que
sera Mestre de Portugal desde 1157. A promessa se convertera no
mosteiro de Alcobaca, desenhado sob a supervisao directissima
de S. Bernardo. O rei atribui ao Templo a protecc&o do mosteiro e
da sua zona. Este facto conduz directamente a conquista e 4 posse
da comarca magica de Fatima e Tomar, onde se levantard4, em 1160,
Brasao de
Borgonha
ooo
8) Historia Compostelana, o sea Hechos de d. Diego Gelmirez,
primer arzebispo de Santiago, traduzida do latim ao castelhano por
R. P. Fr. Manuel Suarez. Porto, Santiago de Compostela, 1950.116]
a Sede principal do Templo portugués e as subsidiarias de Almourol
(sobre uma ilha do Tejo) e Bode, completadas com Pombal, Penela,
Castelo Branco, Idanha, Nisa, Monsanto e Ceras, até ao porto de
Obidos (hoje a dez quilémetros do mar terra adentro) 9.
«A presenca Templaria fez-se fundamental no nascente
Reino. E os freires, em troca, obtém as légicas prebendas e o légico
poder consequente. Conseguem nao depender do bispo inglés de
Lisboa, Gilberto de Hastings, depois da intervengao de cruzados
ingleses na conquista da cidade (1149). Depois deste feito, Gualdim
Pais embarca para Gaza, para receber a Iniciacio Templaria na
Terra Santa, e na sua volta, sera nomeado quarto Mestre Provincial.
«No principio do século XIII, os Templarios custodiam mais
de vinte mil maravedis do tesouro do Reino.
«Perguntemo-nos agora: em que sentido colaboraram os
Templarios na gestac&o politica do novo Reino portugués? E por
que levaram a cabo essa colaboragdo? Para responder a estas
quest6es, terd que intervir por necessidade a conjectura. Porém
tenho a impressao de que tive ocasiao de aclarar suficientemente
os mébiles da Ordem, para que possamos avancar suposigdes com
uma respeitavel margem de credibilidade, ainda que — logicamente
— haverao sempre historiadores que negarao tudo quanto os
arquivos nao hajam podido reter.»
Mesmo assim, devo eu dizer agora, o testemunho escrito do
saber antigo e de antigos factos, sejam dos Templarios ou de outros
institutos quaisquer, tanto religiosos como laicos, nao é a tnica
fonte de recolha de informacdes documentais constituintes do
Arquivo Histérico, pois que também h4 os testemunhos
iconograficos e arquitecturais, dentre outros.
Decerto dando consecugao a um plano oculto ou secreto
predeterminado conforme o descrito nos paragrafos anteriores
do saudoso amigo Juan Atienza, o certo é que em 1097 Afonso VI
confiou a Henrique de Borgonha o governo da Provincia
Portucalense, assim passada a Condado, desde 0 Minho até ao Tejo,
Oooo
9) Juan G. Atienza, A meta secreta dos Templdrios. Litexa —
Portugal, 1981.117)
Mapa do Condado Portucalense
(Retirado de Wikipédia - A enciclopédia livre)
com Coimbra demarcando inicialmente as Finis-Galliciae e Idanha-
a-Velha as Finis-Portucaliae.
Pelo valor juridico e alto significado atribuido 4 concessio,
D. Henrique passou a ser considerado como Conde de Portugal
(1096), altura do seu casamento com a filha bastarda de Afonso
VI, D. Teresa, pois antes nao passava de Conde D. Henrique, e tanto
ele como sua mulher e depois o seu filho D. Afonso Henriques,
cuidavam que esse titulo lhes dava jus ao governo do referido
territério, o que ninguém contestou, e o que se contestou foi a sua
pretensao quase imediata de tornar o Condado independente, o
que equivalia a sair da condicao dependente de Feudo para Pais
independente, logo com fronteiras, regras e governo proprios.
Por morte de D. Afonso VI, em 1109, D. Henrique arrebata e
anexa a Galiza de D. Raimundo, alegando os acordos firmados118)
anteriormente com o monarca seu genro (que deu 4 filha o Condado
de Coimbra, como prolongamento do Condado Portucalense ou
Vimaranense doado a D. Henrique), dando comeco aos seus
propésitos de independéncia e dilatagao do Condado, pretensdo
clara a Pais que, em meio do sistema feudal dominante, tornar-se~
ia o primeiro da Europa, cerca de 450-500 anos antes dos outros
sairem do letargio e inter-conflitos feudais.
Em seguida faz a peregrinacgado a Santiago de Compostela,
acompanhado da mulher e da corte, como que buscando a
aprovacao Divina ao seu intento de tomar posse do lugar
repositério da Tradigao Arcana: toda a orla extremo-ocidental
destinada a ser o futuro Pais do Porto-Graal, segundo o seu filho D.
Afonso Henriques no documento de doacio de Tomar aos
Templarios.
7 A familia do Conde D.
Henrique de Portugal, da Casa dos,
| Duques de Borgonha, perten-
~ | ceram alguns dos mais insignes da
{ Histéria europeia os quais, nao
raro, a cobriram de mito e mistério
pretextando a origem divina da
Linhagem *°:
Hugo Capeto, Rei de Franca
e do Ducado do Luxemburgo.
Filho de Hugo: Roberto, Rei
£ Gr LW . de Franca, casado com Constanga,
2° "filha de Guilherme, Conde de
Tolosa.
Filhos de Roberto: Henrique, Rei de Franga, e Roberto,
Duque de Borgonha. Henrique concedeu a seu irmio 0 Ducado.
Roberto casa com Elia, irma de Cluni.
ooo
10) Anénimo de Sahagun, em Escolona, Historia de Sahagin ou
Historia del Real Monasterio de Sahagun, Apéndice 1, p. 303.
Madrid, 1782.(191
Filhos de Roberto: Roberto, Henrique, Simao, Hugo,
Constanga (que depois de vitiva de Hugo de Chalons, foi mulher de
Afonso VI).
Filhos de Henrique (0 primogénito, segundo Ordorico Vital):
Hugo, Eudes, Roberto, Bispo de Langres, Henrique, Conde de
Portugal, Beatriz e Elia.
Eudes sucedeu a seu irmao Hugo no governo do Ducado,
quando ele abracou a vida religiosa em Cluni, embora contra a
vontade de S. Gregério VII, que em carta ao abade S. Hugo o repre-
endia por ter admitido o sobrinho, privando com isso o Ducado do
seu excelente governo. Antes de entrar em Cluni, Hugo deu a S.
Roberto, abade do nascente mosteiro de Molesme, a vila do mesmo
nome, e Eudes confirmou a doagao.
Fica autorizada, com exemplos antigos que se podiam
multiplicar, a devogao dos Reis de Portugal a familia religiosa de
Cister, reformadora de Cluni por meio de S. Bernardo de Claraval,
dando-lhe incremento religioso e politico que acompanhasse a
evolucao social da época, saindo da Baixa Idade Média (sécs. V —
VII) para a Alta Idade Média (sécs. IX - KV) em que se integrou
plenamente por via da execucao das Constituicdes de Cister (c.
1120), escritas pelo préprio Saint Bernard de Fontaine, assim
tornado a “Fonte da Vida”, Fons Vitae — 0 que trouxe a espiritua-
lidade e o consequente progresso social numa sociedade
demarcadamente tradicional, do Médio-Oriente ao Ocidente
europeu, por via da Casa de Borgonha, e a fixou na Casa Provincial
de Santa Maria de Alcobaga, levantando-se assim as Colunas da
Autoridade Espiritual (Cister - Transmissao Iniciatica - Pax) e do
Poder Temporal (Borgonha — Transmissao Hereditaria - Lex) no
Pais que os Templarios iriam desenvolver, a partir desses dois
principios mores de governagao e execucdo.
D. Henrique foi acompanhado, na demanda do futuro novo
Reino de Portucalense (assim denominado ja no século IX, por via
de um Borguinhao anterior, o Conde Vimara Peres), por uma
pléiade de nobres e cavaleiros franco-luxemburgueses, a quem
Camées chamaria poeticamente, em Os Lustadas, de “Armas eCondes D. Henrique de Borgonha e D. Teresa de Leao
(Pinturas de autor desconhecido do século XIX)
Barées assinalados”, fixados primeiro no que era a antiga Espanha
crista, depois trasladados a Portucale seguindo o seu lider, D.
Henrique. As suas “Armas assinaladas” estao patentes na Sala dos
Brasdes do Paco Real da Vila de Sintra, bem defronte 4 Capela do
Espirito Santo no mesmo espaco. Postadas assim, é como se trans-
mitissem a ideia da Terceira Pessoa da Trindade tornando Divina a
Monarquia Lusitana, a que provém de Luso, filho dilecto de Baco,
este o deus do Vinho ou do Sangue Real da Mae-Terra, segundo a
Mitologia greco-romana, mas, em verdade, 0 ligirico Lu, Lug ou
Luz, 0 que confere com... Lux-Citdnia, o “Lugar da Luz”.
II
Afonso Henriques de Borgonha e Ledo, o I Rex Portucalis de
cognome o “Conquistador” ou o “Fundador”, teré nascido cerca
de 1111 em Guimaraes, sendo o primogénito do Conde D. Henrique
de Borgonha e da Condessa D. Teresa de Leiio. Por volta dos trés
anos de idade (1114) tera ficado érfao de pai e logo a filha bastarda
de Afonso VI se «desfez» dele entregando-o aos cuidados e
educagiio do Bardo Egas Moniz, que o tratou como a um filho da
sua propria carne e progénie o que suscitaria a posterior tradicZo(21)
oral, eivada de lenda, correndo nas bocas do Norte do Pais, de
Egas Moniz ter sido o verdadeiro pai do infante futuro rei... 0 que
n§o é verdade, ao menos do ponto de vista consanguineo.
Egas Moniz é daqueles personagens escassamente abordados
pela historiografia, apesar do papel proeminente que teve em sua
época e concorrendo para dar a um trono nascente um legitimo e
digno ocupante. Ele descendia do valoroso D. Moninho Viegas,
que ao tempo de Ramiro I de Le&o, nos fins do século X, portanto
recuando 4 época do Conde Vimara Peres, também borguinhio,
adentrou a barra do Douro com uma armada de cavaleiros da
Gascunha e se apossou do Porto, o restaurou e lhe deu por bispo D.
Sinando, seu irmao. Um filho deste capitio, também chamado Egas
Moniz, casou com D. Toda Hermingues Alboazar, bisneta de outro
mais antigo, D. Raimundo, rei de Ledo. Deste consércio nasceu D.
Hermigio Viegas, que foi pai de D. Moninho Hermingues, e do
casamento deste com D. Moninha Oreana* nasceu o nobilissimo
Egas Moniz. Ainda antes de nascido Afonso Henriques, tera ele
prestado grandes servigos ao Condado Portucalense, logo a D.
Henrique de Borgonha, a cujo Ducado também andava relacionado
por lagos familiares afastados. No campo militar, ajudou com
bravura e destreza o Conde D. Henrique a alargar o senhorio dotal
da esposa deste, D. Teresa, como homem esforcado e leal cavaleiro.
Egas Moniz, segundo o Livro Velho, foi casado duas vezes: a 1.2
com D. Mayor Paes, filha de Paio Goterrez, o que fez Tibaes, e da
filha de D. Sueiro Mendez, o que fez Varzea; a 2.2 com D. Tereja, a
que fez Sarzeda. De ambos os consércios teve geragao. Esta
sepultado no mosteiro beneditino de Pago de Souza, hoje na capela-
mor da igreja do mesmo, havendo trés pedras figuradas
assinalando os passos da vida do nobilissimo Bardo.
Nao sé no campo militar se distinguiu Egas Moniz. Deu
mostras de sua cultura apoiando e defendendo a Escola Galega de
Trovadores, nao ele como Trovador mas o seu primo do mesmo
ooo
11) Nao confundir estes Hermingues e Oreana com aqueles de nomes
semelhantes da posterior odisseia matridrtica “Oreana/Fatima”.
12) Luiz Gonzaga de Azevedo, Histéria de Portugal, volume III. Edigdes
«Biblion», Lisboa, 1940.{2}
nome, Egas Moniz, também este esforcado cavaleiro e autor de
muitas coplas formosas bem dizendo de amores correspondidos e
mal dizendo de amores desventurados, como foi o caso de D.
Violante, dama de companhia da rainha D. Mafalda, que tera
recusado os seus impetos apaixonados 5. Deu fé de sua afeicio a
Virgem Mae de Deus quando esta lhe apareceu em sonhos e mandou
que erigisse a igreja de Carquere, junto a Lamego, e também que
fosse ele o designado (pela propria Virgem Maria) a aio do principe
D. Afonso Henriques, segundo a lenda (ou nao tanto...) crianga de
satide débi] que s6 a recuperou completamente quando esteve aos
cuidados do Bardo Egas Moniz, cumprindo-se as ordens deixadas
nesse sentido pelo Conde D. Henrique +.
Antes de morrer D. Henrique legou todo o Condado
Portucalense ao filho, nao 4 mulher. Mas mal ele deu o ultimo
suspiro, D. Teresa apressou-se a casar com Fernio Peres de Trava
passando a usar o titulo de “rainha” (1117) de uma terra que queria
s6 para si, pelo que despojou o filho de tudo quanto o pai Ihe
deixara.
Qual seria a intencio tiltima de Fernao e Teresa? No campo
da hipétese e pela conjectura dos factos, sou induzido ao seguinte:
a pretensfo de fundar o Reino nio de Portugal mas da Galiza, logo
englobando todo o Condado Portucalense, e assim passando a
Galiza de Condado a Reino detentor de toda a orla costeira
ocidental. Nao se deve esquecer, também, que Fernao Peres era
membro da poderosa familia dos Trava, com proeminéncia
destacada na nobreza galega, alimentando os desejos de ser rei de
uma terra sé sua, liberta da soberania leonesa.
Para lograr esse intento, foram afastadas da corte de D. Teresa
as mais poderosas e prestigiadas familias nobres do Condado
oOo
13) D. Diogo de Souza, Histéria de Portugal desde os Tempos
Primitivos até & Fundacgao da Monarchia e d’esta Epoca até Hoje
(Obra inteiramente inédita). Edigao adornada de Gravuras. Lisboa,
1852.
14) Pedro de Mariz, Dialogos de Varia Historia (Dos Reis de
Portugal com os verdadeiros retratos que se puderam achar),
Impressos na Oficina de Anténio Craesbeeck de Mello, com Privilégio
Real. Ano 1674.(23]
Portucalense, todas favorecidas anteriormente pelo Conde D.
Henrique com cargos da maior confianga, dentre elas a de Egas
Moniz.
Estavam abertas as hostilidades.
Externamente: com a rainha de Lefo e Castela, D. Urraca,
que com Diego Gelmfrez, arcebispo de Compostela seu aliado,
invadem e saqueiam o Condado Portucalense em 1121, obrigando
D. Teresa a recuar e a refugiar-se no castelo de Lanhoso, onde
acabou por se submeter a sua irma.
Internamente: com o infante Afonso Henriques, que forgou
para si dois castelos, o de Neiva e o da Feira, e a partir deles fez
guerra a seu padrasto, até que, finalmente, se deu a batalha de S.
Mamede, em 24 de Julho de 1128, derrotando-se de vez o Conde
de Trava e as suas pretensGes opostas as de D. Afonso Henriques e
os Barées portucalenses.
Vendo-se cativa do seu filho mercé da derrota nos campos
de S. Mamede, D. Teresa apelou para o imperador Afonso VII, que
respondeu com grande exército, vindo a ser derrotado por Afonso
Henriques em Valdevez (1140). Afonso VII nao se conformou com
a derrota e veio, desde Toledo, cercar de surpresa o Dux ou Principe
em Guimaraes. Perante as circunstancias militarmente desfavo-
raveis, este conformou-se aparentemente com as exigéncias de
vassalagem ao monarca leonés — penhorando a sua palavra de
honra o nobre aio Egas Moniz — que, mal retira, o Principe se apossa
de vez de toda a terra que o seu pai lhe deixara. Vem dai 0 feito da
pretensao martirial de Egas Moniz, com todas as circunstancias
revestidas pela tradicio, indo com o barago ao pescogo oferecer a
honra da sua vida e de sua familia ao rei «atraigoado», que o
perdoou sob pressao da corte.
Tudo isso esté em conformidade ao espirito de
independéncia, quer politica e quer religiosa, que sempre norteou
Afonso Henriques. J& no Domingo de Pentecostes de 1125, arma-
se a si mesmo cavaleiro na catedral de Zamora, um acto sé
praticado pelos reis e que é, portanto, um gesto claramente
politico. Mais que politico: esotericamente 6 um gesto feito 4