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A PRÁTICA BÍBLICO-PURITANA DO AUTOEXAME

Christopher Vicente*

“Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos”

(2 Coríntios 13.5).

INTRODUÇÃO

A prática do autoexame é de grande importância na caminhada cristã. Assim como


seria insano um piloto de avião que não se certificasse da feitura da revisão de todas as
partes da aeronave, antes de levantar voo, assim também, insensato é o cristão que trilha
a caminhada cristã sem a contínua prática do autoexame. O autoexame é, especificamente,
requerido antes da participação do sacramento da Ceia do Senhor (1 Co 11.28). Mas, ele
também tem um aspecto de dever constante na vida do crente. É desse caráter contínuo
que esse estudo trata.

Essa prática é bíblica e muito valorizada no cristianismo reformado experimental,


a saber, no puritanismo. “Os puritanos levavam a sério o pecado e o autoexame”. 1 Era
uma prática feita com muito mais diligência do que fazemos hoje. 2 Eles “cultivavam a
humildade e autossuspeita como atitudes constantes, examinando-se regularmente, em
busca de eventuais pontos ocultos e males internos furtivos”.3 No autoexame, tendo a
Escritura como espelho, eles descobriram uma contínua disciplina espiritual que os
auxiliava na luta contra o pecado. O puritano Edmund Calamy “advertiu que as
consequências de se omitir da meditação são sérias. Conduz ao endurecimento do
coração”.4

O autoexame é, como mencionado, uma autossuspeita; é uma atitude de


humildade do coração do crente que, suspeitando de si mesmo, inquire sua própria
consciência acerca de suas motivações, desejos, ações e reações. O autoexame é um ato

* Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bacharelando em
Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (SPN). Pós-graduando em Teologia Pastoral pelo SPN.
Especializando-se em Pregação Expositiva pela Associação Bíblica Pregue a Palavra. Presbítero em
disponibilidade na Igreja Presbiteriana do Brasil.
1
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Teologia Puritana: doutrina para a vida. São Paulo: Vida Nova, 2016. p.
834.
2
Ibid., p. 1207.
3
PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã. São Paulo: Fiel, 2016. p.
30-31.
4
BEEKE, Joel. Espiritualidade Reformada. São Paulo: Fiel, 2014. p. 141.

1
reflexivo.5 É, no poder do Espírito, tendo a Palavra como Lâmpada em uma mão e espada
em outra, perseguir o pecado em cada esconderijo escuro e sombrio de meu coração. Uma
expressão bíblica comumente utilizada para autoexame é o “sondar o coração”. Nas
palavras de Charnock:

Autoexame é uma pesquisa exata e completa em auto de um homem,


uma consideração minuciosa sobre minha posição diante de Deus. A
Palavra é a regra, uma lente pela qual vemos a Vontade de Deus; e
consciência é o examinador, isto é, a lente pela qual vemos nossas vidas
e os movimentos de nossos corações, e que, com a ajuda da palavra,
tanto disseca e quanto abre a alma para si.6
Este estudo, então, abordará seis tópicos sobre o autoexame: (1) sua existência e
possibilidade; (2) sua necessidade, importância e obstáculos; (3) sua ordenança e seu
fundamento; (4) os meios de executá-lo; (5) seu propósito; (6) exortações finais. Sua
abordagem será uma verificação escriturísticas em contínua consideração da intepretação
puritana desta doutrina.

1. AUTOEXAME: SUA EXISTÊNCIA E POSSIBILIDADE

O autoexame existe? Ele é, realmente, possível de ser feito? Porventura, não é o


meu coração enganoso; como posso, então, examiná-lo?” – são perguntas que alguém
pode fazer. A Escritura mostra a existência e possibilidade do autoexame. Isso pode ser
visto de duas formas: primeira, em textos bíblicos, nos quais, encontrarmos o crente
inquirindo a sua própria alma e consciência acerca de seu estado.

Por exemplo, Davi, no Salmo 42. 5, 11 e 43.5. Ele continuamente pergunta a sua
própria alma: “Por que estás abatida, ó minha alma, e [por que] te perturbas em mim?”
(ACF). Ou no Salmo 13.12: “Até quando consultarei com a minha alma, [tendo] tristeza
no meu coração cada dia?”.

A segunda forma encontra-se na própria existência da consciência. Na Escritura,


a consciência é tida como uma testemunha, ao lado do Espírito Santo (cf. Jo 8.9, Rm 2.15,
9.1; 2 Co 1.12). Ela também testemunha quando é inquirida e sondada a respeito de
alguma coisa. Portanto, o autoexame tanto existe quanto é possível. Sua existência e
possibilidade é vista em prática, na Escritura Sagrada.

5
WATSON, Thomas. A Ceia do Senhor. Recife: Os Puritanos, 2015. p. 48.
6
CHARNOCK, Stephen. A discourse of self-examination. Disponível em: < https://www.the-
highway.com/articleJuly00.html >. Acesso 07 out. 2017.

2
2. AUTOEXAME: SUA NECESSIDADE, IMPORTÂNCIA E
OBSTÁCULOS

O autoexame é necessário e importante (indispensável) para uma vida


espiritualmente saudável e frutífera. A mesma razão que explica a necessidade e
importância, também explica (ou explicita) o grande obstáculo ao autoexame: a natureza
pecaminosa, corrompida e enganosa.

O pecado ainda presente, nos crentes, torna o autoexame uma prática necessária.
Tão logo o pecado parar de existir, tão logo também o autoexame será desnecessário.
Porque o pecado e a sua corrupção ainda atuam no crente, o autoexame é necessário para
a percepção dessa atuação, sendo o primeiro passo para a anulação dela.

A Escritura diz que o coração é enganoso – por causa do pecado – conforme


Jeremias 17.9. O pecado, conforme diz Paulo, aproveitou-se do mandamento e o enganou
(cf. Rm 7.11). A Escritura diz que o homem acha que seus caminhos são sempre justos –
isso é engano, cf. Pv 16.2.

Portanto, por causa da natureza enganosa do coração, o autoexame é necessário


para abortar toda tentativa do pecado de nos enganar e nos conduzir a queda. Também, é
do coração (o objeto de nosso autoexame), diz o Senhor, que nascem todos os males, cf.
Mc 7.15-23. Logo, um homem sábio, sabendo que um rio, em seu nascedouro, é
envenenado, cuidará de tratar continuamente a água que sai dela para não contaminar
todo o rio. Eis a importância do autoexame. Jonathan Edwards falando sobre essa
necessidade diz:

Como o pecado é tão enganoso, e como temos muito pecado no coração,


é difícil julgar nossos próprios caminhos com justiça. Por causa disso,
deveríamos fazer um autoexame diligente e nos preocupar em descobrir
se há em nós algum caminho mau. “Tende cuidado, irmãos, jamais
aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade
que vos afaste do Deus vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente
cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de
vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb 3.12,13).7
Outro ponto que mostrar a necessidade do autoexame são os pecados secretos.
Quando Davi clama: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece

7
EDWARDS, Jonathan. Sondando sua Consciência. Disponível em: <
http://www.monergismo.com/textos/sermoes/sondando_consciencia_edwards.htm >. Acesso 04 out. 2017.

3
os meus pensamentos. E vê se [há] em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho
eterno” (Sl 139.23, 24), ele reconhece que há pecados desconhecidos. Essa realidade
também evidência a necessidade do autoexame. Sobre isso Edwards também comenta:

Todos nós deveríamos nos preocupar em saber se vivemos com algum


tipo de pecado que até nós mesmos desconhecemos. Se alimentamos
algum desejo secreto ou negligenciamos algum dever espiritual, nossos
pecados escondidos são tão ofensivos a Deus e o desonram tanto quanto
os conhecidos, evidentes e os notórios. Desde que somos tendentes ao
pecado, e o nosso coração está cheio deles, devemos tomar um cuidado
especial para evitar aqueles que são insolentes, involuntários e
cometidos na ignorância.8
Contudo, a mesma verdade que fundamenta a necessidade também fundamenta o
obstáculo do pecado. Pois, se o pecado é enganoso, desesperadamente enganoso, ainda é
possível que tente se esquivar do autoexame. A partir disso, brilha a promessa que emana
da ordenança do autoexame, a saber, o auxílio divino; e a evidência da necessidade de
dependência de Deus.

3. AUTOEXAME: SUA ORDENANÇA E SEU FUNDAMENTO

O autoexame não é uma prática religiosa inventada pelos homens. Ele é uma
ordenança do Senhor e seu fundamento reside nEle. A ordenança diz: “Examine-se, pois,
o homem a si mesmo” (1 Co 11.28a; 2 Co 13.5; Gl 6.4-5). A essa ordenança une-se as
ordens de vigilância (cf. Mt 26.41, 1 Co 16.13), pois a vigilância não possui apenas um
caráter externo, mas também um caráter interno (autoexame) – como guardas de uma
cidadela que fazem vigília tanto dentro (contra inimigos internos e traidores) quanto fora
(exércitos externos). O autoexame “é um dever necessário, pertencente a todos na igreja,
e requer muita diligência na realização dele”.9

A primeira vez que o autoexame foi, na prática, ordenado e sua necessidade


exemplificada foi em Gn 3.9-13, 4.6. Deus questiona Adão e Eva quanto ao seu pecado.
Depois, após a queda, Deus inquere Caim do pecado que jaz a sua porta e que ele deveria
dominá-lo. De certa forma, o autoexame por meio da Palavra é o inquérito da consciência
(que é a representante de Deus) à nossa alma sobre o estado dela.

8
Ibid.
9
CHARNOCK, Stephen. Op. Cit.

4
O fundamento do autoexame reside no ser de Deus, a saber, em Sua onisciência.
Porque Ele é o único que sonda completa e perfeitamente os corações (cf. 1 Cr 28.9,
29.17; Sl 139.1; Jr 17.10; Rm 8.27; 1 Co 2.10; Ap 2.5, 23; 3.3). Se Deus sonda o coração
completa e perfeitamente, tendo a correta interpretação do estado deste, então, somente
Deus pode capacitar o homem a ter algum bom fruto de seu autoexame.

Isso é importante na tratativa desta doutrina. Isso nos dá consolo, pois, embora
sejamos tentados a achar que “já temos mais informação sobre nós mesmos do que sobre
qualquer outra coisa”, percebemos logo que “em alguns aspectos, é mais difícil obter um
conhecimento verdadeiro sobre nós mesmos do que sobre quase qualquer outra coisa”.10
“O autoexame, sendo um ato reflexivo, é difícil. [...]. É difícil olhar para dentro de si e
ver a face de sua própria alma. O olho pode ver tudo, menos a si mesmo”. 11 Portanto,
somente em Deus há a possibilidade de o autoexame ter algum sucesso.

Segundo, se Deus conhece tudo o que se passa em nossos corações, deveríamos


atentar contra hipocrisia e fazer uso do autoexame para fugir dela pois, os hipócritas
“encenam muito bem aos homens, mas não cuidam quão mau sejam seus próprios
corações [...]. o hipócrita pensa se dar bem e enganar a Deus, mas Deus o desmascará”.12
Por isso, “a consideração da onisciência de Deus previne muitos pecados. O olhar dos
homens nos refreia de pecar, e não o faria muito mais os olhos de Deus?”.13

Portanto, se Deus sonda e conhece o coração de todos, o crente deveria ter maior
cuidado em, também, sondar a si mesmo para que não seja tido, justamente, por hipócrita
diante de Deus. Pois, uma das notáveis características de um hipócrita é que ele não
pratica o autoexame. E, quando praticado, tal exame não o conduz a Cristo e,
consequentemente, não o conduz ao abandono dos pecados conhecidos. Pelo contrário,
se o pecado é percebido, então, é maquiado – e a encenação continua.

4. AUTOEXAME: OS MEIOS DE EXECUTÁ-LO

Entendendo a possibilidade, a necessidade e a importância do autoexame. O


próximo passo é investigarmos os meios para executá-lo. Como operarmos o autoexame?

10
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.
11
WATSON, Thomas. Op. Cit., p. 48.
12
WATSON, Thomas. A Fé Cristã: estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster. São Paulo:
Cultura Cristã, 2009. p. 77-78.
13
Ibid., p. 78.

5
Alguns meios são: (a) oração; (b) conhecimento da Palavra; (c) perguntas feitas a si
mesmo; (d) meditação (teste das respostas); (e) olhando para Cristo; (f) comunhão dos
santos; (g) diários.

(a) Oração

A oração é o primeiro passo para um autoexame que agrade a Deus e que traga
algum um bom fruto. Por meio da oração, nós nos apresentamos em atitude humildade e
dependente dAquele que sonda e conhece o meu coração mais do que eu mesmo. Ele
conhece cada lugar; o mais sombrio, o mais escondido, Ele o conhece.

Portanto, quando nos lançarmos na prática do autoexame devemos rogar como


Davi: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus
pensamentos. E vê se [há] em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno”
(Sl 139.23, 24). Ou quando Davi disse: “Examina-me, SENHOR, e prova-me;
esquadrinha os meus rins e o meu coração” (Sl 26.2).

Tal oração reconhece: “Senhor, eu sei que há algo mal em mim, sei que devo
perseguir esse pecado que, em mim, habita; mas esse mesmo pecado tenta me enganar;
e tenho dificuldades em percebê-lo. Por isso, por favor, eu peço, sonda-me – tu que não
és engando pelo pecado e que conhece todos os corações”. Essa oração é a de um filho
dependente que não consegue entender a si mesmo e clama por ajuda. Fazer isso é
reconhecer que Cristo é nosso profeta: “Ele nos ensina a ver dentro de nossos próprios
corações”.14

(b) Conhecimento da Palavra

O segundo meio para executarmos o autoexame é buscarmos um conhecimento


da Palavra de Deus, mais especificamente, de Sua Santa Lei – que revela a Santidade de
Deus. A Palavra do Senhor diz que “Os preceitos do Senhor são justos, e dão alegria ao
coração. Os mandamentos do Senhor são límpidos, e trazem luz aos olhos” (Sl 19.8) e
que “também por eles [os mandamentos] é admoestado o teu servo; [e] em os guardar
[há] grande recompensa”.

É se contrastando com a Palavra que podemos efetuar o verdadeiro e proveitoso


exame de nossos corações. A falta de conhecimento é comparável a cegueira – não

14
WATSON, Thomas. Op. Cit., p. 201.

6
enxerga nem o mundo nem a si mesmo corretamente. Edwards comentando a necessidade
do conhecimento da Palavra de Deus para um autoexame verdadeiro, diz:

Se você deseja saber se vive em pecado desconhecido, deve


familiarizar-se totalmente com o que Deus quer de você. Na Bíblia,
Deus nos deu normas perfeitas e verdadeiras pelas quais devemos
andar. Ele expressou seus preceitos clara e fartamente, assim, somos
capazes de saber – a despeito das nossas trevas e desvantagens
espirituais – exatamente o que ele requer de nós. Que revelação da
mente divina completa e abundante temos nas Escrituras! Quão clara é
em nos instruir sobre como nos comportar! Quão frequentemente seus
preceitos são repetidos! E quão explicitamente são revelados, de várias
maneiras, a fim de que pudéssemos entendê-los completamente! Mas
que proveito há em tudo isso se negligenciamos a revelação de Deus e
não nos esforçamos em nos inteirar dela? Que proveito há em se ter
princípios piedosos se ainda não os conhecemos? Por que Deus
revelaria a sua mente, se não nos importamos em saber o que é ela?15
O puritano Nathanael Vincent também comentando essa relação, diz:

Pode ser que haja muitas rãs, serpentes e outras repugnantes e odiosas
criaturas em um calabouço, mas enquanto a luz não brilha ali estes não
são percebidos. O romper da luz os revela. E assim muitos sentimentos
impuros e ofensivos têm sua morada no coração do homem, porém eles
não são realmente reconhecidos, nem são os tais motivos de
aborrecimento, até que a luz os tornem manifestos. O convertido vê seu
pecado, sua vergonha. Ele é ciente das pragas de seu próprio coração e
a absoluta necessidade de cura.16
Confronte-se com a Palavra. Compare-se com ela. “Veja como a Escritura e seu
coração concordam. [...]. Desse modo conheceremos a verdadeira situação e estado de
nossas almas e veremos que evidências e certificado temos para o céu”.17 “Compare a sua
vida com a Lei de Deus, e veja se você se conforma com o padrão divino. Este é o caminho
primário que devemos tomar para descobrir nosso próprio caráter”.18 Além disso,

Quando você ler a Bíblia ou ouvir sermões, reflita e compare os seus


caminhos com o que você leu ou ouviu. Pondere que harmonia ou
desarmonia existe entre a Palavra e os seus caminhos [...]. Quando ler
histórias da Bíblia sobre os pecados e sobre os culpados, faça uma
autorreflexão enquanto avança na leitura. Pergunte a si mesmo se é
culpado de pecados semelhantes. Quando ler como Deus reprovou o
pecado de outros e executou julgamentos por seus pecados, questione
se você merece punição semelhante. Quando ler os exemplos de Cristo
e dos santos, questione se você vive de maneira contrária aos seus
exemplos. Quando ler sobre como Deus louvou e recompensou seu
povo pelas suas virtudes e boas obras, pergunte se você merece a mesma

15
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.
16
VINCENT, Nathaniel. A conversão de um pecador. Os puritanos e a conversão. São Paulo: PES, 1993.
p. 88.
17
WATSON, Thomas. Como Ler a Bíblia (Locais do Kindle 346-358). KDP. Edição do Kindle.
18
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.

7
bênção. Faça uso da Palavra como um espelho pelo qual você examina
cuidadosamente a si mesmo – e seja um praticante da palavra (Tg 1.23-
25).19
É de suma importância o conhecimento da Palavra para um autoexame verdadeiro.
Conheça a Lei. A Palavra de deus é “que fornece a base apropriada para o autoexame”.20
Compare suas motivações e ações com ela. Estude, minuciosamente, a excelente e
profunda exposição de cada mandamento feita pelo Catecismo Maior de Westminster.21
Você terá grande proveito nisso.

(c) Meditação: perguntas feitas a si mesmo

Como exposto no início do estudo, o autoexame pode ser percebido nas Escrituras.
Ele pode ser praticado, conforme pretende-se mostrar nesse tópico, por meio de perguntas
à consciência, conforme o fez Davi: “Por que estás abatida, ó minha alma, e [por que] te
perturbas em mim?” (Sl 42.5). Assim como a melhor maneira de extrair uma confissão
de um culpado é a inquirição, assim também, a melhor maneira de extrair o estado de
nossa alma é por meio de perguntas diretivas a ela. Elas visam encontrar a motivação por
trás da ação; o sentimento, por trás de uma reação; o objetivo (pecaminoso), por trás dos
meios empregados; um ídolo, por trás de um falso culto.

Inquira seu coração com perguntas tais: “Por que eu reagi irascivelmente contra
minha esposa/esposo; filho/pai; funcionário/patrão, etc.?”; “O que está dominando o meu
coração (ou dominou) no momento em que ...”; “Por que eu tanta necessidade de...?”;
“Por que eu sempre trato com desdenho...?”; “Por que eu sempre quero ser servido e
nunca servir?”; “Por que continuamente sou tentado a murmurar?”, “Por que não quero
resolver o problema entre eu e meu irmão [em Cristo] (ou cônjuge, ou noivo, etc)?”; “Por
que fiquei chateado com tal situação?”; etc. Pergunte a si mesmo como um médico
pergunta a um paciente procurando, a partir dos sintomas, a verdadeira doença.22

19
Ibid.
20
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Op. Cit., p. 1296.
21
Perguntas 91 a 153.
22
Exemplo de autossuspeita: “Leitor, não se esqueça de aplicar estas coisas a você mesmo. Acaso você fica
ofendido quando alguém pensa que é um cristão melhor do que qualquer outro? Pensa que essa pessoa é
orgulhosa e que você é mais humilde que ela? Então, tenha cuidado, caso que se torne orgulhoso de sua
humildade! Examine a si mesmo. Se concluir, "Parece-me que ninguém é tão pecador quanto eu", não fique
satisfeito com isso. Você pensa ser melhor do que os outros por admitir que é tão pecador? Tem uma alta
opinião dessa sua humildade? Se você diz: "Não, eu não tenho uma opinião elevada de minha humildade,
penso que sou tão orgulhoso quanto o diabo'", então examine-se de novo. Porventura você está orgulhoso
do fato que não tem uma opinião elevada sobre sua humildade? Você pode ter orgulho de admitir quão
orgulhoso você é!” (EDWARDS, Jonathan. A genuína experiência espiritual. São Paulo: PES, 1993. p.
71).

8
Procure as respostas a estas perguntas procurando o réu – e que esse réu seja você.
O intuito destas perguntas não é você encontrar culpados fora de você, mas encontrar o
culpado dentro de você – e nominá-lo: ira, egoísmo, descontentamento, cobiça, desejo de
agradar a outro, desejo de louvor próprio, orgulho, etc. “Os crentes devem criticar a si
mesmos em vez de outros cristãos. Os crentes que primeiro criticam a si mesmos têm
sempre menos desejo de pensar mal dos outros”.23

Tome para si as resoluções24 de Jonathan Edwards:

Resolução 48. Resolvi a, constantemente e através da mais acutilante


beleza de caráter, empreender num escrutínio e exame minucioso e
muito severo, para constatar e olhar qual o estado real de toda a minha
alma, verificando por mim mesmo se realmente mantenho um interesse
genuíno e real por Cristo ou não; e que, quando eu morrer não tenha
nada de que me arrepender a respeito de negligências deste tipo. 26 de
maio de 1723. Resolução 60. Resolvi que, sempre que meus próprios
sentimentos comecem a comparecer minimamente desordenados,
sempre que me tornar consciente da mais ligeira inquietude interior, ou
a mínima irregularidade exterior, me submeterei de pronto à mais estrita
e minuciosa examinação e avaliação pessoal. 4 e 13 de julho de 1723.25
Exercitar-se nessas perguntas lhe possibilitará cumprir o que Jesus orienta em
Mateus 7.3-5. É esforçar-se, em obediência a Cristo, por “lembrar-se de onde caiu” (Ap
2.5). Um coração que não é constantemente agitado pelo autoexame, será como uma água
parada em um recipiente: logo, logo, cumulará o lodo do pecado e as larvas da
indiferença; sua água estará tão suja que não servirá nem para os cachorros a beberem.
Um coração que não suspeita de si mesmo e não se questiona de suas motivações será
como um vidro que, outrora translúcido, tornou-se opaco e sem brilho por causa da poeira
que foi sendo acumulada sem a devida atenção de limpeza. Não permita que isso aconteça
em seu coração. Questione-o! Suspeite-o! Julgue-o com o martelo da Palavra antes que
sejas julgado culpado por Deus.

Após fazer as perguntas, teste as respostas. Considere o engano do seu coração e


o seu ardil. Ele pode perceber que está sendo questionado e sua consciência pode estar
preste a entrega-lo. Então, ele rapidamente se maquia e disfarça para falsificar as
respostas. Assim como um juiz que olha diversas vezes um processo sobre sua mesa, as

23
BROOKS, Thomas. Resista ao Diabo: um estudo da batalha espiritual dos crentes contra Satanás. São
Paulo: PES, 2014. p. 92.
24
Não que as resoluções tenham poder em si mesmas ou tenham por fundamento o braço forte daquele que
as adota. Contudo, são elas de grande importância como diretrizes, aplicando o ensino bíblico ao dia a dia,
conforme no exemplifica as Escrituras (cf. Jó 31.1; Sl 17.3, 119.30; Ec 7.23).
25
EDWARDS, Jonathan. Resoluções de Jonathan Edwards (1722-1723). Disponível em: <
http://www.monergismo.com/textos/vida_piedosa/70resolucoes_edwards.htm >. Acesos em 04 out. 2017.

9
provas nele contidas, que você olhe diversas vezes as provas obtidas por sua consciência
(o advogado de acusação) às perguntas feitas ao seu coração (o réu).

Sobre isso, J. I. Packer diz:

A consciência de um homem ímpio pode ficar tão calejada que


raramente reage; mas a consciência saudável de um crente (diziam os
puritanos) age continuamente, ouvindo a voz de Deus em Sua Palavra,
procurando discernir sua vontade em tudo, mostrando-se ativa na
autovigilância e no autojulgamento. O crente saudável reconhece sua
fragilidade, sempre suspeita e desconfia de si mesmo, a fim de que o
pecado e Satanás não o peguem desprevenido. Assim, ele se examina
regularmente diante de Deus, sondando seus atos e motivos e
condenando-se impiedosamente quando encontra em si mesmo alguma
deficiência ou desonestidade moral.26
Crente, não negligencie o autoexame.

(d) Comunhão dos santos

A comunhão dos santos é necessária para o autoexame. Pode parecer um


contrassenso, viso que este trabalho piedoso é um ato reflexivo (em si mesmo, não em
outros ou feito por outros). Entretanto, é no ambiente da comunhão dos santos que surgem
ocasiões de autoexame. Dentre diversas coisas que podem ser destacadas, encontra-se a
contribuição dos santos em fornecer material para seu autoexame. Isso é bem explicado
por Edwards, primeiramente, na consideração do que os outros podem dizer sobre você.

Embora as pessoas estejam cegas quanto às suas próprias faltas,


facilmente descobrem os erros dos outros – e consideram-se aptas o
suficiente para falar deles. Algumas vezes, as pessoas vivem de
maneiras que absolutamente não são adequadas, porém estão cegas para
si mesmas. Não veem seus próprios fracassos, embora os erros dos
outros lhes sejam perfeitamente claros e evidentes. Elas mesmas não
veem suas falhas; quanto às dos outros, não podem fechar os olhos ou
evitar ver em que falharam.27
Certamente, é doloroso recebermos algum tipo de repreensão ou acusação de
algum pecado. Contudo, considerar esse aspecto é de grande importância. Ainda que o
indivíduo o faça com motivações pecaminosas – você tira o bem do pecado dele com a
autorreflexão. Ainda que o indivíduo esteja enganado – você tirar o bem sendo alertado
de um pecado a evitar.

26
PACKER, J. I. Op. Cit., p. 188.
27
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.

10
Ainda sobre isso, Lewis Bayly orienta: “sempre considere bom amigo aquele que
lhe diz em segredo e com franqueza os defeitos e falhas que vê em você”.28 Ele continua:
“A repreensão, justa ou injusta, venha da boca de um amigo ou de um inimigo, nunca faz
dano ao homem prudente. Sim, porque, se for verdadeira, você recebe um aviso para
corrigir-se; se for falsa, você tem uma advertência sobre o que evitar”.29

Segundo, considere também os erros dos outros para avaliar se você mesmo não
os está cometendo.

Quando vir os erros dos outros, verifique se você tem essas mesmas
deficiências. Muitos estão prontos para falar dos erros dos outros,
apesar de terem as mesmas falhas. Nada é mais comum para orgulhosos
do que acusar o orgulho de alguém. Semelhantemente, é comum para o
desonesto reclamar de ter sido enganado por outra pessoa. As
características ruins e os maus hábitos dos outros parecem muito mais
odiosos nos outros do que em nós mesmos. Facilmente podemos ver
quão desprezível é este ou aquele pecado em outra pessoa. Vemos
muito prontamente nos outros como o orgulho é detestável, ou quão má
a malícia pode ser, ou quão pernicioso é o erro dos outros. Mas, embora
vejamos facilmente muitas imperfeições nos outros, quando olhamos
para nós mesmos essas coisas ficam obscurecidas por um espelho de
ilusão.
Entretanto, quando você vê o erro dos outros, quando percebe quão
impróprios são os atos de alguém, que atitudes rudes eles mostram, ou
quão inadequado seu comportamento é, quando ouve outros falarem
sobre isso, ou quando vê erros no tratamento deles em relação a você –
reflita. Avalie se não há algum erro semelhante na sua conduta ou
atitude. Perceba que essas coisas são tão inconvenientes e ofensivas em
você como são nos outros. O orgulho, o espírito arrogante, e os
maneirismos são tão odiosos em você como são no seu vizinho. Seu
espírito malicioso e vingativo em relação ao seu vizinho é tão
desprezível quanto o dele em relação a você. É exatamente tão
pecaminoso o seu erro ou o dolo do seu vizinho quanto isso é para ele
em relação a você. É tão indelicado e destrutivo você falar dos outros
pelas costas quanto os outros fazerem o mesmo em relação a você.30
Além destes dois aspectos (negativo) destacados por Edwards, pode-se considerar
também as situações de convívio. As situações de convívio geram ocasiões, ações e
reação, que devem ser alvo de autoexame. A situações de convívio é o que Salomão diz:
“Assim como o ferro afia o ferro, o homem afia o seu companheiro” (Pv 27.17, NVI).

28
BAYLY, Lewis. A prática da piedade. São Paulo: PES, 2010. p. 189.
29
Ibid., p. 190.
30
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.

11
(e) Diários Espirituais

Os diários espirituais, nos quais se registram orações, confissões e reflexões são


meios muito práticos no auxílio do autoexame. Os puritanos mantinham registros pessoais
ou diários espirituais como forma promover a piedade.31 “Eles usavam seus diários como
confessionários pessoais para ajudá-los a expressar diante de Deus e de si mesmos
pensamentos que de outra forma teriam enterrado”. Eles realmente “creditavam que
escrever diários poderia ajuda-los na meditação, na oração, na recordação das obras e da
fidelidade do Senhor, do monitoramento de seus próprios objetivos e prioridades e na
manutenção de outras disciplinas espirituais”.32

(f) Olhando para Cristo

O autoexame tem por referência a Palavra de Deus (Lei Moral). Mas, ao se


comparar com a Lei, o crente – justa e devidamente – é assolado pelo peso dos seus
pecados que são ressaltados por ela. Por isso, o autoexame deve ser praticado sempre
olhando para Cristo, em quem o crente encontrar perdão, força para obedecer e consolo.
“Para cada vez que você olha a si mesmo, dê dez olhadas a Cristo, pois só Cristo pode ser
o objeto da fé verdadeira”.33

Se você contempla a si mesmo sem Cristo (e o Espírito Consolador e


Perscrutador), isso é condenação certa. Contudo, “se você contempla a si mesmo em
Cristo por meio da Palavra e do Espírito, isso poderá resultar em muita coisa boa, pois o
autoexame pode nos assegurar que nossa salvação está baseada no fundamento certo” –
Cristo.34

Este ponto é colocado por último, não por menor importância. Pelo contrário, ele
é o que fundamenta todos demais os meios. É posto por último a fim de que se entenda
que, no final de tudo, olhar para Cristo é o meio efetivo de autoexame. É olhando para
Ele que há o senso de dependência (oração), o conhecimento (a Palavra) e a realidade da
comunhão dos santos. Portanto, faça o autoexame olhando para Cristo, não somente como
padrão moral. Mas como Aquele que, como Profeta, revela o que está no seu coração; e
como Rei, luta e habilita-o a lutar, contra os seus pecados percebidos.

31
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Op. Cit., p. 1199-1200.
32
Ibid., p. 1027-1208.
33
Ibid., p. 1296.
34
Ibid., p. 1296.

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5. AUTOEXAME: SEU PROPÓSITO

O autoexame possui um propósito piedoso, a saber: visualizar “nossos pecados


para que sejam mortificados; nossas carências, para que sejam supridas; nossas
dignidades, para que sejam consolidadas”.35 Pelo autoexame sincero, constante e
diligente, o crente evidencia que deseja identificar o inimigo para que se possa lutar contra
ele.

A finalidade do autoexame é chorar; chorar pelos pecados para que Cristo o


console. É buscar a Cristo mais ardentemente. Diante de suas corrupções, o crente
desespera-se de si mesmo e busca refúgio e força somente em Cristo. Em Cristo, há tudo
e todos os tesouros da salvação, da piedade e da vida santa. E tudo isso é para que Deus
seja glorificado na vida santa de Seu povo.

6. AUTOEXAME: EXORTAÇÕES FINAIS

Portanto, segue algumas exortações finais (encorajamentos) para o autoexame:

a) “Tenha o cuidado de suprimir todo pecado no primeiro movimento. [....]. Cuide


que o pecado seja um estranho para o seu coração, não um orador recebido
familiarmente”.36
b) “Examine-se a si mesmo para o seu próprio crescimento na graça. Reflita sobre
o passado e pergunte: ‘O que tenho feito?’. Olhe para o futuro, indagando: ‘O
que estou determinado a fazer pela graça de Deus?’”. Contudo, “não faça essas
perguntas com legalismo, mas como resultado de um entusiasmos e
oportunidade santos de crescer na graça operada pela Espírito”.37
c) Em todas as coisas, antes de praticá-las, sonde a si mesmo e considera a
finalidade que você deseja para que o pecado, como um parasita, não infecte
ações santas com motivações pecaminosas.
d) “Empenhe-se, diariamente, em enxergar cada vez mais a sua miséria através da
sua incredulidade, do seu amor-próprio e das suas voluntárias infrações das leis
de Deus”.38

35
WATSON, Thomas. Op. Cit., p. 49.
36
BAYLY, Lewis. Op. Cit., p. 181.
37
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Op. Cit., p. 1271.
38
BAYLY, Lewis. Op. Cit., p. 182.

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e) Não pare no autoexame e no lamento, mas se aplique a mortificação do pecado
percebido. “Ganhamos segurança, não tanto pelo autoexame, como pela ação”.
Asseguramo-nos “de nosso chamado e eleição, primeiramente não pelo
autoexame, mas adicionando à fé excelência moral, conhecimento,
autocontrole, perseverança, piedade, bondade fraterna e amor” (2 Pe 1:5-7).39
f) Acima de tudo, faça o autoexame não confiando em sua justiça ou
(conseguindo executá-lo com recularidade) confiando e se vã gloriando do
cumprimento desse dever, mas, conforme Thomas Watson orienta: use o dever,
porém não o idolatre. Devemos usar os deveres que nos preparam para Cristo,
mas não façamos de nossos deveres um Cristo”.40

Que o Senhor ouça a oração do seu povo: “Sonda-me, ó meu Sumo-Sacerdote, e


vê se há em mim algum caminho mal. E eu sei que há, por isso, mostra-me meus pecados,
ó meu Profeta; e destrói-os, pois, são meus e teus inimigos, ó meu Rei”. E nos fortaleça
para a Sua glória.

39
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit., p. 46.
40
WATSON, Thomas. Op. Cit., p. 63.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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BEEKE, Joel. Espiritualidade Reformada. São Paulo: Fiel, 2014.

BEEKE, Joel. JONES, Mark. Teologia Puritana: doutrina para a vida. São Paulo: Vida
Nova, 2016.

BROOKS, Thomas. Resista ao Diabo: um estudo da batalha espiritual dos crentes contra
Satanás. São Paulo: PES, 2014.

CHARNOCK, Stephen. A discourse of self-examination. Disponível em: <


https://www.the-highway.com/articleJuly00.html >. Acesso 07 out. 2017.

EDWARDS, Jonathan. A genuína experiência espiritual. São Paulo: PES, 1993.

______. Resoluções de Jonathan Edwards (1722-1723). Disponível em: <


http://www.monergismo.com/textos/vida_piedosa/70resolucoes_edwards.htm >. Acesos
em 04 out. 2017.

______. Sondando sua Consciência. Disponível em: <


http://www.monergismo.com/textos/sermoes/sondando_consciencia_edwards.htm >.
Acesso 04 out. 2017.

PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã. São Paulo:
Fiel, 2016.

VINCENT, Nathaniel. A conversão de um pecador. Os puritanos e a conversão. São


Paulo: PES, 1993.

WATSON, Thomas. A Ceia do Senhor. Recife: Os Puritanos, 2015.

______. A Fé Cristã: estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster. São Paulo:


Cultura Cristã, 2009.

______. Como Ler a Bíblia (Locais do Kindle 346-358). KDP. Edição do Kindle.

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