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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO


DO RIO GRANDE DO SUL

ARIAGNE SEIFERT SCARTON

A DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO PERMANENTE A SERVIÇO


E DEFESA DOS NECESSITADOS

Ijuí (RS)
2016
1

ARIAGNE SEIFERT SCARTON

A DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO PERMANENTE A SERVIÇO


E DEFESA DOS NECESSITADOS

Monografia final apresentada ao curso de


Graduação em Direito, objetivando a aprovação no
componente curricular Monografia.
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul.
DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais.

Orientadora: Ma. Eloísa Nair de Andrade Argerich

Ijuí (RS)
2016
2

Dedico este estudo a todos que de uma


forma ou outra me auxiliaram e me ampararam
durante estes anos da minha caminhada
acadêmica.
3

AGRADECIMENTOS

A Deus, por sempre estar iluminando o meu


caminho e, acima de tudo, por me dar força, coragem e
perseverança para seguir em busca dos meus objetivos.

À minha orientadora, mestra Eloísa Nair de


Andrade Argerich, pela dedicação e orientação segura,
estando sempre do meu lado, transmitindo confiança e
segurança.

Aos meus pais, que com muito amor e dedicação


me auxiliaram em todos os sentidos durante esses anos de
vida acadêmica.

Ao meu avô, Arnaldo Seifert (in memorian), que


sempre estava ao meu lado, contribuindo na construção do
meu caráter e positivando a minha busca pelo conhecimento
– suas lembranças estarão para sempre vivas em meu
coração.

A todos que de uma maneira ou de outra


colaboraram nesta caminhada acadêmica, os meus
agradecimentos!
4

“O sucesso nasce do querer, da


determinação e persistência em se chegar a um
objetivo. Mesmo não atingindo o alvo, quem
busca e vence obstáculos, no mínimo fará
coisas admiráveis.”
(José de Alencar)
5

RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica visa a analisar o papel da Defensoria Pública, o


qual se destina à efetividade da prestação de serviços judiciais na aplicação do acesso à justiça
aos hipossuficientes. Garante, desse modo, o direito à ampla defesa a todos que ingressarem na
demanda judiciária, seja para requerer medicamentos, vaga em creche escolar ou defesa de
interesses difusos de uma coletividade. Busca-se, portanto, analisar a atuação da Defensoria
Pública na defesa da efetivação dos direitos sociais à saúde e à educação, bem como o seu
fortalecimento após a Emenda Constitucional n. 45/2005, a denominada Reforma do Judiciário.
Aborda-se, também, aspectos referentes aos princípios norteadores da Defensoria Pública,
expressos em suas atividades, bem como as prerrogativas e impedimentos inerentes à função
que exercem. Por fim, faz-se uma análise de casos concretos que possam demonstrar que as
demandas judiciais da Defensoria Pública estão situadas nas áreas da saúde e educação, e têm
possibilitado que as desigualdades sociais não se tornem obstáculos ao acesso à justiça.
Defende-se, também, que a EC n. 45/2004 assegurou a legitimidade para a propositura da Ação
Civil Pública, o que representa um avanço significativo, uma vez que sua atuação está voltada
aos interesses difusos e transindividuais de uma coletividade desprotegida e desprovida de
condições mínimas para viver com dignidade e decência.

Palavras-chaves: Defensoria Pública. Acesso à justiça. Hipossuficiência. Saúde. Educação.


6

ABSTRACT

This working monographic research aims to examine the role of the Public Defender, which is
for the effectiveness of the provision of legal services in the implementation of access to justice
hyposufficient. Ensures thus the right to legal defense to all who enter the judicial demand,
whether to require medication, vague school day care or defense of diffuse interests of a
collectivity. Search, therefore, to analyze the performance of the Ombudsman in defending the
realization of social rights to health and education as well as its strengthening after the
Constitutional Amendment. 45/2005, the so-called Judicial Reform. Addresses is also aspects
relating to the guiding principles of the Public Defender, expressed in its activities, as well as
the prerogatives and constraints inherent to the function they perform. Finally, it is an analysis
of specific cases that can demonstrate that the legal claims of the Public Defender's Office are
located in the areas of health and education, and have made it possible that social inequalities
do not become barriers to access to justice. It is argued also that the EC n. 45/2004 assured
legitimacy to the filing of public civil action, which represents a significant advance, since its
operations are directed to diffuse and trans-interests of unprotected and deprived community of
minimum conditions to live with dignity and decency.

Key words: Public Defender. Access to justice. Hipossuficiência. Health education.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 8

1 A DEFENSORIA PÚBLICA E SUA HISTÓRIA .......................................................... 11


1.1 Evolução histórica da Defensoria Pública no Brasil ................................................... 14
1.1.1 Da Constituição de 1934 à Constituição Federal de 1988 .......................................... 16
1.2 Defensoria Pública – instituição essencial à jurisdicional do Estado ......................... 19
1.2.1 Assistência jurídica integral gratuita.......................................................................... 22
1.3 Fortalecimento da Defensoria Pública pela EC 45/2004 e EC 80/2014 ...................... 24

2 A DEFENSORIA PÚBLICA EM DEFESA DOS NECESSITADOS ........................... 29


2.1 Princípios institucionais, garantias, prerrogativas e impedimentos ........................... 29
2.2 Estrutura organizacional e atuação da Defensoria Pública a partir da
EC 80/2014 e o novo cenário legislativo brasileiro ............................................................ 35
2.3 Análise de casos concretos na Defensoria Pública da Comarca de Ijuí ..................... 41
2.3.1 Ação Civil Pública relativa ao número de vagas em escolas municipais – Caso 1 ..... 41
2.3.2 Ação cautelar de medicamentos – Caso 2................................................................... 42
2.3.3 Ação ordinária contra a Fazenda Pública com liminar: inclusão de infante
em escola de educação infantil (creche) na rede pública municipal ................................... 44

CONCLUSÃO .................................................................................................................... 46

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 48

ANEXO .............................................................................................................................. 51
8

INTRODUÇÃO

A Defensoria Pública, como se pretende abordar com mais detalhes ao longo deste
estudo, tem a função jurisdicional de atuar em prol dos necessitados numa relação jurídica,
proporcionando aos indivíduos o acesso à justiça de forma igualitária e com a assistência
judiciária gratuita.

O Estado, ao mesmo tempo em que deve assegurar aos cidadãos os seus direitos
fundamentais, deve também possibilitar a sua defesa e o acesso à justiça, por meio da atuação
de instituições fortes e essenciais, como a Defensoria Pública e o Ministério Público.

Neste contexto, cabe acrescentar que com a promulgação da Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), a assistência judiciária gratuita obteve um novo patamar,
especialmente em razão da criação da Defensoria Pública, essencial ao sistema jurisdicional do
país. Sua importância deve-se à promoção do acesso à justiça a milhares de pessoas necessitadas
e ao atendimento dos princípios fundamentais da Lei Maior, ligados diretamente ao princípio
da dignidade da pessoa humana e à igualdade.

Dessa forma, a Defensoria Pública tem o papel de guarnição dos direitos dos
hipossuficientes frente à Justiça, devendo atuar para o bem da sociedade e em prol do cidadão
necessitado judicialmente, visto que é primordial a aplicabilidade dos princípios constitucionais
sobre o acesso à justiça, assegurando o direito e o seu exercício em prol da sociedade.
Demonstram, ademais, que são a base de sustentação da aplicabilidade das normas, as quais
servem de garantia para o indivíduo.

Com as Emendas Constitucionais n 45/2004 e 80/2004 houve o fortalecimento da


Defensoria Pública, que passou a ter autonomia financeira e orçamentária, ampliando suas
9

atribuições em defesa do regime democrático e da promoção dos direitos humanos e da


dignidade humana, bem como assegurou o cumprimento do princípio do acesso à ordem da
justiça.

Neste sentido, a principal justificativa para a elaboração deste estudo refere-se à


importância de se efetuar uma análise da atuação da Defensoria Pública em defesa da efetivação
dos direitos sociais à saúde e à educação.

Por outro lado, a pesquisa constitui-se num estudo exploratório, pois são utilizados
livros, textos e artigos da Internet. Na sua realização emprega-se o método de abordagem
hipotético-dedutivo, por intermédio de pesquisas bibliográficas e de documentos afins à
temática, em meios físicos e on-line, interdisciplinares, capazes e suficientes para construir um
referencial teórico coerente sobre o tema em estudo. Assim, é possível responder ao problema
proposto, corroborando ou refutando as hipóteses levantadas a fim de atingir os objetivos
propostos pela pesquisa.

O estudo está composto por dois capítulos, sendo que no primeiro é abordada a análise
histórica da Defensoria Pública e a sua evolução no Brasil ao longo do tempo, detalhando as
modificações na Constituição de 1934 até a Constituição de 1988, a importância da Defensoria
em prol dos necessitados e a assistência jurídica integral gratuita, bem como o fortalecimento
da Defensoria Pública pelas Emendas Constitucionais 45/2004 e 80/2014.

O segundo capítulo trata dos princípios institucionais, garantias, prerrogativas e


impedimentos que a Defensoria Pública e os defensores gozam. Pesquisou-se, também, sobre a
estrutura organizacional e a atuação da Defensoria Pública a partir da EC 80/2014 e o novo
cenário legislativo brasileiro, bem como a análise de casos concretos da Comarca de Ijuí/RS
relacionados à ação de medicamentos e inclusão de crianças nas escolas infantis frente à atuação
da Defensoria Pública.

Para melhor compreender o papel da Defensoria Pública, no segundo capítulo estudam-


se os seus princípios institucionais, prerrogativas e impedimentos a fim de demonstrar que essa
instituição não deixa nada a desejar em relação às demais inseridas na Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88).
10

Ressalta-se que é imprescindível verificar a forma como se realizam os princípios da


unidade, da indivisibilidade e da independência funcional da Defensoria Pública dentro da sua
estrutura orgânica com vistas a melhor compreender o significado de cada um.

Da mesma forma objetiva-se apresentar à vista do texto constitucional que aos


defensores públicos, as demais garantias inerentes ao exercício da atividade foram dispostas
por meio da Lei Complementar 80/94, em seu art. 127, que estabelece que são também garantias
a independência funcional, a irredutibilidade dos vencimentos e estabilidade, além, é claro, de
demonstrar que a partir da EC 80/2014 houve modificações na estrutura organizacional e na
atuação da Defensoria Pública.

No segundo capítulo, para encerrar as discussões acerca do tema proposto, realiza-se


ainda uma análise de casos concretos da atuação da Defensoria Pública da Comarca de Ijuí, na
área dos direitos à saúde e educação a fim de demonstrar que sua atuação em prol dos
hipossuficientes, da dignidade humana que é intrínseca a cada um, não pode ser violada e,
assim, verificar concretamente se o papel da Defensoria Pública vem sendo cumprido.
11

1 A DEFENSORIA PÚBLICA E SUA HISTÓRIA

Antes de abordar especificamente o tema, cabe conceituar a Defensoria Pública a fim


de compreender a importância que a instituição adquire no atendimento e orientação jurídica
aos desfavorecidos. Parte-se, portanto, do entendimento de Nelson Nery Jr. e de Rosa Maria de
Andrade Nery (2013, p. 124) para quem:

A Defensoria Pública é o serviço público institucionalmente destinado a


prestar aos necessitados a assistência jurídica capaz de permitir o acesso de
todos à justiça e de resguardar e garantir o direito de todos à ampla defesa,
com o objetivo que se viabilize o direito fundamental de todos quantos não
tiverem recursos à assistência jurídica integral e gratuita.

Na verdade, o serviço público institucionalizado e prestado pela Defensoria Pública foi


instituído como instrumento de garantia aos direitos fundamentais e do acesso à justiça. Nesse
mesmo sentido estabelece a Lei Complementar n° 80/1994, em seu art. 1º:

A Defensoria Pública é uma instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do
regime democrático a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e
a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
coletivos [...] aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da
Constituição Federal (Redação dada pela Lei Complementar n. 132/2009).

Registre-se que a LC n° 80/94, ao regulamentar o art. 134 da Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), bem o inciso LXXIV, do art. 5º, prevendo como direito
fundamental da pessoa humana a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos, o fez com o intuito de concretizar o direito fundamental à cidadania,
ao Poder Judiciário, e à prestação de assistência jurídica, associado à realização de um direito
com status de fundamental previsto na Carta Magna (ASSIS, [s.d.]).

Ademais, a Lei Complementar n° 132/2009, ao alterar a redação do art. 3º, letra “A”, da
lei supracitada, incluiu os objetivos da Defensoria Pública, quais sejam:

Art. 3º - “A”. São objetivos da Defensoria Pública:


I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades
sociais;
II – a afirmação do Estado Democrático de Direito;
III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e
IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do
contraditório.
12

Pode-se afirmar, então, que o artigo supracitado está em consonância com o art. 5º, inc.
LXXIV, e com os objetivos da CF/88, e garante a prestação da assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Com isso, e de acordo com Uadi
Lammêgo Bulos (2009, p 79), a Lex Mater pretendeu assegurar aos necessitados a assistência
na defesa de seus interesses em juízo. Para Alexandre Freitas Câmara (2004 apud BRANDÃO,
2011, grifo do autor), ao assegurar a assistência jurídica integral e gratuita, a CF/88 a insere na
categoria das garantias fundamentais, proporcionando a eficaz defesa da cidadania.

Observa-se que o acesso à justiça tem sido garantido, notadamente, pela Defensoria
Pública, instituição essencial à jurisdicional do Estado que, conforme a CF/88, é um dos
mecanismos de que o Estado dispõe para a defesa em todos os graus e gratuitamente dos
necessitados. Em outras palavras, a Defensoria Pública é a instituição dedicada a fazer com que
o acesso à justiça, de forma democrática, chegue a todos, em cumprimento ao princípio
republicano.

Entende-se que a Defensoria Pública e a assistência judiciária no Brasil têm sua origem
relacionada à colonização portuguesa que, segundo Fábio Luís Mariani de Souza (2011, p. 38),

[...] na época do Brasil Colonial imperava no mundo jurídico ocidental e,


como tal em Portugal, a noção de defesa judicial da população pobre sob um
enfoque tão somente caritativo, com forte cunho religioso, tanto na área civil
como na esfera criminal. Esta era a ideia que perpassava as normas contidas
nas Ordenações do Reino de Portugal e que vigoravam no Brasil [...].

Dignos de registro são os obstáculos encontrados à efetivação do sistema da assistência


jurídica, ou seja, a dificuldade dos pobres em obter acesso à justiça, não apenas no Brasil, mas
durante séculos, em todo o mundo ocidental.

É inegável que no Brasil sempre houve certa carência de tal aplicabilidade, no entanto,
sua origem era de caráter religioso e com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, a partir
de 1930, ampliou-se como uma profissão obrigacional de classe, sem, no entanto, ter algum
vínculo ou dever estatal (SOUZA, 2011, p. 39).

Não se pode deixar de mencionar o art. 5º, LXXIV, da CF/88, que dispõe que o Estado
prestará assistência jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos,
porquanto a Defensoria Pública tem procurado, na medida do possível, dar conta das demandas
dos hipossuficientes.
13

Sabe-se, contudo, que o Estado não tem atendido aos interesses dos necessitados no que
se refere à saúde e educação, cabendo à Defensoria Pública ingressar com ações em defesa da
criança e do adolescente, dos idosos e dos necessitados, haja vista que o acesso à justiça
possibilita a defesa de todos aqueles que se encontram em estado de vulnerabilidade, com
gratuidade, isenção do recolhimento de custas, emolumentos ou honorários periciais.

Neste contexto, Amélia Rocha et al. (2013 p. 39) consideram que:

Por sua vez, a gratuidade da justiça, prevista na Lei 1.060/50, compreende o


acesso ao Poder Judiciário sem a necessidade de recolher custas, emolumentos
e honorários periciais por aquele cidadão ou grupo de pessoas que não
possuem condições financeiras de arcar com as despesas oriundas de um
processo judicial sem o prejuízo do sustento próprio ou de sua família,
incluídas, também, as isenções de honorários aos advogados que prestam a
chamada advocacia pro bono.

Deve-se ainda referir que no Brasil a assistência jurídica pública, estatal e gratuita aos
desfavorecidos adquiriu status de garantia constitucional expressa com a atual Constituição
Federal ao prescrever que os necessitados devem ser atendidos pela Defensoria Pública,
considerada a Casa da Cidadania, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado. Incumbe-lhe, portanto a defesa, em todos os graus, dos direitos individuais e coletivos
dos necessitados.

Sobre o assunto ressaltam Rocha et al. (2013, p. 41) que:

Portanto, conclui-se ser o papel da Casa da Cidadania a defesa dos interesses


das pessoas impossibilitadas de arcar com as custas processuais e demais
despesas decorrentes, além dos honorários advocatícios, sendo certo que a Lei
Orgânica Nacional da Defensoria Pública consagrou a completa isenção de
despesas aos hipossuficientes sem, por qualquer maneira, prejudicar a defesa
de seus interesses, reafirmando o caráter democrático da instituição.

É inquestionável que a Defensoria Pública atua em prol dos hipossuficientes econômica


e juridicamente, pois a sua função jurisdicional é proteger o cidadão em todos os graus de
jurisdição, que significa todo e qualquer auxílio jurídico voltado ao necessitado. Ainda, cabe
mencionar que é conferido a essa instituição democrática e republicana o dever de solucionar,
sempre que possível, os conflitos mediante conciliação e mediação para evitar o percurso do
Poder Judiciário.
14

É incontestável que a Defensoria Pública, instituição fundamental do Estado


Democrático de Direito, exerce a possibilidade de acesso à justiça a milhões de brasileiros
necessitados. Sendo assim, o cumprimento desse dever constitucional está atendendo aos
princípios fundamentais da Constituição Federal, com enfoque nos princípios da isonomia ou
da igualdade material, inter-relacionados ao princípio da dignidade da pessoa humana (SOUZA,
2011, p. 95).

Faz-se imprescindível, contudo, o resgate da evolução histórica da Defensoria Pública


no Brasil, adentrando em seus aspectos principais, desde a Constituição de 1934 até atual
Constituição Federal. Com isso é possível demonstrar a importância que a Defensoria Pública
assume no atendimento dos necessitados, seja no que se refere à saúde e educação, ou em outras
demandas que possam ser por ela atendidas. Ademais, há necessidade de se percorrer os
primórdios da história do Brasil a fim de conhecer a preocupação do Estado com os mais
necessitados, bem como a forma que a assistência jurídica possuía naquela época.

Objetiva-se, ainda, no presente capítulo, identificar o papel da Defensoria Pública com


o advento da CF/88 e a Emenda Constitucional 45/2004, que a tornaram uma instituição
concebida à construção da cidadania brasileira e à consolidação dos direitos sociais
fundamentais quando não atendidos pelo Estado.

1.1 Evolução histórica da Defensoria Pública no Brasil

É justamente neste sentido que a evolução histórica da Defensoria Pública assume


particular relevância, pois está intimamente ligada ao modelo de assistência jurídica gratuita
prestada pelo Estado, conforme explica Souza (2011, p. 33):

[...] é possível afirmar que desde tempos remotos há registros de que a


humanidade tem se preocupado com a defesa daquelas pessoas consideradas
mais fracas no tecido social, porquanto a desigualdade socioeconômica é uma
realidade que sempre acompanhou a história do desenvolvimento humano.

O que se percebe, em última análise, é que onde houver respeito pela vida e pelos
direitos fundamentais haverá espaço para a defesa dos necessitados.

A seguir são apresentados aspectos da política de atendimento aos necessitados a fim de


fazer um comparativo com a percepção que o Estado brasileiro tem a esse respeito. A história
15

revela que em 1694 a.C. o Código de Hamurabi determinava tratamento especial àqueles que
se encontravam em situação desprivilegiada. Em seus estudos, Emanuel Bouzon (2003, p. 86)
transcreve o § 48, inc. XIV do referido Código, que trata dessa questão:

Se um awilum tem sobre si uma dívida e (se) Adad inundou seu campo ou a
torrente (o) carregou, ou (ainda) por falta de água, não cresceu cevada no
campo, nesse ato ele não dará cevada ao seu credor. Ele umedecerá a sua tábua
e não pagará os juros desse ano.

Mesmo sem se referir propriamente à ideia de defesa do acesso à Justiça, observa-se


que, naquela época, já havia preocupação em proteger aquele que se encontrava em situação de
dificuldade. “Sendo assim, o homem, naquele momento, já estava atento à necessidade de
proteção aos que se encontrassem em situação desigual.” (OLIVEIRA, 2007, p. 59).

Extrai-se desse enunciado do Código de Hamurabi, “a aparente existência, já naquele


tempo, de uma preocupação em isentar do pagamento de juros àqueles que passavam por
momentos dificultosos.” (SANTOS, 2015, [s.p.]). Denota-se, assim, que apesar do modelo
simplista de assistência e orientação jurídica da época, já havia uma política direcionada aos
que não dispunham de recursos.

Faz-se necessário, doravante, situar o leitor sobre os dispositivos que tratam da


prestação de assistência judiciária aos necessitados em causas civis e criminais para, após,
adentrar na evolução histórica da Defensoria Pública no Brasil.

O sistema jurídico nasceu com o intuito de pacificar as desigualdades, formalizando o


acesso à justiça para pessoas hipossuficientes, conforme sustenta Simone dos Santos Oliveira
(2007, p. 6):

A história demonstra que as normas jurídicas e o sistema judiciário foram


criados com intuito de pacificar, tornar mais justa e melhorar a vida das
pessoas, porém por muitos fatores – sendo os principais deles a desigualdade
e os elevados níveis de pobreza – os indivíduos não possuem a mesma
capacidade de fazer valer os direitos que lhes são formalmente garantidos.
Enquanto os que possuem maior poder aquisitivo têm acesso facilitado aos
órgãos estatais, os mais pobres, além de viverem em uma situação precária e
terem quase todos os seus direitos básicos desrespeitados (saúde, educação,
saneamento básico, dentre outros) são também privados de levar seus
problemas e contendas aos órgãos administrativos ou judiciários, por lhes
faltar conhecimento e recursos que possibilitem o franco acesso ao judiciário
ou executivo.
16

É nítida a importância da Defensoria Pública no entendimento dessa demanda, pois ela


auxilia as pessoas para que seus direitos sejam respeitados. Constata-se, assim, que o Direito
tem o propósito de garantir e resguardar a justiça, abrangendo a toda população. Mesmo assim,
muitos indivíduos desconhecem seus próprios direitos.

A jurisdição, portanto, visa a superar a dificuldade de acesso à justiça, e deve atender


aos objetivos do Estado Democrático de Direito, conscientizando o cidadão dos seus direitos e,
assim, gerar o bem comum.

1.1.1 Da Constituição de 1934 à Constituição Federal de 1988

Não é muito fácil tratar da Defensoria Pública nos períodos que antecedem a
Constituição Federal de 1988. Pode-se afirmar, inclusive, que a questão da Defensoria Pública
e da assistência judiciária no Brasil teve como limite a Carta Magna de 1988.

Neste sentido, Nelson Nery Júnior (2010, p. 43) aduz que

[...] a melhor posição jurídico-constitucional se deu com a Constituição de


1934, que infelizmente não chegou a ser posta em prática. Mesmo com a
existência de programas pontuais anteriores, a primeira fase da assistência
judiciária brasileira foi estabelecida efetivamente pela Constituição de 1946 e
pela Lei número 1.060/50, as quais determinaram os contornos jurídicos de
uma assistência judicial pública e gratuita, que serviram de pilar para a
idealização, conformação e concretização da Defensoria Pública brasileira.

Na verdade, no período em que a Constituição de 1934 foi promulgada houve


preocupação em conceder a assistência jurídica e o consequente acesso à justiça aos menos
favorecidos pela sorte.

Neste cenário a Constituição Federal de 1934, no Título III, Capítulo II, art. 113, n. 32,
fazia menção ao direito de acesso gratuito à Justiça: “A União e os Estados concederão aos
necessitados assistência judiciária, para esse efeito, órgãos especiais, e assegurando isenção de
emolumentos, custas, taxas e selos.”

Não é por menos que Humberto Peña Moraes e José Fontenelle Teixeira Silva (1984, p.
98) afirmam que “desde a Constituição de 1934, os municípios foram excluídos da competência
17

para legislar sobre assistência judiciária e sobre a criação dos órgãos mencionados. Situação
esta que permanece até hoje.”

Percebe-se, então, que foi em nesse período que a Defensoria Pública recebeu destaque,
mas ante a curta duração da Constituição de 1934 (durou apenas três anos) e a entrada em vigor
de uma Constituição ditatorial, a instituição foi novamente relegada a segundo plano.

Insta esclarecer que, segundo Oliveira (2007, p. 70),

Na Constituição do Estado Novo, provavelmente por ser fruto de um período


ditatorial, não havia previsão da Assistência Judiciária. Tal deficiência foi
amenizada pela previsão da assistência judiciária no Código de Processo Civil
de 1939. Em 1946, com a nova Constituição, a assistência judiciária volta ao
texto constitucional, em seu art. 141, parágrafo 35: O poder público, na forma
que a Lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados.

Evidencia-se, assim, que a assistência jurídica ou judiciária não constava do rol de


direitos e garantias do cidadão, e omitia de quem seria a responsabilidade para sua
implementação. Foi, então, contemplada em textos infraconstitucionais, servindo como
exemplo o Código de Processo Civil de 1939.

Não se pode deixar de comentar que foi em 1939, com a promulgação do Código de
Processo Civil, que a assistência judiciária passou a ser contemplada no Título VII, Capítulo II,
com as regras básicas sobre Justiça Gratuita, sem que fosse mencionada na Constituição de
1946 e 1967.

Em 1950 surgiu a Lei 1.060, que dispõe sobre a concessão da assistência judiciária aos
necessitados (na verdade diz respeito às regras da justiça gratuita), que até a presente data se
encontra em vigor. Interessante esclarecer, então, que segundo o art. 2º, parágrafo único da Lei
1.060/50, a definição legal de necessitado é: “todo aquele cuja situação econômica não lhe
permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento
próprio ou da família.”

O tempo foi passando e a Constituição de 1967 não foi diferente da Constituição de


1946. Nada constava no texto constitucional que favorecesse os mais necessitados e que
assegurasse o direito de acesso à justiça, constituindo-se num período obscuro para toda a
sociedade.
18

Finalmente, em 1988, houve o restabelecimento da democracia no Brasil e a


promulgação da “Constituição Cidadã”, que passou a contemplar o rol dos direitos e garantias
individuais, o direito à gratuidade da justiça, consagrando, assim, “o mais básico dos direitos
humanos, ou seja, o acesso à justiça, objetivo precípuo de todo e qualquer Estado Democrático
de Direito que tenha por fundamento a dignidade da pessoa humana.” (FARIA, 2004).

De certa forma, é incontestável que a partir da promulgação da CF/88 a Defensoria


Pública passou a ser consolidada como uma instituição essencial à jurisdicional do Estado e em
defesa dos necessitados. E, com a efetiva aplicação da Constituição vigente, ela se tornou mais
humanitária ao ponto de considerar que todos são iguais perante a lei, tanto com seus direitos
como deveres a serem cumpridos.

Cabe ressaltar que a partir desse marco histórico, que fez com que o acesso à justiça
alcançasse aos necessitados, deixando mais flexível a propositura do vulnerável frente ao
judiciário, esta pretensão foi muito além do Estado prestar tutela jurisdicional, fazendo com que
também viabilizasse o acesso à justiça.

De acordo com Fabiano Haselof Valcanover (2015):

Neste contexto, entender o princípio do acesso à justiça previsto em nossa


Constituição Federal é entender o próprio Estado Democrático de Direito, que
está fundado num primeiro momento na vontade popular, o que é devidamente
expresso no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal. É, assim, a
expressão popular que resulta na ideia de instituições públicas sólidas e na
possibilidade de o cidadão buscar no Estado-Juiz a solução do litígio em que
esteja envolvido para defesa de seus direitos, evidentemente com
temperamentos que o caso concreto exigir para sua efetiva consecução.

É sabido que a partir da Constituição Federal de 1988 nasceu uma nova ordem estatal,
findando o Estado Democrático de Direito e fortalecendo a democracia e a cidadania, com
vistas a uma sociedade igualitária.

Para maior amplitude foi inserido no art. 5º, inc. LXXIV da CF/88, a prestação da
assistência jurídica integral e gratuita e não apenas a assistência judiciária gratuita. É notável
que a Constituição em vigor proporcione a fundamental aplicação dos direitos sociais básicos,
visivelmente concretizados, o que nas Constituições anteriores não era visto.
19

Ressalta-se, contudo, que a expressão “assistência jurídica” é, muitas vezes, confundida


com justiça gratuita ou com assistência judiciária. Embora essas palavras possam, algumas
vezes, serem empregadas como sinônimas, normalmente são utilizadas com significados
diferentes por diversos autores. O significado da palavra “assistência” é apresentado por
Augusto Tavares Rosa Marcacini (1999 apud BRANDÃO, 2011, p. 89) como “[...] auxílio,
ajuda. Assistir significa auxiliar, acompanhar, estar presente. Assistência nos traz a ideia de
uma atividade que está sendo desempenhada, de uma prestação positiva.” O citado autor faz
distinção detalhada entre assistência jurídica, assistência judiciária e justiça gratuita,
esclarecendo pontos que na maioria das vezes as pessoas confundem.

Constata-se, assim, que a assistência jurídica integral e gratuita prevista no texto


constitucional, abarca a consultoria, o auxílio extrajudicial e a assistência judiciária, todos
oferecidos gratuitamente pelo Estado aos hipossuficientes.

1.2 Defensoria Pública – instituição essencial à jurisdicional do Estado

A defesa dos necessitados vem de longo prazo, não é de hoje que se enfrentam grandes
lutas para a implantação de um sistema de jurisdição mais simples, célere e transparente. Nesse
rumo, Souza (2011 p. 96) sustenta que:

Toda história da Defensoria Pública brasileira é feita de lutas pela implantação


de um sistema Jurisdicional mais democrático e transparente, e pela
pavimentação do caminho que conduz o povo à Justiça. E este caminho não é
fácil, ao contrário, é árido e espinhoso. Em sendo, transposta a batalha pela
elaboração da Lei Complementar nº 80/94 – Lei Orgânica Nacional da
Defensoria Pública – LONDEP, iniciaram-se as tratativas para que fosse
concedida à Defensoria Pública a autonomia financeira e administrativa, a
exemplo do que já ocorria com o Ministério Público.

Para melhor compreender o tema ora proposto é necessário apresentar o vínculo de


natureza político-institucional determinado pela CF/88 quanto à importância que a Defensoria
Pública possui na defesa dos interesses dos necessitados. Neste sentido, Suely Pletz Neder
(2002, p. 5) sustenta que:

A partir do estabelecimento desse vínculo de natureza público-institucional o


Defensor Público assume, pela dicção da Constituição Federal, da lei
infraconstitucional e pela investidura no cargo público, o dever e não a
faculdade de assistir aos incontáveis cidadãos economicamente necessitados
20

que a ele recorrem e, mais ainda, aos revéis e aos que não constituíram
advogados para a defesa dos seus direitos indisponíveis. E o faz como
corolário da supremacia da soberania popular sobre o poder do Estado, que
dela deriva, instrumentalizando, assim, o pleno exercício dos direitos
fundamentais da cidadania à esmagadora maioria da população e superando,
pela via institucional, a desigualdade social de oportunidades dadas a seus
assistidos em relação aos possuidores de fortuna material.

A CF/88 deixa claro que a Defensoria Pública tem o dever e não a faculdade de dar
atendimento aos necessitados quando estes a procurarem para a defesa de suas demandas. A
atuação da Defensoria Pública, no entanto, depende do orçamento do Poder Executivo, mesmo
que a CF/88 apresente no art. 134, §§ 1º e 2º, que “às Defensoria Públicas Estaduais são
asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária
dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias [...]”, o que significa que a
elas são impostas algumas limitações circunstanciais.

Sobre o assunto ressalta Neder (2002, p. 7) que:

Conhecendo essas limitações circunstanciais à atuação da Defensoria Pública,


visando a estimular a superação desses óbices ao exercício dos direitos
fundamentais da cidadania e pretendendo tratar desigualmente os desiguais,
dando-lhes as condições para superar essa desigualdade, é que o legislador
infraconstitucional atribuiu, com exclusividade, ao Defensor Público ou a
quem exercesse cargo equivalente nos Estados em que a Assistência Judiciária
fosse organizada e por eles mantida, as prerrogativas da intimação pessoal e
do prazo duplo.

A inclusão da Defensoria Pública como uma instituição essencial à função jurisdicional


do Estado na CF/88 demonstra que o constituinte se preocupou em dar um tratamento igualitário
aos necessitados que por não possuírem condições econômicas, ou desconhecerem seus
direitos, não têm acesso à justiça. Assim, a incumbência da Defensoria Pública, segundo o art.
134 da Carta Magna, é “a orientação jurídica, a defesa em todos os graus, dos necessitados, na
forma do art. 5º, LXXIV.”

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, por sua vez, no seu art. 1º,
estabelece que os homens nascem iguais e permanecem iguais em direitos. Quando surgiram,
porém, no ano de 1789, o seu objetivo era abolir privilégios e isenções pessoais e regalias de
classes, configurando-se apenas a igualdade jurídica e formal, o que provocou a desigualdade
econômica (NEDER, 2002, p. 6).
21

É inegável, contudo, que no Brasil o princípio da igualdade, desde a Carta Imperial de


1824, se confunde com a mera isonomia formal, uma vez que a lei e sua aplicação tratam a
todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos. Isso significa que não se
observam as diferenças e diferenciações existentes entre os grupos (NEDER, 2002).

Não se pode supor que o princípio da igualdade, nos termos do art. 5º da CF/88, caput,
visa apenas à igualdade perante a lei, haja vista que numa análise simples dos incisos que o
complementam observa-se a existência de dispositivos que tratam da igualdade material.
Conforme Neder (2002, p. 6), ao interpretar as normas constitucionais entrelaçadas deve-se
levar em conta “[...] as exigências da justiça social, objetivo da ordem econômica e da ordem
social [...].” Ou seja, a implementação e a concretização do direito à igualdade e respeito a todas
as pessoas em sua dignidade é um dos objetivos a serem alcançados pelo Estado Democrático
de Direito.

Ressalta-se que a proteção humana e o respeito estão interligados ao princípio da


dignidade humana, valor supremo do ordenamento jurídico nacional. Sob a égide da Defensoria
Pública encontra-se, portanto, a incumbência da promoção do acesso à justiça.

Segundo Tiago Fensterseifer (2015, p. 44), o princípio da dignidade da pessoa humana,


in verbis, assume

[...] a condição de matriz axiológica do ordenamento jurídico, visto que é a


partir desse valor e princípio que os demais princípios (assim com as regras)
se projetam e recebem impulsos que dialogam com os seus respectivos
conteúdos normativos. A dignidade da pessoa humana, para além de ser
também um valor constitucional, configura-se como sendo o princípio de
maior hierarquia da CF/88 e de todas as demais ordens jurídicas que a
reconheceram.

A tese abordada nada mais é que o princípio basilar do ordenamento jurídico, sendo que
essa questão se projeta no Estado Democrático de Direito em vista da vulnerabilidade do
cidadão frente ao poder estatal. Nesse aspecto, a Defensoria Pública assume um papel
preponderante, pois objetiva promover a dignidade do indivíduo necessitado, resguardando os
seus direitos fundamentais e efetivando-lhe o acesso à justiça.

Cabe esclarecer, ainda, que houve a ampliação e o fortalecimento da Instituição, uma


vez que a sua atuação é um dos mecanismos que visam à promoção da ampla defesa dos direitos
22

fundamentais. Assim, a Defensoria Pública, ao atuar em várias frentes de atendimento para a


efetivação dos direitos sociais, tais como: educação, saúde, alimentação, moradia, entre outras,
também está assegurando a tutela do ser humano e proporcionando melhores condições sociais
para uma vida digna.

Essa atuação da Defensoria vem ao encontro do estabelecido no art. 6º da CF/88, em


que os direitos sociais, voltados à saúde, educação, trabalho, lazer, segurança, transporte,
previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados e moradia
possibilitam a garantia de melhor qualidade de vida aos mais fracos, amenizando as
desigualdades sociais.

1.2.1 Assistência jurídica integral gratuita

A Defensoria Pública é a instituição responsável pela prestação da assistência judiciária.


Ela tem o papel de guarnição dos direitos dos hipossuficientes frente à justiça, devendo atuar
para o bem da sociedade e em prol do cidadão necessitado judicialmente.

Há, contudo, uma íntima ligação entre a Defensoria Pública e o princípio da pessoa
humana, que é o bem protegido pela Lei Maior. Nesse sentido afirma Souza (2011, p. 95):

A Defensoria Pública é, incontestavelmente, uma instituição fundamental no


Estado Democrático de Direito, seja em razão de sua hercúlea missão
constitucional – promover o acesso à justiça a milhões de brasileiros
necessitados – como também, e principalmente, porque em cumprimento
deste grandioso dever, está igualmente atendendo aos princípios fundamentais
da República, com especial relevo aos princípios da isonomia ou igualdade
material perante a lei e o princípio da dignidade da pessoa humana. No
entanto, embora todos reconheçam a importância de Defensoria Pública, seu
desenvolvimento tem sido desproporcional a outras instituições também
essenciais à função jurisdicional do Estado. (grifos nossos).

É inconteste, portanto, a relevância que os princípios constitucionais invocam sobre o


acesso à justiça, assegurando o direito e o seu exercício em prol da sociedade. Demonstram,
ademais, que são a base de sustentação da aplicabilidade das normas, as quais servem de
garantia para o indivíduo.

Por outro lado, a Defensoria Pública, no que tange à prestação jurisdicional aos
necessitados, o faz com base no fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana,
23

que nada mais é do que a condição humana do homem – algo real, vivenciado pelo próprio
indivíduo, e que exige o mínimo existencial para sua sobrevivência. Em outras palavras, é a
garantia da igualdade material entre os cidadãos que, segundo Ingo Wolfang Sarlet (2006, p.
114, grifo nosso), nada mais é do que

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do


mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante
e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas
para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa
e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos.

Cabe esclarecer a complexidade do ato de conceituar a dignidade da pessoa humana. No


contexto da CF/88, no art. 6º, caput, é possível identificar alguns elementos essenciais que
compõem o núcleo mínimo da dignidade da pessoa humana, qual seja, a educação fundamental,
a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça. Assim, “[...] os três
primeiros, elementos de conteúdo material, e o último, uma garantia fundamental de natureza
instrumental, todos eles na eficácia jurídica positiva, exigíveis diante do poder judiciário”, ou
seja, os denominados direitos à prestação que devem ser assegurados pelo Estado
(BARCELLOS, 2002, p. 258).

Neste contexto, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo
Gonet Branco (2008, p. 260-261) consideram que:

Os direitos à prestação notabilizam-se por uma decisiva dimensão econômica.


São satisfeitos segundo as conjunturas econômicas, de acordo com as
disponibilidades do momento, na forma prevista pelo legislador
infraconstitucional, diz-se que estes direitos estão submetidos à reserva do
possível. São traduzidos em medidas práticas tanto quanto permitam as
disponibilidades materiais do Estado.
A escassez de recursos econômicos implica a necessidade de o Estado realizar
opções de alocações de verba, sopesadas todas as coordenadas do sistema
econômico do país. Os direitos em comento têm que ver com a redistribuição
de riquezas – matéria suscetível às influências do quadro político de cada
instante. A exigência de satisfação desses direitos é medida pela ponderação,
a cargo do legislador, dos interesses envolvidos, observando o estágio de
desenvolvimento da sociedade.

Importa, contudo, ter presente a percepção de que o Estado, enquanto responsável pela
tarefa de prestação dos direitos fundamentais sociais, como por exemplo, a saúde e a educação,
24

não pode desconsiderar que “[...] a dignidade da pessoa humana reclama que este guie as suas
ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da
dignidade, especialmente criando condições que possibilitem o pleno exercício e fruição da
dignidade [...].” (SARLET, 2006, p. 47).

É justamente neste sentido que assume particular relevância a evolução histórica da


Defensoria Pública que está intimamente ligada ao modelo de assistência jurídica gratuita
prestada pelo Estado, conforme explica Souza (2011, p. 33):

[...] é possível afirmar que desde tempos remotos há registros de que a


humanidade tem se preocupado com a defesa daquelas pessoas consideradas
mais fracas no tecido social, porquanto a desigualdade socioeconômica é uma
realidade que sempre acompanhou a história do desenvolvimento humano.

O que se percebe, em última análise, é que onde houver respeito pela vida e pelos
direitos fundamentais haverá espaço para a defesa dos necessitados. As Emendas
Complementares 45/2004 e 80/2014 vieram fortalecer essa defesa, como consta no item a
seguir.

1.3 Fortalecimento da Defensoria Pública pela EC 45/2004 e EC 80/2014

É indiscutível que a desigualdade social e econômica existente no Brasil dificulta o


exercício dos direitos de cidadania e o acesso dos bens e serviços produzidos socialmente.
Nesse ponto se verifica que a Defensoria Pública exerce uma função preponderante e essencial
que, segundo José Afonso da Silva (2011, p. 215), “Cabe aos Defensores Públicos abrir os
tribunais aos pobres, é uma missão tão extraordinariamente grande que, por si, será uma
revolução, mas, se não cumprida, será um aguilhão na honra dos que a receberam e, porventura
não a sustentaram.”

Diante de tal afirmação pode-se concluir que a institucionalização da Defensoria


Pública, como destacado após a CF/88, desponta no cenário brasileiro como uma das
instituições mais comprometidas com a democracia, a cidadania e a luta pela construção de uma
sociedade mais justa e igualitária. Da mesma forma, ela garante a efetivação dos direitos e
garantias dos hipossuficientes e, evidentemente, o acesso à justiça, conforme os objetivos
previstos no art. 3º, incs. I, III e IV do texto constitucional.
25

No que concerne, portanto, ao fortalecimento da Defensoria Pública, com a


promulgação das Emendas Constitucionais1 45/2004 e 80/2014, evidencia-se que a referida
instituição sofre grandes avanços, passando a ter autonomia financeira e orçamentária. Nesse
diapasão expressam Luiz Henrique Gomes de Almeida, Márcio Melo Franco Júnior e Vinícius
Diniz Monteiro de Barros (2015) que:

A EC 45/2004 operou uma grande reforma do sistema jurisdicional, nele


incluindo importantíssima norma, que conferiu autonomia financeira e
orçamentária às Defensorias Públicas Estaduais. Uma instituição que litiga
contra o poder público, em favor do cidadão necessitado, não pode depender
desse mesmo poder público para sustentar-se financeiramente, expandir-se,
atingir os grotões do país, nem dele sofrer qualquer tipo de ingerência, do
contrário fica frustrada sua razão de ser. Jamais interessará ao poder central
bem estruturar uma instituição que a ele se contraponha.

Neste cenário, a Defensoria Pública surge como uma instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, cujo advento está na Emenda 45/2004 – Reforma do
Judiciário, não deixando margem para dúvidas do seu fortalecimento, ampliando suas
atribuições em defesa do regime democrático e da promoção dos direitos humanos e da
dignidade humana.

Anterior à Emenda Constitucional 45/2004, a autonomia financeira e orçamentária era


instituída apenas às Defensorias Estaduais e não às do âmbito federal. Logo, o Executivo
Federal declarou a manutenção da Defensoria Pública da União sob o controle do governo.
Houve críticas em relação à sua constitucionalidade, o que o fragilizou, como se o interesse do
brasileiro necessitado dos serviços da Defensoria Pública da União valesse menos do que o da
Defensoria Pública do Estado (ALMEIDA; FRANCO JÚNIOR; BARROS, 2015).

A EC 45/2004 trouxe, portanto, uma repercussão muito grande, conforme expressam


Almeida, Franco Júnior e Barros (2015):

A contribuição da EC 45/2004 foi finalmente complementada pelo Congresso


Nacional com a EC 74/2013. Esta, por sua vez, estendeu à Defensoria Pública
da União a autonomia orçamentária e financeira já reconhecida às Defensorias
Públicas Estaduais. Em 2014, o Congresso Nacional aprovou a EC 80/2014 e

1
Emenda Constitucional é a modificação de um texto da Constituição Federal que busca aprovação pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em votação nominal, por três quintos dos votos dos
membros de cada casa legislativa. Ela está autorizada no art. 60 da CF/88, e se constitui na forma
legítima e secundária de alterar as disposições constitucionais vigentes (SILVA, 2011).
26

conferiu aos Estados e à União o prazo de 8 anos para lotar um defensor


público onde houver um juiz. Para isso, incumbiu de iniciativa legislativa os
Defensores Gerais, permitindo-lhes regulamentar a carreira dos defensores
públicos e as carreiras de apoio à instituição. O governo Dilma Rousseff, a
despeito das promessas do então senador e hoje ministro, sempre se
posicionou contrariamente tanto à EC 74/2013 quanto à EC 80/2014,
enfrentando seguidas derrotas no Parlamento, vez que a própria base aliada
era (é) entusiasta das potencialidades democráticas da Defensoria Pública.
Unido, da oposição à situação, exceto o governo, o Parlamento, órgão
realmente empenhado em estender o serviço de assistência jurídica aos pobres
no país, trabalhou para o fortalecimento da Defensoria Pública como política
de Estado constitucionalizada, e não capricho desta ou daquela gestão.

Percebe-se, então, que as inovações introduzidas pela Emenda 45/2004 fortalecem o


disposto no art. 134 e parágrafos da CF/88 no que se refere à autonomia funcional e
administrativa. Elas também enfatizam a importância da organização nos Estados, em cargos
de carreira, providos na classe inicial, mediante concurso público de prova e títulos,
assegurando-lhes a garantia da inamovibilidade, e vedando-lhe o exercício da advocacia fora
das atribuições do domínio institucional.

É indiscutível que a reformulação judiciária oriunda da EC 45/2004 afetou várias


matérias ligadas ao Poder Judiciário, mas, por ora, apresenta-se apenas o que diz respeito à
Defensoria Pública.

Interessante observar que essa Emenda, com o intuito de atender aos anseios da
Defensoria Pública, acrescentou o § 2º no art. 134, prevendo que: “Às Defensorias Públicas
Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta
orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação
ao disposto no art. 99, § 2°.” Compreende-se daí, de maneira pontual, que a referida Emenda
possibilita um avanço muito significativo para a Instituição.

Frisa-se que, com a EC 45/2004 foi assegurado o cumprimento do princípio de acesso à


ordem jurídica justa, estabelecendo a autonomia funcional, administrativa e financeira da
Defensoria Pública. Diante disso, segundo Pedro Lenza (2015, p. 175):

Diante do reconhecimento de autonomia funcional, administrativa e financeira


da Defensoria Pública estadual, do DP e da União (ECs ns. 45/2004, 69/2012
e 74/2013), não se admite a sua vinculação a quaisquer dos Poderes [...].
Estabelecer que a Defensoria Pública é integrante ou subordinada ao Poder
Executivo significa afrontar a Constituição e regredir em termos do direito
fundamental de proteção aos necessitados.
27

Na realidade, não se pode considerar em nenhum momento que a Defensoria Pública


esteja atrelada ao Poder Executivo, porque dele emanam os recursos necessários para a sua
manutenção. A EC 45/2004, como já mencionado, “garantiu às Defensorias Públicas dos
Estados autonomia funcional, administrativa e iniciativa de proposta orçamentária (dentro dos
limites da lei orçamentária e no disposto no art. 99, § 2º).”

Ainda sobre a autonomia administrativa, assevera Fernando Capez (2004, p. 198) que:

A independência no âmbito Administrativo adquirida pela EC 45/04 pode ser


notada nos atos auferidos pela Defensoria dentro de seus domínios, [...], atos
estes percebidos no que tange à gestão do órgão, a decisões proferidas em
relação à funcionalidade dos próprios agentes da instituição independente da
efetiva atuação, bem como seus auxiliares, à aquisição de bens e contratação
de serviços, provimento de cargos, folhas de pagamento etc.

Essa autonomia, portanto, não apenas trouxe a possibilidade de agilização nas decisões
internas referentes à sua estruturação, mas concedeu à Defensoria Pública (DP) a
discricionariedade2 necessária para desenvolver suas ações, sem que tivessem que ser
ratificadas pelo Poder Executivo.

Outra novidade que deve pautar esta pesquisa é concernente à EC nº 80/2014,


promulgada em 4 de junho de 2014, que acrescenta o § 4º ao art. 134 na CF/88, ressaltando que
“São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional, aplicando-se-lhe, também, no que couber, o disposto no art. 93 e
96, inciso II” (grifo nosso).

Essa Emenda à Constituição Federal apenas incorporou à Carta Magna de 1988 os


princípios já positivados na Lei Complementar nº 80, de 1994, com redação determinada pela
Lei Complementar nº 132, de 2009, ou seja, para assegurar que sua modificação depende de
um processo solene e dificultoso, pois goza da mesma hierarquia que as demais normas
constitucionais.

2
Discricionariedade: liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei, ou seja, a lei deixa
certa margem de liberdade de decisão no caso concreto, de tal modo que a autoridade pode optar entre as várias
soluções possíveis, todas válidas perante o direito (DI PIETRO, 2015, p. 256).
28

Imprescindível, contudo, explicitar os referidos princípios para melhor compreensão do


seu significado no contexto da atuação da DP, bem como na sua atuação prática jurídica e no
seu funcionamento.
Dessa forma, serão abordados no segundo capítulo os princípios institucionais da
Defensoria Pública, ou seja, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, os quais
serão analisados de forma a ressaltar a sua importância, conjuntamente com suas garantias,
prerrogativas e impedimentos.

Cabe, também, fazer uma análise da atuação da Defensoria Pública a partir da EC


80/2014, analisando casos concretos da Comarca de Ijuí, RS, as ações cautelares de
medicamentos e as ações civis públicas relativas a números de vagas em escolas municipais.
29

2 A DEFENSORIA PÚBLICA EM DEFESA DOS NECESSITADOS

Como já referido anteriormente, a Defensoria Pública tem desenvolvido um papel


fundamental voltado à defesa dos necessitados, essencial à função jurisdicional do Estado. Sua
atuação visa, principalmente, o cidadão necessitado judicialmente, guarnecendo os seus direitos
fundamentais e sociais.

Após analisar a evolução histórica da Defensoria Pública e seu fortalecimento com a


edição da EC 45/2004 e EC 80/2014 no primeiro capítulo, no decorrer deste segundo capítulo
abordam-se aspectos referentes aos princípios institucionais, garantias, prerrogativas e
impedimentos, bem como se estuda a estrutura organizacional e a atuação da Defensoria
Pública, focando a Emenda Constitucional nº 80/201. Posteriormente, efetua-se a análise de
casos concretos na área de medicamentos, na Comarca de Ijuí, para firmar que esta Instituição
se apresenta como um órgão qualificado para assegurar o cumprimento do estabelecido da
Constituição Federal.

Por derradeiro, o estudo trata da inclusão da Defensoria Pública como órgão legitimado
para a propositura da ação civil pública, aprimorando, dessa forma, o Sistema de Justiça
brasileiro.

2.1 Princípios institucionais, garantias, prerrogativas e impedimentos

Antes de adentrar no tema de forma específica, é importante referir que “princípio


exprime a noção de mandamento nuclear do sistema”, considerado como ordenações que se
irradiam por todo o sistema, como observa Silva (2011, p. 92): “São núcleos de condensações
nos quais confluem bens e valores constitucionais.” Significa que os princípios estão
diretamente inseridos na CF/88 e, assim, são considerados norteadores da interpretação judicial
e sustentáculo das atividades jurídicas.

É indiscutível que a CF/88, no art. 134, § 2º, assegura autonomia funcional e


administrativa às Defensorias Públicas, porém, não apresenta os princípios institucionais que
são representados pela unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, os quais
constam da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública e estão simetricamente alinhados aos
princípios institucionais do Ministério Público (LC 80/94).
30

Mesmo não estando consignado na CF/88, a edição da Emenda Constitucional 80/2014


introduziu o parágrafo 4º ao art. 134, no qual se incluem os princípios institucionais da
Defensoria Pública, ou seja, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, que são
os mesmos do Ministério Público, o que torna os estudos semelhantes.

Pode-se ressaltar, ainda, que o princípio institucional da unidade tem sede constitucional
no próprio caput do art. 134 da CF/88, uma vez que tal norma assim expressa:

A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do
regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos
direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos
direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados,
na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

É necessário verificar a forma como se realizam os princípios da unidade, da


indivisibilidade e da independência funcional da Defensoria Pública dentro da sua estrutura
orgânica para melhor compreender o significado de cada um deles. Observa-se, no entanto, que
a estrutura organizacional está discriminada no art. 2º da LC 80/94, que será analisada no
próximo item.

Nota-se que o princípio da unidade, segundo a LC 80/94, não se apresenta de forma


isolada, mas sim como um sistema que define e organiza a instituição. Considerando a unidade
como o aspecto mais importante deste sistema, observa Paulo Cesar Ribeiro Galliez (2010 p.
161) que “[...] a Lei Complementar 80/94 apresenta um sistema, contendo normas que definem
e organizam a Instituição, sendo a unidade uma das noções desse sistema.” O autor revela ainda
que “Sendo um conjunto de normas fundamentais e interdependentes, a Defensoria Pública
opera como um todo, sem fração ou fragmento. Se houvesse a ruptura de qualquer princípio,
não haveria sistema e nem existiria unidade.” (GALLIEZ, 2010, p. 161).

A pretendida unidade anteriormente referida significa que não há uma divisão na


estrutura organizacional que impeça a realização dos seus objetivos quanto ao atendimento aos
necessitados e a atuação na defesa dos hipossuficientes, pois seja no âmbito federal ou estadual,
pode-se afirmar que o caráter nacional imprimido à Defensoria Pública permite a realização
contínua e permanente da atuação institucional. Sobre o assunto, assevera Souza (2011, p. 154)
que:
31

Neste sentido, podemos ajuntar que os atos dos defensores públicos, em


verdade, são atos da própria Defensoria Pública, significam a parte de um todo
maior. Nenhum defensor público age em nome próprio, suas intervenções são
atuações institucionais. Podemos ilustrar com o exemplo do afastamento
temporário de um defensor público em razão de férias ou gozo de licença,
situação na qual o seu substituto ingressara no feito de forma natural e
contínua sem qualquer prejuízo aos atos processuais já praticados. Significa
dizer que o assistido é representado pela Instituição e não pelo agente
institucional.

Para complementar o entendimento do autor supracitado, cita-se Nelson Nery Costa


(2010 p. 155), que sustenta que o princípio da unidade significa que “os atos dos defensores
públicos são atos da própria instituição, de modo que não são estes servidores públicos especiais
que atuam pessoalmente nas demandas judiciais e administrativas, mas a Defensoria Pública
como um todo.”

Diante dessas afirmações pode-se concluir, sem sombra de dúvida, que a Defensoria
Pública se constitui numa instituição única em sua estrutura, pois a unidade funcional ocorre
no âmbito nacional e estadual, o que significa que entre os defensores públicos pode ocorrer
substituição entre os membros sem que ocorra prejuízo para os assistidos.

A respeito desse princípio ensinam Cleber Francisco Alves e Marília Gonçalves Pimenta
(2004, p. 112) que “a Defensoria Pública é um todo orgânico, sob a mesma direção, os mesmos
fundamentos e as mesmas finalidades.” Na verdade os autores estão enfatizando que em
decorrência da unidade todos os defensores agem em nome da Instituição e seus membros a
presentam e não representam.

Dando continuidade ao entendimento dos princípios institucionais é importante referir


que o princípio da indivisibilidade apresenta um significado ímpar na estrutura organizacional
da Defensoria Pública, reflexo do princípio da unidade, pois a não divisibilidade é que mantém
a unidade entre os membros desta Instituição. Neste sentido, Galliez (2010, p. 182) assim se
manifesta:

A indivisibilidade significa tudo aquilo que não pode ser dividido, sendo que
o adjetivo indiviso tem o sentido de que pertence ao mesmo tempo a vários
indivíduos. A Defensoria Pública pertence aos Defensores Públicos e aos
assistidos, e a sua razão de ser consiste no fato de que as suas normas
fundamentais e o funcionamento de seus órgãos não podem sofrer solução de
continuidade. Uma vez deflagrada a atuação do Defensor Público, deve a
assistência jurídica ser prestada até atingir o seu objetivo, mesmo nos casos
32

de impedimentos, férias, afastamento ou licenças, pois, nesses casos, a lei


prevê a substituição ou designação de outro Defensor Público, garantindo
assim o princípio da eficiência do serviço público introduzido no art. 37 da
Carta Magna pela Emenda Constitucional nº 19/98.

Dessa forma, ressalta-se que existe uma perfeita harmonia entre a Defensoria Pública e
os defensores públicos, de modo que o agir de um representa a própria atuação do outro, pois
como bem lembra Guilherme Peña Moraes (1999, p. 174), “a Defensoria Pública consiste em
um todo orgânico não sujeito a rupturas ou fracionamentos.” Na verdade, esse princípio permite
que seus membros substituam uns aos outros, conforme já exposto anteriormente, a fim de que
a prestação jurisdicional aconteça de forma contínua e não deixe os necessitados sem a devida
assistência (MORAES, 1999).

Por último, os princípios institucionais da independência funcional se juntam aos demais


para demonstrar a harmonia existente na instituição e entre seus agentes. Neste sentido, Souza
(2011 p. 156) sustenta que isso

equivale dizer que a Defensoria Pública é um órgão autônomo independente,


uma instituição de Estado e não de governo. De igual sorte, os defensores
públicos possuem plena independência de atuação em relação aos demais
órgão administrativos, principalmente diante do Poder Judiciário.

Ora, a independência funcional assegura a plena liberdade de ação do defensor público


perante todos os órgãos da administração pública, notadamente diante do Poder Judiciário e,
conforme Galliez (2010, p. 191), “o princípio em tela elimina qualquer possibilidade de
hierarquia entre os membros da Defensoria Pública e os demais agentes políticos do Estado –
juízes, promotores, parlamentares, membros do executivo, etc.”

Constata-se que o princípio da independência funcional serve juntamente com os demais


“[...] para garantir o perfeito cumprimento do mister constitucional da Defensoria Pública:
prestar assistência jurídica, integral e gratuita aos necessitados.”

Para corroborar o exposto, Silvio Moraes (apud SOUZA, 2011, p. 156) define com
precisão esta questão:

[...] pelo princípio da independência funcional a Defensoria Pública cumpre


seu dever constitucional de manutenção do Estado democrático de Direito,
assegurando a igualdade substancial entre todos os cidadãos, bem como
33

instrumentalizando o exercício de diversos direitos e garantias individuais,


representado, junto aos poderes constituídos, os hipossuficientes, não raras
vezes contra o próprio Estado, situação em que é necessário que a defensoria
guarde uma posição de independência e autonomia em relação aos demais
organismos estatais e ao próprio Poder ao qual se encontra, de certa forma,
vinculada.

O defensor público, no desempenho de suas atribuições e no âmbito da sua competência


funcional, encontra tanto na CF/88 quanto na legislação infraconstitucional que lhe dá
sustentação, a perfectibilização de algumas garantias, direitos e prerrogativas que servem para
a garantia do cumprimento ou o exercício dos direitos inerentes à sua função.

Ao falar em prerrogativas, Souza (2011, p. 162) registra que:

As prerrogativas, ao seu turno, são privilégios ligados à carreira, tanto ao


cargo, quanto à Instituição, ao passo que as garantias correlacionadas ao
membro da Instituição isoladamente, especificamente e individualizada têm o
fito de assegurar o livre desenvolvimento da atividade – fim como defensor
público.

As prerrogativas são as mesmas para todos os integrantes das Defensorias Públicas da


União, Distrito Federal e dos Estados, apenas constam em seções legislativas distintas, a fim de
resguardar a competência de cada uma das Defensorias Públicas brasileiras.

Aponta-se como decorrência das prerrogativas institucionais a necessária intimação


pessoal do defensor público, bem como vista pessoal dos autos, prazo em duplo para recorrer e
de comunicação pessoal reservada com os assistidos, temas que não serão objeto desta pesquisa.

No entendimento de Souza (2011, p. 62), as prerrogativas devem ser entendidas como


“Direito, inerente a um oficio ou posição, de usufruir certo privilégio de exercer certa função.”
O significado de tal privilégio ou direito refere-se ao exercício da função de defensor público e
não deve ser entendido de forma inadequada, pois essas existem para que o defensor público
possa bem desempenhar suas atividades e os deveres de seu oficio.

Segundo Frederico Rodrigues Viana de Lima (apud SOUZA, 2011, p. 163), “elas não
existem para servir como ocupante do cargo, mas sim para que ele esteja munido de um aparato
ideal para desempenhar as funções que foram cometidas”, destinadas a assegurar que a função
pública seja exercida de forma eficiente, responsável e impessoal.
34

Após analisar o que significam os princípios e as prerrogativas, passa-se a estudar


aspectos referentes às proibições e impedimentos dos defensores públicos.

Com relação aos impedimentos dos defensores públicos, a CF/88, no seu art. 134,
remete aos mesmos impedimentos relativos aos membros do Poder Judiciário e do Ministério
Público. Nesta esteira, após ter analisado os direitos, prerrogativas e impedimentos dos
defensores públicos é imprescindível não esquecer que o texto constitucional defere a esses
defensores garantias que servem para assegurar o exercício das atividades funcionais, uma vez
que a instituição da Defensoria Pública necessita de proteção para desenvolver, no dia a dia
forense, sem pressão, a sua ação voltada às minorias.

Esclarece Frederico Rodrigues Viana de Lima (apud SOUZA, 2011, p. 162) que: “as
garantias divergentes das prerrogativas são ligadas à pessoa e não ao cargo. Ambas, contudo,
atendem ao mesmo propósito: propiciar o cumprimento idôneo e escorreito das funções
institucionais”, que são fundamentais porque contribuem para o desempenho das atividades
com liberdade e autonomia.

Na art. 134 da Carta Magna, contudo, consta apenas a garantia da inamovibilidade, in


verbis:

Art. 134. [...]


§ 1º. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito
Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização
nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante
concurso público de provas e títulos, assegurando a seus integrantes a garantia
da inamovibilidade e vedando o exercício da advocacia fora das atribuições
institucionais.

Constata-se, à vista do texto constitucional, que aos defensores públicos as demais


garantias inerentes ao exercício da atividade foram dispostas por meio da Lei Complementar
80/94, em seu art. 127, quando estabelece que são também garantias, a independência funcional,
a irredutibilidade dos vencimentos e a estabilidade, conforme texto a seguir:

Art. 127. São garantias dos membros da Defensoria Pública do Estado, sem
prejuízo de outras que a lei estadual estabelecer:
I – a independência funcional no desempenho de suas atribuições;
II – a inamovibilidade;
III – a irredutibilidade de vencimentos;
IV – a estabilidade.
35

Em uma análise comparativa com as garantias asseguradas ao Ministério Público


verifica-se que há uma distinção fundamental entre as duas instituições. Enquanto as garantias
do Ministério Público recebem um tratamento constitucional, uma vez que consta
expressamente no art. 128 e suas alíneas, as garantias dos defensores recebem um tratamento
infraconstitucional.

É perceptível que, por exemplo, ao mencionar a irredutibilidade dos vencimentos e


estabilidade, há um distanciamento na LC 80/94 com o estabelecido para o MP, pois esses têm
a irredutibilidade de subsídios e não vencimentos, e possuem vitaliciedade, após dois anos de
exercício, enquanto os defensores para garantir sua estabilidade devem cumprir três anos de
efetivo exercício, que nada mais é do que o estágio probatório determinado pelo art. 41, caput,
da CF/88.

Essas diferenças podem comprometer a atuação funcional dos defensores públicos, mas
se sabe que a Instituição está consolidada no Estado brasileiro e já ganhou respeito da
população, pela sua atuação voltada aos interesses dos necessitados e em constante luta em
defesa da sociedade, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado.

Enfatiza-se que, os princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional


relacionam-se entre si, interligam-se e se complementam na atuação dos defensores públicos
na estrutura organizacional, sendo fundamentais para assegurar a consecução dos princípios da
igualdade material, da dignidade da pessoa humana e do acesso à justiça.

2.2 Estrutura organizacional e atuação da Defensoria Pública a partir da EC 80/2014 e o


novo cenário legislativo brasileiro

Para garantir a igualdade material, a dignidade da pessoa humana e o acesso à justiça a


LC 80/1994, alterada pela LC 132/2009, adequando-se ao novo patamar constitucional
determina no seu art. 2º que: “A Defensoria Pública abrange: I – a Defensoria Pública da União;
II – a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; III – as Defensorias Públicas dos
Estados.”

Isso implica afirmar que, na atualidade, a Defensoria Pública não tem como objetivo
apenas realizar atendimento aos hipossuficientes, tendo em vista que a EC 80/2014 inovou o
36

cenário legislativo brasileiro quando reconheceu a legitimidade ampla dessa instituição para
propositura da Ação Civil Pública (ACP). A partir da reforma do Poder Judiciário houve a
inserção da Defensoria Pública como legitimado para a propositura da ACP, transpondo para o
plano infraconstitucional o seu novo perfil constitucional, conforme a EC 45/2004.

Neste sentido, Fensterseifer (2015, p. 91) ressalta que:

A inovação legislativa em questão é resultado de todo um avanço – legislativo,


doutrinário e jurisprudencial – verificado especialmente desde a lei n.
7.347/85, passando pela consagração dos direitos difusos e coletivos
estabelecidos na CF/88 (por exemplo, arts. 5º, XXXII, 6º e 225) e por toda
legislação infraconstitucional sobre a matéria [...].

Frente a essa questão, a Lei n. 11.448/2007, que modificou a lei de Ação Civil Pública,
reconhece a importância do papel da Defensoria Pública para a sua propositura, como resultado
do novo perfil dessa Instituição. Além de ser um instrumento do regime democrático e de
orientação jurídica aos necessitados, a Defensoria Pública possui a autonomia de agir na
proteção dos direitos dos indivíduos e grupos sociais necessitados (econômicos e
organizacionais), conforme preconiza o art. 134 do texto constitucional.

Com isso, sustenta Fensterseifer (2015, p. 91) que:

A consagração da legitimidade da Defensoria Pública, agora expressa no art.


5º, II, da LACP, é decorrência desse ‘caminhar’ iniciado em 1985. A lei n.
11.448/2007 é resultado de tal ‘quadro maior’ da evolução do Direito
Processual Coletivo brasileiro, o que foi substancialmente reformado pela
recente Reforma da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC n.
80/94), por intermédio da LC n.132/2009.

Ressalta-se que este diploma legal, ao incluir a Defensoria Pública no seu rol de
legitimados para a propositura da ACP, não limita a atuação da Instituição, podendo seus
membros atuarem em qualquer matéria tratada na Lei n. 7.347/85, haja vista que sua atividade
é essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, também, da “[...] promoção dos
direitos humanos e a defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial dos direitos individuais
e coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados, assim considerados na forma do inciso
LXXIV do art. 5º da CF/88.” (FENSTERSEIFER, 2015, p. 92).
37

É importante destacar que a questão da legitimidade para a propositura de ACP que


antes da reforma do Judiciário e da interpretação judicial era apenas deferida ao Ministério
Público, está hodiernamente resolvida, já que no art. 4º, VII, da LC 80/94 já constava que
“sempre que tal medida puder beneficiar pessoas necessitadas” é dever da Defensoria Pública
atuar para a salvaguarda dos interesses individuais e coletivos.

Destaca-se, porém, que a ACP, ao ser proposta pela Defensoria Pública, possibilita o
atendimento dos interesses dos menos favorecidos, uma vez que os direitos difusos não
pertencem apenas a alguns indivíduos, mas a toda coletividade.

Para corroborar o exposto, Fredie Diddier Júnior e Hermes Zaneti Júnior (apud
FENSTERSEIFER, 2015, p. 95) pontuam que “não é necessário, porém, que a coletividade seja
composta por pessoa exclusivamente necessitada, se fosse assim, a Defensoria Pública estaria
excluída da legitimação para a tutela de direitos difusos, que pertencem a uma coletividade de
pessoas indeterminadas.”

Por outro lado, não se pode deixar de referir que a questão da legitimidade do Ministério
Público para a propositura da ACP abrange também aspectos referentes aos direitos do
consumidor, bem como para regular a execução da pena na medida de segurança nos processos
de Execução Criminal, tratando-se da importante inovação legislativa que vem contribuir para
consolidar a legitimidade da Defensoria Pública. Destaca-se, ainda, o Estatuto da Criança e do
Adolescente e o Estatuto do Idoso que, mesmo não estando atualizado no aspecto de legitimar
a Defensoria Pública para propor a ACP, configuram como sua atribuição, como dispõe o art.
4º da LC 80/94, in verbis:

[...] exercer a defesa dos direitos e interesses individuais e difusos e coletivos


e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso
LXXIV do art. 5º da Constituição Federal (inciso VIII) e exercer a defesa dos
interesses individuais e coletivos da Criança e do Adolescente, do Idoso, do
portador de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica
e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção
especial do Estado (inciso XI).

É inegável a incumbência da Defensoria Pública em atuar na defesa da promoção dos


direitos coletivos dos necessitados, assegurando aos defensores públicos a utilização dos
instrumentos jurídicos necessários para cumprir o propósito constitucional.
38

Cumpre destacar, ainda, que a atuação concreta da Defensoria Pública em matéria de


direitos fundamentais e sociais torna-se atual quando se vive em uma sociedade desigual e
injusta na qual as demandas em face do próprio Estado, dada a omissão dos poderes públicos
em assegurar o exercício de tais direitos, possibilitam a sua atuação não apenas no âmbito
judicial mas extrajudicial, como por exemplo, por meio da fiscalização da gestão de políticas
públicas voltadas à educação e à saúde.

Fensterseifer (2015, p. 113) sustenta que:

Em termos gerais, a atuação da Defensoria Pública na defesa e promoção dos


direitos sociais se dá tanto pelo prisma individual como coletivo. Entre as
ações individuais e coletivas e pela Defensoria Pública na seara dos direitos
sociais, destacam-se pedidos de medicamento e tratamento médico, pedido de
vagas em creche e escola, defesas possessórias na proteção à moradia de
indivíduos e coletividade inteiras (em oposição a ações judiciais e medidas
extrajudiciais intentas por particulares e também pelo próprio poder público),
ações para assegurar o pagamento de bolsa-aluguel a pessoas necessitadas em
determinadas circunstâncias [...].

Deve-se considerar que há um fortalecimento institucional com inclusão da Defensoria


Pública no rol dos legitimados na ACP, tanto que o Superior Tribunal de Justiça reitera em
precedentes jurisprudenciais que “a Defensoria Pública tem legitimidade ativa para propor ação
civil pública com objetivo de defender interesses individuais homogêneos de consumidores
lesados em virtude de relações firmadas com instituições financeiras.” (agRg no REsp.
1.000.421/SC, 2011).

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DA


DEFENSORIA PÚBLICA. ART. 5º, II, DA LEI N. 7.347/85 (REDAÇÃO
DADA PELA LEI N. 11.448/2007). [...] 1. A Defensoria Pública tem
legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo
de defender interesses individuais homogêneos de consumidores lesados em
virtude de relações firmadas com as instituições financeiras. [...].

A jurisprudência do Tribunal Superior de Justiça tem sustentado a legitimidade ampla


da Defensoria Pública para a tutela dos direitos individuais homogêneos e tal posicionamento
está consagrado em diversos julgados a seguir expostos. Sem dúvida, não pairam mais
discussões acerca da legitimidade da DP em ajuizar ACP, sendo que no entendimento anterior
apenas o MP poderia ser o titular.
39

Assim, destaca-se que o STJ, no REsp 1.106.515/MG, 1ª T., Re. Min. Arnaldo Esteves
Lima, j.2-2-2011, reconhece a legitimidade da DP, não apenas para promover a ACP, mas
garantir o acesso à justiça, direito fundamental, inscrito no art. 5º da CF/88.

A esse respeito assim se posiciona o STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA


DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
ART. 134 DA CF, ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL.
ART. 5º, XXXVI, DA CF. ARTS. 21 DA LEI N. 7347/85 E 90 DO CDC.
MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS TRANSINDIVI-
DUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA.
LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR
A AÇÃO CIVIL PÚBLICA RECONHECIDA ANTES DO ADVENTO DA
LEI N. 11.448/2007. RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO
QUE SE PRETENDE TUTULAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

Observa-se que o posicionamento do STJ vem ao encontro do exposto na Lei n.


11.448/2007, que alterou o art. 5º da Lei n. 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública como
legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Ressalta o Ministro Arnaldo Esteves
Lima no julgado anterior que:

Essa e outras alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no


arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela
jurisdicional e tornando-o efetiva, concretizar o direito fundamental disposto
no art. 5º, XXXV, da CF. 5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria
Pública bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF.
6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça,
que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil
pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é
reconhecida antes mesmo do advento da Lei n. 11.448/2007, dada a relevância
social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do
ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana,
entendida como núcleo central dos direitos fundamentais. 7. Recurso especial
não provido (grifos nossos). (REsp 1.106.515/MG, 1ª T., Re. Min. Arnaldo
Esteves Lima, j.2-2-2011).

Na verdade, o posicionamento adotado pelo STJ em diversos julgados consagra a função


institucional da Defensoria Pública, pois essa atua visando à promoção dos direitos
fundamentais do cidadão.

Acentua-se que a interpretação, na atualidade, com relação à legitimidade da Defensoria


Pública não retira do Ministério Público a legitimidade para a propositura de ACP para a defesa
40

individual homogênea como, por exemplo, quando se refere ao direito à saúde, direito
individual, indisponível, que visa proteger a vida e a dignidade.

Nesse sentido, em acórdão, o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de


Justiça, relator do REsp. 716.712/RS, 2ª Turma, assim se manifesta sobre o tema:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FAVOR DE PESSOA


FÍSICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. GARANTIA
CONSTITUCIONAL À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍ-
VEL. [...] 2. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal, é direito
indisponível, em função do bem comum maior a proteger, derivado da própria
força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Não
se trata de legitimidade do Ministério Público em razão da hipossuficiência
econômica – matéria própria da Defensoria Pública – mas da natureza jurídica
do direito-base (saúde), que é indisponível. [...] 4. Recurso especial provido.
(STJ, Resp. 716.712/RS, 2ª T., Rel. p. acordão Min. Herman Benjamin, j.15-
9-2009).

Resta comprovada a tese que, tanto o Ministério Público é detentor da titularidade da


ação civil, quanto a Defensoria Pública, uma vez que ambos atuam em defesa de direitos
fundamentais indisponíveis. Não se trata, portanto, de verificar a hipossuficiência dos
favorecidos pela ação, mas sim o conteúdo do bem jurídico tutelado, qual seja, a saúde.

Dessa forma, pode-se inferir que as discussões referentes à legitimidade da DP para a


propositura da ACP restam superadas no âmbito das discussões do Superior Tribunal de Justiça,
uma vez que o Supremo Tribunal Federal ainda não possui nenhum julgado específico sobre o
tema.

É fundamental demonstrar que no âmbito local a DP tem atuado em demandas que


versam sobre saúde, educação, família, assumindo, assim, o seu papel como defensor dos
interesses, das liberdades, bens e valores sociais que fazem parte da sua atividade
constitucional.

Ressalta-se a necessidade de analisar, ainda que de forma breve, alguns casos concretos
que demonstram o quanto essa instituição está preocupada em promover a assistência jurídica
e, principalmente, assegurar o acesso à justiça a todos os necessitados para a tutela dos direitos
fundamentais.
41

2.3 Análise de casos concretos na Defensoria Pública da Comarca de Ijuí

É incontestável que a Defensoria Pública da Comarca de Ijuí tem demonstrado que a


concretização do princípio da dignidade da pessoa humana exige decisões políticas que
permitem aos cidadãos serem atendidos em suas demandas, garantindo-lhes o mínimo
existencial. Tais prestações materiais devem ser efetivadas pelo Estado, seja na área da saúde
ou da educação, cujas ações serão analisadas a seguir.

Neste sentido, Mariana Filchtiner Figueiredo (2007, p. 196) esclarece que: “[...] a noção
do mínimo existencial pressupõe a garantia de condições mínimas de vida humana digna,
normalmente pelo fornecimento de prestações sociais materiais.”

Justifica-se, assim, a entrega de prestações materiais pelo Estado, referentes aos direitos
fundamentais sociais, ora entendidos como o direito à saúde e à educação, os quais são objeto
de tutela judicial quando não atendidas pelo Estado.

2.3.1 Ação Civil Pública relativa ao número de vagas em escolas municipais – Caso 1

Cabe destacar que a atuação da Defensoria Pública da comarca de Ijuí tem se mostrado
firme e voltada aos interesses das crianças e dos adolescentes, dos idosos e também dos
necessitados. Dessa forma, em sede de ACP, a Defensoria Pública postula o cumprimento da
prestação material da área educacional, qual seja, garantindo o atendimento em creche ou pré-
escola às crianças de zero a cinco anos de idade, com absoluta prioridade, nos termos do art.
208, IV, da CF/88, in verbis:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a


garantia de: [...]
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco)
anos de idade; (grifo nosso).

Tal como se pode verificar, a posição do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
(TJ/RS) vem deferindo em ACP’s e Ações Coletivas o cumprimento pelo ente público
municipal do provimento de vagas em creches, uma vez que, “[...] direito à educação infantil
constitui direito fundamental social, que deve ser assegurado pelo ente público municipal.”
(grifo do autor).
42

É inegável que o acesso ao ensino infantil em creche e pré-escola é direito da criança,


constitucionalmente assegurado, cabendo ao município a competência do atendimento dessa
prestação material em dar absoluta prioridade aos necessitados. Por essa razão, o 4º Grupo Civil
da 7ª Câmara Civil do TJ/RS determina que o poder público municipal cumpra com o
estabelecido no texto constitucional.

Neste diapasão, o texto a seguir confirma tal determinação:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE CONVERSÃO DO


AGRAVO DE INSTRUMENTO PARA AGRAVO RETIDO.
DESCABIMENTO. ECA. MUNICÍPIO DE IJUÍ. GARANTIA
CONSTITUCIONAL DE ACESSO À EDUCAÇÃO INFANTIL. VAGA EM
CRECHE OU PRÉ-ESCOLA. AJUIZAMENTO DE AÇÃO COLETIVA
PELA DEFENSORIA PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO
INDIVIDUAL. CABIMENTO, NO CASO. 1. Hipótese que autoriza o
processamento do agravo por instrumento pela possibilidade de resultar dano
irreparável ou de difícil reparação, já que a confirmação da decisão acoimada
onera o ente público. 2. O direito à educação infantil constitui direito
fundamental social, que deve ser assegurado pelo ente público municipal,
garantindo-se o atendimento em creche ou pré-escola às crianças de zero a
cinco anos de idade, com absoluta prioridade, nos termos do art. 208, IV, da
CF/88. 3. A existência de ação coletiva promovida pela Defensoria
Pública (tombada sob o nº 016/5.15.0000087-3), atinente à matéria debatida
neste feito, não afasta a possibilidade de prosseguimento de ação individual,
tendo em vista o princípio constitucional do livre acesso à Justiça, bem como
o que prevê, expressamente, o art. 104 do CDC. PRELIMINAR REJEITADA.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento nº
70066935800, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 10/12/2015).

Constata-se, assim, que não há mais discussões referentes ao tema “vaga em creches
infantis em escolas”, uma vez que o posicionamento do TJ/RS é de que a educação infantil é
obrigação do município, e que as alegações de possível reserva orçamentária não podem se
sobrepor aos direitos humanos fundamentais.

2.3.2 Ação cautelar de medicamentos – Caso 2

O caso a seguir desenvolvido diz respeito ao pedido de medicamentos que não constam
na listagem da Gestão Básica do Sistema Municipal de Saúde, mas que em sede de Ação
Cautelar, o Juízo Monocrático deferiu o seu cumprimento pelo município de Coronel Barros a
um cidadão – paciente daquele município. Obviamente que o município recorreu da decisão e
interpôs Apelação Cível contra a sentença que julgou procedente o pedido, “[...] para condená-
43

lo (I) solidariamente ao Estado do Rio Grande do Sul, a fornecer-lhe o medicamento Seroquel


(quetiapina); e (II) ao pagamento de metade das custas processuais [...]”, conforme se verifica
a seguir:

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE CORONEL


BARROS contra a sentença que julgou procedente a ação que lhe move
CESAR LUIS PORT para condená-lo (I) solidariamente ao Estado do Rio
Grande do Sul, a fornecer-lhe o medicamento Seroquel (quetiapina) e (II) ao
pagamento de metade das custas processuais e de honorários advocatícios
fixados em R$ 150,00 e condenar o Estado do Rio Grande do Sul ao
pagamento de metade das despesas processuais. Argui, em preliminar, a
ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que detém apenas a Gestão Básica
do Sistema Municipal de Saúde. Alega não ser responsável pelo fornecimento
do fármaco, porquanto não integra a lista de medicamentos essenciais,
cabendo, assim, ao Estado do Rio Grande do Sul e à União a sua dispensação.
Pede, sucessivamente, a exclusão da condenação ao pagamento de honorários
advocatícios em favor da Defensoria Pública. Apresentadas as contrarrazões,
foram os autos remetidos a este Tribunal. É o relatório. (nº 70057776411,
CNJ nº 0502268-09.2013.8.21.70002013/Cível).

A ementa da decisão que se colaciona a seguir refere-se a uma Apelação Cível que
tramita na 3º Vara Cível de Ijuí, sob nº 70057776411(nº CNJ: 0502268-09.2013.8.21.7000),
tendo no pólo passivo o município de Coronel Barros e no pólo ativo Cesar Luis Port.

SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. MEDICAMENTOS. LISTAS


OFICIAIS. SOLIDARIEDADE. PRESCRIÇÃO MÉDICA. HONORÁ-
RIOS ADVOCATÍCOS. CUSTAS PROCESSUAIS.
1. Há solidariedade entre a União, os Estados e os Municípios na prestação
dos serviços de saúde. Não se admite, contudo, o chamamento ao processo.
2. A assistência terapêutica, no âmbito do SUS, compreende a dispensação
de medicamentos, produtos e procedimentos terapêuticos prescritos por
médico vinculado ao sistema, constante das listas oficiais, avaliados quanto
à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade. Lei 12.401/2011.
Art. 28 do Decreto n.º 7.508, de 28 de junho de 2011.
3. Segundo a jurisprudência das Câmaras do 11º Grupo Cível, o Poder
Público deve fornecer medicamentos e produtos mediante a exibição de
prescrição médica, independentemente de perícia, ainda que estranhos às
listas oficiais. Ressalva do posicionamento pessoal, segundo o qual o acesso
a medicamento fora das listas públicas depende da prova da ineficácia ou da
inadequação dos fármacos e procedimentos disponibilizados no SUS.
4. Nas ações patrocinadas pela Defensoria Pública, se vencido, o Município
responde pelos honorários advocatícios. Art. 20 do CPC. Precedentes do
STJ.
5. A Fazenda Pública é isenta do pagamento das custas processuais. Lei nº
13.471, de 23 de junho de 2010. Isenção que não se aplica às despesas
judiciais por força do julgamento da ADI 70038755864.

Evidencia-se, assim, que mais uma vez a Defensoria Pública cumpriu seu papel, atuando
em defesa dos interesses dos hipossuficientes, resguardando a dignidade humana, que em
44

virtude da má gestão estatal, seja por parte da União, do Estado ou do Município, não pode ficar
no aguardo de políticas públicas ou ações mais consistentes que minimizem o seu sofrimento.

Nas decisões analisadas fica muito claro que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul e os Tribunais Superiores já têm uma posição sedimentada quanto a ações de medicamentos
e vagas em creches escolares, ou seja, independente das competências previstas na legislação
infraconstitucional, sobrepõem a elas, sem sombra de dúvida, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), que traz a dignidade da pessoa humana como um de seus
fundamentos, acima de tudo e de todos.

Ademais, a saúde, elevada à condição de direito social fundamental do homem, contido


no art. 6º da CF/88 e declarado nos arts. 196 e seguintes, é de aplicação imediata e
incondicionada, segundo os termos do parágrafo 1º do art. 5º da Carta Magna, que dá ao
indivíduo a possibilidade de exigir compulsoriamente as prestações asseguradas .

Por derradeiro, não há o que se discutir quando estão em jogo os direitos fundamentais
sociais, uma vez que esses gozam do mesmo status de norma constitucional como os demais
direitos fundamentais, e “exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma atuante
de Estado na implementação da igualdade social dos hipossuficientes”. Esses direitos,
consoante doutrina de Silva (2011, p. 189), “possibilitam melhores condições de vida aos
mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais e a
melhorar as condições de sobrevivência digna e decente.”

2.3.3 Ação ordinária contra a Fazenda Pública com liminar: inclusão de infante em escola
de educação infantil (creche) na rede pública municipal

Trata-se de Ação Ordinária, com pedido de antecipação de tutela, proposta por um


menor representado pelo seu pai em face do município de Ijuí, com o objetivo de obter a sua
inclusão em creche de rede pública municipal em turno integral. A base do pedido se sustenta
na tese de que a educação infantil é de competência do município e, também, que o art. 208,
IV, anteriormente mencionado, garante o acesso à creche e à pré-escola para crianças de zero a
cinco anos. O autor ainda sustenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em
complemento ao estabelecido no art. 227 da CF/88, prevê:
45

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno


desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:


IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade; (grifos nossos).

É indiscutível o dever do município em priorizar as crianças de zero a cinco anos para


que essas tenham acesso à creche e à pré-escola, portanto, em sede de liminar, o Juizado da
Infância e da Juventude, da Comarca de Ijuí, no processo 016/5.1600000 99-9 (em anexo) assim
despacha:

O pedido de antecipação de tutela, determinando que o réu, no prazo de 10


dias: a) inclua o autor em escola de educação infantil (creche) da rede pública,
em estabelecimento de ensino próximo à sua residência, preferencialmente a
indicada na inicial, ou, na possibilidade, custeie o atendimento em
estabelecimento particular de ensino; b) caso a vaga fornecida seja em escola
mais de 2 km distante da residência do autor, deverá concomitantemente
fornecer transporte adequado à idade da criança. (IJUÍ, RS, 2016, p. 3).

Ora, percebe-se que as posições dos magistrados de primeiro grau estão de acordo com
a posição dos tribunais superiores, na qual há firme orientação jurisprudencial, ou seja: “[...] o
acesso ao ensino infantil em creche e pré-escola é direito da criança constitucionalmente
assegurado, que deve ser garantido pelo município com absoluta prioridade as crianças de zero
a seis anos.” (IJUÍ, RS, 2016, p. 3).

Como bem destacado, a posição do TJ/RS está alinhada ao posicionamento do STJ e


STF não apenas na eficácia desse direito, mas também na importância da prestação material do
serviço educacional, notadamente no âmbito municipal, onde reconhecem que se o direito não
for cumprido há fundado receio de dano irreparável. Além da ameaça do direito à educação há
também ameaça ao sustento familiar, uma vez que nesse caso os genitores necessitam trabalhar
para manter uma sobrevivência digna (IJUÍ, RS, 2016, p. 4).

Por fim, destaca-se que a Defensoria Pública da Comarca de Ijuí, RS, assim como de
todo o Brasil, tem agido de maneira isenta e irrepreensível quando se trata de atuar em defesa
daqueles que sofrem as mazelas da desigualdade social e têm sua dignidade violada.
46

CONCLUSÃO

O presente estudo teve por objeto a análise da Defensoria Pública na garantia do acesso
à justiça dos necessitados, bem como o instituto da assistência judiciária gratuita para a
efetivação das demandas postuladas.

A abordagem desse tema possibilitou a constatação da importância da atuação


permanente dessa Instituição e a comprovação de que a Defensoria Pública tem desenvolvido
um papel fundamental na defesa dos necessitados. Pode-se afirmar, inclusive, que tem sido uma
luta constante dessa instituição na garantia da função jurisdicional do Estado.

Observou-se no decorrer do estudo que a atuação da Defensoria Pública visa,


principalmente, o cidadão necessitado judicialmente, guarnecendo os seus direitos
fundamentais e sociais.

Outro aspecto abordado foi a evolução histórica da Defensoria Pública e o seu


fortalecimento com a edição das Emendas Constitucionais 45/2004 e 80/2014, as quais
favoreceram o fortalecimento institucional e a valorização de seus membros.

Destaca-se a relevância dos estudos de casos concretos e a sua análise, que


possibilitaram a compreensão de que a Defensoria Pública tem exercido um papel muito
importante na sociedade, bem como tem possibilitado que os necessitados busquem seus
direitos na Justiça, assegurando, assim, o cumprimento do que estabelece a Constituição Federal
de 1988.

Por derradeiro, cabe destacar que foi de grande relevância a inclusão da Defensoria
Pública como órgão legitimado para a propositura da Ação Civil Pública, aprimorando dessa
47

forma, o Sistema de Justiça brasileiro. A cada dia que passa essa instituição vem conquistando
o respeito da sociedade e dos Poderes constituídos, pois não mede esforços para resguardar os
direitos fundamentais sociais que exigem prestações positivas do Estado. Agindo dessa forma,
possibilita melhores condições de vida aos mais fracos, promovendo a igualização de
situações sociais distintas e a melhoria das condições dignas e decentes de sobrevivência.
48

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