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FAIRCLOUGH, Norman; Izabel Magalhães (trad.) Discurso e Mudança Social.

Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001.

Teoria social do discurso

Discurso

“Ao usar o termo 'discurso', proponho considerar o uso de linguagem como forma de prática social
ou reflexo de variáveis situacionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso
um modo de ação, forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os
outros, como também um modo de representação. (…) Segundo, implica uma relação dialética entre
discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura
social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira”. (p. 90-91)

“Por outro lado, o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em
todos os níveis: pela classe e por outra relações sociais em um nível societário, pela relações
específicas em instituições particulares, como o direito ou a educação, por sistemas de classificação,
por várias normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não-discursiva, e assim por
diante.” (p.91)

“O discurso é socialmente constitutivo (…) Contribui para a constituição de todas as dimensões da


estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e restringem. (…) O discurso é uma prática,
não apenas uma representação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado” (p.
91)

“O discurso contribui, em primeiro lugar, para a construção do que variavelmente é referido como
'identidades sociais' e 'posições de sujeito' para os 'sujeitos' sociais e os tipos de eu. Segundo, o
discurso contribuiu para construir as relações sociais entre as pessoas. E, terceiro, o discurso
contribui para a construção de sistemas de conhecimento e crenças” (p. 91)

Os três efeitos do discurso correspondem as funções da linguagem identitária, relacional, e


ideacional. “A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as identidades sociais são
estabelecidas no discurso, a função relacional a como as relações sociais entre os participantes do
discurso são representadas e negociadas, a função ideacional aos modos pelos quais os textos
significam o mundo e seus processos, entidades e relações” (p. 92)

“Halliday também distingue uma função 'textual': isso diz respeito a como as informações são
trazidas ao primeiro plano ou relegadas a um plano secundário, tomadas como dadas ou
apresentadas como novas, selecionadas como 'tópico' ou 'tema', e como partes de um texto se ligam
a partes precedentes e seguintes do texto, e à situação social 'fora' do texto” (p. 92)

“A prática discursiva é constitutiva tanto de maneira convencional como criativa: contribui para
reproduzir a sociedade (identidades sociais, relações sociais, sistemas de conhecimento e crença)
como é, mas também contribui para transformá-la” (p. 92)

“É importante que a relação entre discurso e estrutura social seja considerada dialética para evitar os
erros de ênfase indevida; de um lado, na determinação social do discurso e, de outro, na construção
do social no discurso. No primeiro caso, o discurso é mero reflexo de uma realidade social mais
profunda; no último, o discurso é representado idealizadamente como fonte do social. O último
talvez seja o erro mais imediatamente perigoso, dada a ênfase nas propriedades constitutivas do
discurso em debater contemporâneos.” (p.92)
“Assim, a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças
das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais
materiais, concretas, orientando-se para elas” (p. 93)

“A perspectiva dialética considera a prática (discursiva) e o evento (discursivo) contraditórios e em


luta, com uma relação complexa e variável com as estruturas, as quais manifestam apenas uma
fixidez temporária, parcial e contraditória” (p. 94)

“A prática social tem várias orientações – econômica, política, cultural, ideológica -, e o discurso
pode estar implicado em todas elas, sem que se possa reduzir qualquer uma dessas orientações do
discurso” (p; 94)

“O discurso como prática politica estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as


entidades coletivas (classes, blocos, comunidades, grupos) entre as quais existem relações de
poder”. (p. 94)

“O discurso como prática ideológica constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do


mundo de posições diversas nas relações de poder”. (p. 94)

“A prática política e a ideológica não são independentes uma da outra, pois a ideologia são os
significados gerados em relações de poder como dimensão do exercício do poder e da luta pelo
poder. Assim, o discurso como prática política é a categoria superior. Além disso, o discurso como
prática politica é não apenas um local de luta de poder, mas também um marco de delimitador na
luta de poder: a prática discursiva recorre a convenções que naturalizam relações de poder e
ideologias particulares e as próprias convenções, e os modos em que se articulam são um foco de
luta.” (p. 94)

“Diferentes tipos de discursos em diferentes domínios ou ambientes institucionais podem vir a ser
'investidos' politica e ideologicamente de formas particulares. Isso significa que os tipos de discurso
podem também ser envolvidos de diferentes maneiras – podem ser 'reinvestidos'.” (p. 95)

Uma questão razoavelmente importante é como concebemos as convenções e as suas normas


discursivas subjacentes aos eventos discursivos. (…) Isso se estende a uma concepção dos domínios
sociolinguísticos constituídos por um conjunto de tais códigos em distribuição complementar, de tal
modo que cada um tenha suas próprias funções, situações e condições de adequação que sejam
claramente demarcadas de outros. (…) Nessa concepção, o código é primário, e um conjunto de
códigos é simplesmente uma soma de suas partes” (p. 95)

“Uma posição mais frutífera para a orientação histórica da mudança discursiva é a dos analistas de
discurso franceses que sugerem que o 'interdiscurso', a complexa configuração interdependente de
formações discursivas, tem primazia sobre as partes e as propriedades que não são previsíveis das
partes” (p. 95)

“(...) o interdiscurso é a entidade estrutural que subjaz aos eventos discursivos e não a formação
individual ou o código: muitos eventos discursivos manifestam uma orientação para a configuração
de elementos do código e para seus limites, para que se possa considerar como regra o evento
discursivo existente (mas especial) construído da concretização normativa de um único código. Um
exemplo seria 'gêneros mistos', que combinam elementos de dois ou mais gêneros”. (p. 96)

Fairclough prefere o termo “ordem do discurso” cunhado por Foucalt a “interdiscurso” por sugerir
mais claramente os tipos de configuração que tem mente;
“Elemento” ao invés de “código” para designar as partes de uma ordem de discurso;

“Contrariamente a abordagens baseadas em teorias da adequação, onde se supõe uma relação única
e constante de complementaridade entre os elementos, suponho que a relação pode ser ou tornar-se
contraditória. Os limites entre os elementos podem ser linhas de tensão. Tomem-se, por exemplo, as
diversas posições de sujeito de um indivíduo nos diferentes ambientes e atividades de uma
instituição, em termos da dispersão do sujeito na formação de modalidades enunciativas, segundo
Foucalt”. (p. 96)

“O que se aplica aos limites entre as posições de sujeito e as convenções discursivas associadas
geralmente se aplica aos elementos das ordens de discurso. Aplica-se também aos limites entre
distintas ordens de discurso. A escola e a sua ordem de discurso podem ser consideradas em relação
complementar e não sobrepostas a domínios adjacentes, como o lar ou a vizinhança, ou, por outro
lado, contradições percebidas entre tais domínios podem virar plataforma de lutas para redefinir
seus limites e suas relações;”. (p. 97)

“O resultado de tais lutas são rearticulações de ordens de discurso, tanto das relações entre ele
elementos nas ordens de discurso 'locais', como das relações entre ordens de discurso locais na
ordem de discurso societária.

“Não se deve supor que esses 'elementos' sejam homogêneos internamente. (…) Os novos
elementos são constituídos mediante a redefinição de limites entre os elementos antigo. Portanto,
um elemento pode ser heterogêneo em sua origem, e mesmo que essa heterogeneidade histórica não
seja sentida como tal quando as convenções são altamente naturalizadas, pode ser sentida como
contradição no elemento, em condições diferentes” ( p 97)

“Os elementos a que me refiro podem ser muito variáveis em temos de uma 'escala'. Há casos em
que podem parecer corresponder a uma compreensão convencional de um código ou 'registro'
inteiramente desenvolvido (Halliday, 1978), um bloco de variantes em níveis diferentes com
padrões fonológicos distintos, vocabulário, padrões gramaticais, regras de tomada de turno e assim
por diante” (p 98)

“Um ponto de oposição entre as ordens do discurso é a cristalização de tais elementos em blocos
relativamente duráveis” (p. 98)

“As descrições de Foucalt ressaltam a imbricação mútua do discurso e do não-discurso nas


condições estruturais da prática discursiva. Nesse sentido, as ordens de discurso podem ser
consideradas como facetas discursivas das ordens socais, cuja articulação e rearticulação interna
têm a mesma natureza” (p. 98)

“A prática discursiva manifesta-se em forma linguística, na forma do que referirei como 'textos',
usando 'texto' no sentido amplo de Halliday, linguagem falada e escrita. A prática social (política,
ideológica, etc) é uma dimensão do evento discursivo, da mesma forma que o texto.” (p. 99)

“Essa duas dimensões são mediadas por uma terceira que examina o discurso especificamente como
prática discursiva.

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