Professional Documents
Culture Documents
Instituto de História
Programa de Pós-Graduação em História
Disciplina: Sensibilidades, sentimentos, subjetividades
Profa.: Jacy Alves de Seixas
Aluna: Cristiane Paula Arantes
1|Página
um “ainda não” e um “não mais”. (AGAMBEN, 2009, p. 67) Nesse sentido, o estar na
moda como apreensão sensível do presente já comporta um passado, pois ao afirmá-la já
se está apartado dela.
Ser contemporâneo exprime, portanto, uma atitude política de pertencimento à
escuridão, pois há uma descontinuidade entre passado e futuro no presente, isto é, uma
inabilidade em lidar com a efemeridade deste último, a qual se desvela como
inapreensível. Em outras palavras, o contemporâneo em Agamben reconhece as trevas do
presente, dada a sua incapacidade de apreensão objetiva diante da aparição incontrolável
do passado.
Essas formas de subjetivação e a cultura na contemporaneidade contribuem para
pensarmos inúmeros temas correlatos à História e à historiografia. Essas reflexões
apontam para uma problematização dos significados e desdobramentos da modernidade,
pois abarcam formas de pensar, sentir e agir dos indivíduos em sociedade. Nesse sentido,
tentaremos traçar um breve ensaio que visa elencar esses temas discutidos na disciplina
“Sensibilidades, sentimentos, subjetividades” e correlacioná-los à pesquisa de
doutoramento em curso, que visa estudar o impacto e os significados do new historicism1
na historiografia e, assim, desenvolver uma reflexão acerca dos rumos do trabalho
historiográfico, perante as várias abordagens e campos de pesquisa na História.
1
O novo historicismo transformou-se numa escola ou corrente de prática de escrita no fim da década de
1980, a qual buscou tornar esmaecidas as fronteiras entre arte, filosofia, literatura, antropologia e história,
esse esforço interdisciplinar foi acompanhado de uma tentativa de explodir com as categorias formalistas
presentes nas análises literárias da academia norte-americana. Seu principal divulgador foi Stephen
Greenblatt.
2|Página
imitação que subverte o estilo clássico e o torna objeto de riso, a partir do sarcasmo.
Na contemporaneidade, a paródia se transforma em pastiche, o qual também
contempla estilos da alta cultura, mas não o subverte, pois promove uma mescla de estilos
sem a preocupação de rir do estranhamento por ele causado. Imitar, portanto, perde a
função risível. Enfim, elementos da cultura erudita unem-se à cultura de massa,
produzindo produtos culturais “não subversivos”, tampouco pautados em alguma
novidade estilística. Se para Agamben há uma fratura no viés contemporâneo, na
perspectiva de Jameson ela é trabalhada como um movimento de diluição das fronteiras
entre alta e baixa cultura, pois que a paródia configurada em pastiche inviabiliza sua
potência política do riso.
A imitação e mistura de estilos isentos de pretensões estilísticas inovadoras seria
um traço da perda da historicidade na vertente pós-moderna. Posto isso, há um esforço
historicista de Jameson de denunciar e historicizar a perda da historicidade, a qual vai ser
encontrada a partir das contingências da chamada lógica cultural do capitalismo tardio.
O horizonte norteador do modernismo era a singularidade incomparável e
esdrúxula, e este sofreu um colapso, só restando aos produtores culturais se voltarem para
o passado e copiá-los aleatoriamente. “Graças ao pós-modernismo, nós, arquitetos,
ficamos enfim livres da tirania do estilo”. Em outras palavras, se livraram da tirania de
terem de ser eles mesmos. (CASTORIADIS, 2002, p. 156)
Se as obras já não causam mais estranhamento, quer dizer que a desordem por elas
causada perdeu o sentido de outrora. A estética de Picasso, por exemplo, já não
escandaliza os olhares, menos ainda os impacta. Sobre isso, Jameson nos diz:
O que aconteceu é que a produção estética hoje está integrada à
produção das mercadorias em geral: a urgência desvairada da economia
em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam
novidades (de roupas a aviões), com um ritmo de turn over cada vez
maior, atribui uma posição e uma função estrutural cada vez mais
essenciais à inovação estética e ao experimentalismo. (JAMESON,
1991, p. 30)
3|Página
Georg Simmel, ao refletir sobre a cultura na modernidade também apreende uma
mutação no paradigma das formas culturais, as quais existem para expressar a vida, o
processo cultural é o momento em que dois elementos se reúnem e nenhum deles a contém
em si: a alma subjetiva e a criação espiritual objetiva. (SANTOS, 2014, p. 147). A cultura
em Simmel exprime
2
Utilizo a ideia de “historicismo clássico” para identificar um movimento intelectual alemão ocorrido no
século XIX que, embora não tenha tido a pretensão de se auto-identificar como tal e tenha apresentado
diferentes autores que refletiram e divergiram sobre o conteúdo e forma de apresentação do conhecimento
histórico, o que implica dizer que esses historiadores convergem no sentido de tentar traçar uma didática,
metodologia para a ciência histórica, pensada e assim consolidada no momento de especialização das
5|Página
visualiza o passado e desenha um futuro para o presente, já que está imbricada de uma
ordem linear e progressista da História, ao mesmo tempo em que tornava o evento em
conhecimento científico. Isto garante [ou garantia] o cumprimento de uma meta de ação
teleológica que estaria intrínseca à produção de sentido ao acontecimento. Por isso, a
cognição elaborada pelo historicismo servia como orientação, segundo Jörn Rüsen
(2011).
A prática de escrita do chamado “novo historicismo”, segundo Greenblatt, entende
que os métodos do historicismo seriam insuficientes para visualizar os mecanismos
linguísticos e representacionais das vontades individuais que, segundo ele são
prerrogativas do “novo historicismo”. Essa metodologia de análise construiria uma
proeminência da estratégia da ação humana, em detrimento da relevância do processo
inexorável da História, que de acordo com Greenblatt é uma característica do historicismo
do século XIX.
Especialista em Shakespeare, Greenblatt publica em 1980, o famoso Renaissance
Self-Fashioning: From More to Shakespeare obra em que o autor atesta suas críticas às
generalizações do historicismo, no entanto, trabalha com concepções também
generalistas para entender e combater o “inimigo”. Durante a narrativa Greenblatt
enfrenta questões correlatas aos domínios ideológicos da crítica literária norte-americana
e suas metodologias de análise da literatura e das artes, para tanto, o escritor utiliza
personagens e constrói analogias. Sobre isso, podemos apreciar as análises elaboradas
pelo crítico-literário
Será que os textos se referem a uma realidade social? Em caso positivo, será que
eles meramente refletem ou será que imaginam realidades utópicas? Como a
questão de se Dreiser gostava ou não do capitalismo, essas questões [Michaels
erroneamente limita a questão às da representação realista (grifo do autor)]
parecem postular um espaço fora da cultura a partir do qual se questionam as
relações entre espaço (aqui definido como o literário) e a cultura. Mas os espaços
que procurei explorar estão todos bem dentro da cultura, e portanto o projeto de
questionamento esvazia-se de sentido. (GREENBLATT, 1980, p. 27)
ciências humanas. Portanto, referencio historicismo como um momento intelectual com vários expoentes,
ademais, pode ser considerado um clima intelectual que ainda inspira a historiografia.
6|Página
O trabalho historiográfico nas ciências humanas nos permite criticar, dissecar e
fazer diferentes perguntas às fontes, e também cria-las intuitivamente, mas em que
medida há o esforço ético em não ir além da fonte? Não cometer anacronismos deveria
ser o mote de análise historiográfica? A crítica de Greenblatt coloca um incômodo de
ordem epistemológica, uma vez que questiona metodologias rigorosas que ainda são
aplicadas na historiografia. Métodos que constantemente são colocadas em dúvida pelos
anseios de uma escrita menos plástica e academicista.
O questionamento da linguagem científica e totalizante é evidenciado pela crítica
desses autores da crítica literária [assim como Greenblatt], os quais contribuem para
compreendermos a formação de um movimento neo-historicista como um aspecto de um
novo regime de historicidade. Sobre isso, os escritos de François Hartog nos permite
estabelecer uma reflexão sobre a dificuldade que encontramos ao desenhar a
temporalidade contemporânea:
7|Página
ineficiência na relação conhecimento e sociedade? Dito em outras palavras, pode a
historiografia do século XXI subjetivar o indivíduo, ou os textos produzidos ainda
permanecerão apartados do eu e do nós?
O pensamento que Michel Foucault desenvolveu nos idos da década de 1970 e
1980 desafiou as humanidades ao dissecar as formas e relações de poder entre os sujeitos.
Sujeito, na obra de Foucault é pensado a partir dos jogos de verdade na ciência, religião,
nos poderes institucionais, entre outros. Foucault analisa práticas coercitivas e de
autoformação que produzem verdades, conformações, estados de dominação e, também
resistências de variados matizes, o que permitiu retirar o caráter essencialista dos
discursos produzidos na sociedade. Os dizeres foucaultianos são instigantes:
3
Para aprofundar essa discussão, recomendo dois textos interessantes disponíveis online na língua
portuguesa: FALCON, Francisco. Historicismo: antigas e novas questões. História Revista (Goiânia), nº 7
(2002) 23-54. MARTINS, Estevão C. de Rezende. Historicismo: tese, legado, fragilidade. História Revista
(Goiânia), nº 7 (2002) 1-22.
8|Página
prática de leitura, e em que medida se distancia do historicismo clássico. As relações de
poder na produção de conhecimento estão envoltas a instabilidades, afinal, também há
relações de liberdade, reversibilidade ou resistências ao se escrever histórias. Nesse
sentido, pensar sob o viés dos dispositivos contribui também para desnaturalizar ambos
os movimentos historiográficos e a própria Teoria da História, ou teorias das histórias.
Outro desafio que se impõe será um diálogo entre a percepção dos regimes de
historicidade e historiografia, na obra de Hartog e a ideia de dispositivo em Foucault,
teorizada por Agamben. Como esses conceitos se aproximam e se distanciam, ademais,
de que maneira operam no sentido de possibilitar o entendimento de uma possível
historiografia do século XXI, que esteja permita profanar a escrita da história e torná-la
de uso comum das humanidades, em outras palavras, cumprir o intento contemporâneo
transdisciplinar. Sobre a ação profanatória e transdisciplinar, Agamben nos traz outra
inspiração:
Referências bibliográficas:
9|Página
Von Ranke. Emblemas – Revista do departamento de História e Ciências Sociais – UFG/CAC, v.
1, n. 3, 2007.
CASTORIADIS, C. A ascensão da insignificância; A crise do processo de identificação. As
Encruzilhadas do labirinto IV – A ascensão da insignificância, São Paulo: Paz e Terra, 2002. p.95-
118; 145-162.
_______. Figuras do pensável – As encruzilhadas do labirinto VI, Civilização Brasileira: 2004.
FOUCAULT, Michel. “A ética do cuidado de si como prática da liberdade”. In: Ditos e escritos
2, 1976-1988, São Paulo: Forense Universitária.
HAROCHE, Claudine. A condição sensível. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008. Particularmente:
Transformações das maneiras de sentir nos fluxos sensoriais das sociedades contemporâneas;
Experimentar maneiras inéditas de sentir, p.199-226.
_______ Crise da consciência contemporânea e expansão de um saber não-acumulativo. Historia
& Perspectivas. Uberlândia: EDUFU, jul-dez 2005. p.13-37.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo
Horizonte: Autêntica, 2013.
HUMBOLDT. W. Sobre a Tarefa do Historiador. In: Anima. Ano 1, número 2, 2001, p. 88.
IGGERS, Georg. The German Conception of History. Estados Unidos: Wes- Estados Unidos:
Wesleyan University Press, 1988.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio
de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ed.
Ática, 2ª Edição. 2007.
LYOTARD, J.-F. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 12ªed., 2010.
MANNHEIM, Karl. Historicismo. In: Sociologia da Cultura. São Paulo: Perspectiva, 2004.
MARTINS, Estevão. Historicismo: tese, legado, fragilidade. História Revista (Goiânia), 7 (2002),
p. 1-22.
MEINECKE, Friedrich. El Historicismo y su Génesis. México: Fondo de Cultura Económica,
1982.
MUDROVCIC, M. I. Cuando la historia se encuentra con el presente o lo que queda del “pasado
historico”. In: MUDROVCIC, M. I. e RABOTNIKOF, N. (coords). En busca del pasado perdido:
temporalidad, historia y memoria. Mexico: Siglo XXI Editores, UNAM, 2013. MUNSLOW.
Desconstruindo a História. Petrópolis: Vozes, 2009.
NICOLAZZI, F., MOLLO, H. M. e ARAÚJO, V. L. (orgs.). Aprender com a história? O passado
e o futuro de uma questão. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2011. NOVAIS,
Fernando A.e SILVA, Rogério Forastieri da (orgs.). Nova história em perspectiva. São Paulo:
Cosac Naify, 2011.
PHILAINEN, Kalle. Critical historiography in the entertainment age. Historein. v.10, p.106-116,
2010.
SEIXAS, Jacy. Linguagens da perplexidade: personas, infinitos desdobramentos [três narrativas,
três tempos]. In: SEIXAS, J.; CERASOLI, J.; NAXARA, M. (org.) Tramas do político –
linguagens, formas, jogos. Uberlândia: Edufu, 2012, pp.279-300.
SIMMEL, Georg. [1911] Le concept et la tragédie de la culture. In: La tragédie de la culture.
Paris: Ed. Rivages, 1988, pp.179-216. [Tradução : O Conceito e a tragédia da cultura. In:
ÖELZE, Jessé Souza B. Simmel e a modernidade. 2ª ed. Brasília: Ed. UnB, 2005.
VERNANT, J-P. A fabricação de si; O homem grego. In: Entre mito e política. São Paulo: Editora
da USP, 2001. p.63-70; 169-187.
10 | P á g i n a
11 | P á g i n a