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o poeta marcelo ariel uma vez disse

que pergunta não tem nada a ver com


resposta
que as perguntas são os destinos das
coisas para sempre destino e esfinge
ou pelo menos entendi assim
dedico esse texto para o ariel para a
água para a noite
e me dedico à escuta das vozes e dos
espíritos que cantam este texto

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cinza: escuta à mim
e os outros que escutaram

cinza itálico: Papisa, Arcano II


na voz do poeta Marcelo Ariel

preto: o que escrevi e li


na noite que dormimos juntos

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Começo pelo nome que areja a a alegria que não pode ser pensada ou
falada
publicação que esse texto está presente
que é a substância mesma do mundo
antes que esse texto se recolhesse em
e quando a encontramos seguimos o
direção ao seu nascimento acontece
mundo
parte do seu nascer como parte do já
e somos a vida
nome dessa publicação mitológicas nasce
não mais vivemos
antes do nascer desse texto e desenha
tomamos o partido da vida
para o seu nascer ao mesmo tempo um
é a vida quem vive
vácuo e contorno
ninguém vive
o nome de batismo dessa publicação foi
mas é preciso sair da frente da vida pra
dado para que seu destino de chamar
que ela viva por si mesma
colher materiais e traçar pensamentos
e isso se chama nascer
encontre o mundo
e isso se chama cair …
já posso ver o abraço entre a voz
uma pergunta solitária só se perguntar
desse texto e o nome de batismo
sobre os acontecimentos depois da morte
dessa publicação que o publica nesse
das coisas e a pergunta a que se destina
abraço encontro a voz que o terreyro
o nascer e a coisa nascida ? talvez o
coreográfico costurou na celebração
terreyro coreográfico se destine à escuta
junina para santo antonio no dia treze de
dos nascidos – não só dos nascidos
junho de dois mil e dezesseis – ao público
humanos nem só dos nascidos vivos ou o
o que é público
que entendemos por estar vivo e nem por
então acho que posso começar mais uma
ser fissurado nos acontecimentos da vida
vez por aí e arriscar como acho que o
distante da morte mas por estar a fim de
terreyro coreográfico via batismos torna
fazer o destino do nascido explodir fora
público o que é publico … a alegria que
para o mundo
não precisa de motivo para existir
a pergunta – no caso a pergunta sobre o

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nascer e viver para a coisa nascida – nos
coloca frente ao destino da coisa e não
frente ao nosso destino próprio
é possível tornar público o destino de
um nascido que tem por vocação ser
público como a terra a água o fogo um
bairro o céu e quero dizer que o público
não existe se existe o esvaziamento do
espírito das coisas se existe a não escuta
das suas vozes e se existe brutalidade à
alguns dos seus contornos e limites … eu
sou a geração do ato como um segredo
nascer é secreto e lento
eu sou a que recebe abertura
eu sou grávida do sagrado
o ser para o sagrado
eu sou a natureza
a geração oculta e velada dos fenômenos

na segunda semana do disseminário


coreográfico passamos uma noite
dedicada ao sonhar tive curiosidade do
sonhar junto e do sonhar a voz da terra
e não sonhar nossos sonhos próprios
essa intenção já estava no ar antes
mesmo deu estar presente no projeto

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provável que por isso tenha proposto mais tarde fui atrás de entender como
também já estava presente no filme atuava o sonho em algumas culturas e
do Werner Herzog - Onde Sonham as me deparei com um livro sobre como
Formigas Verdes - exibido na mostra de as tribos australianas criavam mapas
filmes as vozes da terra que o terreyro cartografavam e se localizavam no
coreográfico fez durante a demarcação deserto por júpiter é no sonhar que não
do viaduto libertas quando a prefeitura se restringe apenas ao sonhar do humano
abriu um edital para a entrada da iniciava e nem ao ato de dormir mas dos sonhos
privada nos baixios do viaduto acho que que as coisas sonham e das imagens de
essa mostra as vozes da terra soam e poder que os sonhos explanam – da imagem
ressoam até hoje para dentro e fora dos como lei
limites do viaduto por isso se no deserto tem uma imagem
é isso que um batismo possibilita o sonhada essa imagem é lei e exige seus
sempre fazer nascer de um destino cuidados o sonho dela pode querer ser
esse edital caiu talvez porque essa fogo querer ser água vento ou os dois
terra tenha outros destinos e porque a … só me interessa o sonho do outro
voz dela e a voz dos que sonham esse quero dormir ao lado
viaduto destinam outro destino à ela dormindo lado a lado
nesse filme uma tribo aborígene ser o sonho do outro
australiana permanece no seu terreno o outro é o local
nativo para impedir que uma empresa a proposta e o propósito
cavasse fossos de mineração e quando o desprivatizar o sonho e o sono
geólogo da empresa vai em direção aos deitar dormir
aborígenes perguntar porque não se possível sonhar nos locais públicos de
porque naquela terra não poder
os aborígenes falam que lá sonham as na terra nas fontes nos edifícios
formigas verdes em frente aos conselhos que se pensam

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responsáveis pelas tomadas de decisões
públicas
a testemunha será o céu
sonho para o aberto
é o fim vigília
o sono e o sonho partícula mínima …
… eu sou a noite do mundo
a noite do mundo e a manhã do ser
meu corpo é um livro entreaberto
semi-aberto
eu sou a noite do mundo
a noite é o estado do mundo
o princípio feminino claro
dela nasce o dia sagrado
não que a noite não seja sagrada
é que ela é a mãe
não tem separação entre o dia e a noite

… a princípio só vejo cru
a crueza do tocar a noite – o estado do
mundo
se o cair da noite
se o cair do sereno
tome primeiro os pés
em contacto com o permeável
que toca os rios e a terra
e quando o corpo deita na horizontal

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toca os cabelos enluarados o espírito das coisas e a precisão e
como os cabelos da pagu dedicação que exige um batismo – desde
cabelo de lua o ano de dois mil e quinze o terreyro
a nuca e curva da lua coreográfico habita os baixios do viaduto
também curva do quadril e o peito do pé libertas no bairro do bixiga e foi lá onde
uma vez entendi que a curva do meu pé o projeto pôde experimentar e dedicar
era também a curva da lua em todos as suas perguntas e sua escuta para o sonho
suas fases ela meia e inteira quando em das coisas para as imagens leis e para
redondo com a terra o batismo especial das coisas nascidas
ter lua nos pés cabelo e palma da mão do baixio – o terreyro é um projeto
também escovar os dentes e amalgamar experimental o que não significa impreciso
o céu da bocada … a noite do caos também um projeto novo então demos
fundador do mundo e estamos a dar algumas esbarradas por
eu sou as trevas de onde nasce a luz do aí mas o habitar por exemplo da mesa
espírito durante as leituras no programa ler junto
começamos pela noite fez com que em permanente sonhar
pela sombra a mesa fosse batizada de mesa antes
eu sou o útero de todos os pensamentos mesmo de ser mesa e depois ser mesa
caminha sol … a noite é tão grande e ser mesa até hoje mesmo esta já não
antes de entrar sentir a noite dele estando mais lá
então fazer ele dormir como outro … o princípio de criação e os inícios
depois entrar e caminhar na imagem o poder de gerar em graça com o escuro
onde mora a imagem da coisa e seu que contém a sol
sonhar ? … me disse bom dia quando a noite tocou
então quero conectar diretamente o seu ver
ato de sonhar o ato de escutar a voz o que acontece no mundo e nela
do sonho das coisas a voz que sonha ela é a noite o estado do mundo

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por isso a manhã e o sino
ela e ela , o a … o altar da água parece
ser uma das vozes das mais claras entre
as duas pistas do viaduto tem um pingo
de água que fica caindo no terreno o
pingo e a chuva quando escorre no chão
sonha em imagem todo o desenho do
baixio sonha toda curva do concreto e
sonha a terra que está embaixo sonha
seu destino de encontrar o rio o pingo
que pinga independente da chuva entre
as pistas do viaduto se fez altar da água
ele tem o poder de conversar com os
desenhos dos rios e com o caminho
daquela terra a água de baixo também
sonha o destino da água que cai o altar
é a encruzilhada entre rio de baixo rio de
cima e o chão de concreto … no entre a
madrugada
viro as taças e te encontro … aquilo que
se revela na solidão do um
se transforma em dois
você nasce do um que é a criação do vazio
mas é o trabalho ser dois
eu sou duas vezes o um
manifestação do fogo
– o vermelho atividade do espírito fundando

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os movimentos do corpo em sua elevação os batismos e as coisas materializadas
dentro da matéria no baixio não convivem sozinhas naquele
eu sou o campo de atravessamentos … espaço nem mantém seus destinos
o fogo é uma roda – andreia yonashiro estancados por lá
teve o martim no ano passado e um dia há um devorar de mundos e um encontro
disse que bebia muita água para gerar o de forças e interesses distintos como
leite do martim disse que por enquanto o próprio nome do viaduto – o viaduto
ela era a mediação do mundo para ele e chama viaduto libertas e também é
disse que o fogo tinha o poder de mediar chamado de viaduto júlio mesquita
o mundo – o fogo sonha mediar a batata filho esses dois nomes cantam imagens
doce crua em batata doce cozida em diferentes
transformar madeira plástico ou papel emanam interesses e sonhares no espaço
em calor som e cor sonha transformar bastante distintos e também mostram
as matérias do mundo para o mundo jeitos diferentes de se batizar e escutar
da nossa parte criamos um altar para a aquela terra
manifestação dele e tomamos o costume a diferença é que a voz daquela terra
de habitar o fogo de conversar ou ficar vive imagem dela mesma quando canta
em silêncio em volta dele de cultivar sua o nome viaduto libertas e quando canta
tradição de ser aceso nas festas juninas e o nome viaduto júlio mesquita filho está
dar batatas pra ele cozinhar e madeira para falando de uma coisa que não tem nada
ele criar imagem temos o costume também a ver com as imagens leis que sonham
de estar com ele até o fim dele até ele essa terra não tem problema nenhum
apagar pra ser aceso de novo haver vozes diferentes e discordantes
... uma pessoa segue o mundo ou ela mesma soando na mesma terra o estranho é
se segue ela mesma encontra o abismo não ter escutado o soar dos já nascidos
que vai precisar atravessa pra sair de si e só conseguir estar na terra depois do
a dimensão da alma é lenta … esvaziamento do seu espírito e tentativa

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de sumiço dela própria por isso e por mais
mil motivos – agora deve estar um pouco
repetitivo já – o terreyro coreográfico
tem se dedicado às perguntas em direção
às coisas e que elas brotem aos seus
destinos desenhos.

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Carolina Castanho. Mitológicas. Terreyro Coreográfico. 2017

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