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BIXIGA PULSA

VIDA
CORAÇÃO SAMPÃ
No dia 31 de maio de 2016 o edital que pretendia entregar as TERRAS PÚBLICAS
dos baixios do viaduto Júlio Mesquita Filho no BIXIGA, encabeçado pela SP
Urbanismo junto da Subprefeitura da Sé, deu deserto, nenhuma inscrição, caiu! Não
sem um grande empenho nosso e de muitos outros atuadores do bairro do BIXIGA,
que trabalharam para mostrar que com seus parâmetros extremamente genéricos, o
edital não passava de porta de entrada para um processo de arrazoamento da
cultura e da vida do bairro.

Agora, frente a essa queda, insistimos para que se escute a voz daqueles que
cultivam as TERRAS PÚBLICAS SAGRADAS DO BIXIGA. Que se escute a voz dos que
habitam essas terras e dos seus atuadores – pequenos comerciantes, moradores,
principalmente os que dormem nas calçadas, os que desenvolvem ali projetos
culturais, sociais, mas principalmente aqueles que pensam o bairro para além dos
seus próprios interesses, em acordo com a história e memória viva desse bairro tão
rico e multicultural que é o BIXIGA.

Para isso estamos propondo que se instaure ali no baixo do viaduto Júlio Mesquita
Filho uma AUDIÊNCIA PÚBLICA PERMANENTE e CONCRETA, um ESPAÇO DE
ESCUTA e EXPERIMENTAÇÃO, onde se possa experimentar publicamente esses
espaços antes de lhes dar uma finalidade monocultural com projetos que não levem
em conta seu DNA, seu Genius Loci, suas especificidades culturais, históricas e
sociais. E isso não se faz só com pesquisas objetivas em arquivos históricos,
pesquisas de opinião, mas sim, pisando na terra, habitando o espaço, corpo presente,
ali, sentindo todos os fluxos que passam, que habitam, que atuam. Para assim
descobrir as potências que ali existem, e dar voz a elas.

Isso será feito através de experimentações públicas concretas desses espaços, que
inclusive já vem sendo realizadas desde 2014, com feiras e festas populares, cinema
ao ar livre, aulas de dança, de percussão, espaço de ensaio e apresentação de
diferentes grupos de teatro e dança, palco de encontros e de debates públicos. Um
lugar onde convivam crianças girando bambolês, andando de bicicleta, nômades
urbanos cozinhando, dormindo, vivendo e cuidando do espaço onde estão morando
temporariamente, senhores passeando com seus cachorros, um banheiro público
para as necessidades básicas. Uma cozinha pública para quem preferir preparar seu
próprio almoço mas está longe de casa. Para aqueles que estão caminhando sob o
sol, um quiosque de coco por um preço justo para que possa se refrescar. Uma
banca de jornais e livros com bancos em volta para aqueles que quiserem sentar
para ler uma notícia, ou um bom livro. Canteiros repletos de árvores! Devolver a
Terra ao Povo da Terra. Uma verdadeira ÁGORA. Tudo aberto. Público! Também
com ações junto à Subprefeitura da Sé e à SP Urbanismo que possibilitem uma maior
permeabilidade desses espaços: retirada de grades, cercas e muros que atrapalhem
ou impeçam sua fruição pública. Além dos cuidados básicos que a Prefeitura deve ter
com qualquer espaço público: limpeza periódica, varredura, poda de árvores etc.
Tudo o que for preciso para que todo esse trecho de 11.500 m² possa ser
experimentado pelo Povo da Terra do Bixiga enquanto um ESPAÇO EFETIVAMENTE
PÚBLICO.
Sabemos das dificuldades da Gestão Pública de uma cidade do tamanho de São
Paulo, ou mesmo de uma Subprefeitura do tamanho da da Sé, em gerir seus
equipamentos e espaços públicos, em cuidá-los, administrá-los, cultivá-los, mantê-
los abertos ao público. Dificuldades essas que possuem uma série de razões
diferentes alegadas pelos gestores, especialmente a falta de dinheiro. E que resulta
em espaços públicos abandonados e fechados, ou cedidos à gestão privada, que por
não terem, na grande maioria das vezes, uma experiência viva desses espaços,
atuam de forma abstrata, a partir de uma perspectiva extremamente restrita,
produzindo consequentemente um espaço restritivo, seja pelo valor abusivo dos
serviços oferecidos num espaço dito público e pela sua concepção estética higienista,
que se faz convidativo apenas a uma certa elite paulistana; ou produzindo espaços e
mobiliários urbanos que já nascem fadados ao abandono, por não se estabelecerem
em sintonia com as especificidades do lugar; ou em casos mais violentos em que
apenas se cria um disfarce para as questões sociais de um determinado bairro ou
comunidade.

Ou seja, o dinheiro não tem se mostrado ser solução para a construção de uma
cidade para todos e mais humana, como gosta de dizer a atual gestão municipal.
Talvez seja uma solução apenas para a administração pública, por não ter de se
preocupar com a gestão e os cuidados básicos do espaço, que passa a
responsabilidade para o privado, criando uma aparência de estar fazendo algo pela
cidade, mas que na verdade está privando a cidade de se fazer acordes com os
Interesses Públicos.

Qual outro caminho?

Num outro sentido temos uma incontável quantidade de iniciativas dos próprios
moradores de um bairro, de uma comunidade, que devido a uma lentidão ou
descaso dos gestores públicos, cansam de esperar e resolvem fazer por conta
própria, cuidar de uma praça, organizar atividades no espaço público que envolvem
a comunidade, festas, shows, saraus etc.

Tem-se, de um lado, a necessidade de gerir um espaço público e de outro, o Povo


da Terra agindo enquanto Poder Público, pois Poder Público diz respeito ao Povo. O
Povo da Terra é a maior expressão do Poder Público! Os políticos eleitos são figuras
simbólicas que estruturam a gestão do que é público e devem atuar conforme os
Interesses Públicos através de suas de-cisões políticas. Mas não são eles que detém
o poder. Embora isso seja insistentemente esquecido. E isso precisa ser lembrado! O
Poder Público, o Povo da Terra precisa ser escutado! Ainda mais nesse momento
político, tão precário no que diz respeito aos interesses públicos.

O que significa atuar acordes com o Interesse Público?

Há uma grande confusão entre Público e Privado e talvez seja necessário


dissociarmos essas duas palavras. Interesse Público não é a somatória de Interesses
Privados, e essa é uma mortal armadilha em que caem os Gestores Públicos, quando
alegam, para justificar-se frente a críticas, que é impossível agradar a todos, e que é
preciso atender a uma suposta maioria da população. Interesse Público se faz
enquanto Necessidade de um tempo, de um território, da Terra, de uma comunidade,
de uma cidade, e essas necessidades são contingências históricas, resultantes de
movimentos que ultrapassam a escala meramente humana, embora esteja
intimamente ligadas a ela. Na sua grande maioria das vezes causadas por gestos
ansiosos de governantes, descuidados e desastrosos, ou tomadas de decisões
equivocadas no percurso de crescimento e desenvolvimento de uma cidade,
produzindo traumas urbanos, doenças nos corpos da cidade, desigualdades sociais,
abandonos, dificuldade de interação e comunicação entre suas diversas regiões. No
caso de São Paulo podemos citar a de-cisão política pelo Plano de Avenidas proposto
por Prestes Maia e Ulhôa Cintra nas décadas de 1920 e 30 que orientou todo o
desenvolvimento e crescimento da cidade a partir de uma perspectiva rodoviarista,
que propunha entre outras coisas a desastrosa opção urbana em enterrar seus rios,
que criou o gravíssimo problema de enchentes e de dificuldade de fluxo, com seus
engarrafamentos infindos. Outro exemplo alinhado com esse mesmo pensamento é
a construção do Minhocão e do eixo de ligação Leste-Oeste, que deteriorou e
devastou todo o caminho por onde passa e, no caso do Bixiga, rasgou o bairro no
meio, criando uma ferida urbana que separa o bairro em dois, Bixiga de Baixo e
Bixiga de Cima, desarticulando a vida do bairro, dificultando a comunicação e a troca
entre esses dois lados. Com a demolição de quarteirões inteiros de casas e
comércios, criou-se terrenos residuais que por muito tempo foram (sub)utilizados
apenas como estacionamento, ou simplesmente abandonados. Há algumas
iniciativas que precisam ser destacadas como é o caso do Sacolão Municipal Bela
Vista, criado durante a gestão da Prefeita Luíza Erundina em 1992 que criou uma
infraestrutura mínima de água, luz, banheiro e além do sacolão, alguns box, que são
locados por preços acessíveis via concorrência pública. Ali hoje funciona um café-
lanchonete, açougue, pastelaria, mercearia.

Mas precisamos ir mais longe, e trabalhar a costura e a cicatrização dessa ferida, e


isso é de Interesse Público! Todos estamos acordes de que é preciso cuidar desses
espaços. Mas para que essa cicatrização, no caso do Bixiga, aconteça, não adianta
apenas cobrir a ferida com esparadrapos e band-aids coloridos. Para que essa
cicatrização aconteça é preciso, primeiro, respeitar o tempo de cicatrização. Segundo,
não produzir uma ferida sobre a ferida. Terceiro, cuidar, limpar, arejar, para que a
cicatrização aconteça por si. Não é preciso muito, mas o mais básico, gestos muito
simples de cuidado. É tempo de transmutarmos esse delírio moderno
megalomaníaco de que sempre é preciso gestos grandiosos e eloquentes e com
muito dinheiro para se fazer algo.

É tempo de aproximarmos a necessidade e a vontade, a necessidade de cuidar dos


espaços e equipamentos públicos e a vontade de trabalhar e de cuidar do que é
público que muitos demonstram ter. Isso é de uma riqueza imensurável, de um
poder imponderável. Quando os Gestores Públicos começarem a olhar para isso, vão
perceber a força que isso tem e que aí podem encontrar uma solução para sua falta
de dinheiro, que na verdade é apenas uma falta de visão, uma visão bastante
limitada da realidade. O dinheiro não pode ser o protagonista, apenas um mediador
e facilitador dos gestos.

Por trás dessa limitada visão, esconde-se uma falta de confiança no Povo da Terra,
como se os políticos fossem superiores e soubessem mais dos que os que habitam e
cultivam um lugar o que precisa ser feito ali. Assim apresentam publicamente uma
face arrogante, de quem se arroga ao poder e não consegue compartilhá-lo com os
que tem o saber da terra, a Gaia Ciência.

Em tempos sombrios da política nacional, precisamos atuar mais radicalmente em


uma microescala. O trabalho no micro inevitavelmente se alastra, ressoa e toca no
macro, pois participam de uma mesma estrutura. Uma mudança na microescala é
poderosíssima e pode ter consequências maravilhosas. E se essa atual gestão
municipal de São Paulo apresenta uma mínima abertura de diálogo através dos
inúmeros Conselhos criados formados pela sociedade civil, das inumeráveis
Audiências e Consultas Públicas para se discutir projetos a serem implantados na
cidade, de enfrentamento frente à cultura do automóvel que por tanto tempo
dominou e massacrou a cidade, de transparência com relação às suas contas e ações.
Porém é preciso que isso seja levado às últimas consequências. Numa aliança de
responsabilidade e confiança entre o Poder Público, o Povo da Terra e os Gestores
Públicos e Políticos, escolhidos pelo Povo. Parece óbvio, e é. Basta trabalharmos
nessa direção.

Em uma cidade com a dimensão de São Paulo isso só será possível com uma
descentralização do poder, ampliando a possibilidade de atuação direta da população.
É preciso fortalecer Conselhos e Grupos de Gestão, que devem ter capacidade real
de deliberação e ação. Sabemos que recursos são necessários para a realização de
projetos, mas propomos que o dinheiro não seja o protagonista e o superobjetivo, e
que muito pode ser feito com um investimento mínimo e incentivando uma economia
local popular. O Setor Privado entra em cena para viabilizar projetos que sejam
orientados pelo Interesse Público e pela sabedoria do Poder Público, determinados e
desenhados pelos Cultivadores da Terra e não por Interesses Privados e privatistas.

O que é público diz respeito ao público, ao povo. Então porque não o povo fazer a
gestão de um espaço público?

A atual Prefeitura tem se dedicado incansavelmente em criar instrumentos para que


se efetue esse tipo de parceria (que estamos chamando de Parceria Público-Público).
Temos de aproveitar ainda essa gestão para ativarmos esses instrumentos. O tempo
é oportuno!

Que se escute a voz da Terra e dos Cultivadores da Terra! Quem sabe assim
realizemos a segunda conversão de São Paulo, finalmente em SAMPÃ!

SAMPÃ dia 3 de junho de 2016

Terreyro Coreográfico

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