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1) Como relacionar a ideia central de equidade normativa em Rawls com a

ideia de integridade em Dworkin e da norma de reconhecimento em Hart?

A teoria da integridade de Dworkin pressupõe dois princípios: um princípio


legislativo e outro jurisdicional. O primeiro impõe que legislativo deve tornar o
conjunto de leis moralmente coerente e o segundo que a lei seja vista como coerente
neste sentido (2007, p. 2013).
Esta integridade, contudo, não se reduz à coerência do ordenamento jurídico, ela
vai além, ao exigir “que as normas públicas da comunidade sejam criadas e vistas, na
medida do possível, de modo a expressar um sistema único e coerente de justiça e
equidade na correta proporção”. Aceitar este ideal implica afastar-se da estreita linha das
decisões anteriores, em atenção à fidelidade aos princípios concebidos como
fundamentais (DWORKIN, 2007, p. 264).
O princípio da integridade, no que tange ao judiciário, conduz à ficção de que os
direitos e deveres legais foram criados por um único autor, a comunidade personificada,
que zela pela justiça e equidade. Para a teoria do direito como integridade, as
proposições jurídicas são verdadeiras se derivam dos princípios de justiça, equidade e
devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática
jurídica da comunidade (DWORKIN, 2007, p. 272).
Para explicar o direito como integridade, Dworkin o compara com um romance
em cadeia, em que cada romancista pretende criar um só romance a partir do material
que recebeu, devendo tentar criar o melhor romance possível como se fosse obra de um
só autor, embora, em verdade, seja produto de muitas mãos diferentes (DWORKIN,
2007, p. 276).
Para encarar a complexa tarefa, é apresentado o juiz Hércules, que possui
capacidade e paciência sobre-humanas e aceita o direito como integridade. Hércules é
um juiz criterioso e metódico, que seleciona diversas hipóteses para corresponderem à
melhor interpretação dos casos e verifica se há amparo em um princípio de justiça em
cada questão, rechaçando cada hipótese que não se coaduna com essa premissa
(DWORKIN, 2007, p. 287-288).
Assim, a teoria do direito como integridade concebe uma comunidade de
princípios, nas palavras do autor:
O direito como integridade pede que os juízes admitam, na medida do
possível, que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios
sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que
os apliquem nos novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a
situação de cada pessoa seja justa e equitativa segundo as mesmas normas.
Esse estilo de deliberação judicial respeita a ambição que a integridade
assume, a ambição de ser uma comunidade de princípios (DWORKIN, 2007,
p. 291).

Dworkin defende, dessa forma, que o direito como integridade pressupõe que os
juízes se encontrem em situação diversa dos legisladores, devendo tomar suas decisões
com base em princípios e não em políticas, e apresentar argumentos que digam por que
as partes realmente teriam direitos e deveres legais (DWORKIN, 2007, p. 292).
Para Dworkin, a integridade não se confunde com a justiça e com a equidade,
mas está intrinsecamente relacionada a elas, nas palavras do autor:

Aceitamos a integridade como um ideal político porque queremos tratar


nossa comunidade política como uma comunidade de princípios, e os
cidadãos de uma comunidade de princípios não tem por único objetivo
princípios comuns, como se a uniformidade fosse tudo que desejassem, mas
os melhores princípios comuns que a política seja capaz de encontrar. A
integridade é diferente da justiça e da equidade, mas está ligada a elas da
seguinte maneira: a integridade só faz sentido entre pessoas que querem
também justiça e equidade (DWORKIN, 2007, p. 314).

Vê-se, dessa maneira, que a teoria de Dworkin da integridade está toda


relacionada com um conceito de equidade, pois pressupõe uma comunidade que zela
pela justiça e equidade e um direito que é estruturado por um conjunto coerente de
princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, devendo estar
sempre em observância pelos magistrados ao julgar novos casos que surgem.
Há, portanto, relação entre as teorias da integridade de Dworkin e da justiça
como equidade de Rawls, uma vez que a equidade é um conceito fundamental na teoria
dworkiniana.
Rawls apresenta a ideia da justiça como equidade a partir da ideia do contrato
social. Como explica o autor, “o pacto social é substituído por uma situação inicial que
incorpora certas restrições de conduta baseada em razões destinadas a conduzir a um
acordo inicial sobre os princípios da justiça”. O intuito é elaborar uma teoria da justiça
que seja uma alternativa para as doutrinas utilitária e intuicionista (2000, p. 3).
O autor defende que a justiça não permite a perda da liberdade de alguns por um
bem maior partilhado por outros, afirmando que numa sociedade justa os direitos
assegurados pela justiça não estão sujeito à negociação política e que uma injustiça só é
tolerável quando necessária para evitar uma injustiça ainda maior (RAWLS, 2000, p. 4).
Rawls entende que a estrutura básica da sociedade é o objeto primário da justiça,
uma vez que a distribuição de direitos e deveres fundamentais pelas instituições sociais
determina a divisão de vantagens, favorecendo assim certos pontos de partidas mais que
outros. Segundo o autor, a essas desigualdades na estrutura básica da sociedade que os
princípios da justiça social devem ser aplicados primeiramente (2000, p. 7-8).
O autor explica a sua alegoria do contrato social afirmando tratar-se de uma
ideia de que os princípios da justiça seriam objeto de um consenso original, no qual as
pessoas livres, racionais e numa situação de igualdade definiriam para reger a
sociedade. A partir de então os princípios deveriam regular todos os acordos
subsequentes. É justamente esta maneira de considerar os princípios da justiça que o
autor chama de justiça como equidade (RAWLS, 2000, p. 12).
Para garantir que ninguém seja favorecido ou desfavorecido na escolha dos
princípios da justiça, o autor cria a ficção do véu da ignorância, que se trata de uma
situação meramente hipotética em que, na posição original, ninguém conhece seu lugar
na sociedade, sua classe, status social, dotes e habilidade naturais, o que conduziria a
uma concepção de justiça como equidade (RAWLS, 2000, p. 13).
Rawls argumenta que o princípio da utilidade é incompatível com a concepção
da cooperação social entre iguais para vantagem mútua, explicando que seria pouco
provável que pessoas numa situação de igualdade concordassem com um princípio que
poderia exigir para alguns expectativas de vida inferiores por conta de uma soma de
vantagens desfrutadas por outros (2000, p. 15-16).
São apresentados por Rawls dois princípios de justiça sobre os quais ele acredita
que haveria um consenso na posição original. O primeiro seria o de que “cada pessoa
deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que
seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras”. O segundo
seria o de que “as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo
que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos
limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos”. São
chamados de princípio da liberdade igual e princípio da diferença (2000, p. 64).
São dados exemplos pelo autor da lista dessas liberdades, na qual ele inclui a
liberdade política, a liberdade de expressão e reunião, a liberdade de consciência e de
pensamento, as liberdades da pessoa, o direito à propriedade privada e a proteção contra
a prisão e a detenção arbitrárias, liberdades essas que com a aplicação do princípio
deveriam ser iguais (RAWLS, 2000, p. 65).
No que tange ao segundo princípio, o autor explica que ele se aplica à
distribuição de renda e riqueza, que embora não precise ser igual, deve ser vantajosa a
todos. O autor acrescenta ainda que esses princípios devem seguir uma ordem, na qual o
primeiro princípio antecederia o segundo, ou seja, as liberdades básicas não poderiam
ser violadas sob o argumento de maiores vantagens econômicas e sociais (RAWLS,
2000, p. 65).
Dworkin critica a teoria da justiça como equidade de Rawls, desde a utilização
da alegoria do contrato social, que o autor considera que isola a moralidade política dos
pressupostos éticos e das controvérsias a respeito do caráter da vida boa. Ao contrário
de Rawls, Dworkin apoia sua teoria da igualdade nos valores éticos aos quais apela
(2012, p. XV).
Este autor defende dois princípios para dar forma a sua teoria da igualdade, o
princípio da igual importância e o princípio da responsabilidade social. Este último,
embora reconhecendo a igual importância objetiva do êxito na vida humana, considera
que a pessoa tem responsabilidade especial pelo seu sucesso (DWORKIN, 2012, p.
XV). Esclarece o autor:

O argumento deste livro – a resposta que oferece ao desafio da consideração


igualitária – é dominado por esses dois princípios agindo em conjunto. O
primeiro princípio requer que o governo adote leis e políticas que garantam
que o destino de seus cidadãos, contando que o governo consiga atingir tal
meta, não dependa de quem eles sejam – seu histórico econômico, sexo, raça
ou determinado conjunto de especializações ou deficiências. O segundo
princípio exige que o governo se empenhe, novamente se o conseguir, por
tornar o destino dos cidadãos sensível às opções que fizeram (DWORKIN,
2012, p. XVII).

Dworkin, ao tratar da temática da reforma da previdência, faz outras críticas à


teoria de Rawls, discorrendo que o princípio da diferença afirma que não se justifica
nenhuma desigualdade de bens primários a menos que seja para melhorar a situação
econômica do grupo em pior situação, argumentando que se trata de conceito
demasiadamente maleável, que não oferece sugestão relativa ao ponto em que se
deveria delimitar a classe que definiria o teto (2012, p. 465).
O autor compara a teoria de Rawls com o utilitarismo, no sentido do caráter
descontínuo do princípio da diferença, que impediria o alcance da escolha correta.
Argumenta ainda que o princípio da diferença atende somente à situação dos que
tiverem menos bens primários, uma vez que exigiria a melhoria de sua situação
independente das consequências que isso acarretaria (DWORKIN, 2012, p. 466). Assim
argumenta o autor:
Parece injustiça ignorar totalmente a repercussão de um plano de previdência
social sobre as pessoas que não estejam no grupo em pior situação, qualquer
que seja sua definição, mas que, não obstante, precisam esforçar-se por
garantir uma vida razoável para a família, e que se sintam ofendidas, o que
não é de surpreender, quando parte de seu suado salário é recolhido em
impostos e entregue àqueles que não trabalham (DWORKIN, 2012, p. 466).

Dworkin conclui que Rawls nunca conseguiu explicar satisfatoriamente o


motivo pelo qual os membros de sua posição original escolheriam o princípio da
diferença por interesse próprio, falha teórica que teria sido evidenciada por seu exemplo
da previdência (2012, p. 467).
No que diz respeito à teoria da norma de reconhecimento, formulada por Hart,
cumpre destacar que Dworkin também faz críticas a esta teoria. Mas inicialmente, é
necessário que se explique em que consiste a mesma.
Hart em sua obra “O conceito de direito” se ocupa essencialmente das
deficiências de um modelo simples de sistema jurídico construído de acordo com a
teoria imperativa de Austin, a qual equipara o direito a ordens coercitivas. O autor
defende que apenas numa comunidade estreitamente unida por laços de parentesco
poderia conseguir viver sob um regime de normas não oficiais e identifica três defeitos
principais das normas primárias de obrigação: a incerteza, o caráter estático dessas
normas e a ineficiência da pressão social difusa pela qual as normas são mantidas (2009,
p. 119-121).
Para cada um desses defeitos, Hart aponta uma solução consistente em normas
secundárias. Para solucionar a incerteza o autor apresenta a norma de reconhecimento,
que especifica as características que, se estiverem presentes numa determinada norma,
serão consideradas como indicação conclusiva de que se trata de uma norma do grupo, a
ser apoiada pela pressão social que este exerce. Para solucionar o caráter estático do
regime de normas primárias, o autor apresenta as normas de modificação. E para
solucionar a questão da ineficiência da pressão social difusa, o autor apresenta as
normas de julgamento (2009, p. 121-125).
Ao tratar especificamente sobre a norma de reconhecimento, Hart esclarece que
a mesma não é explicitamente declarada, mas que sua existência é demonstrada pela
forma como se identificam normas específicas, seja pelos tribunais ou outras
autoridades, seja por indivíduos particulares ou seus advogados e assessores jurídicos. O
autor esclarece ainda que a norma de reconhecimento só existe como uma prática
complexa, que envolve a identificação do direito pelos tribunais, autoridades e
indivíduos privados por meio da referência a determinados critérios, sendo sua
existência uma questão de fato (2009, p. 129-142).
No pós-escrito de sua obra, Hart responde às críticas de Dworkin acerca de sua
teoria. No que tange à norma de reconhecimento, Hart discorre que Dworkin afirma que
os positivistas creem que se os fundamentos do direito não forem fixados de forma
incontroversa por normas e constituírem um tema controvertido e aberto a divergências
teóricas, a palavra direito significaria coisas diferentes para pessoas diversas, é o que o
autor chama de aguilhão semântico (2009, p. 317).
Hart afirma que sua doutrina de que os sistemas jurídicos internos evoluídos
contem uma norma de reconhecimento que especifica os critérios para a identificação
das leis que os tribunais têm que aplicar em nenhum lugar se baseou na ideia
equivocada de que tal norma deva existir em todos os sistemas jurídicos ou na ideia de
que, se os critérios para a identificação dos fundamentos do direito não forem fixados de
maneira incontroversa, a palavra direito significaria coisas diversas para pessoas
diferentes (2009, p. 318).
Dworkin afirma ainda que a doutrina de Hart trata-se de um exemplo de
positivismo dos simples fatos, por considerar que a norma de reconhecimento exige que
os critérios para a identificação do direito consistam apenas em fatos históricos, o que o
autor chamou de pedigree, ocupando-se apenas com a maneira como as leis são
adotadas ou criadas pelas instituições jurídicas (2009, p. 319).
Hart, por outro lado, afirma que os critérios últimos de validade jurídica podem
incorporar, além do pedigree, princípios de justiça ou valores morais substantivos, e
estes podem integrar o conteúdo das restrições jurídicas constitucionais (2009, p. 319-
320).
Contudo, Dworkin critica que há uma profunda incompatibilidade entre o
positivismo brando, que permite a identificação do direito por critérios controversos,
ligados à moral ou outros valores, e a visão geral positivista do direito, que se ocupa em
oferecer padrões confiáveis que podem ser identificados com segurança, sem depender
de argumentações morais discutíveis. Entretanto, Hart afirma nunca ter postulado como
objetivo da norma de reconhecimento a exclusão de toda incerteza no que se refere a
outros valores, o que o autor imaginava ter deixado claro ao tratar da penumbra de
incerteza (2009, p. 324-325).
REFERÊNCIAS

DWORKIN, Ronald. A virtude soberana. 2ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

____. O Império do direito. 2ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

HART, H.L.A. O conceito de direito. 2ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta 2ª. Ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.

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