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Edelton Gloeden A carreira consolidada do professor e músico

VIOLAO
Yamandu
Ano 1 - Número 3 - Novembro 2015
www.violaomais.com.br

Costa
A interpretação lapidada do
virtuose cheio de personalidade

Exclu
E mais: Curso sivo!
de vio
Nova coluna: Sete Cordas popu lão
Conheça o bouzouki grego com v lar
ídeoa
O repique na viola caipira ulas
Como tocar samba
O uso do polegar no flamenco
editorial
Chegamos à edição nº 3!
Os últimos três meses passaram rápido demais. Não dá para acreditar que já está no ar a
terceira edição de Violão+. Nem dá tempo de comemorar uma, já vem outra. Então, não
falemos nada, vamos trabalhando assim, de modo contínuo. E todo mês a gente coloca
no ar o fruto desse trabalho. Sabia que iria dar muito trabalho, mas não tanto. Também
sabia que seria prazeroso. É muito mais do que eu imaginava! Muita gente entrando em
contato, muita gente querendo que dê certo... E está dando!
As surpresas que preparamos para você, leitor da Violão+: uma nova coluna, que muito
fez falta nas duas primeiras edições: Violão 7 cordas. Nosso colaborador Cleber Assumpção
nos fala sobre esse instrumento, que extrapolou as rodas de choro e vive também (muito
bem!) nas mãos de solistas como o nosso entrevistado de capa, Yamandu Costa. Em
conversa antes de um show no SESC Pompeia, Yamandu nos falou sobre suas influências
e como vai a carreira, além de traçar um paralelo interessantíssimo entre o popular e o
erudito. E ainda tocou uma música exclusivamente para nós! Também conversamos com
o professor Edelton Gloeden, que está completando 60 anos de idade e 30 de USP. Muita
história para contar! Na Coda, o relato de uma visita-homenagem ao grande compositor,
professor e maestro Edmundo Villani-
Côrtes, que acaba de completar 85 anos,
com saúde, energia e produção musical.
E uma paixão inconteste pelo violão,
instrumento ao qual se dedicou antes de ir
para o piano. Confira. Para nos livrar das
vírgulas mal colocadas e das palavras mal
escritas, mais uma colaboradora: Valéria
Diniz, que começou com algumas colunas
e seções desta vez (De ouvido, Violão
Brasileiro, Iniciantes, Sete Cordas, Mundo),
mas terá muito trabalho conosco a partir das
próximas edições. Grande abraço, espero
que esteja no ponto certo!
Luis Stelzer
Editor-técnico

VIOLAO Ano 1 - N° 03 - Novembro 2015


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Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus
autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui
Editor-técnico
Luis Stelzer
editor@violaomais.com.br

Colaboraram nesta edição


Alex Lameira, Breno Chaves,
Cleber Assumpção, Fabio Miranda, Flavio Rodrigues,
Luisa Fernanda Hinojosa Streber,
desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado Reinaldo Garrido Russo, Renato Candro,
para nossos arquivos. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo Ricardo Luccas, Rosimary Parra e
dos anúncios publicados. Walter Nery
índice

4 34
Você na V+ Mundo

8 36
Em pauta De ouvido

12 40
Retrato Como
estudar
20
Vitrine 41
Violão
brasileiro

44
Siderurgia 62
Flamenco
48 64
Iniciantes Improvisação
22
54 66
Yamandu
Sete cordas Classificados
Costa
32 59 67
História Viola caipira Coda

Publisher e jornalista responsável Foto de capa


Nilton Corazza (MTb 43.958) Matheus do Val
publisher@violaomais.com.br
Publicidade/anúncios
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Regina Sobral
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você na violão+
Duo Siqueira Lima
Adorei a entrevista com o Duo Siqueira
Lima. Cecília e Fernando são realmente
incríveis em todos os sentidos! Muito
boa a revista! Parabéns! (Joana Fátima
Gonçalves, em nossa página no
Facebook)

Maravilhosos! Adorei o apoio dos pés!


(Max Riccio, em nosso canal no Youtube)

Está linda demais! Obrigado queridos


Nilton e Luis! Excelentíssimo trabalho!
(Cecilia Siqueira, do Duo Siqueira Lima,
em nossa página no Facebook)

V+: O Duo Siqueira Lima realmente


é incrível, tanto pela musicalidade e
competência quanto pela simpatia.
prova disso é o vídeo exclusivo
que gravaram para nosso canal no
Youtube. O objetivo de Violão+
sempre será o de apresentar os protagonistas do universo violonístico,
referências para todos aqueles que desejam se dedicar a esse instrumento.

Segunda edição
Muito bom! Essas publicações fazem muita falta. Vida longa para Violão+! (Eduardo
Knaip, em nossa página no Facebook)

Muito Legal, gostei muito! Parabéns a todos os colaboradores! (Nelson Moraes,


em nossa página no Facebook)

Acabei de ler a revista. Está muito bem feita, com matérias interessantes a todo tipo
de público. Parabéns, Luis Stelzer e toda a trupe! Vocês merecem muito sucesso!
(Iara de Rossi, em nossa página no Facebook)

A edição n° 2 está ótima! Eu já tinha achado superlegal (e profissional) a primeira


edição, mas esta segunda parece ter mais “substrato”, mais conteúdo. As entrevistas
do querido Chico Saraiva e do superduo Siqueira Lima estão muito boas, nem
muito formais, nem muito informais, e com informação interessante, sem “bull shit”.
Parabéns, pessoal! (Conrado Paulino, em nossa página no Facebook)

4 • VIOLÃO+
você na violão+
Obrigado
V+: Agradecemos a todos pelas mensagens, das quais as publicadas aqui são
uma pequena amostra. O fato de termos professores e violonistas de categoria
entre nossos leitores muito nos honra e, ao mesmo tempo, nos acarreta maior
responsabilidade. Esperamos poder sempre atender às expectativas de um
público tão seleto e disseminar informações aos estudantes de qualquer nível
e todos os amantes do violão. Todas as sugestões e críticas são muito bem-
vindas e nos ajudarão a aprimorar cada vez mais nossa revista.

Assinatura
Salve! Parabéns pela revista. Gostaria de saber se há versão impressa, se
posso assinar e como posso adquirir os arquivos de todas as edições. Obrigado.
(Wellington Farias, por e-mail)

V+: A revista Violão+ é digital e pode ser acessada e baixada pelo site
www.violaomais.com.br. Não há versão impressa, mas, se você quiser,
pode baixar a versão PDF e imprimir as páginas que desejar.

Mostre todo seu talento!


Os violonistas do Brasil têm espaço garantido em nossa revista.

Como participar:
1. Grave um vídeo de sua performance.
2. Faça o upload desse vídeo para um canal no Youtube ou para um servidor de
transferência de arquivos como Sendspace.com, WeTransfer.com ou WeSend.pt.
3. Envie o link, acompanhado de release e foto para o endereço editor@violaomais.com.br
4. A cada edição, escolheremos um artista para figurar nas páginas de Violão+, com
direito a entrevista e publicação de release e contato.

Violão+ quer conhecer melhor você, saber sua


opinião e manter comunicação constante, trocando
experiências e informações. E suas mensagens
podem ser publicadas aqui! Para isso, acesse,
curta, compartilhe e siga nossas páginas nas redes sociais clicando nos ícones acima. Se
preferir, envie críticas, comentários e sugestões para o e-mail contato@violaomais.com.br

VIOLÃO+ • 5
você na violão+

Duo Dois em Um
Formado pelos violonistas Gabriele Leite e Marcelo Brito, alunos do
conservatório de Tatuí, o Duo Dois em Um tem como objetivo executar
músicas de diferentes períodos, mas com ênfase em músicas brasileiras.
Orientados desde 2012 pela professora Márcia Braga, os integrantes do duo
participaram, com colocações destacadas, de vários concursos de violão,
como Souza Lima, Musicalis e Prêmio Incentivo à Música de Câmara.
A integração de Gabriele e Brito, aliada ao som cristalino que o duo produz
em seus instrumentos, chama a atenção, tanto pela juventude de ambos
quanto pela interpretação madura de peças dos mais variados períodos. É
mais um grupo a enriquecer o cenário violonístico brasileiro.

6 • VIOLÃO+
CD-60 CE
CLASSIC DESIGN SERIES

Mahogany Black Natural Brown Sunburst

Os violões eletroacústicos CD-60 CE oferecem sonoridade e visual


sofisticados. A combinação do tampo em Spruce laminado, com laterais
e fundo em Nato, captação Fishman Isys III (ativa), Tarrachas Die-Cast
cromadas, braço em Nato com escala em Sonokeling (Black, Natural e
Sunburst) e Mahogany (Mahogany) de 20 trastes garantem sons ricos e
encorpados.

Importantes upgrades incluem um novo projeto de ponte, friso do bocal


em madre-pérola e novo escudo.

Os primorosos acabamentos Mahogany, Black, Natural e Sunburst


oferecem classe e estilo aos instrumentos, que vêm acompanhados por
um exclusivo case “Hardshell” original Fender.

Case “Hardshell“ Captação Novo Projeto Friso em Tarrachas


Original Fender Fishman Isys III de Ponte Madre-pérola Die-Cast

/FenderBrasil www.fender.com.br
EM PAUTA

BRASILEIRO VENCE CONCURSO TÁRREGA

O baiano, radicado na Europa há sete anos, João Carlos Victor Alves, venceu a
49ª Edição do Concurso Internacional de Violão Francisco Tárrega, realizado em
Benicàssim, na Espanha. Ele concorreu com 28 candidatos de 17 nacionalidades
distintas, sendo finalista do certame com dois artistas coreanos e um cubano,
nesta que é uma das competições de performance musical mais importantes do
mundo. Em 49 anos de existência do concurso, o violonista foi o segundo brasileiro
a conseguir o feito, anteriormente conquistado pelo paulista Fábio Zanon.

8 • VIOLÃO+
EM PAUTA

SUPERSÔNICO
Para aqueles que querem turbinar as
possibilidades do violão, o músico Robin
Sukroso criou oACPAD, gadget que permite
tocar diversos tipos de sons, tais como
baterias, baixos e até mesmo orquestra,
mantendo as mãos no instrumento. A
tecnologia consiste em uma fina placa de
polímero adesivo que pode ser fixada no tampo do violão e serve de interface entre o
músico e o computador, além de oferecer dois loopers, dez configurações, dois sliders
e oito teclas, todos customizáveis. Com a possibilidade de recarga via USB, o que
garante algo em torno de 5 a 6 horas de uso ininterrupto, o acessório – que tem todos
os circuitos construídos em ouro - se conecta ao computador por meio de um cabo
ou dispositivo USB wireless, graças a uma entrada mini USB. O ACPAD deve estar
disponível para venda a partir de junho de 2016, mas já pode ser comprado por cerca
de R$ 1.000 diretamente com o inventor.

História preservada Fundada em 1900, a Giannini


comemora 115 anos de existência
e, cada vez mais, quer ver sua
história documentada. Entre as
comemorações, a empresa reuniu
folhetos e catálogos de produtos
antigos e os disponibilizou,
gratuitamente, para download e
consulta, em seu site. Ali estão
reunidas raridades desde a década
de 1950 até hoje. Além disso,
uma série de vídeos apresenta
importantes músicos e produtores
contando um pouco da relação deles
com a marca. E você pode participar
da promoção “Eu Faço Parte Dessa
História” e concorrer a uma craviola.
Mais informações, aqui.

VIOLÃO+ • 9
EM PAUTA

RELÍQUIA
Um violão de John Lennon, aparentemente furtado em 1963, foi leiloado no
início de novembro, nos Estados Unidos, por aproximadamente R$ 9 milhões
(US$ 2,4 milhões). O instrumento foi usado pelo Beatle para gravar os primeiros
sucessos do grupo, como “Love Me Do” e ““PS I Love You””. A Gibson acústica
J-160E, de 1962, sumiu durante o Beatles Finsbury Park Christmas Show e
ficou desaparecida por mais de 50 anos. No ano passado, surgiu a notícia de
que o violão estaria em poder de John McCaw, um aposentado americano que o
comprou em uma loja de penhores no final dos anos 60 por US$ 275, sem saber
da importância do instrumento. McCaw descobriu que tinha uma relíquia em seu
poder quando viu uma foto do violão em uma revista de música e reconheceu
o número de série do instrumento. Ciente da possível polêmica por leiloar um
instrumento furtado, McCaw decidiu que metade do dinheiro da venda será
doado à Spirit Foundation, ONG dirigida pela viúva de Lennon, Yoko Ono.

10 • VIOLÃO+
acontece

A capital paraibana realiza de 29 de novembro a 5 de dezembro o Festival Internacional


de Música Clássica de João Pessoa, que conta com a participação de 15 músicos
de seis nacionalidades. Um dos destaques é o violonista brasileiro Cláudio Faga,
além dos violinistas Joris van Rijn (Holanda), Masha Iakovleva (Rússia), Mayu
Konoe (Japão) e os brasileiros Alexandre Mandl e Alberto Johnson; os violistas
Frank Brakkee (Holanda), Takehiro Konoe (Japão) e Emerson de Biaggi (Brasil);
os violoncelistas Michael Müller (Alemanha) e Matias de Oliveira Pinto (Brasil); e o
pianista israelense Yoram Ish-Hurwitz. Estão programados 23 concertos e 11 eventos
de formação musical gratuitos, realizados em igrejas históricas, como os templos
de São Bento, do Carmo, da Misericórdia, Baptista e do São Francisco, e também
em pontos turísticos da cidade. Segundo Alberto Johnson, coordenador artístico
do festival ao lado de Paulo Gazzaneo, o foco é unir a juventude à experiência dos
participantes como forma de intercâmbio e apoio a projetos sociais.

I Concurso Sul-Americano de Violão de Corumbá


Sob direção artística de André Espindola e com coordenação de Leonardo Burgos,
a cidade de Corumbá realiza, de 11 a 14 de fevereiro de 2016, o I Concurso Sul-
Americano de Violão de Corumbá e o IV Seminário de Violão de Corumbá. Para
participar do concurso, os interessados devem enviar Ficha de Inscrição, cópia de
documento de identidade com fotos e link de uma gravação em vídeo da performance
do candidato no Youtube até o dia 6 de dezembro para a organização do concurso.
Mas corra, porque o número de inscrições é limitado. A taxa de inscrição é de R$ 80.
Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail concursocorumba@outlook.com.
VIOLÃO+ • 11
RETRATO Por Luis Stelzer

Edelton Gloeden

12 • VIOLÃO+
RETRATO

Carreira
Consolidada
Edelton Gloeden, um dos mais importantes
músicos brasileiros da atualidade, fala a
Violão+ sobre carreira, festivais, música de
câmara e muito mais

Edelton Gloeden é Doutor em Artes pela De 1994 a 2008, foi o produtor e


Universidade de São Paulo e professor apresentador do programa Violão
no Departamento de Música da ECA. em Tempo de Concerto, transmitido
Presença constante nos mais importantes semanalmente pela Rádio USP-FM
festivais de música por todo o Brasil, entre da Universidade de São Paulo, e de
eles os de Campos do Jordão, Brasília, séries especiais sobre o repertório
Londrina, Porto Alegre, Ouro Preto, Poços violonístico realizadas para a Rádio
de Caldas, Guaratinguetá e João Pessoa, Cultura FM de São Paulo. Também foi
teve entre seus mestres Henrique Pinto, diretor artístico das quatro edições do
Eduardo Fernandez, Guido Santórsola e Festival Internacional de Violão Leo
Abel Carlevaro. Referência atual no ensino Brouwer, com a presença do artista
do violão, apresenta-se em recitais solo, cubano e de alguns dos maiores
com grupos de câmara, e em concertos nomes internacionais do instrumento,
com orquestra em todo o Brasil, América organizado pela USP, SESC e Instituto
Latina, Estados Unidos e Europa. Cervantes em São Paulo.
Tem se dedicado intensamente ao Em sua discografia, destacam-se os
repertório brasileiro, realizando inúmeras CDs Uma Festa Brasileira, com violão e
primeiras audições de obras de flauta (Paulus), Os Anos 20 (EGTA) e,
compositores como Francisco Mignone, com o Quarteto Brasileiro de Violões,
Camargo Guarnieri, Cláudio Santoro, Encantamento, Essência do Brasil e
Mário Ficarelli, Paulo Costa Lima e Four Bach Suites for Orchestra (Delos
Gilberto Mendes. International - EUA).
VIOLÃO+ • 13
RETRATO
Violão+: Você estudou com grandes Europa e nos Estados Unidos, tudo o
mestres do violão e cita quatro em que saía de gravação, ou edição, me
especial: Henrique Pinto, Eduardo favorecia o acesso. Também os cursos
Fernandez, Guido Santórsola e Abel do Conservatório do Brooklin (São Paulo
Carlevaro. São quatro didáticas – SP), onde a gente formou uma espécie
diferentes. É possível dizer em que de equipe, o Henrique coordenava. Eram
cada um contribuiu ou te influenciou meu irmão Everton Gloeden, Paulo Porto
em sua forma de tocar e lecionar? Alegre, Clemer Andreotti e eu, um núcleo
Comecei com um aluno do Henrique de violão dos anos 1980. Em relação
Pinto, que teve carreira muito curta como ao Carlevaro, tive a oportunidade de
professor porque abraçou outra profissão. trabalhar em Porto Alegre durante um
Ele me passou para o Henrique, com mês com ele, não particularmente,
uns dois anos de iniciação musical. Fiz mas em seus masterclasses. E isso foi
o conservatório com ele, durante uns decisivo em relação ao entendimento
quatro anos, depois fiquei em contato da parte mecânica do violão e à técnica
constante durante muito tempo, desde a serviço da linguagem musical, os
1969 até quando entrei na USP, em 1985. princípios de mão esquerda que ele
O Henrique me abriu o conhecimento expõe em seus métodos, com os quais
do violão clássico, não só pelas aulas, me identifico profundamente. Hoje, ele
mas também por gravações, me levou é citado em vários trabalhos de técnica.
para os grandes cursos de violão de Virou referência. Ele era um sujeito
Porto Alegre, nos anos 1970, onde tive tímido, um pouco reservado. Depois,
contato com Carlevaro, Santórsola e tivemos encontros esporádicos e tive a
Eduardo Fernandez. Também me ajudou oportunidade de entrevistá-lo na época do
muito com empréstimo de instrumentos programa na rádio USP. Tenho o registro
e o livre acesso ao seu arquivo de dessa entrevista. Ao mesmo tempo, tinha
partituras e discos. Nos anos 1970, ele as aulas de harmonia e interpretação
tinha uma biblioteca e uma discoteca musical do Guido Santórsola, professor
muito atualizada. Tudo o que havia na extremamente rigoroso, que exigia uma
qualidade de execução muito grande. As
lições dos dois foram muito importantes,
pois formaram uma espécie de conjunto,
técnica e harmonia. E eu tinha também
como exemplo os alunos desses
seminários, que já eram violonistas
brilhantes, com o Eduardo Fernandez, o
Miguel Angel Girollet e outros.

Violão+: Você já se apresentou muito,


como solista e camerista, em todos
os lugares do Brasil e do mundo. De
Edelton Gloeden: linhagem de grandes mestres posse dessa experiência, o que você
14 • VIOLÃO+
RETRATO
pode dizer sobre tocar em câmara
com violões ou outros instrumentos,
em lugares grandes ou pequenos,
amplificado ou não? Como você lida
com esse tipo de situação?
Gosto muito de espaços pequenos, de
preferência, aqueles em que você não
precisa amplificar o violão. Inclusive,
não uso nenhum sistema de som que eu
carregue. Tento ser o máximo seletivo
quanto a isso. Mas, quando você tem que
tocar com uma orquestra, ou em lugares
um pouco maiores, fica sempre um pouco
dependente de bons técnicos, de teatros,
de acústicas... No Brasil, pelo menos
aqui em São Paulo, não temos muitos
espaços privilegiados ou adequados para
a prática do violão de concerto, em que
não se precise muito de amplificação.
Estou muito atento a esses novos
sistemas, vendo a qualidade, mas ainda Adélia Issa e Edelton Gloeden
não chegamos lá. Estou procurando uma
forma de superar isso, porque, às vezes, com o Lutero Rodrigues, nos anos 1970.
o público está em lugares grandes. Você Estudei também com outros professores,
não pode ser muito radical nesse aspecto. matérias teóricas. Ouvi muito rádio, assisti
Violão+: Mas não é a sua preferência... muitos concertos. Isso me estimulava
Prefiro o som em alguma sala pequena. a tocar com orquestras e outros
Para mim, é o ideal. Algumas igrejas, em instrumentos. Já fiz muitos trabalhos
que não haja uma reverberação muito com flauta e violão, canto e violão, cravo
grande, também são ambientes que e violão. Vira e mexe, estou tocando com
gosto muito de tocar, pois há uma certa o Quarteto Cidade de São Paulo. Com
atmosfera que favorece o violão. minha esposa, que é cantora, fazemos
um repertório de canto e violão original.
Violão+: E a música de câmara? Sempre gosto de repertório original para
Sempre adorei música de câmara. Antes música de câmara. Acho a experiência
do violão, gostava de música em geral. de música de câmara fundamental para
Às vezes, as pessoas começam tocando o violonista, pois abre um horizonte em
violão e ficam apenas nele. Mas sempre relação ao que os outros instrumentistas
gostei de ouvir outros instrumentos. Em fazem, o que eles pensam com os
minha formação, estudei com outros instrumentos deles. Em muitos casos, até
colegas cantores, pianistas, maestros, gosto mais de fazer música de câmara
cantei muito em coro... Até fundei um coro do que solo. É gratificante.
VIOLÃO+ • 15
RETRATO

Niurka Gonzalez, Leo Brouwer e Edelton Gloeden,

Violão+: Um trabalho marcante seu éQual é a sensação de apresentar algo


o Marília de Dirceu, com cantora Anna
nunca tocado antes?
Maria Kiffer e a Gisela Nogueira naFazendo uma avaliação, não foram tantas
viola de arame... obras assim. Na medida em que a minha
A Anna Maria Kiffer foi a primeira cantora
cultura musical foi seguindo, percebi
com quem trabalhei. Meus primeiros que havia feito muitas estreias no Brasil
recitais profissionais de música desem me preocupar muito com registros.
câmara foram com ela e com o grupo O que me move, a princípio, é gostar
Confraria, de música antiga, nos anos
da peça. Depois, se ela se encaixa em
1970/80. Também me meti com a música
minha maneira de tocar. Levo muito em
contemporânea, com o Gilberto Mendes,
consideração isso. Às vezes, é uma peça
Festival de Música Nova de Santos. muito boa, muito importante, mas não
Sempre estou nesses festivais. Saí um
cabe na minha mão, não cabe na minha
pouco do meio restrito do violão. Estava
cabeça, aí não faço. Já fiz muita coisa
interessado em outras possibilidades,
também por encomenda, encomenda de
o que me abriu a cabeça e foi muito útil
festivais etc. Depois vejo se aquilo fica no
para mim. meu repertório. Toquei também muito o
repertório do Julian Bream aqui no Brasil
Violão+: Você lança coisas novas, pela primeira vez. Muitas obras do Leo
obras em primeira audição mundial. Brouwer que nunca tinham sido tocadas
16 • VIOLÃO+
RETRATO
aqui. Lancei obras do Francisco Mignone. competência musical. Quem realmente
Não tenho um levantamento exato do que quer seguir uma carreira como violonista
estreei. O Eduardo Fernandez mandou e professor, já chega muito preparado
uma obra agora para nós, voz e violão. para o vestibular. Tenho tido muita sorte
Mas tem que passar pela identificação com os alunos que aparecem e adoro
com a obra, ver o que a obra me oferece trabalhar na graduação. Tenho ex-alunos
e a minha possibilidade de tocá-la. que estão em grandes universidades
e escolas de música, espalhados pelo
Violão+: Você é professor da USP, Brasil. Outros estão fora do Brasil,
que é o objeto de desejo de vários Estados Unidos, Alemanha... Isso, sem
violonistas que vão para o curso interceder muito. Nunca fui de dirigir os
superior. E está lá há bastante tempo, alunos na carreira. Depois da graduação,
desde 1986. Você tem sentido alguma eles têm que se virar (risos). E eles têm
mudança no perfil dos candidatos às que ver isso já durante a graduação.
vagas de violão? O que mais mudou
nesse tempo? O violonista chega hoje Violão+: Mas você sempre gostou de
mais pronto? dar aulas...
Não vejo muita diferença entre os meus Eu aprendi a gostar. Comecei a dar aulas
primeiros alunos e os alunos agora. Tive muito cedo, aos quinze anos. Então, às
uma primeira classe de violão privilegiada vezes, era legal. Outras, muito penoso.
quando entrei na USP: Camilo Carrara, Houve um momento da minha vida,
Paulo Castagna, Cristina Azuma e Fabio em que eu estava no Conservatório do
Zanon. O que posso dizer é o seguinte: Brooklin, no início dos anos 1980. Lá,
o processo seletivo da USP, às vezes, é eu tinha um ambiente muito legal e uma
muito injusto. Não há possibilidade de a grande liberdade para trabalhar. Então,
gente escolher exatamente o que a gente comecei realmente a gostar de dar aulas.
quer. A gente perde muitos talentos no Um pouco depois dessa experiência,
processo seletivo, ou seja, no vestibular.
Tem a prova de aptidão antes, depois ele
vai para a FUVEST, para as provas gerais.
Muitos são barrados aí. A gente manda
alunos para essa fase final da FUVEST,
com notas altas ou notas médias. E quem
entra são os que têm notas médias. Os
reais talentos não conseguem muitas
vezes. Também nosso processo não é
perfeito: um aluno muito talentoso no
vestibular, às vezes não corresponde tanto
durante o curso, e o contrário também
acontece. Alguns que não brilham tanto
na prova de aptidão se revelam durante o
curso, se mostram fantásticos, de grande Repertório diferenciado: estreias mundiais

VIOLÃO+ • 17
RETRATO
já estava entrando na USP. E entrei lá certeza, enormes dores de cabeça
muito motivado. É claro, a gente comete também. Para conseguir tudo aquilo,
uns erros, é normal. As pessoas pensam: imagino o trabalho que deu...
nossa, professor da USP, doutor... Mas Claro que isso não foi sozinho, é preciso
a gente erra também e tem que correr montar uma equipe. O Festival Brouwer
atrás, o que também é uma forma de foi realmente muito interessante. O meu
aprender. Voltando à época do Brooklin, colega do Departamento de Música,
foi quando comecei a correr o País Gil Jardim, regente, é meu conhecido
trabalhando em festivais: Brasília, Ouro desde a época de estudantes. E a gente
Preto etc. pensava na possibilidade do Brouwer
vir ao Brasil, o que era uma loucura,
Violão+: Os festivais são de uma ainda mais em tempos de ditadura. Era
importância fundamental para o impossível pensar uma coisa dessas.
desenvolvimento dos alunos em Um belo dia, o Franceschi, diretor do
várias regiões do país. instituto Cervantes, e o Gil, que acabara
O perfil dos festivais é bem diferente de entrar na chefia do Departamento
do que era há alguns anos. Antes, eles de Música da USP, me chamaram no
eram grandes, com duração de um corredor e falaram: “bola um festival,
mês. Os cursos pequenos que eram nós vamos trazer o Brouwer!”. A história
dados aqui em São Paulo eram de começou desse jeito. O Franceschi foi
duas semanas. Hoje esses eventos diretor do Instituto Cervantes em Berlim
são menores, em função de dinheiro, e, depois, transferido aqui para São
disponibilidade e tudo mais. Embora Paulo. É um cara que adora violão. Fez
não pareça nada bom, acaba facilitando uma série no Instituto, trazendo vários
que surjam em vários pontos do Brasil. violonistas espanhóis. Ocorreram quatro
Naquela época, era só Porto Alegre. No edições. Agora, estamos em compasso
Rio de Janeiro, havia o Concurso Villa- de espera, tomando fôlego para outros.
Lobos, que também mexia com o País Fui recentemente a Porto Alegre, em um
e até com o exterior. Mas eram poucos. festival organizado pelo Daniel Wolff,
Hoje, temos mais eventos, de menor que é professor da Universidade Federal
duração. Também temos a chegada do do Rio Grande do Sul. Foi um festival
violão às universidades, que hoje tem maravilhoso, internacional, de altíssimo
um papel muito importante na formação nível. O que é bacana de ver é que esses
do violonista. Há uma divulgação do eventos estão acontecendo. Também aqui
instrumento. De norte a sul do país, os em São Paulo, com a entrada do Gilson
professores estão se movimentando, Antunes na UNICAMP, estamos fazendo
fazendo festivais mais curtos, trazendo um esforço para manter um intercâmbio
gente de fora. Tudo isso é muito entre as universidades, fazendo ações,
importante. Mas com esforço hercúleo. a princípio no campo pedagógico, nos
programas de graduação e pós. E um
Violão+: Você comandou o Festival segundo momento, vamos abrir isso para
Leo Brouwer, que foi enorme. Com o grande público. Essa é nossa ideia.
18 • VIOLÃO+
RETRATO

Edelton Gloeden
VIOLÃO+ • 19
VITRINE

GNC-115 Série Tranquillo Giannini


O violão Clássico Acústico GNC-115, comemorativo 115 anos, da
Giannini, traz tampo em German Spruce maciço, laterais e fundo
em Indian Rosewood maciço e escala em Ébano. As tarraxas
são clássicas douradas especiais com botões padrão ébano e
o braço, em African Mahogany traz tensor bi-direcional. O
instrumento tem acabamento em verniz brilhante e oferece
como acessórios case Luxo e umidificador.

Giannini Instrumentos Musicais


www.giannini.com.br

Ron Emory Loyalty


O violão utilizado pelo guitarrista da banda T.S.O.L., Ron
Emory, traz acabamento em vintage sunburst dos anos
30 e corpo estilo Slope Shoulder Dreadnought com
friso Herringbone. Com tampo em spruce laminado,
fundo e laterais em mahogany laminado e braço
em mahogany soft “V” shape, o instrumento ostenta
headstock estilo 70’s e escala em rosewood com
25.3” (643 mm) com 20 trastes estilo vintage.

Pride Music
www.fender.com.br

20 • VIOLÃO+
VITRINE

iRig Acoustic
O iRig Acoustic, da IK Multimedia, é primeiro microfone/interface mobile
desenvolvido especificamente para violão acústico. O equipamento,
patenteado pela empresa, comporta um microfone tipo MEMS de padrão
polar omnidirectional, resposta de frequência de 15 Hz a 20 kHz e
sensibilidade de -40dBv (1kHz, 94dB SPL) com SPL máximo de 130dB
SPL e relação sinal ruído de 63dBA. Se prende à boca do violão por
meio de um clipe emborrachado e possui monitoração e saída de linha
embutidas para se conectar diretamente a iPhones, iPads, iPod touchs, e
demais equipamentos Mac e Android. O iRig Acoustic vem com o aplicativo
parceiro AmpliTube® Acoustic - o primeiro desenhado especificamente para
violão, performance ao vivo e gravação - que vem carregado com novos
equipamentos acústicos.

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VIOLÃO+ • 21
matéria de capa
Por Luis Stelzer

Personalidade
Lapidada O violonista e compositor
gaúcho Yamandu Costa é a
síntese de muitos estilos,
do choro à música erudita,
criando interpretações de muita
personalidade no violão 7 cordas
yamandu costa
Nascido em Passo Fundo, em 1980, discografia e trabalhos com luminares da
e considerado um prodígio do violão, música brasileira, como Dominguinhos e
Yamandu Costa começou a aparecer em Paulo Moura. Yamandu é hoje uma das
shows e programas de TV aos 7 anos, ao maiores referências mundiais do violão 7
lado do pai, Algacir Costa. Nascido em meio cordas e inspiração para a jovem geração.
musical, viajando desde bebê no ônibus
do grupo regionalista Os Fronteiriços, VIOLÃO+: Como surgiu o gosto pelo violão?
aprimorou-se com Lúcio Yanel, virtuoso Yamandu – O violão é um instrumento
argentino radicado no Brasil. Até os 15 caseiro. Meu pai tocava muito bem. E
anos, sua única escola musical era a música era todo cuidadoso com o violão dele.
folclórica do Sul do Brasil, Argentina e Então, ele guardava bem o instrumento,
Uruguai. Aos 16 anos mudou-se para São não deixava criança chegar perto, por
Paulo e em 2001 conquistou o Prêmio Visa ter todo um respeito por aquele objeto
de Música Daí, foi para o Rio de Janeiro, que ele gostava tanto. Chegou um cara
transformando-se em sensação nos bares na minha casa, eu tinha uns 4 anos,
do bairro boêmio da Lapa. chamado Lucio Yanel, argentino, que tive
Yamandu hoje se apresenta regularmente a sorte de ter no convívio familiar. Foi o
com importantes grupos orquestrais da cara que me inspirou a tocar violão. Ele
atualidade, atuando ao lado de regentes tinha uma personalidade tão forte tocando
consagrados como Kristjan Jarvi, Kurt e tanta generosidade que, quando eu o
Mazur e Roberto Minkzuc, entre outros. vi tocando, me dei conta que eu queria
Além disso, possui extensa e variada fazer aquilo. Queria pelo menos entender

Yamandu Costa: arroubos interpretativos

24 • VIOLÃO+
yamandu costa
aquela linguagem. Aí, foi uma coisa
meio sem volta. Desde muito pequeno,
4 ou 5 anos, eu já sabia o que queria
fazer. Nunca tive dúvida alguma a esse
respeito. Então, o foco foi esse: com 5 ou
6 anos, comecei a pegar o instrumento
e não larguei até hoje. Digamos, é outra
maneira que tenho de me comunicar,
através do violão, da música.

VIOLÃO+: Até a sua adolescência, seu


contato musical foi mais com o que se
tocava no Sul do Brasil e nas fronteiras.
Como se deu a abertura? Que outros
estilos você ouviu, do resto do Brasil e
de outros lugares do mundo?
Yamandu – Meu pai era um cara que
gostava de tudo. Eu ouvia, desde
pequeno, o folclore da música argentina,
especialmente músicas do norte da
Argentina. Foi o que mais me chegou,
desde criança. Mas meu pai adorava
jazz, música clássica, nos mostrava o
choro. Ele fazia questão de tocar choro. Companheiro: violão 7 cordas
Não tocava por profissão, mas porque
gostava. Ele falava: meu filho, se você Minha vida musical proporcionou muito
quer tocar música brasileira, tem que esses contatos. Minha família toda
conhecer o choro, tem que conhecer a tocava em bailes pelo interior do Brasil,
música do nordeste, tem que conhecer especialmente no Sul. Nesse trabalho,
a linguagem do frevo. Meu pai era um a improvisação já é natural. Você é
cara muito aberto nesse ponto. Essa obrigado a dar o seu jeito. Assumi a
curiosidade de ouvir muitas coisas e guitarra dessa banda, guitarra elétrica
querer tocar, herdei dele. E música de mesmo, aos 9 anos Então, tive que
fora do Brasil também. Saí um pouco aprender todo aquele repertório meio
do Brasil e comecei a gostar muito de de supetão. Eu estava cumprindo uma
música cigana, a música das fronteiras função familiar ali. Ajudando a família a
da França e da Alemanha... Música viver daquele ofício, daquela maneira.
cigana em geral, música improvisada. Então, senti certa facilidade para
A improvisação é uma coisa que nasce entender como funcionava aquilo, e fiz
da cultura popular, não é algo que você essa função por bastante tempo. Então,
pensa: ah, vou fazer isso agora. Faz a improvisação, diferentemente de muita
parte de um ambiente de vida musical. gente que teve chance de estudar ou
VIOLÃO+ • 25
yamandu costa
Yamandu – Sem dúvida! É outra
maneira de fazer música. Este show, por
exemplo, que estou fazendo hoje com o
violinista Ricardo Herz (o show ocorreu
no SESC Pompeia, em São Paulo, no
início do mês de novembro): a gente se
encontrou há dois dias, discutimos um
monte de coisas, fiquei aprendendo as
músicas dele e ele, algumas das minhas.
Isso é uma coisa muito bacana: poder
fazer assim, ter essa compreensão
da linguagem popular, da harmonia
da música popular e, rapidamente,
decodificar as coisas e ter essa gama
de trabalhos. Nunca contei, mas tenho
diversos duos com outros músicos. A
quantidade é quase infinita, de trios, de
quartetos. Meu leque de informações
musicais é enorme, graças a essa
escola. E é muito legal: você não cansa,
está sempre mudando. Tenho uma vida
muito dinâmica. Sexta-feira vou estrear
uma obra para violão e orquestra que
o compositor contemporâneo Vagner
Refinamento: erudito como caminho Cunha escreveu para mim, para estrear
lá no Sul. É muito legal isso, hoje
que teve a oportunidade de escolher, no fazendo um show com muito improviso,
meu caso, foi uma necessidade. De vez semana que vem estrear uma peça com
em quando, chegava um doidão na noite, orquestra, que é outra coisa, outra forma
eu estava tocando num bar, ele saía de estudar, outro tudo. Logo depois
cantando, nem perguntava... Eu estava disso, volto para casa, faço as malas e
virando músico da noite e acompanhava vou para a Europa, fazer quatro ou cinco
o cara do jeito que conseguia, ou até concertos. Há os festivais de violão, que
o ponto que conseguia. A cultura da é outro ambiente. E também encontros
improvisação, normalmente, veio da de jazz. Também toco o repertório solo
cultura popular, uma vez que você tem que faço. É uma oportunidade de ter uma
que dar o seu jeito de convencer o povo vida muito interessante. Não tem aquela
que está te vendo ali. repetição de repertório, não vira uma
coisa burocrática. É uma forma de você
VIOLÃO+: Isso te ajudou a ser mais estar sempre se reinventando, sempre
maleável do que um músico que aprende aprendendo coisas novas. Penso que
improviso na escola, por exemplo? isso é um privilégio.
26 • VIOLÃO+
yamandu costa
palco e da plateia, muito comum dentro
VIOLÃO+: Você tem duos memoráveis, da escola de música erudita. Quando
extremamente difíceis do ponto de vista começou a se relacionar comigo, relaxou
técnico. Posso citar, entre tantos, um muito neste ponto e viu que tocar pode ser
com o Hamilton de Holanda. É de um uma coisa mais leve. Ao mesmo tempo,
refinamento impressionante, a gente aprendi a estudar violão com ela, de
custa a acreditar que tudo aquilo acontece outra maneira. No ano passado, toquei
com menos de seis meses de ensaio. E o Concerto de Aranjuez, de Joaquin
você me diz que são poucos dias... Rodrigo, no Canadá. E não gostei da
Yamandu – A vivência do popular! minha performance. Corri demais dentro
Acredito que esse desequilíbrio que dos andamentos. É uma coisa muito
existe entre as duas escolas (o erudito natural para o músico popular tocar na
e o popular) é uma perda de tempo, frente. Mas não nessas ocasiões. Ela me
que prejudica todo mundo. Tanto de um ensinou a estudar direito. Pela primeira
lado quanto do outro. É uma divisão vez na vida, estudei com metrônomo! E
que não deveria existir. Me casei com aprendi que essa maneira de estudar
uma violonista francesa, Elodie Bouny, é muito rica. Com o metrônomo, se
que é de formação clássica, tradicional. encaixam as mãos, a conexão das mãos.
Ela teve acesso a grandes professores Ele te dá um respiro rítmico muito mais
na França. Tem essa formação do expressivo, ou seja, te coloca no lugar.
conservatório. A gente está aprendendo Isso, aprendi agora, uns meses atrás.
a se ajudar nesse aspecto. Quando ela Então, acredito que são escolas que não
chegou ao Brasil, tinha essa fobia do se comunicam bem, tanto uma quanto a

Improvisação: herança do popular

VIOLÃO+ • 27
yamandu costa

Raízes: música do Sul

outra. Eles são muito duros e nós, muito casa, a qualidade dele como violonista e
descuidados com o acabamento das músico é fantástica. Uma personalidade
interpretações. O futuro que podemos viva, aperta as notas no traste, ele já te
esperar é a mistura dessas escolas. ganha antes de começar a tocar, de tão
Quando a gente conseguir misturar esse forte que é a personalidade dele. Raphael
cuidado, essa perfeição técnica, esse Rabello, grande, grande mestre. Minha
apuro, até o cuidado de como lixar as meta como violonista brasileiro é chegar
unhas, de pensar em um som redondo, na à propriedade de tocar daquele jeito, do
emissão desse som, todo o acabamento domínio da linguagem brasileira que ele
que essa escola proporciona, com alcançou, no samba, no choro, nos ritmos
o relaxamento, a descontração e o que representam o país, de uma maneira
conhecimento harmônico prático que geral. E outros caras internacionais: o
só o popular proporciona, vai ser outra Django Reinhardt, belga-francês que foi
etapa da interpretação na música. revolucionário nas décadas de 1930/40,
criou uma linguagem que não morre, que
VIOLÃO+: Quais os violonistas que mais não vai morrer. Criou uma maneira de
te influenciaram? E que músicos não tocar. Paco de Lucía, grande mestre, que
violonistas você admira? tive o prazer de conhecer. Ele foi assistir
Yamandu – Baden Powell, por exemplo, a um concerto que fui fazer em Porto
inspiração total. O Lucio, que foi o Alegre. Tê-lo na plateia foi demais. Era
primeiro, continua sendo o meu grande um cara super-humano... Muita gente
mestre. Independentemente da sorte que me influencia, inclusive compositores.
tive de conviver com ele dentro de minha Ando num namoro muito grande com
28 • VIOLÃO+
yamandu costa
um compositor colombiano, falecido Yamandu - Olha esse som.. (tocando o
recentemente, chamado Gentil Montanha. violão ao som dos microfones do palco
Incrível! É muita gente mesmo. Augustin do SESC Pompeia) Violão! Peguei um
Barrios, paraguaio, incrível também. São violão (tenho uma coleção) e mandei
muitas influências. Estou querendo gravar colocar um captador, que tivemos a
um disco tocando esse repertório latino- honra do grande Paulo Bellinati instalar,
americano, que a gente conhece pouco chamado Carlos Juan. Só em último caso
e que é a produção dos nosso vizinhos, eu uso, quando vou tocar em lugares
que é uma escola maravilhosa. abertos, onde não existam condições
de utilizar microfones... Este som é uma
VIOLÃO+: Você trabalhou com muitos delícia (toca de novo o violão), em um
gênios que, infelizmente, já nos deixaram. teatro maravilhoso, com um técnico de
Um deles foi o Dominguinhos. Como foi som maravilhoso... Tudo certo, assim
trabalhar com ele nessa combinação é que eu gosto. Agora, se vamos tocar
violão e acordeon? num lugar sem essas condições, não
Yamandu – Independentemente do tem jeito. Tem que plugar. O captador
instrumento, o Dominguinhos era um vai tentar fazer essa função. Então, pedi
músico fora de série. Ele tinha uma para o Paulo colocar esse captador em
maturidade... E, pelo jeito, teve essa um violão meu.
maturidade bem cedo. Parece que tem
cara que já nasce meio pronto. Foi o cara VIOLÃO+: E esse violão 7 cordas que
que mais me ensinou sem falar nada, você tem na mão, de onde vem?
só mostrando, só tocando. No convívio Yamandu - Este é um violão canadense,
com ele, você já percebia muita coisa, A que tenho usado nos últimos quatro
generosidade com que ele tocava. Era anos, de um luthier chamado Will Hamm.
uma grande alma, um entendimento de Fui tocar com a Orquestra Sinfônica
que a música é compartilhada. Mesmo de Calgary, que é na região britânica
quando se está sozinho, que a plateia do Canadá. Também fui para dar um
esteja ali e que consiga se conectar com workshop, junto com o Hamilton de
você através da música que você está
querendo passar. É uma linguagem de
aproximação. O Dominguinhos fazia isso
naturalmente. Era um fio de luz aberto,
com toda aquela carga emotiva dele.
Tinha um peso espiritual muito grande.
A música era uma libertação pela qual
ele passava toda essa tristeza alegre
que tinha.

VIOLÃO+: Você só usa violões acústicos?


Não se tem notícia de show do Yamandu
com violão com captadores... Cumplicidade: Elodie Bouny

VIOLÃO+ • 29
yamandu costa
Holanda. Fizemos uma masterclass para
uma plateia especializada em música.
Esse cara apareceu. Veio mostrar pra
gente um bandolim, um bouzouki e um
violão de seis cordas, de que gostei
muito. Fiz um acordo com ele: “olha,
cara, posso te pagar tanto, quero um
violão assim, assim e assim, com a
escala indo até o ré. (normalmente, o
violão vai até o si – ele toca a nota, sai
Lúcio Yanel perfeita e cristalina). O braço tem que
ser um pouquinho levantado...” Enfim,
dei todas as características a ele. Queria
um violão agressivo, brilhante, o que é
o mais difícil no violão, pois o grave é
mais fácil. Preciso de um bom sustain.
Encomendei um violão com tampo de
cedro. Uns oito, nove meses depois, veio
ao Brasil. Ele já tinha uma conexão muito
grande aqui, pois já tinha morado na
Amazônia, tinha construído um barco... O
cara é muito doido! Independentemente
Hamilton de Holanda
dos instrumentos que faz, é uma
pessoa muito interessante. Vem uma
vez por ano, pelo menos, ao Brasil, traz
instrumentos. Ele fez uma tranca, uma
emboscada, que luthiers às vezes fazem
com a gente. Encomendei um violão
de cedro. Ele chegou em casa com um
de cedro e um de abeto. Dois! E me
falou: “agora, você escolhe”. Isso é uma
sacanagem, uma grande sacanagem.
Orquestra de Câmara Theatro São Pedro
Quero os dois, respondi. Fizemos um
acordo e essa parceria começou, que
agora está virando uma série de violões
com meu nome, minha assinatura, para
o mercado internacional. Já tenho uma
assinatura aqui no Brasil, com um luthier
chamado João Scremin, que faz violões
ótimos, que uso muito. Um violão muito
bom, mesmo. Então, são esse violões
Bobby McFerrin que eu uso, os do Will e os do João.
30 • VIOLÃO+
yamandu costa

VIOLÃO+ • 31
história Por Rosimary Parra

Mão direita na
vihuela
Apesar das semelhanças entre o violão e a vihuela de mano quanto
ao formato do corpo e número de ordens – violão seis cordas simples
e vihuela seis cordas em pares - há diferenças que geram abordagem
técnica e musical distintas

Na técnica do violão clássico, a posição A técnica da mão direita utilizada


básica da mão direita é perpendicular na vihuela segue muito da técnica
às cordas. O polegar se posiciona do alaúde renascentista: a mão
um pouco à frente do indicador. São posiciona-se lateralmente nas cordas,
utilizadas diversas combinações de com certo apoio do dedo mínimo no
dedilhados em fórmulas de arpejos com tampo, e o polegar coloca-se para
polegar, indicador, médio e anular, e em dentro da mão. Tal posicionamento é
passagens mais escalísticas utiliza-se conhecido como “figueta”.
muito as combinações entre indicador/ Nesta técnica trabalha-se basicamente
médio e médio/anular, além das diversas com duas fórmulas de combinação
fórmulas de trêmulos dentre outras. dos dedos: uma de caráter binário,
O uso da unha é praticamente definido alternando polegar-indicador, e outra
como um elemento técnico para a de caráter ternário, alternando polegar-
projeção do som além de permitir indicador-polegar.
sutilezas na variação de timbres. Ainda Para peças com uma só linha melódica
há a possibilidade do toque com apoio como, por exemplo, música de dança
e sem apoio. ou aquelas com características mais

Mão direita na vihuela: uso da “figueta”

32 • VIOLÃO+
história
improvisatórias, estas fórmulas esse repertório será necessária uma
funcionarão como se estivéssemos combinação da técnica básica do
tocando com um plectro (tipo de alaúde com outros elementos mais
palheta), influenciando muita na próximos à técnica usada para a
articulação. família das guitarras (guitarra barroca,
No decorrer do Renascimento as obras romântica e violão).
para alaúde e vihuela foram ganhando Nos livros de vihuela, para passagens
novas texturas na construção musical. melódicas são descritas as fórmulas
O repertório deste período abordará “dos dedos”- que alternam indicador
peças com textura melódica, passando e médio - e “dedillo” - usando o dedo
por obras que alternavam entre indicador como um plectro.
trechos mais melódicos e outros Normalmente, não é recomendado o
mais contrapontísticos e ainda obras uso das unhas para tocar instrumentos
totalmente contrapontísticas. antigos com cordas duplas porque
Isto implicará em algumas modificações elas geram maior dificuldade para
na técnica da mão direita quanto sentir as duas cordas e tocá-las
ao posicionamento do polegar e às simultaneamente com boa sonoridade.
fórmulas descritas acima, em função No entanto, é possível usar unhas
do repertório que será tocado. curtas que possibilitem trabalhar bem
Quanto ao posicionamento do polegar, em instrumentos de cordas duplas,
são conhecidos os termos: “figueta desde que se ajuste o posicionamento
castellana” – o polegar se posiciona da mão evitando o atrito da unha na
mais para fora da mão - e “figueta corda e ouvindo com muita atenção o
extrangera” - o polegar se posiciona som resultante. Isto vale para quem
para dentro da mão. queira trabalhar com os instrumentos
O repertório para vihuela tem como antigos e com o violão.
base a polifonia contrapontística ou
seja, um entrelaçamento de linhas Bibliografia
COELHO, V.A. Performance on lute, guitar and vihuela:
melódicas, sendo que cada uma delas Historical Practice and Modern Interpretation. New York:
tem expressão própria. Cambridge University Press, 1997.
DAMIANI, Andrea. Metodo per liuto rinascimentale. Bologna:
Mais especificamente, para tocar UT ORPHEUS EDIZIONI, 1998

Posição da mão para uso do i-m Posição da mão para tocar notas simultâneas

VIOLÃO+ • 33
mundo Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber

Bouzouki
(μπουζούκι)
Esse belo instrumento é conhecido por representar
a música tradicional grega e acompanhar bailes e
canções, sem deixar de ter papel importantíssimo
em execuções de caráter instrumental

Curiosamente, o bouzouki (do turco, era conhecido como tricórdio, pois


buzuki: “quebrado” ou “modificado”) – apresentava, originalmente, três cordas
associado ao momento glorioso do filme duplas, sendo a afinação mais comum
“Zorba, o Grego”, quando Anthony Quinn Ré-Lá-Ré.
dança ao som da música tema –, não Há registros do bouzouki nos relevos
é um instrumento camponês. Mesmo de mármore (século IV a.C.) expostos
tendo origem bastante antiga, seu ápice no Museu Arqueológico Nacional de
aconteceu nas cidades, entre meados Atenas. Neles, o sátiro Marsias desafia
do século XIX e princípio do século Apolo para um embate musical e uma
XX, com a música rebetika. Tal gênero musa aparece tocando panduris. Durante
musical se compara ao tango, ao fado, o Império Bizantino (séculos V ao
ao blues e ao cante jondo do flamenco, XV a.C.), o bouzouki recebeu
sendo seu berço o baixo mundo da o nome de tamburas. O
boemia, nos prostíbulos e cárceres, tambur turco moderno
onde o bouzouki, esse instrumento da é igual ao panduris
noite, incitava as pessoas à dança e ao grego antigo.
namoro no compasso de um bom vinho.

Na Antiguidade
Chamado panduris ou pandurión, o
bouzouki é o primeiro instrumento de
que se tem registro com trastes ou
casas e o primeiro instrumento
de corda temperado,
precursor de uma das
famílias do alaúde que
existe até hoje. Também
34 • VIOLÃO+
mundo

Giorgos Zampetas

Os bouzukis tetracordes surgiram Afinação


posteriormente à Segunda Guerra Mundial. O bouzouki de quatro pares de cordas
Não se sabe quem colocou o quarto par segue as notas Dó-Fá-Lá-Ré (sendo este
de cordas no instrumento, mas a história continuação do Dó central). Recentemente,
atribui a mudança ao compositor grego alguns intérpretes têm afinado seus
Manolo Chiotis (1920-1970), considerado bouzoukis um tom acima, na sequência
um dos maiores solistas do instrumento. Ré-Sol-Si-Mi, afinação mais comum para
as primeiras quatro cordas do violão.
Curiosidade
Existe, também, o bouzouki irlandês,
menos oval na parte posterior se
comparado ao grego, mas muito parecido
com ele. Reza a lenda que a explosão
do vulcão de Santorini arrasou a cultura
da civilização minoica na ilha de Creta
e espalhou cinzas que alcançaram
a Irlanda. Será que, como Fênix, o
bouzouki se juntou às cinzas do Santorini
e ressurgiu na Irlanda, para brilhar na
música celta com seu som característico
e, assim, se lançar ao mundo? Andreas Karantinis

VIOLÃO+ • 35
de ouvido

Um pouco de Reinaldo Garrido Russo

saber www.musikosofia.com.br
duemaestri@uol.com.br

Espero que tenham feito o exercício proposto na edição


passada, de reconhecer sons à sua volta. Às vezes,
dormimos e desistimos, de tão relaxados que ficamos –
mas, com o tempo, tudo vai ficando tranquilo e interessante.
É impressionante como, de início, não ouvimos certos
sons e chegamos a pensar que o gravador possui maior
sensibilidade de captação. Na verdade, podemos treinar
nossa sensibilidade.
Os sons muito fracos, em pianissíssimo (ppp, do italiano,
denomina um som ou um grupo de sons com muito pouca
intensidade, como se estivessem ao longe), vão sendo
percebidos conforme avançamos no treinamento. É
importante cuidar dos ouvidos, não se expondo a estrondos
e ruídos fortes, vindos das ruas, dos nossos aparelhos de
som. Algumas pessoas sentem dor física quando expostas
a sons de amplitude muito alta, acima de 80 dB (decibéis).
Som é a sensação auditiva que temos das vibrações rápidas
que certos corpos sonoros produzem. Se pegarmos uma
fina lâmina e a prendermos numa morsa, fazendo com que
saia da condição de repouso e produza movimentos de ir e
vir, será possível ouvir o som natural, básico e fundamental
da lâmina, produzido pelo somatório do material do qual é
constituído, sua elasticidade, peso, densidade, tamanho e
outras particularidades menos importantes.
Isso provoca oscilações constantes, e, assim, obtemos
um tom, que significa som de altura definida. No Brasil
chamamos, erroneamente, o tom de nota musical, pois
esta é o tom “anotado” em pauta. Se encontrássemos
meios para fazer a vibração aumentar em número maior
de oscilações por segundo – o que se refere à frequência
do som – perceberíamos o deslocamento do grave para o
agudo. Então, podemos dizer que mais agudo se torna o
tom, quanto maior a sua frequência. Um tom de 400 hertz
(400 Hz, ou 400 oscilações por segundo) revela-se mais
grave do que um tom com 950 Hz.
36 • VIOLÃO+
de ouvido
Saber importante
O tom A (lá) mais grave de um piano com 88 teclas repete-
se a cada vez que dobramos sua frequência. Temos a
exata percepção de tratar-se do mesmo tom, mas em
alturas diferentes, cada vez mais agudo. Repare que o
piano possui vários tons de A (lá).
Observe na tabela abaixo:

Pode-se dizer que cada tom de Lá, na tabela, está


separado por uma ou mais oitavas de seus vizinhos.

Vamos retroceder um pouco


A partir de agora, chamaremos os tons de notas – mesmo
sabendo não ser um termo adequado. Assim, evitaremos
confusões relacionadas à terminologia usada no Brasil – o
que será explicado quando compararmos esta à usada na
língua inglesa.
Oitava refere-se à nota repetida abaixo ou acima de uma
nota dada. Chama-se oitava porque contamos oito notas na
régua musical tão conhecida:
Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá Si, Dó

Conte quantas notas existem de Ré3 até Ré4. Se


você contou, por meio da régua musical, oito notas –
considerando o Ré3 como a número 1 –, você acertou.
Podemos expressar tecnicamente:
• A-2 está a duas oitavas distante de A1 – é mais grave
em duas oitavas.
• A3 está a quatro oitavas distante de A-2 – é mais aguda
em quatro oitavas.
• A1 está a três oitavas abaixo de A4 – sendo válido
dizer que é mais grave em três oitavas.

Exercício básico 2
Grave em seu celular sons que você considere com
frequência constante, tons, que chamaremos de notas
musicais. Pode ser o som de uma buzina, de uma máquina
trabalhando, assobiando com frequência constante ou
o ronco de um motor. Qualquer som que você perceba
VIOLÃO+ • 37
de ouvido
possuir certa semelhança com os sons produzidos por
instrumentos musicais. Alguns sons se mesclam com
ruídos e você poderá ficar confuso quanto à altura.

Altura?
Altura é a primeira propriedade que percebemos no som
de frequência constante. O som de frequência constante,
que chamaremos de nota musical, ou simplesmente nota,
pode ser: gravíssimo, grave, médio grave, médio, médio
agudo, agudo, superagudo. Nada como um instrumento
musical para entendermos essa relatividade.
Em casa, com serenidade, tente descobrir onde as notas
gravadas estão na escala de seu violão.
Anote o número da corda e da casa da seguinte forma:
E1 – corda mi solta (0): 60 – corda 6, casa 0
A3 – lá na corda 1 e casa 5: 15

Exercício de atenção
Após ler o artigo até o final, responda com V se a sentença for verdadeira e
com F se for falsa. As respostas estão no fim do artigo.
( ) Um tom de 440 Hz é mais grave do que um tom de 880 Hz.
( ) Um tom de 1.150 Hz é mais grave do que um tom de 4.580 Hz.
( ) Um tom de 1 quilohertz (1 kHz) é mais agudo do que um tom de 2.000 Hz
(sabendo que 1 k é igual a 1.000 Hz).
( ) Um tom de 2 kHz é mais grave do que um tom de 1.200 Hz.
( ) Um tom de 20 kHz, sonoramente, é ouvido como um som mais grave do
que um tom de 30 kHz.
38 • VIOLÃO+
de ouvido
O primeiro dígito varia de 1 a 6 e refere-se à corda.
O segundo dígito refere-se à casa e varia de 0 (corda
solta) a 19 (a última casa de alguns violões).
Para facilitar o entendimento dessa escrita, vamos
escrever todos os sons do acorde de C (Dó Maior), da
figura abaixo, do grave ao agudo, com os números de
dois dígitos que representam os sons no violão.
Os nomes dessas notas serão treinados na próxima
edição, portanto, não se preocupe com isso agora.
Teremos, do grave ao agudo: 60; 53; 42; 30; 21; 10

Veja, na figura abaixo, alguns detalhes:

• Começamos a perceber auditivamente, a partir de 20


Hz, o som mais grave.
• Deixamos de perceber, a partir de 20.000 Hz, o som
mais agudo.
• Abaixo de 20 Hz, a denominação é infrassom.
• Acima de 20 kHz, a denominação é ultrassom.
• Acima de 5.000 Hz fica cada vez mais difícil perceber
com exatidão a altura do tom.
• Descendo, abaixo de 60 Hz, fica cada vez mais difícil
perceber a altura com precisão, até deixarmos de ouvir
em, aproximadamente, 20 Hz.
• A3 é o tom do diapasão segundo o Congresso Mundial
(Londres, 1939) A3= 440 Hz
• C7 de 4.186 Hz é a nota mais aguda de um piano com
88 teclas.
• A-2 de 27,50 Hz é a nota mais grave de um piano com
88 teclas.
Na próxima edição, você verá a relação de altura do
som entre o piano e o violão. Até lá!

Respostas do exercício de atenção: V, V, F, F, F*


*A última frase é falsa, pois não temos percepção dos
tons acima de 20 kHz.
VIOLÃO+ • 39
como estudar

Traslado da Breno Chaves

mão direita
brechaves@gmail.com

Por conta de diferenças anatômicas e habilidades


inatas – e também, da compreensão que cada músico
tem de determinada obra musical -, é muito comum
observar que, em uma mesma peça, cada indivíduo
pode encontrar alguma dificuldade técnica para resolver
determinado trecho. E a resolução desse trecho pode ser
simples para alguns e extremamente difícil para outros.
Muitos métodos tratam de algumas questões técnicas
(por exemplo, mão esquerda), oferecendo uma série de
exercícios de escalas e acordes que, na maioria das
vezes, não resolvem determinado problema por falta
de compreensão dos diversos fatores que envolvem a
movimentação dos dedos.

Traslado da mão direita (transversal e longitudinal)


De maneira geral, é o movimento que a mão direita faz
no sentido da 6ª corda (mi) para a 1ª corda (mi) e vice-
versa. A situação em que esse movimento ocorre de
forma mais evidente, são nas escalas ascendentes ou
descendentes.

Exemplo:

Movimento: Para que esse movimento da mão direita


aconteça da forma mais natural possível (sem entorse
do pulso e mudança do ângulo de ataque nas cordas) é
necessário que o braço faça o movimento. Nesse caso,
a mão fica subordinada ao movimento do braço sem
modificar o ângulo de ataque nas cordas.
40 • VIOLÃO+
VIOLAO BRASILEIRO

Como eu toco
este samba?
Renato Candro
www.renatocandro.com
www.learningbrazilianguitar.com

Se você ainda não se deparou com essa situação, aguarde.


Seu dia ainda vai chegar. Você aprendeu a tocar vários
sambas e está feliz da vida. E com razão, afinal, sabemos
que o samba tem lá seus “mistérios” e não é um estilo fácil.
Como disse Joyce Moreno, muito apropriadamente, na
canção Receita de Samba, “Pra se fazer um samba, você
tem que gostar (...) No samba tem que estar do lado, o
segredo é o sabor do refogado e a malícia que a gente dá.”
Então, você vai tocar outro samba e, de repente, percebe
que o ritmo simplesmente não se encaixa, que falta sincronia
entre o que você canta e o que você toca. Faltou a malícia
da qual Joyce falou? O tempero? Se você não sabe o que
aconteceu, talvez eu possa responder: chegou seu dia.
Chegou seu dia de saber que determinados sambas
começam de maneira diferente em relação ao ritmo. Isso,
segundo Tom Jobim e Newton Mendonça, é muito natural.
Apesar de o samba ser escrito como ritmo binário (dois
tempos), o tamborim tem uma célula rítmica que dura quatro
batidas, ou dois compassos, e no violão é exatamente
a célula do tamborim que usamos para tocar as cordas
agudas, enquanto o polegar imita o surdo nos baixos. Assim,
o padrão rítmico se repete a cada dois compassos, como
na Figura 1.

Figura 1

Repare que o ritmo do tamborim é diferente em cada


compasso.
VIOLÃO+ • 41
~ BRASILEIRO
VIOLAO
Escrevendo para o violão (Figura 2), temos:

Figura 2

A maneira como um samba é composto define por onde


começamos o ritmo, se pelo primeiro ou pelo segundo
compasso. A Figura 3 mostra o ritmo do samba começando
pelo primeiro compasso (relativo aos exemplos anteriores),
como acontece na maioria dos sambas. A Figura 4 mostra
o ritmo começando pelo segundo compasso, o que, apesar
de mais raro, acontece. Observe que, quando temos dois
acordes por compasso, a mudança dos mesmos ocorre
antecipadamente, em dois pontos do ritmo. As linhas
tracejadas demarcam o ponto de início e a duração de cada
acorde.

Figura 3

Figura 4

Se você tocar esses exemplos, facilmente perceberá que


são duas situações completamente diferentes. Uma ótima
dica para você entender como deve tocar um determinado
42 • VIOLÃO+
~ BRASILEIRO
VIOLAO
samba é prestar atenção em como a melodia se comporta.
Se o samba é cantado, o posicionamento de determinadas
sílabas tônicas pode indicar, claramente, de que maneira
devemos começar o ritmo. Vamos usar duas ótimas músicas
do Djavan como exemplos: “Flor de Lis” e “Serrado”.
Veja que, em “Flor de Lis”, a primeira sílaba tônica, “lei”, na
frase “valei-me Deus”, é cantada antes do primeiro tempo
do compasso. Isso indica que devemos começar o ritmo
da maneira mais comum, quando o acorde se antecipa ao
começo do compasso. Há vários pontos de coincidência
rítmica, destacados pelas linhas verticais tracejadas.

“Flor de Lis” (Djavan)

Já em “Serrado”, a primeira sílaba tônica, “nhor”, na frase


“Se o senhor me for louvado”, é cantada exatamente na
cabeça do compasso. Então, devemos começar tocando o
ritmo como na Figura 4. Repare nas coincidências rítmicas
marcadas pelas linhas verticais tracejadas.

“Serrado” (Djavan)

Se você já passou por isso, espero que agora consiga


entender o que pode ter acontecido e que esta lição seja
útil para que você corrija eventuais descompassos entre
melodia e ritmo. Se ainda não passou por essa situação,
não se preocupe. Já cantava Zé Rodrix, em “Quando será o
dia da minha sorte?”: Sei que antes da minha morte, eu sei
que esse dia chegará, mas quando será? Bons estudos!
VIOLÃO+ • 43
siderurgia

Síncope
Walter Nery
www.walternery.com
Os leitores que tiveram contato com nossa coluna nas
edições anteriores de Violão+ devem ter percebido uma
preocupação com a questão didática e evolutiva em
relação à apresentação e desenvolvimento das aulas
sobre o violão cordas de aço.
Na primeira, falamos do baixo alternado como um
recurso de base nos arranjos de peças apropriadas
para o instrumento. No número anterior, demos ênfase
ao contratempo como um modo de imprimir maior
dinamismo. Na presente edição, falaremos da síncope
musical, um recurso rítmico expressivo e sofisticado
que começou a ser largamente explorado no século
XIV em um estilo musical da Europa denominado Ars
Subtilior. Ao final, encerraremos a “saga” da música
Mack the Knife, de Bertold Brecht e Kurt Weill, com
um arranjo que procura incorporar todos os elementos
abordados até aqui.

Definição
A síncope consiste no ato de valorizar um ponto débil
em se tratando da acentuação de um determinado
grupo rítmico ou até mesmo de um certo ponto de um
compasso. O resultado musical é marcante e produz
um efeito de suspensão em que a música transcorre
com maior fluidez e leveza. Veja o Exemplo 1:

44 • VIOLÃO+
siderurgia
No exemplo anterior, as notas da melodia encontram-se
antecipadas. Uma redução rítmica das mesmas produz
um efeito de síncope interessante:

A seguinte variação também é bastante útil para os


arranjos que utilizam a síncope:

No exemplo anterior, invertemos a sequência do baixo


em relação ao Exemplo 2 para evitar paralelismos de
oitava. Mesclando as ideias de contratempo e síncope
na parte de acompanhamento podemos criar situações
de grande interesse musical:

VIOLÃO+ • 45
siderurgia
Ou ainda:

A divisão do tempo das notas da melodia impõe um


desafio ainda maior para o executante e um ganho de
complexidade ao trecho musical:

Seguem assim o último arranjo de Mack the Knife,


finalizando a sequência de arranjos desta canção que
nos propusemos a implantar desde o primeiro número
de Violão+. Um abraço musical!

46 • VIOLÃO+
siderurgia

“Mack The Knife”


(versão 2)
Bertold Brecht/Kurt Weill
Arranjo: Walter Nery

VIOLÃO+ • 47
iniciantes

Acordes Ricardo Luccas


rnluccas@gmail.com
E então? Como foi seu primeiro contato com o instrumento?
Realizou todos os exercícios? Conte para nós quais foram
suas impressões. Envie sua opinião e suas sugestões.

Vamos dar continuidade aos exercícios com a técnica e


o desenvolvimento da coordenação das mãos direita e
esquerda, novos acordes em novas sequências e novas
batidas. Dessa forma, ampliaremos gradativamente nosso
repertório, aumentando as possibilidades de execução.

Que tal aprendermos alguns acordes novos?

Instruções:

• G (Sol Maior): coloque o dedo 1 na corda 5 da casa 2;


o dedo 2, na corda 6 da casa 3; o dedo 3, na corda 1
(também da casa 3).

• D7 (Ré Maior com sétima): coloque o dedo 1 na corda


2 da casa 1; o dedo 2, na corda 3 da casa 2; o dedo 3,
na corda 1 (também da casa 2).

• D (Ré Maior): coloque o dedo 1 na corda 3 da casa 2;


o dedo 2, na corda 1 (também da casa 2); o dedo 3, na
corda 2 da casa 3.

• E7 (Mi Maior com sétima): coloque o dedo 1 na corda


3 da casa 1; o dedo 2, na corda 5 da casa 2; o dedo 3,
na corda 4 (também da casa 2); o dedo 4, na corda 2
da casa 3.

Ficou confuso? Então, reproduza os desenhos ao lado no


braço do violão e assista ao vídeo.
48 • VIOLÃO+
iniciantes

Seguem duas novas sequências, misturando acordes


novos e antigos. Consulte os novos acordes acima.

Exercícios:
1) Mão direita. Arpejos sobre os acordes Am (Lá menor)
e Em (Mi menor), aprendidos na edição anterior.

VIOLÃO+ • 49
iniciantes

2) Mão direita: batida.


Aprendemos, na edição anterior, uma batida que subia
e descia sem parar. Agora vamos aprender algo novo e
colocar um pouco de swing, tirando uma batida de um
tempo fraco. Para dar sequencia ao nosso aprendizado,
vamos aplicar duas novas batidas na conhecida
sequência de A (Lá Maior) e E (Mi Maior). Quando sentir
que já consegue realizar essa batida repetidamente,
execute a mesma com as sequências novas de acordes.

50 • VIOLÃO+
iniciantes
3) Mão esquerda. Dando continuidade aos exercícios
de sensibilização, vamos trabalhar mais três fórmulas.
Contando com a fórmula apresentada na edição anterior,
chegaremos a quatro do total de doze para atingir nosso
objetivo de aprender o toque frontal ao braço do instrumento.
Atenção à indicação da tablatura: devemos começar com
o dedo 1 na casa 5, o dedo 2 na casa 6, e assim por
diante. Os números de 1 a 4 representam os dedos da mão
esquerda. As letras I e M representam os dedos indicador
e médio da mão direita. Para cada nota tocada, vamos
usar um dos dedos – sempre de forma alternada.

Exercícios de Sensibilização: toque frontal ao braço do instrumento. Mantenha os dedos


presos o maior tempo possível, procurando sempre o relaxamento. Toque lentamente.

VIOLÃO+ • 51
iniciantes
Notação Musical
Vamos entender como funciona a partitura. Como já
havíamos explicado na tablatura, os sons na partitura
pensando do registro grave para o agudo seguem a
sequência de baixo para cima, ou seja, quanto mais para
baixo colocamos a nota, mais grave o som e quanto mais
para cima, mais agudo. A partitura ou pauta musical é
composta por cinco linhas e as notas podem ser colocadas
nas linhas e nos espaços entre elas. A partitura serve para
representar as notas musicais e funciona para o registro
dos diversos instrumentos musicais e da voz, portanto,
não devemos confundir as linhas da partitura com as
cordas do violão.
Como o violão possui uma extensão maior de notas – em
relação ao número de linhas da partitura –, usamos as
linhas complementares e suplementares para preencher
este registro. Para iniciar a leitura de uma partitura,
coloca-se uma clave (chave) logo no início da pauta. Para
o violão, utiliza-se a clave de Sol (G), escrita a partir da
segunda linha da pauta, que será o local da nota Sol.
Na sequência, podemos pensar: o que vem depois da
nota Sol? Sim, vem a nota Lá, no espaço logo acima da
segunda linha e da nota Sol. Na terceira linha, surge a
nota Si, e assim por diante.

Vamos tocar as notas na primeira posição do braço do


violão (as primeiras casas e as cordas soltas)? Dica: os
números embaixo de cada nota representam os dedos da
mão esquerda e a casa a ser tocada.
52 • VIOLÃO+
iniciantes

Topa um desafio? Vamos lá! Abaixo segue a melodia de


uma música brasileira muito conhecida. Tente descobrir
antes de ver o vídeo. Use a escala mostrada na primeira
posição tocando nota por nota. Você vai conseguir
mesmo sem conhecer a fundo a divisão rítmica. Coloquei,
propositadamente, algumas vírgulas para dividir as frases
da música. Boa Sorte!

VIOLÃO+ • 53
sete cordas

O início Cleber Assumpção


Saudações, pessoal das “baixarias”! É com grande cleberassumpcao@gmail.com
satisfação que dou início a esta coluna para falar sobre
esse instrumento fascinante que é o violão 7 cordas. Sem
sombra de dúvida, sua história está intrinsecamente ligada
ao choro e ao samba, mas vem sendo cada vez mais
utilizado para diferentes gêneros musicais, expandindo
de forma ilimitada suas possibilidades de aplicação como
instrumento de acompanhamento, que era sua função de
origem, e, também, como instrumento solista.
Não se sabe ao certo qual a verdadeira origem do violão 7
cordas. Alguns atribuem sua chegada ao Brasil trazido por
ciganos russos. Contudo, tal fato não tem comprovação
histórica. O que importa é que de alguma forma ele
chegou aqui e foi absorvido pela cultura musical da época,
provavelmente no final do século XIX e início do século
XX, tendo como principais expoentes os violonistas Tute
(Arthur de Souza Nascimento) e seu contemporâneo,
China (Otávio Vianna), irmão mais velho de Pixinguinha.
Ambos inspiraram e influenciaram o violonista que viria
a ser a maior referência do violão 7 cordas de todos os
tempos: Dino 7 Cordas (Horondino José da Silva), que só
tomou a iniciativa de mandar fazer seu primeiro violão 7
cordas em 1952, após o afastamento de Tute do cenário
musical. Isso nos dá uma ideia do respeito e da reverência
que Dino tinha pelo seu antecessor.
Dino era frequentador assíduo da casa do maestro
Pixinguinha, e, certamente, além das influências de
Tute e China, os contracantos do maestro ao saxofone
serviram de material de estudo para o genial violonista.
Dessa forma, fixou de forma brilhante e definitiva a
linguagem de seu instrumento. Além disso, definiu a
sonoridade característica do que se pode chamar de
“primeira escola do violão 7 cordas”, na qual o instrumento
é encordoado com cordas de aço da 3ª até a 7ª (ele
utilizava uma corda Dó de violoncelo), e com cordas
de nylon nas duas primeiras, solução encontrada pelo
“mestre” para suavizar o som estridente das cordas de
aço, proporcionando sonoridades mais equilibradas. Dino 7 Cordas

54 • VIOLÃO+
sete cordas
Outro elemento característico dessa escola é o uso da
dedeira de aço inox. O violão 7 cordas, na sua primeira
escola, assume a função rítmico-harmônica, com frases
de contracanto (baixarias) aplicadas, principalmente, nos
finais de frase e repousos da melodia principal.
Com a popularização do violão 7 cordas, em especial por
meio das gravações feitas pelo mestre Dino, o instrumento
passou a chamar a atenção de diversos músicos, o que
resulta em um número cada vez maior de adeptos. Entre
eles destaca-se outro grande violonista: Raphael Rabello.
Rabello teve uma carreira breve (faleceu aos 33 anos), mas
deixou um legado incomensurável ao seu instrumento e à
música. Gênio precoce, estudou com outro grande mestre
do violão brasileiro, Meira, e foi fortemente influenciado
pela escola de Dino 7 Cordas, tornando-se um exímio
acompanhador nesse estilo (vale a pena pesquisar as
gravações feitas por Raphael nesse período). Contudo,
sob influência de outro grande violonista, Luiz Otávio
Braga, no início dos anos 1980, Raphael encomendou
seu primeiro 7 cordas encordoado com nylon. A partir de
então, o violão 7 cordas pôde ser dividido em duas escolas
distintas: o 7 cordas de aço e o 7 cordas de nylon.
Com sua forma única de tocar, Raphael ampliou as
possibilidades de utilização do instrumento, atuando tanto
como acompanhador quanto como solista. Agregou ao
instrumento novas sonoridades com sua forma peculiar
de harmonizar e com técnicas advindas de gêneros como
o flamenco e o jazz.
Além de Tute, China, Dino 7 Cordas, Raphael Rabello
e Luiz Otávio Braga, existe um número considerável de
grandes violonistas 7 cordas que merecem destaque,
como Valdir Silva, Valter Silva, Ventura Ramires, Jorge
Simas, Carlinhos 7 Cordas, Maurício Carrilho, Paulão
7 Cordas, Toni 7 Cordas, Marcello Gonçalves, Luisinho
7 Cordas, Edmilson Capelupi, Zé Barbeiro, Swami Jr.,
Alencar 7 Cordas, Yamandu Costa, Rogério Caetano,
Gian Correa, Bruno Vinci, nomes que são ótimas
indicações como ponto de partida e para ouvir tudo o
que for possível dos grandes mestres, pois essa foi, é
e sempre será a melhor forma de assimilar qualquer
linguagem musical. Vamos começar a “calejar” o polegar
e “gastar” as dedeiras! Raphael Rabello
VIOLÃO+ • 55
sete cordas

Afinação
Tradicionalmente, a sétima corda do violão é afinada em Dó, existindo alguns
questionamentos a respeito: uns acreditam que o motivo principal são as tonalidades
dos choros, pois na maioria delas o baixo Dó seria mais útil do que um baixo Si;
outros acreditam que é a falta de opções de cordas que realmente funcionassem
com outra afinação, o que particularmente considero mais plausível. Atualmente,
existe um número cada vez maior de violonistas que utilizam a sétima corda afinada
em Si, e, em alguns casos, em Lá. Venho utilizando a afinação tradicional, da
sétima em Dó, para o violão com cordas de aço e em Dó ou Lá para o violão com
cordas de nylon. Contudo, no decorrer de nossas matérias, pretendo levantar prós
e contras de cada afinação nos exemplos de lições que demonstrarei em vídeo.

Condução Harmônica
Visualização das notas de acorde para encadeamento
harmônico pelos baixos
Acordes Maiores e Maiores com sétima menor, seguindo cinco modelos de referência (CAGED)

Acordes com referência no modelo de Dó Maior (C)

56 • VIOLÃO+
sete cordas
Acordes com referência no modelo de Lá Maior (A)

Acordes com referência no modelo de Sol Maior (G)

VIOLÃO+ • 57
sete cordas
Acordes com referência no modelo de Mi Maior (E)

Acordes com referência no modelo de Ré Maior (D)

58 • VIOLÃO+
VIOLA caipira

No repique da
viola
Fábio Miranda
www.fabiomirandavioleiro.com

Quando ouvimos um ponteado de viola, uma das


impressões que temos é de que há mais de um
instrumento tocando. Essa sonoridade “cheia” da viola
caipira revela uma de suas técnicas mais singulares: o
ponteio repicado.
Quando falo de repicado na viola, refiro-me aos toques
nas cordas soltas respondendo às melodias feitas
no braço do instrumento. Dessa forma, duas coisas
acontecem: 1) há o solado utilizando notas simples ou
escalas duetadas, enquanto 2) toca-se os pares soltos
na viola, preenchendo os espaços da melodia ponteada.
Percebemos isso na grande maioria dos toques
marcantes de viola presentes nos estilos dos violeiros
tradicionais ou modernosos. Um exemplo clássico
dessa técnica é encontrado nas introduções de pagodes
de viola, consagrados pelo violeiro José Dias Nunes,
o Tião Carreiro. “Pagode em Brasília” (composição de
Teddy Vieira e Lourival dos Santos, gravado em 1960),
considerado o primeiro pagode sertanejo gravado - e
imortalizado pelo violeiro e seu parceiro, Pardinho -,
traz um dos solados mais buscados pelos aprendizes de
viola. Se ouvirmos com atenção, o solo dessa introdução
resume-se à seguinte sequência de graus:

Essa sequência costuma ser tocada na escala duetada


nas cordas primas e requintas da viola, ou seja, nos 1os
e 2os pares, como ilustrado abaixo. Experimente tocar
essa sequência de graus nas posições indicadas:

VIOLÃO+ • 59
VIOLA caipira

Óia bem! O grau 1 do final do solo vem duplamente


sublinhado, pois está uma oitava acima do grau
sublinhado (1). Podemos simplificar a chegada até esse
grau fazendo de forma invertida, da seguinte maneira:

E o repique? O truque acontece quando o violeiro


acrescenta ao solo toques nas cordas soltas para
complementar ritmicamente o solado principal: são os
repicados. No caso do “Pagode em Brasília”, podemos
acrescentar aos poucos os repiques, deixando o toque
cada vez mais complexo. Veja a progressão demonstrada
nas três tablaturas abaixo:
Primeiro, alternando o solo com o canotilho solto:

Depois, acrescentando o toque solto nas primas e


requintas:

60 • VIOLÃO+
VIOLA caipira
E puxando as cordas apertadas logo depois de tocá-las
com a mão do ponteio:

O dedilhado pode ser feito só com o polegar, ou alternando


o polegar com algum outro dedo da mão que fere as
cordas. Reparem que cada repique acrescentado deixa o
ritmo mais articulado e o solado fica mais trabalhado. Na
tablatura III há ainda o recurso do ligado, em que o efeito
das cordas soltas vem da puxada feita pela própria mão
do ponteio: a famosa mordida de égua! Experimentem
aumentar a velocidade para perceberem melhor o efeito!
Depois que aprendermos essas manhas, podemos criar
nossos próprios repiques de acordo com o local em que
estamos ponteando. Se o solado acontecer nos pares
graves, os repiques podem ser feitos nas cordas agudas,
e vice versa.

Os repiques revelam muito do estilo de cada violeiro


e são parte fundamental da técnica da viola caipira
consagrada por grandes violeiros como Gedeão da
Viola, Bambico, Renato Andrade, Almir Sater, Zé Côco
do Riachão, Tião do Carro e o próprio Tião Carreiro,
que nas suas introduções de pagodes, consagrou as
possibilidades desse truque. Bora debuiá!
VIOLÃO+ • 61
f lamenco

O polegar Flavio Rodrigues


www.flaviorodrigues-flamenco.eu

Nesta edição, referente à técnica, falaremos do uso do


polegar aplicado à guitarra flamenca. O polegar é um dos
recursos mais utilizados pelos guitarristas flamencos. Por isso,
existem diferentes técnicas, e suas respectivas variantes,
que veremos ao longo dos próximos números de Violão+.
Vamos iniciar a abordagem das técnicas com o polegar, com
um conceito bem básico, mas que curiosamente, exige um
pouquinho de trabalho e atenção. É o toque do polegar aliado
ao “golpe” no tampo (dedo A ou M, ou ambos juntos).

Referente ao repertório, vamos aplicar a nova técnica


aprendida, em uma pequena variação que se somará ao
nosso toque por Tientos. Utilizaremos apenas os seguintes
acordes alternados com os baixos*:

G7 C/G F Bb6(4+) Gm/Ab A9b

*acordes sem capo-traste (cejilla)

Na próxima edição, vamos introduzir a alzapúa. Uma técnica


exclusiva da guitarra flamenca, que alterna movimentos de
polegar para cima, para baixo, tocando uma ou varias cordas,
com ou sem golpe no tampo. Até logo!

62 • VIOLÃO+
f lamenco

#FicaAdica
Vivencias Imaginadas
(1995)
Vicente Amigo

Segundo disco de um
dos maiores nomes da
guitarra flamenca da era
pós Paco de Lucia. Vicente
Amigo criou um estilo,
uma marca registrada
tanto tecnicamente, quanto na sonoridade e nas suas
composições. Nessa obra, podemos apreciar sua guitarra
solista em peças como Ventanas al Alma y Sierra del Agua,
assim como em temas arranjados com percussão, baixo,
trompete, voz, palmas... Tudo muito minimalista. Também
constatamos importantes aberturas harmônicas e melódicas
(inovadoras dentro da estética da música flamenca até
então), a introdução de elementos jazzísticos, além de
outras músicas.

Destaques: “El Mandaito”, “Mensaje” e “Vivencias


Imaginadas”, além da participação especial de Paco de
Lucía em “Querido Metheny”.
VIOLÃO+ • 63
Improvisação

Fundamentos
Alex Lameira
Chamo esta coluna de fundamentos da improvisação www.alexlameira.com.br
apenas para lembrar aos leitores que improvisação não
se ensina. O que se ensina são conceitos de percepção
musical, estruturação e técnica para estarmos aptos e
prontos para criar livremente sobre uma harmonia.
Na edição anterior falamos da audição do acorde de sétima
maior. Nesta, vamos nos aprofundar ainda nesse acorde.
Você deve utilizar um gravador ou um pedal de loop para
ouvir uma base com um acorde de Cmaj7, por exemplo, e
seguir os seguintes passos:

1 – Cantar os arpejos dos acordes dados na lição passada


(tétrades) no caso:
Cmaj7, Em7, Gmaj7, Bm7

2- Cantar a escala e sentir cada grau:


T , 2M , 3M, #11, 5J, 6M e 7M

3- Ouvir o acorde e cantar as tensões:


7M 9M e #11

Faça isso se possível nos 12 tons, mas se concentre realmente


no efeito daquele grau ao ouvir o acorde, para que isso se
internalize e, no momento da improvisação, fique natural.
64 • VIOLÃO+
Improvisação
4- Após os três passos anteriores, toque o acorde (de
Cmaj7, por exemplo) e improvise com a voz.

Crie frases com a sua voz dentro dos acordes dados


acima. Tudo isso vai não somente ajudar a internalizar
a sonoridade do acorde, como também sair das frases
prontas que nossos dedos fazem sozinhos. O improviso
deve fluir de sua mente para os dedos, e não ao contrário.
Utilize um gravador para depois conferir se as notas que
cantou estão dentro da escala e afinação corretas.
Todo esse processo está edificando um dos pilares da
improvisação que é a audição, que é o mais importante e
o menos trabalhado pelos estudantes.
Existem outros dois pilares importantes que são a
consciência (pensamento de que nota se está tocando
naquele momento) e a parte motora (escalas e arpejos
no braço). Na próxima edição iremos abordar esses dois
elementos. Até lá!

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VIOLÃO+ • 65
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66 • VIOLÃO+
coda

Visitando o Sr. Villani


Luis Stelzer
Chuva. Muita chuva. O horário marcado, impossível de ser
cumprido. Trânsito. Atraso. Três carros, vindos de lugares
diferentes, violões, estantes, pastas. Chegando à casa do
maestro, para lhe prestar uma homenagem e pedir sua bênção.
O inesperado: a recepção.

Por mais que soubéssemos que homenagem ao homem!


Edmundo Villani-Côrtes e sua esposa, Depois, mais conversa, outras
Efigênia, sejam dois amores, não músicas, mais conversa (quem já
dava para esperar tanto sorriso, tanta foi à casa do Villani e esposa, sabe
alegria deles por estarmos lá. Nos que o tempo lá é outro: é o tempo da
contagiou, nos encheu de alegria delicadeza – é, roubei o verso!). Frase
também . E de ansiedade. que marcou: “Vocês, que carregam
O objetivo da visita era mostrar a Villani seus instrumentos e tocam para outros,
a execução de um arranjo da música salvam a humanidade”.
“Choro Urbano”, que tem uma linda Será, pergunto eu na emoção de mais
letra de Julio Bellodi. Nossa Orquestra um atentado que acaba de ser noticiado,
de Violões faz a versão instrumental. sabendo que outros tantos ocorrem a
Seria o nosso presente ao maestro, cada minuto, silenciosamente, durante
compositor e professor, a poucos séculos, e que outros vão ocorrer?
dias de completar 85 anos, em pleno Será que podemos mesmo salvar
vigor, vitalidade de menino, brilho nos alguma coisa, ou alguém? A resposta
olhos de fazer inveja a qualquer um de vem quando pego meu violão e toco,
nós, compondo e arranjando, tocando nem que seja por poucos minutos.
generosamente para um mundo que Obrigado, Villani, por mais essa lição.
parece não se dar conta disso. Fomos te dar um presente e ganhamos
Nos acomodamos como foi possível na muito mais! Além, é claro, de mais
sala, que é bem ampla, mas não foi partituras para estudar...
projetada para grupos desse tamanho.
Conversa daqui, afina dali, eis que o
momento chega. Tocamos, fizemos o
nosso melhor. André, Gustavo, Joana,
Paulo, Toninho, Ricardo, Pedro, Vitor,
Marines, Juliano. Eu na regência,
Luisa e Miriam, de longe, torcendo.
Muita emoção, nervosismo, algumas
notas trocadas involuntariamente.
Conseguimos, prestamos nossa
VIOLÃO+ • 67
Em parceria com a Tokai Japan, a Tokai do
Brasil traz para o país a linha de violões
mais surpreendente de todos os tempos

Junte-se
ao time de
apaixonados
pela tokai

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