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O CAMINHO SEMÂNTICO E SINTÁTICO DO PRONOME ONDE:

UM EXEMPLO DE GRAMATICALIZAÇÃO.

Ana Cátia Silva de Lemos. (UFC)¹


Kamila Nayana Lima de Castro. (UFC)²

RESUMO: Este trabalho apresenta os traços que compõem uma pequena pesquisa
realizada a partir das variações do pronome ONDE, para tanto, foi utilizado o corpus do
curso de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), intitulado Varport.
Com base em alguns princípios do funcionalismo, analisamos as variações em 23
editorias do século XX. A partir desta análise, observamos as variações sintático-
semânticas mais freqüentes e podemos concluir que elas ocorreram de forma sutil nos
registros escritos pesquisados, caracterizando um fenômeno de gramaticalização.

PALAVRAS-CHAVE: valor sintático-semântico, mudança, gramaticalização.

INTRODUÇÃO

Desde que iniciamos os estudos sobre nossa língua mãe, na escola,


deparamo-nos com um pronome que opera na língua de diversas formas, este pronome:
o Onde pode assumir diversas operações sintáticas.

Esse tema já fomentou e fomenta grandes discussões; no entanto o seu


valor semântico, que também é rico, vem sendo mais abordado atualmente. Baseado
nesse contexto, o presente artigo apóia-se em pressupostos teóricos do funcionalismo
lingüístico e pretende apresentar os dados coletados em uma pesquisa que buscou
comparar diacronicamente as variações sintáticas do referido pronome, de acordo com
seu valor semântico.

A partir desses dados, buscamos basear nosso trabalho em mudanças que se


dão no interior da gramática, caracterizando, portanto, um dos processos de
gramaticalização determinados por CEZÁRIO, COSTA, CUNHA (2003), que definem
dois caminhos nos quais podem ocorrer esse processo: gramaticalização stricto sensu,
que se emprega das mudanças que ocorrem do léxico para a gramática; e a
gramaticalização lato sensu, que trata das modificações ocorridas no interior da
gramática.

1. Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal do Ceará. Contato: borboleta_abc27@yahoo.com.br.


2. Graduanda em Letras Português pela Universidade Federal do Ceará. Contato: kamila_nayana@hotmail.com.
METODOLOGIA

Utilizamos o corpus do curso de Letras da Universidade Federal do Rio de


Janeiro, intitulado Varport (Análise Contrastiva de Variedades do Português). Nosso
objetivo é investigar as variações sintático-semânticas do pronome Onde, para tanto,
baseamos nossas observações nos princípios funcionalistas da linguagem, entre eles, a
concepção de língua como instrumento de comunicação, focando as variações citadas
acima.

A concepção de gramaticalização adotada foi obtida na leitura da tese


intitulada Uma análise funcional do ONDE no português contemporâneo: Da sintaxe ao
discurso, na qual COELHO afirma:

... na concepção de Meillet, a gramaticalização pode ser entendida como o


percurso segundo o qual o falante recategoriza determinado item lexical,
conferindo-lhe alterações de ordem semântica e gramatical, para satisfazer às
suas necessidades discursivas. Tal definição parece abranger o discurso, a
semântica e a gramática, passando pelo léxico, que é o componente
lingüístico primitivo ( p19,2001.).

Com a finalidade de delimitar o vasto material disponível no site da


universidade citada, optamos por estudar as orações em que a partícula onde assume
novos papéis semânticos. Em seguida analisamos vinte e três editoriais de todo o século
XX e, posteriormente, contabilizamos as ocorrências nas quais a partícula surgiu.

Escolhemos analisar este século, pois percebemos indícios de uma variação


semântica do pronome, acompanhada por seu uso em contextos que fogem ao fator
canônico, isto é, referindo-se a espaço físico. Sempre lembrando que a gramaticalização
é analisada como uma extensão contínua de usos de determinados termos originais.

ANÁLISE

Numa amostra de 23 editoriais, encontramos 18 ocorrências. Essa


desproporcionalidade se deve ao gênero analisado, pois o gênero jornalístico tenta
adequar-se à norma padrão, apesar dessa conclusão, percebemos que há variações
semânticas e sintáticas que fogem ao cânone formal em algumas amostras.

Os dados apontam para o frequente uso do termo onde, no português escrito


brasileiro no início do século XX, com o valor sintático locativo, ou seja, a partir da
primeira amostra ou período de análise, que se estende de 1901 a 1924, deparamo-nos
com um total de quatro orações, nas quais encontramos o pronome apresentando apenas
uma função sintática; como introdutor de oração adverbial.

Ex.¹: “Um de seus órgãos, a Gazeta de Notícias, exprobou ao assassinado a


loucura de andar pelas ruas, onde foi buscar a alcatéa dos sicarios”.

No que tange à noção semântica, três partículas apresentam valor locativo


espacial e apenas uma apresenta valor locativo nocional. Esse indício do aspecto
semântico apresentado faz-se importante, devido ao fato de que mudanças lingüísticas
ocorrem de forma lenta e gradual, principalmente em registro escrito.

Na segunda amostra, que abrange os anos 1925 até 1949, surgiram sete
ocorrências. Ainda há uma predominância da função sintática observada no período
anterior, ou seja, aqui a partícula ainda aparece como introdutor de orações adverbiais
em todos os casos, como demonstra o exemplo dois.

Ex.²: “Uma balança quer um balcão bem nivelado, onde as pesadas saiam
certas...”.

Porém, a noção semântica já sofre uma mudança pequena, mas


considerável. Enquanto tínhamos, no período anterior, a proporção de 3 (valor espacial)
x 1 (valor nocional), aqui o valor nocional sofre um aumento; assim temos cinco
orações com valor espacial (ainda preponderante) e duas orações nas quais o termo
apresenta valor nocional.Um exemplo deste valor encontra-se a seguir:

Ex.³: “... equivalendo todos por um grande cartaz cruel onde estivesse
escrito: É proibido comer”.

Nos anos de 1950 a 1974, que compreendem a terceira amostra de análise,


foram encontradas apenas três orações. Em duas delas, a partícula é introdutora de
oração adverbial e em outra ela ocorre como introdutora de oração substantiva. Com
relação às noções de sentido, surgiram dois termos apresentando valor locativo espacial
e um nocional.

A quarta amostra compreende os últimos anos do século em questão,


estendendo-se de 1975 a 2000. Foram encontradas as quatro últimas orações analisadas.
Há uma oração com o termo estudado funcionando como introdutor de oração
substantiva, e três em que é introdutor de oração adverbial. Semanticamente, temos três
noções de espaço físico, e uma de espaço nocional.

Ex.4: “Na 6a linha do tópico ‘convocação e mesa da Câmara’, há um


espaçamento inadequado no lugar onde deveria estar um ponto continuativo.”

É possível notar no exemplo acima que o termo estudado compreende uma


oração adjetiva restritiva assumindo, portanto, o pronome um valor nocional, pois faz
referência a um lugar abstrato, um dos níveis da trajetória de gramaticalização
apontados por TRAUGOTT E HEINE (apud, CUNHA, OLIVEIRA E MARTELOTTA,
2003).

É importante ressaltar o contexto, tendo em vista, que o processo de


gramaticalização leva em conta os fatores pragmáticos, temporais e usuais dos falantes,
por isso, para a análise ressaltamos a relevância desse processo que segue essa
ordenação: TEMPO> COGNIÇÃO> USO.

Apresentamos abaixo um quadro feito a partir do cruzamento das


ocorrências do Onde entre os valores sintáticos e semânticos assumidos nas orações do
corpus analisado.

FUNÇÃO (V. SINTÁTICO)


NOÇÃO
Introdutor da Introdutor da Introdutor da
(V. SEMÂNTICO)
Oração Adjetiva Oração Substantiva Oração Adverbial.
LUGAR ESPACIAL 1,8% 1,8% 50%
LUGAR 0 0 46,4%
NOCIONAL
TEMPO 0 0 0
VAZIO 0 0 0

Não foram encontrados registros do termo com valor conclusivo nos textos
pesquisados. Apesar disso, foram encontrados outros indícios de gramaticalização da
partícula, uma vez que esta, comprovadamente, assume vários papéis sintático-
semânticos. Atribuímos este fato ao momento em que o termo se encontra no processo
de gramaticalização, pois é notável a aquisição de novos usos, porém acredita-se que
nos registros escritos essa consolidação possui uma tímida existência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta pesquisa consideramos a hipótese de o pronome onde


assumir novas noções de sentido, para tanto, apresentamos o resultado de uma pesquisa
realizada a partir do corpus Varport para tentar comprovar nossa hipótese.

A partir dos dados apresentados acreditamos ter alcançado o objetivo de


demonstrar o processo de gramaticalização do Onde. Porém, de acordo com os indícios,
concluímos que esse processo, no gênero editorial durante o século XX, ainda se
configurava de forma sutil.

REFERÊNCIAS

CEZÁRIO, M.M.; COSTA,M. A.; CUNHA,M. A. F. da;. Pressupostos Teóricos


Fundamentais. IN: FURTADO DA CUNHA, M. A.; OLIVEIRA, M. R. de;
MARTELLOTA, M. E. (orgs.)
Lingüística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.29-55

COELHO, S.M. Uma análise funcional do ONDE no português contemporâneo: Da


sintaxe ao discurso. Belo Horizonte: PUC –MG, 2001. 128p. Dissertação (Mestrado) -
Programa de Pós-Graduação em Letras, Curso Letras, Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, Belo Horizonte,2001.

FERREIRA, E. P. Gramaticalização e auxiliaridade: Um estudo pancrônico do


verbo chegar. Fortaleza: UFC, 2007. 272 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-
Graduação em Lingüística, Curso de Letras, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza,
2007.

FERREIRA, L. M. A. Estabilidade e continuidade semântica. IN: FURTADO DA


CUNHA, M. A.; OLIVEIRA, M. R. de; MARTELLOTA, M. E. (orgs.)
Lingüística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.73-87

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