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Tese de Doutorado
Rio de Janeiro
Abril de 2011
Myrtes Maria da Silva Folegatti
abaixo assinada.
Ficha Catalográfica
187 f. ; 30 cm
Inclui bibliografia
CDD: 800
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0710514/CA
Palavras-chave
Musical Modelo Broadway; Teatro Musical Brasileiro; Teatro de Revista;
Teatro Engajado; Möeller e Botelho.
Abstract
engaged musical, and long off season periods. Since the 1990s, the Broadway
model of musical has taken the Brazilian stages by storm, and through showing
the classic American musicals, audiences are being educated and familiarized with
the conventions of the genre, such as the non-stop transitions between dialog and
song and vice-versa. The aim of this research is to highlight the structure of the
model that has proven longstanding by the elements that it’s made of – book,
score – and its variety in form – integrated, conceptual, jukebox – and in this way
contribute to minimize the unbalance in quality between the musicals produced by
national authors and the Broadway model and to motivate the creation of librettos
that will help the Brazilian musical continue on its journey.
Keywords
Broadway-style Musical; Brazilian Musical Theater; Revue; Politically
Engaged Theater; Didactic Theater; Möeller and Botelho.
Sumário
Introdução .............................................................................................................. 11
Ferreira Gullar
Introdução
do ator ou atriz que surgia na tela, quase sempre com outras vozes atravessando,
que gritavam o nome do filme. E meu pai cantava, minha mãe fazia humhumhum
no ritmo da música, e a plateia batia palmas em transe, um verdadeiro ritual. A
conta gotas eu começava a fazer parte do conjunto, encantada com as cenas de
sapateado, com as coreografias, integralmente imersa ao ver o espetáculo aquático
de Esther Williams.
O repertório da família fora renovado, e agora eu começava a participar
das discussões. A reboque dessa exibição, festivais começaram a acontecer no
Rio, e pude assistir integralmente a vários filmes no Studio Paissandu e no
Cinema Asteca. Só depois, quando comprei o LP de Chico Buarque A Ópera do
malandro, descobri que antes de Hollywood havia a Broadway. E em pouco
tempo assisti ao meu primeiro musical: A Chorus Line. As pessoas podem não
saber o que é o teatro musical, mas jamais irão esquecê-lo depois que o virem pela
primeira vez. Porque essa é uma arte presencial, que precisa ser assimilada ao
vivo.
Teatro musical (refiro-me à peça, ou show, como é chamado na Broadway)
é aquele em que a música é essencial, mas funciona integrada aos outros
elementos, não aparece de forma aleatória. Se for possível deslocá-la para outra
12
1
O Teatro Musical Modelo Broadway
O musical pode ser definido como uma produção no teatro (stage), cinema
ou televisão, que utiliza canções em estilo popular e diálogo para contar uma
história (musical book) e/ou apresentar os talentos de diversos intérpretes
(revues), conforme definição de Kenrick (2008; 8).
Um histórico dessas manifestações trará à tona diversas maneiras de
organização, de elementos constitutivos, originais ou não, eventualmente
incorporando novidades da época de sua apresentação. Várias denominações eram
utilizadas de modo bastante vago. Segundo Kenrick (Ibid., 9), o gênero musical
abrangia comic operas, operettas, opera bouffe, burlesque, burletta,
extravaganza, musical comedy, dentre outras. As revues, por sua vez, tiveram
suas origens em variety, vaudeville, music halls e minstrel shows, que eram
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esquetes, historietas e números, com intérpretes diversos e variados, mas sem uma
história com desenvolvimento de um enredo e de suas personagens.
A formação desse gênero, – musical –, hoje reconhecido como tipicamente
um produto do entretenimento americano, teve origens tanto em tradições
europeias quanto em algumas experimentações estilizadas por imigrantes
europeus nos séculos XIX e XX.
1.1
No princípio até 1920
1
Pantomimas, cujos enredos e personagens derivavam geralmente dos contos de fadas da Mamãe
Ganso (Mother Goose). Eram escritas no mesmo estilo musical que as óperas cômicas.
2
Peças cômicas, temperadas com baladas populares e adaptadas com letras satíricas.
15
imitando os negros – blackface - nos chamados colored song and dance acts5. Em
1842, um grupo de atores desempregados e com experiência em blackface
routines6 criaram um espetáculo noturno completo. Satirizando os populares
menestréis tiroleses da Suíça, denominaram-se The Virginia Minstrels. O sucesso
de suas "canções das plantações", suas danças e o modo de encadeamento nas
apresentações causaram grande sensação, favorecendo o surgimento de inúmeros
imitadores. Surgiam, assim, os minstrel shows.
Musicais originais já tinham espaço na Broadway por volta de 1850, mas
nenhum deles era chamado de musical. Uma peça teatral com canções ou
passagens musicais poderia ser divulgada como burletta, extravaganza, spectacle,
operetta, comic opera, light opera, pantomime e, até mesmo, parlor opera, mas
essas classificações eram muito vagas.
Durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), verificou-se, na cidade de
Nova York, um aumento expressivo na frequência do público aos teatros, uma vez
que as pessoas procuravam distrações leves. Após a guerra, o teatro musical
entraria em uma fase de extraordinária redefinição. Em 1866, The Black Crook foi
3
Prática de se ter canções inseridas em um show, escritas por outro compositor, diferente daquele
que escreveu a partitura básica do show (a palavra show refere-se a espetáculos teatrais tais como:
musical, opereta, ópera etc.).
4
Números musicais.
5
Números de canções e danças apresentados por pessoas de cor, ou seja, negros.
6
Sequências de uma coreografia, cena etc.
16
7
Um tipo de vestimenta colante com os ombros expostos. O chorus line, a fileira de coristas,
tornou-se mais tarde um ingrediente básico da comédia musical
8
Nesse montante estão incluídas a temporada na Broadway, as tournês nacionais e as primeiras re-
montagens da obra em Nova York.
9
Um show popular de burlesque na década de 1870 era um tipo de teatro de variedades, voltado
para o público masculino da classe baixa e trabalhadora, com garotas vestidas em tights, saias
curtas e humor grosseiro. (BORDMAN, 1982) A comédia era construída em torno de situações
familiares para o público, insinuações sobre sexo estavam sempre presentes, como também sátiras
de convenções sociais e idiossincrasias linguísticas. Na década de 1920, com o término dos
"circuitos" do velho burlesque, o strip tease foi introduzido nos shows, passando a ser o
ingrediente dominante do gênero na década de 1930.
10
Esse tumulto foi um motim em frente a Astor Place Opera House, resultado de tensões entre a
elite frequentadora da ópera e a classe trabalhadora da região do Bowery no sul de Manhattan.
(www.answers.com/topic/astor-place-riot-1)
17
classes alta e média alta; os minstrel shows e melodramas para a classe média; os
variety shows em bares de concerto para homens da classe operária e para a classe
menos privilegiada.
A busca de lucro decorrente de um amplo espectro de público para os
espetáculos contribuiu para o desenvolvimento do vaudeville e atraiu
empreendedores. De acordo com Kenrick (Ibid., 96), um desses empreendedores
foi Tony Pastor (1832-1908), o primeiro a apresentar um teatro de variedades
bem-sucedido e mais adequado à presença feminina e infantil.
Além de ter conquistado fama como vocalista em variety, ele era
compositor de canções e empresário na região do Bowery em Nova York. Seus
variety shows obtiveram um sucesso imediato atraindo um público entusiasta de
todas as idades e classes sociais, inclusive as pessoas mais influentes da ilha.
O formato inovador de T. Pastor foi imitado especialmente por Benjamin
Franklin Keith e Edward Albee, que fizeram fortuna com produções não
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11
Por volta de 1880, Broadway era o termo genérico para os inúmeros teatros que se
concentravam ao redor da rua 14. O centro do distrito do teatro foi criado em 8 de abril de 1904,
quando teve seu nome alterado de Long Acre Square para Times Square, em homenagem ao jornal
The New York Times e a inauguração do metrô. Times Square tornou-se o coração da cidade,
trazendo visitantes de todas as partes, tornando possível o acesso de um maior público aos teatros
da Broadway cujos limites agora se estendiam até a rua 45. Com um número cada vez maior de
turistas visitando a cidade, a Broadway tinha condições de sustentar mais produções e mantê-las
mais tempo em cartaz. A expansão das linhas de trem pelos estados continentais possibilitou levar
as produções em tournê de modo mais fácil e mais rentável do que nunca, sendo que, por volta de
1900, havia mais de 3.000 teatros nos Estados Unidos, dos quais pelo menos 1.000 estariam
equipados para receber produções ao nível da Broadway (KENRICK: 2008;34).
18
um negócio e não como uma forma de arte em si. Por volta de 1920, os irmãos
Shubert controlavam aproximadamente 75% dos teatros profissionais na
América.14
Nesse período, surgiu George M. Cohan, considerado por Ewen o pai da
comédia musical. Ele não só escrevia, compunha e dirigia, como também
estrelava e produzia suas musical comedies. Suas personagens utilizavam uma
12
No início da década de 1870, William S. Gilbert e Arthur Sullivan revolucionaram o teatro
musical com suas operetas: canções com melodias e ritmos inteligentes e libretos, com uma
mistura de tolices e sátiras, e situações que iam desde a pura fantasia até a surpreendente realidade.
Suas obras, divulgadas como light operas, atraíam um público amplo e um de seus musicais,
H.M.S. Pinafore, teve tal impacto nos EUA, em 1878, que o fato foi chamado de "a loucura de
Pinafore" (KENRICK: 2008;30).
13
Ziegfeld, o primeiro grande empresário americano, tornou-se legendário com suas Follies em
1907. Inspiradas no Folies Bergères, o teatro de revista parisiense, ele deu a esse formato um
toque americano, com sofisticadas produções e uma legião de coristas extremamente belas, que,
com sensualidade sem tender para a vulgaridade e intuito de glorificar a garota americana, eram
bastante atrativas para o público americano. Dentro das várias séries de revistas das décadas de
1910 e 1920, as Ziegfeld Follies eram consideradas as melhores e se tornaram o principal
entretenimento do teatro de variedades. Com mais de vinte "edições", as Follies estabeleceram um
novo padrão técnico-artístico para o teatro profissional nos EUA. Ziegfeld não poupava nem
esforços nem recursos para que seus espetáculos fossem sempre os melhores da Broadway. O
termo extravaganza também era empregado para descrever seus espetáculos, onde eram
enfatizados efeitos espetaculares no palco, embelezamento e ornamentação, sequências longas de
dança, cenários e figurinos grandiosos, mulheres atraentes em vestidos e poses provocantes. Ele
fez esse gênero prosperar por uma década no Winter Garden Theater com o astro Al Jolson e por
cerca de vinte anos no Hippodrome Theatre (EWEN:1968;49). Ziegfeld era também um visionário
com dom especial para descobrir novos talentos, como Fanny Brice (interpretada por Barbra
Streisand no filme Funny Girl) e o comediante negro Bert Williams, contratado para trabalhar nas
suas produções, fato inusitado na época devido à questão racial.
14
Foi um dos irmãos Schubert, Lee Schubert, quem descobriu Carmen Miranda.
19
povo americano, a maioria tinha duas partes: o verso que estabelecia a premissa
da canção era normalmente de 16 compassos (CHRISTMAN: 2006; 203) e o
refrão, a parte central e mais importante da canção, era estruturado em 32
compassos (RODGERS: 1975; 79). Outras variantes utilizadas seguiam o padrão
ABAB (Embraceable You dos Gershwin), segmentos múltiplos de AABA
(Soliloquy em Carousel de Rodgers & Hammerstein II), ou ainda adotavam a
estrutura ternária ABA.
Embora o público da Broadway se orgulhasse cada vez mais dos
espetáculos nacionais, o maior fenômeno desde a estreia americana de H.S.M.
Pinafore de Gilbert e Sullivan em 1878, foi a opereta The Marry Widow (A Viúva
Alegre) de Franz Léhar, em 1905. A produção da Broadway encantou os
americanos com seu romance e sensualidade refinada, e seu sucesso desencadeou
uma verdadeira mania por operetas vienenses que se seguiram até a década de
193015.
15
Outro compositor proeminente no início do século XX foi Victor Herbert, imigrante irlandês e
músico erudito (hoje praticamente esquecido) que compôs mais de quarenta comédias musicais e
operetas. Suas obras exigiam vozes líricas hábeis para cantar melodias sofisticadas e expressavam
sentimentos americanos contemporâneos com o refinamento musical do Velho Mundo. Herbert
preparou o caminho eventualmente seguido por Jerome Kern, Richard Rodgers e outros grandes
compositores da Broadway.
20
1.2
A década de 1920
16
BROADWAY: The American Musical. Film by: Michael Kantor. Public Broadcasting Service,
2004. Distribuição: Paramount Home Entertainment, Hollywood. 6 dvds (approx. 12 hours), color
& B&W. As referências futuras a este musical serão citadas no corpo do texto como PBS: 2004,
especificando o disco, o episódio e o assunto.
17
Lugares onde se servia bebidas alcoólicas durante a Lei Seca. Devido à clandestinidade, as
pessoas deveriam conversar baixo. Quando o tom de voz se elevava, vinha o alerta “speak easy,
boy!”, que acabou por denominar tais bares de speakisies.
21
Nomes conhecidos eram Jerome Kern, George e Ira Gershwin, Richard Rodgers e
Lorenz Hart, Vincent Youmanns and Irving Caesar, Otto Harbach e, nos últimos
anos, Cole Porter, Arthur Swartz e Howard Dietz.18
A revista musical, por sua vez, era uma representação do pluralismo da
vida americana, pois capturava um pouco de tudo. Florenz Ziegfeld, a partir da
Folies Bergères parisiense, cria a fórmula americana de suas Follies, surgindo
como o primeiro grande empresário e produtor a trazer aos musicais da Broadway
a imitação do desenvolvimento de Nova York.
Cada produtor tentava superar o outro, em cenários e ambientações
extravagantes, efeitos complexos no palco, exposição da beleza feminina, danças,
canções etc. As Follies atingiram o seu ápice entre 1915 e 1922, sendo a última da
série apresentada em 1931. Outros concorrentes no estilo das Follies eram os
Scandals de George White (a partir de 1919), que introduziram a sensibilidade
jazzística (FLINN: 1997; 112-13), as The Music Box Revues, produzidas e escritas
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18
Howard Dietz foi quem posteriormente inventou o famoso leão da Metro-Goldwyn Mayer
(MGM), tornando-o um elemento identificador de todos os filmes dessa companhia
cinematográfica.
19
Sua canção Manhattan causou uma sensação, tornando-se um sucesso e a dupla se estabeleceu
no show business (KENRICK: 2008: 37)
22
interesse nos night clubs do Harlem, os quais passaram a estimular uma nova
geração de entertainers negros. Os músicos desses night clubs passaram também
a escrever para o teatro de revista. Uma das mais contagiantes contribuições da
Broadway para a Era do jazz veio de um show de negros chamado Runnin' Wild,
produzido por um branco, o dançarino e produtor George White, que introduziu
danças como o charleston e o black-bottom (PBS: 2004, disco 1, episódio 2,
Shuffle Along). Mesmo com a novidade trazida pelo jazz e o sucesso da comédia
musical na Broadway e em Londres, a opereta americana obtinha sucessos com os
compositores Victor Herbert (Naughty Marietta), Sigmund Romberg (Rose
Marie)20 e Rudolf Friml (The Student Prince in Heidelberg) e os
libretistas/letristas Otto Harbach e Oscar Hammerstein II.
No final dessa década, um musical marcaria de modo determinante a
história do teatro musical americano: Show Boat, resultado da colaboração de três
gigantes do teatro americano: o produtor Florenz Ziegfeld, o compositor Jerome
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20
A MGM fez as versões para o cinema destas duas operetas, estrelando a inesquecível dupla de
cantores-atores da década de 1930, Jeanette MacDonald e Nelson Eddy.
23
1.3
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A década de 1930
Durante a Depressão, todo mundo tentava ganhar a vida. A coisa principal era
trabalhar, sobreviver... as pessoas não estavam pensando tanto na "arte do
teatro"... trabalhavam por um salário... Mas isso não foi de todo mal, pois elas
fizeram espetáculos que não teriam sido feitos em tempos normais. (PBS: 2004,
Ibid.)
21
Óperas de gosto popular, folclóricas.
22
Sua mensagem era essencialmente a seguinte: "nós construímos o país, por que não podemos
compartilhar da sua riqueza?" (PBS: 2004, disc 2, episode 3, Brother, Can You Spare a Dime?).
26
23
Sindicato das operárias de roupas femininas.
27
escolha recairia em Anything Goes (1934). Estrelado por Ethel Merman, William
Gaxton e Victor Moore, a música de Porter era exuberante e incluía as canções
Anything Goes, I Get a Kick out of You, Blow Gabriel, Blow e You're the Top.
Kimbal ainda esclarece melhor o significado desse musical ao afirmar que Porter,
por escrever tanto a música quanto as letras de suas canções, colocou tanta energia
que elas poderiam ser consideradas como um tônico para uma nação que tentava
se reerguer do desastre econômico-financeiro. You're the Top, por exemplo, traz a
seguinte mensagem para as pessoas em 1934: "Sim, nós todos estamos nos
sentindo péssimos, mas talvez agora seja a hora de nos sentirmos um pouquinho
melhor".24 Porter também escreveu a música para inúmeros filmes musicais em
Hollywood, onde um deles ficaria para sempre imortalizado pelos
atores/dançarinos Fred Astaire e Ginger Rogers e a canção Night and Day. 25
Assim, por volta de meados da década de 1930, entre tendências diversas,
a opereta americana em que o sentimentalismo e o romance eram ingredientes
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24
Kimbal ainda considera tanto o espetáculo quanto essa canção em especial como a "a
personificação civilizada do restabelecimento do governo Roosevelt" (PBS: 2004, disc 2, episode
3, Anything Goes).
25
Gay Divorce, estreado na Broadway em 1932, introduziu essa balada e logo foi realizada a
versão cinematográfica.
26
Nova denominação do musical que veio à sua maturidade com Oklahoma! (1943).
28
seu primeiro trabalho foi em Tin Pan Alley27 como song plugger28, local que lhe
proporcionou contatos no meio musical. Em 1919, estreou na Broadway com La,
La, Lucille, sendo que uma de suas canções, Swanee, interpretada pelo astro Al
Jolson, tornou-se um sucesso vendendo em um ano um milhão de partituras e
posteriormente mais de dois milhões de discos. A partir desse sucesso, Gershwin
foi contratado por George White para compor a música da revista Scandals.
Entretanto, apenas em 1924, sua carreira no teatro toma grande impulso
com Lady, Be Good! A parceria com seu irmão Ira, que escrevia a letra das
canções, foi um fator poderoso e influente no estímulo da capacidade criativa e
originalidade musical de George Gershwin. Essa parceria continuaria até a
precoce morte de George em 1937 (EWEN: 1968; 48). Em 1930, os Gershwin
fizeram Girl Crazy29, do qual três versões cinematográficas foram feitas. Em
1931, o sucesso do musical Strike Up The Band levou os irmãos Gershwin,
juntamente com os escritores George S. Kaufman e Morrie Ryskind, a produzir
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um novo musical: Of Thee I Sing (1931). Se o primeiro musical era uma sátira
anti-guerra, o segundo zombava abertamente do sistema político americano30.
Jerome Chodorov esclarece muito bem o significado do sucesso:
“Ninguém nunca havia feito uma sátira política... As pessoas vinham em grupo,
cantavam uma canção, contavam uma piada e isso era o texto. Na verdade não
havia texto. Em Of Thee I Sing havia um texto, havia uma história, tinha ótimas
ideias e era maravilhoso!” (PBS: 2004, disco 2, episódio 3, Of Thee I Sing).
Na primavera de 1932, Of Thee I Sing recebeu o Prêmio Pullitzer, sendo o
primeiro musical a receber tal honraria. Com esses dois musicais, George
Gershwin conseguiu expandir e enriquecer a música para o teatro, sendo
consideradas como as mais notáveis produções do teatro musical americano na
década de 1930 (EWEN, op. cit. 48). Através do exemplo de Gershwin, outros
compositores de seu tempo foram encorajados a incorporar aspectos e
27
Termo coloquial do mundo da música popular, reduto das editoras de música em um beco da rua
28, entre a 5ª Avenida e a Broadway.
28
Pianistas, demonstradores de canções nas editoras de música.
29
Entre os músicos da orquestra, se encontravam Benny Goodman, Glenn Miller e Jimmy Dorsey,
que viriam a se tornar famosos com suas bandas de jazz e de dança de salão. No entanto, a estrela
do musical foi Ethel Merman, que fazia o seu début no teatro musical americano.
30
O espetáculo original havia saído de cartaz em Filadélfia em 1927. Se o padrão da canção-cena
Wintergreen for President lembrava o estilo de Gilbert e Sullivan, remetendo o público a uma
nostálgica lembrança, o enredo ridicularizava a inaptidão do Congresso, a importância excessiva
que a Suprema Corte se dava e o total despropósito do seu Vice-Presidente, Alexander
Throttlebottom.
29
Heynard, na adaptação da sua peça sobre negros pobres que viviam no Catfish
Row de Charleston, na Carolina do Sul, os Gershwin produziram o que poderia
ser chamado de grand opera; no entanto, o compositor a considerava folk opera.
Havia paixão, infidelidade, estupro, sofrimento por amor, questões étnicas, enfim,
todos os ingredientes para uma grande tragédia. Entretanto, canções como It Ain't
Necessarily So, There's a Boat Leavin' Soon for New York e A Red Headed
Woman Makes a Choochoo Jump its Track mostravam claramente a influência da
comédia musical americana. A direção foi de Rouben Mamoulian, dramaturgo
russo, que já havia se estabelecido tanto na Broadway quanto em Hollywood.
(FLINN: 1997; 196).
Apesar de todas essas inovações no modo de se fazer um espetáculo
musical, a maioria do público não estava talvez preparada para ver um espetáculo
tão sério e, assim, a primeira produção foi um fracasso financeiro31. Com o passar
dos anos, Porgy and Bess foi se tornando um ícone na Broadway, com sucessivas
reapresentações em 1942, 1952 e 1976. Em 1985, tornou-se o primeiro musical a
fazer parte do repertório do Metropolitan Opera House em Nova York.
Se, em grande parte, essas manifestações do teatro musical americano
tinham lugar em Nova York, a costa oeste não ficaria atrás na busca de
31
O espetáculo ficou somente 15 semanas em cartaz e devido ao alto custo da produção, os
ingressos foram mais caros do que o normal.
30
1.4
A década de 1940
32
Nessas produções, artistas como Jimmy Durante, Ray Bolger (ator/dançarino), George
Balanchine (coreógrafo), The Nicholas Brothers (dançarinos), Desi Arnaz, Van Johnson
(atores/comediantes) e especialmente o diretor e libretista George Abbott, foram alguns dos quais
colaboraram para o sucesso desses espetáculos.
33
O protagonista era o jovem novato Gene Kelly que, com charme, talento e presença, conseguiu
conquistar o público. Segundo Stanley Donen (PBS: 2004, disco 2, episódio 3, Pal Joey), Pal Joey
foi um evento incomum na história da Broadway. A música continha excepcionais canções tais
como I Could Write a Book e Bewitched, Bothered and Bewildered, que se tornaram clássicos da
música popular americana.
31
34
O enredo é basicamente a história de um editor de revista que usava a Psicanálise para explorar
as inseguranças de uma mulher.
35
O espantalho do filme The Wizard of Oz (O Mágico de Oz).
36
Segundo Julie Andrews: "um dia típico de alguns desses soldados poderia ser descrito como:
dançar pela manhã, atirar com rifles à tarde e, à noite, os mesmos soldados vestirem-se de
32
início de sua segunda carreira no teatro (EWEN: 1968; 143). Para Hammerstein
era também um novo recomeço. Em 1943, ele, já veterano do teatro musical como
letrista e libretista, havia colaborado em produções de sucesso de primeira
grandeza que o haviam conduzido a um lugar de importância no teatro musical
americano38. O problema da integração total de todas as partes de uma produção
musical convergindo em uma unidade indivisível, que tanto preocupara a dupla
Rodgers e Hart por anos, apresentou finalmente uma solução em Oklahoma! Com
ela, uma nova forma de teatro musical chegava à sua maturidade: a musical play
(Ibid., 145), ou teatro musical integrado.
Após a 2ª Guerra, o teatro musical americano seguiu dois caminhos
separados: um que levava à musical play – cujo texto é mais importante do que a
canção - e outro à musical comedy. O desenvolvimento da musical play como uma
nova e vibrante arte, não tornou a comédia musical obsoleta. Mesmo aderindo aos
mulheres. Tudo isso, é claro, com a aprovação do exército" (PBS: 2004, disco 2, episódio 3, This
is The Army).
37
Oklahoma! é uma adaptação musical da peça folclórica americana Green Grow the Lilacs, de
Lynn Riggs, sobre cowboys (vaqueiros) e ranchers (donos de ranchos). A trama envolvia uma
garota de fazenda em Oklahoma, decidindo se iria a um baile com um trabalhador da fazenda, que
ela temia, ou com um cowboy que ela amava. Esse romance aparentemente inofensivo muda
completamente, quando o trabalhador se mostra um assassino psicopata e o cowboy tem de matá-
lo para se autodefender.
38
Juntamente com Jerome Kern, Hammerstein ajudou a revolucionar o teatro musical com Show
Boat (BORDMAN, 1992).
33
39
Já na primeira cena do show, quando as cortinas sobem, surge uma mulher batendo manteiga,
enquanto um cowboy entra cantando um solo sobre a beleza da manhã, Oh, What a Beautiful
Morning, algo totalmente inusitado.
40
Após sua pré-estreia em New Haven (era usual um musical ser previamente apresentado antes
de sua estreia em Nova York), as notícias eram de que este espetáculo não teria sucesso: "no girls,
no gags, no chance" (sem garotas, sem piadas, sem chance). Na sua estreia na Broadway, para
lotar o teatro, o elenco decidiu oferecer ingressos gratuitos aos soldados americanos que partiriam
para a guerra. A resposta emocional desses soldados foi um indício do enorme sucesso que o
musical faria: permaneceu em cartaz por cinco anos e nove meses. Incorporando o imaginário do
"autêntico americano" e a razão pela qual esses soldados lutariam, esse musical foi também o
primeiro a ter gravação de cada número principal da obra, nascendo assim o formato original cast
album, que preservou centenas de musicais até hoje. Artistas jovens como Alfred Drake e Celest
Holm (Curly e Laurie) e a não muito conhecida Agnes de Mille, obtiveram fama imediata com
Oklahoma! . O musical foi chamado de cowboy musical, folk opera e até mesmo de opereta.
34
41
Agnes de Mille acreditava na possibilidade de a dança ser muito mais do que somente
entretenimento para as pessoas. Ela criou coreografias que uniam as canções e o libreto dando ao
espetáculo um poder nunca antes visto em qualquer comédia musical. Ela foi a criadora da forma
dream ballet (PBS: 2004, disc 2, episode 4, Oklahoma!).
42
O tradicional grupo de belas coristas se contrapunha às "verdadeiras" bailarinas.
43
A história conta as aventuras de três marinheiros de licença em Nova York por 24 horas, em
busca de diversão e romance. O sucesso do show resultou na versão cinematográfica ainda nos
anos 40, estrelando Gene Kelly e Frank Sinatra. On the Town nunca mais foi reapresentado na
Broadway.
35
também nos secundários. A canção que se tornou um sucesso foi Strange Music.
De acordo com Mordden (1999), a montagem de Londres em 1946 também foi
um sucesso absoluto e com um número de 860 apresentações permanece até hoje
como a opereta que ficou mais tempo em cartaz nos palcos londrinos, sendo ainda
ocasionalmente apresentada por companhias de ópera, mas nunca mais foi
encenada na Broadway.
Na trilha das inovações, após o sucesso de Oklahoma!, Rodgers e
Hammerstein fizeram uma escolha ousada: adaptar Liliom, um drama húngaro
ambientado na Nova Inglaterra do século XIX. A peça girava em torno de um
intenso caso de amor, porém fadado à perdição e não um típico romance de um
musical. Assim surge Carousel (1945). A primeira parte do musical é focada no
realismo e romance e, após o clímax com o suicídio do herói, a história se
transporta para o mundo da fantasia44. De acordo com Kenrick, "essa história, às
vezes sombria, fez aliança com uma música esplêndida."45 (KENRICK: 2008; 86)
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Carousel contava ainda com uma coreografia dramática criada por Agnes de
Mille e com um elenco notável que revelaria ao estrelato os cantores-atores John
Raitt e Jan Clayton, nos papéis centrais.
Embora naquela época uma temporada de 890 performances representasse
um tremendo sucesso, Carousel não teve uma história de performances tão
espetacular como Oklahoma!. Em certos aspectos, Carousel se distinguiu mais do
que o seu antecessor quanto à sua realização artística. Nesse sentido, foi muito
mais feliz nos objetivos estéticos e nos propósitos da dramaturgia musical. Em
Carousel há maior compaixão, humanidade e ternura que raramente são
encontradas em Oklahoma! (EWEN, 1968). Três semanas após a estreia de
Carousel, a guerra na Europa chega ao fim. Por um curto período na década, uma
América mais inclusiva se refletiu nos palcos da Broadway em espetáculos como
44
O personagem central, Billy Bigelow, trabalha em um parque de diversões e se encarrega do
carrossel, a atração principal do parque. Lá, ele conhece a bela jovem Julie Jordan, perde o
emprego, mas os dois se apaixonam e acabam se casando. Billy era um homem rude e abusivo
com sua mulher; no entanto, seu comportamento muda quando ele descobre que vai ser pai. A
famosa canção Soliloquy expressa essa extraordinária mudança, como também revela a magnífica
voz de John Raitt, no papel do protagonista. Incapaz de se adaptar em outro emprego a não ser no
carrossel e dada à necessidade de sustentar o filho por nascer, Billy participa de um assalto e é
pego. Para não ser preso, ele comete suicídio. Anos depois, Billy retorna do céu à terra por um dia,
a fim de ajudar sua filha e mulher a seguirem com as suas vidas.
45
As canções If I Loved You, You'll Never Walk Alone tornaram-se "clássicos" inesquecíveis do
repertório do teatro musical.
36
show. No entanto, a pedido dos produtores, Berlin aceitou levar o script para uma
leitura durante o fim de semana. Logo na semana seguinte, ele apareceu com três
canções: Doin' What Comes Naturally, You Can't Get A Man With A Gun, e They
Say It's Wonderful.
Annie Get Your Gun (1946) produziu oito canções de sucesso; uma delas,
There's No Business Like Show Business acabou se tornando o "hino" não oficial
do musical americano. Apesar da reação negativa dos críticos que consideraram a
música como "antiquada", o musical teve 1.147 performances em Nova York,
uma companhia em tournê estrelando Mary Martin e foi sucesso absoluto também
em Londres por quatro anos (BORDMAN, 1982). Esse foi também o mais longo
sucesso de Ethel Merman, a dama do teatro musical americano, e até os dias de
hoje, continua sendo um dos musicais mais reapresentados da década de 1940.
Nos últimos anos da década de 40, novos talentos criativos foram surgindo
e obtendo popularidade acompanhando as realizações de Rodgers e Hammerstein.
Vários musicais notáveis, populares por muitas décadas, foram aos palcos dos
quais dois deles, Finian's Rainbow e Brigadoon, ambos de 1947, merecem ser
mencionados. Finian's Rainbow foi o primeiro musical a lidar abertamente com o
tema do preconceito racial, embora em tom divertido, provando que um musical
poderia funcionar como uma válvula de escape para a sátira social (KENRICK:
2008; 80). Ao publicar o texto, seus autores colocaram o subtítulo A Musical
37
46
A história é sobre um irlandês que, após roubar um pote de ouro dos duendes, vem para América
com sua filha para enterrá-lo na região de Fort Knox e recomeçar uma nova vida. Seu pensamento
era de que, plantado naquele solo, o pote iria crescer e torná-lo milionário. Atrás do irlandês, desde
a Irlanda, um duende o segue tentando recuperar o pote, pois o roubo estaria causando a perda dos
poderes mágicos de todos eles. Este ser da fantasia descobre o amor humano, e embora fosse
perdendo seus poderes, consegue ainda, travessamente, transformar um senador racista em um
negro.
47
A peça conta a história de dois americanos, Tommy Albright e Jeff Douglas, que saem para
caçar nas Terras Altas da Escócia e se perdem. De repente, os dois vêem um vilarejo que não se
encontrava no mapa e decidem conhecer a pequena vila. Essa vila somente surgia por um dia a
cada cem anos, fruto de um milagre concedido por Deus ao ministro de Brigadoon, que, já idoso,
temia pelo futuro de seu povo e pelas influências malignas do mundo sobre ele. Cansado da vida
sem sentido que levava em Nova York, Tommy se apaixona pela bela Fiona e sente-se feliz no
lugar, enquanto Jeff, não acreditando em milagres, não gosta da vida provinciana e só pensa em
partir dali. Tommy com medo de abrir mão de tudo e ali ficar, decide voltar com Jeff no final do
dia e vê o vilarejo desaparecendo nas brumas da Escócia. De volta a Nova York, ambos não se
readaptam às suas vidas. Tommy, não consegue esquecer sua amada Fiona e, em um momento de
ímpeto, os dois decidem voltar ao mesmo lugar na Escócia. Brigadoon reaparece novamente e
Tommy reencontra Fiona e lá permanece, enquanto seu amigo vê o vilarejo se evaporar outra vez
no ar.
48
Autores de My Fair Lady (1951).
38
melhor produção musical daquele ano, honra esta concedida pela primeira vez ao
gênero pelo The Drama Critic's Circle Award.
O ano de 1948 terminou com a comédia musical Kiss me Kate de Cole
Porter, que, instantaneamente, tornou-se um sucesso. Baseado na história de A
Megera Domada de Shakespeare, as críticas exaltaram o espetáculo. Kiss me Kate
foi o primeiro musical a receber The Antoinette Perry Award. A balada So in Love
tornou-se um clássico e, até hoje, é utilizada para testes de musicais nos Estados
Unidos. De acordo com Lerner (1986;172), esse musical foi não somente uma
obra prima de Porter, mas uma obra prima do teatro musical.
Somente quatro meses mais tarde, a Broadway veria outro musical de
igual estatura: South Pacific, de Rodgers e Hammerstein. Baseado nos Tales of
the South Pacific de James Michener, e com um enredo49 extremamente bem
elaborado e canções de muito bom gosto e facilmente assimiláveis como Some
Enchanted Evening, Younger than Springtime, Bali Ha'i e I'm in Love with a
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Wonderful Guy, o musical foi uma sensação criando uma demanda sem
precedentes por ingressos (KENRICK: 2008; 92).
Os anos 40 acolheram grandes mudanças no teatro musical, seja como
uma "forma de arte" ou como negócios. A II Guerra Mundial deu novo fôlego à
economia americana e grandes musicais surgiram ao longo da década,
especialmente após Oklahoma! que, de certa forma, redefiniu o gênero.
Uma vez no contexto da fase madura do musical americano, cabe-nos
iniciar uma reflexão que privilegie a forma e a construção de letras de um
musical, mas notemos que é quase impossível discutir forma sem observar o
conceito que está por trás de uma criação.
No final dos anos quarenta, os compositores de teatro começaram a
arriscar mais. Allegro (1947), de Rodgers e Hammerstein, tentou quebrar o molde
da canção AABA, introduzindo um coro grego para comentar a ação. O musical
não foi bem sucedido, mas a ousadia na renovação da estrutura não passou
despercebida. Em 1948 Benjamin Britten trouxe à Broadway Rape of Lucretia,
uma ópera baseada na peça Le Viol de Lucrèce, do inglês André Obey. O trabalho
mais sofisticado até o início da nova década havia sido Kiss Me Kate, que, embora
49
O enredo girava em torno de duas histórias de amor, ameaçadas por preconceitos raciais durante
o período da II Guerra Mundial. Estrelado por Mary Martin e Ezio Pinza, o renomado baixo da
Metropolitan Opera House, South Pacific foi o segundo musical a ganhar o Pulitzer Prize for
Drama, o Drama Critic's Award e o Tony Award como o melhor musical da temporada.
39
tenha tido a sua cota de canções comerciais (Another Op'nin', Another Show; So in
Love; Wunderbar — todas em estrutura AABA), foi capaz de capturar em uma
música como I Hate Men! a inventividade shakespeariana. Para o mesmo musical,
Cole Porter criou um pseudo-elisabetano soneto de amor com versos como "Were
Thine That Special Face” e “Where Is the Life That Late I Led?”, inovando para
além da fórmula com um série de dísticos que transitam entre o antigo e o
contemporâneo:
Configurando uma forma totalmente nova, Porter cria uma longa série de
dísticos rimados (repetindo a mesma melodia) para explicar por que o herói
chegou a Pádua. . .
50
Pronunciado de forma a rimar com “find”, aos moldes da poesia Elizabetana.
51
(http://www.allmusicals.com/lyrics/kissmekate/whereisthelifethatlateiled.htm. acesso em
20/05/2010)
52
Limerick é uma letra ou poema espirituoso, composto de 5 versos. Seu nome vem de Limerick,
cidade da Irlanda. Os dois primeiros versos rimam com o quinto verso. Os terceiro e quarto rimam
entre si. O dia de Limerick (Limerick Day) comemora o aniversário do escritor Edward Lear
(1812-1888), que popularizou a forma em 1846, em seu livro Book of Nonsense.
53
(http://www.allmusicals.com/lyrics/kissmekate/ivecometowiveitwealthilyinpadua.htm. acesso
em 20/05/2010.)
40
(…)
'Twouldn't give me the slightest shock If her
knees now and then should knock, If her
eyes were a wee bit crossed, Were she
wearing the hair she'd lost, Still the damsel
I'll make my dame, In the dark they are all the same. 54
1.5
A década de 1950 – The Golden Age
Este foi talvez o período mais rico e mais produtivo que o teatro musical
americano já conheceu. Os nomes dos shows que estrearam nesta década nos
54
Ibid.
55
(http://www.allmusicals.com/lyrics/kissmekate/ivecometowiveitwealthilyinpadua.htm. acesso
em 20/05/2010.)
56
O musical ainda apresentou uma canção, You've Got to Be Carefully Taught, que sutilmente
trouxe à tona a mensagem de que os preconceitos não são inatos, mas adquiridos.
41
remetem a um baú de ideias musicais e uma grande liberdade de forma: Guys and
Doll, The King and I, Wonderful Town, Kismet, The Golden Apple; The Pajama
Game, Fanny; House of Flowers; Silk Stockings; Damn Yankees; My Fair Lady;
The Most Happy Fella; Bells Are Ringing; Candide; West Side Story; The Music
Man; Gypsy; The Sound of Music.
A década começou com uma das obras-primas do teatro musical, Guys and
Dolls (1950)57.
No primeiro número, Fugue for Tinhorns, três jogadores de cavalo
argumentam em canon58 sobre os méritos do cavalo favorito de cada um. Apesar
da sobreposição, podemos compreender tudo. Loesser escolheu um estilo musical
argumentativo alcançado através do contraponto. Um personagem não pode
terminar sua fala antes que o outro inicie a sua; Benny começa seu discurso sobre
Valentim, enquanto Nicely ainda está cantando sobre Paul Revere. As letras soam
verdadeiras, porque este estilo nos remete ao jargão das locuções de corridas de
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cavalos:
57
Book de Jo Swerling e Abe Burrows, letra e música de Frank Loesser, baseado nas personagens
criados por Damon Runyon.
58
Canon ou corner é uma composição musical na qual duas ou mais vozes cantam exatamente na
mesma melodia, porém iniciam o canto em intervalos diferentes ou no mesmo, variando a letra.
59
(http://www.lyricsmania.com/fugue_for_tinhorns_lyrics_guys_and_dolls.html acesso em
23/05/2010)
60
“para um texto burlesco, uma interpretação dramática; para um texto dramático, uma
interpretação burlesca‟‟
42
Refrão:
In other words,
Just from worrying whether the wedding is on or off,
A person can develop a cough.
And further more just from stalling and stalling and stalling the wedding trip,
a person can develop La grippe.
[…]
A person can develop La Grippe, La Grippe, La post-nasal drip,
With the wheezes, and the sneezes, and the sinuses really a pip!
From a lack of community property and a feeling she's getting too old,]
A person can develop a big, bad cold!61
Anna:
Your servant! Your servant!
Indeed I'm not you servant --
Although you give me less than servant's pay --
61
(http://www.allmusicals.com/lyrics/guysanddolls/adelaideslament.htm acesso em 20/05/2010).
43
I remember this,
And I always will...
There are new lovers now
On the same silent hill,
Looking on the same blue sea.
And I know Tom and I are a part of them all --
And they're all a part of Tom an me.
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62
(http://www.stlyrics.com/lyrics/thekingandi/shallitellyouwhatithinkofyou.htm. acesso em
20/05/2010)
63
(http://www.stlyrics.com/lyrics/thekingandi/helloyounglovers.htm acesso em 20/05/2010)
44
Gavotte); valsa (The Embassy Waltz); música para sapateado (With a Little Bit of
Luck). Este show representou a fruição gloriosa da teatro musical integrado. A
coesão da trama, baseada em Pygmalion, de George Bernard Shaw, e a maneira
como as canções são integradas à história definiram um modelo para todos os
musicais que ainda viriam. Como Shaw viveu em Londres na virada do século,
um momento de convulsão social, Alan J. Lerner concebeu a história (e grande
parte dos títulos das músicas) a partir do conceito de soapbox64 (comício), típico
do período. Há várias situações divertidas: quando o bacharel e especialista em
linguística Henry Higgins pergunta: "why can't a woman be more like a man?" ou
quando o aproveitador Doolittle dá ao público a sua receita para evitar o
trabalho, With a Little Bit of Luck:
64
Soapbox é uma plataforma elevada sobre a qual alguém sobe para fazer um comício. A origem
do termo vem da época em que os oradores subiam em caixotes de madeira usados originalmente
para carregamentos de sabão ou outros mantimentos secos do fabricante para o revendedor.
65
(http://www.stlyrics.com/lyrics/myfairlady/withalittlebitoluck.htm acesso em 01/06/2010)
45
enredos realísticos, todos eles tentaram fugir da forma canônica ABAB or AABA.
Nestes musicais, eles foram bem sucedidos.
1.6
A década de 60
Rosalia:
Puerto Rico, You lovely island,
Island of tropical breezes.
Always the pineapples growing,
Always the coffee blossom blowing.
Anita:
Puerto Rico, You ugly island,
Island of tropic diseases.
Always the hurricanes blowing,
Always the population growing,
And the money owing,
And the babies crying,
And the bullets flying.
I like the island Manhattan.
Smoke on your pipe and put that in!
I like to be in America!
O.K. by me in America!
Ev'rything free in America
For a small fee in America!
(…)
Girls sans Rosalia:
Immigrants goes to America.
Many hellos in America.
Nobody knows in American,
Puerto Rico's in America!66
66
http://www.elyrics.net/read/w/west-side-story-lyrics/america-lyrics.html acesso em 03/06/2010.
47
que bateu o recorde de espetáculo que ficou mais tempo em cartaz na história da
Broadway foi o azarão Fiddler on the Roof (Um Violinista no Telhado). Baseado
no conto de Scholem Aleichem que descrevia um vilarejo de judeus na Rússia em
1905, esse foi o último trabalho original de Jerome Robbins para a Broadway. O
que funciona em O violinista é a ideia de trabalhar com a mudança de um estilo de
vida baseado em tradições. A partir desta visão, foi criado o número de abertura,
onde eram contadas para o público algumas das tradições judaicas. Mas, tradições
existem para ser quebradas, e poderíamos interpretar que tal ideia serviu de
metáfora para o fim de uma era nos musicais da Broadway, no estilo Rodgers &
Hammerstein, os quais passariam o bastão para o frescor dos novos que
começavam a surgir.
O advento do rock´n´roll empurrou o musical para fora do topo da cultura
americana, porque até então a música da Broadway sempre alcançava o topo das
aparadas de sucesso do país, mas isso começou a mudar e pelo final da década de
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que, não importa onde você esteja, coisas terríveis podem acontecer”, relata
Harold Prince. (PBS: 2004, disco 4 capítulo 2, Cabaret)
Cabaret foi uma adaptação das Histórias de Berlim, escritas por
Christopher Isherwood, e de uma peça baseada nelas. O espetáculo mostrava a
dissipação de Berlim entre as guerras e a ascensão dos nazistas ao poder, contadas
por um mestre de cerimônias do Kit Kat Club.
“Eu estava no exército em 1949 na Alemanha. Eu fui a um pequeno clube
noturno chamado Maxime‟s que era no sótão de uma igreja bombardeada e lá
havia um apresentador minúsculo com batom nos lábios, cílios postiços e blush
para esconder a verdadeira idade.67
Um show, que, a primeira vista, parecia ser cantado em alemão. Seu
ambiente era de uma sexualidade andrógina que deixava o público impactado.
A maioria das pessoas achou péssima a ideia de um musical sobre a
Alemanha nazista, mas Prince, Kandr, Ebb e Joe Masteroff tinham essa visão
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67
Inspiração para a personagem Emcee, o mestre de cerimônias que canta Willkommem.
49
das personagens, muitas vezes, sem motivação, mas o suficiente para permitir que
as fortes canções com palavras de protesto pudessem brilhar. A verdadeira força
de Hair é a sua trilha musical, rica em melodias, um show completamente
contemporâneo em seu conceito e em suas letras, orquestradas para permitir que o
som do rock brilhasse e caísse nos ouvidos da plateia, a maioria formada por um
público que possuía o dobro da idade dos criadores desse musical. Pela primeira
vez, uma peça representante da contracultura, porta-voz da juventude, tinha
espaço na Broadway, e, apesar de Hair não possuir as rimas polidas dos mestres
letristas, tal fato tornou-se secundário. Na música Frank Mills, MacDermot
desloca uma prosa simples e a transforma em canção:
68
http://www.elyrics.net/read/h/hair-lyrics/frank-mills-lyrics.html acesso em 01/06/2010.
51
AMY: Blow out the candles, Robert, and make a wish. *Want* something! Want
*something*!
ROBERT:
Somebody, hold me too close,
Somebody, hurt me too deep,
Somebody, sit in my chair
And ruin my sleep
And make me aware
Of being alive,
Being alive.
Make me confused,
Mock me with praise,
Let me be used,
Vary my days.
But alone is alone, not alive.69
69
http://www.allmusicals.com/lyrics/company/beingalive.htm acesso em 01/06/2010.
52
1.7
A década de 1970
(…)
LOVETT: Here we are, now! Hot out of the oven!
TODD: What is that?
LOVETT: It's priest. Have a little priest.
TODD: Is it really good?
LOVETT: Sir, it's too good, at least!
54
A última fala do primeiro ato da peça diz „Eles caem nos braços um do
outro às gargalhadas”. (Idem) Essa é uma boa hora para se cantar. E do que eles
estão rindo? Da possibilidade de saber o sabor das pessoas.
TODD:
And if you‟re beautiful what then
With yellow hair, like wheat
I think we shall not meet again,
My little dove, my sweet,
Johanna
70
http://www.allmusicals.com/lyrics/sweeneytodd/alittlepriest.htm acesso em 02/06/2010.
71
http://www.allmusicals.com/lyrics/sweeneytodd/alittlepriest.htm acesso em 02/06/2010.
55
ANTHONY:
I‟ll steal you, Johanna
TODD:
Goodbye, Johanna
You‟re gone and yet you‟re mine
I‟m fine, Johanna
I‟m fine72
1.8
De 1980 a 1990
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72
Ibid.
56
começou a adaptar alguns dos seus filmes musicais de animação para o palco,
como Beauty and the Beast (A Bela e a Fera) e The Lion King (O Rei Leão). A
Disney também criou produções originais como Aida, com música de Elton John.
Com a escala crescente (e custos) dos musicais, o estilo e a temática foram
ofuscados pelos grandes cenários, produtores não se arriscavam com novidades
estruturais ousadas. No entanto, muitos escritores romperam com este padrão e
começaram a criar em menor escala musicais aclamados pela crítica e bem
sucedidos financeiramente, como Falsetto, Passion, Little Shop of Horrors (A
Pequena Loja dos Horrores). Alguns destes têm sido observados como shows
imaginativos e inovadores (SHAW, 2007).
O custo dos bilhetes para a Broadway crescia em uma proporção para além
do orçamento de muitos espectadores, e a tendência era ter um público cada vez
menor para assistir os shows. Rent, musical de Jonathan Larson (baseado na ópera
La Bohème) foi comercializado para aumentar a popularidade dos musicais entre
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1.9
Novo milênio
1.9.1
As tendências recentes
1.9.2
Musicais Jukebox
Outra tendência tem sido a criação de uma trama mínima para atender a
uma coleção de canções que já foram sucesso. Após o êxito anterior de Buddy -
The Buddy Holly Story, vieram Movin' Out (2002, baseado no som de Billy Joel),
Jersey Boys (2006, The Four Seasons), Rock of Ages (2009, apresentando
clássicos do rock dos 1980) e muitos outros. Este estilo é muitas vezes referido
como musical jukebox. Semelhante, porém mais direcionados por uma trama,
surgem musicais baseados em torno do cânone de um grupo pop particular:
58
Mamma Mia! (1999, baseado nas canções do ABBA), Our House (2002, baseado
em músicias de Madness), and We Will Rock You (2002, sucessos do lendário
Queen).
O final do século XX e o início do novo milênio foram agraciados com
algumas mudanças sutis para a arte do teatro musical. Pode-se dizer que, na
primeira década do século XXI, o teatro musical se tornou verdadeiramente
global, graças à facilidade em se fazer viagens internacionais, à tecnologia da
informação, aos computadores e à Internet. Musicais americanos, de My Fair
Lady a Hairspray têm sido produzidos em dezenas de línguas e países diferentes.
Nem sempre foi assim. No século XIX, o sucesso internacional era restrito
principalmente a três culturas da Europa Ocidental: francesa, britânica e
austríaca/alemã. A França abriu o campo com Offenbach e seus pares, seguida
pela Grã-Bretanha com Gilbert & Sullivan, e a Alemanha com Strauss e Lehár. Os
poucos musicais americanos que foram exportados geralmente falharam, até que
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(National Alliance for Musical Theatre) são apenas duas das muitas organizações
com essa finalidade. Os artistas vivos não estão obsoletos ou eclipsados, apenas
são incentivados pelas instituições, que apoiam ativamente a criação, em Nova
York, de novos dramaturgos, compositores e letristas.
É importante ressaltar, sem julgamentos, o surgimento no cinema e na
televisão de High School Musical em suas muitas edições, e agora a série Glee,
que são portais para o teatro musical para uma geração mais jovem, extremamente
importante para o teatro musical se o objetivo é desenvolver novos públicos,
atores, roteiristas e diretores, que podem levar o gênero para outras mídias,
YouTube, concertos de rock, jogos de computador, iPhones, e por novos formatos
de entretenimento que estão ainda por ser descobertos.
1.9.3
Relevância
Thoroughly Modern Millie, Hairspray, Billy Elliot and The Color Purple, e peças
que se tornaram musicais, como Spring Awakening, levam o historiador da
Broadway John Kenrick a escrever:
"O musical morreu? ... Absolutamente não! Está mudando? Sempre! O musical
tem mudado desde que Offenbach fez a sua primeira reescrita em 1850. E a
mudança é o mais claro sinal de que o musical é ainda um gênero vivo e
dinâmico. Será que algum dia voltaremos à chamada Golden Age, com musicais
no centro de cultura popular? Provavelmente não. O gosto do público sofreu
mudanças fundamentais, e as artes comerciais podem fluir apenas onde o público
pagante permite". (KENRICK, 2003)
73
Roush, Matt (June 30, 2008). "Exclusive: First Look at Joss Whedon's „Dr. Horrible‟".
TVGuide.com. http://www.tvguide.com/roush/Exclusive-Look-Joss-9886.aspx. Retrieved May
26, 2009.
74
Broadway League (November 5, 2007). "League Releases Annual „Demographics of the
Broadway Audience Report‟ for 06-07". Press release.
http://www.broadwayleague.com/index.php?url_identifier=press-releases&news=league-releases-
annual-demographics-of-the-broadway-audience-report&type=news. Consultado em 26 /05/2009.
62
2
Sondheim e o musical conceitual
tema e estrutura no musical moderno. Por se tornar o objeto central deste debate
analítico, Sondheim tem contribuído para o aumento da imagem do teatro musical
como uma experiência intelectualmente estimulante. Para compreender melhor o
musical conceitual, elo estabelecido entre musical integrado e musical híbrido da
atualidade, é necessário assimilar com clareza essa ideia desenvolvida dentro da
"Era Sondheim," quando o teatro musical teria reforçado a sua identidade na
perspectiva da crítica e da teoria das artes dramáticas.
2.1
A evolução da forma
avançar esta relação. Aqui, Julie Jordan e Billy Bigelow descobrem um amor
recíproco alternando fala e canto, apresentando ao público musicalmente suas
nuances e seus comentários descritivos em conjugação com o avanço em tempo
real do enredo através da música If I Loved You. Ao final da cena musical, o
relacionamento das personagens avançou para um nível diferente do inicial.
Simultaneamente, a letra da música ilustra a evolução de um dos temas principais
do show - o conceito condicional de if e seu papel na definição dos sonhos das
personagens e seus desejos românticos. O público é, então, capaz de reagir com a
constante evolução das personagens e da história enquanto refletem sobre o tema,
uma vez que todos esses elementos podem ser desenvolvidos simultaneamente
através de uma única canção. Em tempo real o avanço da trama e dos temas
explorados no musical foram, portanto, os elementos condutores dentro deste
tempo. Músicas, letras, falas e movimento se unem para contribuir para o avanço
da trama e reforço do tema. Até a década de 1940, foi este tipo de enredo baseado
no espetáculo "integrado" que encarnou a imagem do musical moderno.
Julie
[spoken]
But you don't!
Billy
No, I don't!
65
[sung]
But somehow I can see
Just exactly how I'd be
If I loved you,
Time and again I would try to say
All I'd want you to know.
If I loved you,
Words wouldn't come in an easy way
Round in circles I'd go!
Longin' to tell you,
But afraid and shy
I'd let my golden chances pass me by!
Soon you'd leave me,
Off you would go in the mist of day,
Never, never to know
How I loved you
If I loved you.
[spoken]
Aha...I'm not the kinda fella to marry anybody!
No, even if a girl was foolish enough to want me to,
I wouldn't!
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Julie
Don't worry about it, Billy!
Billy
Who's worried?
Julie
You were right about there bein' no wind.
The blossoms are comin' down by theirselves.
Just they're in time to, I reckon.75
Diferentemente dos antigos vaudevilles, no entanto, esse musical não possuía uma
estrutura fragmentada; cada número era destinado a trabalhar em estreita
colaboração com os diálogos, com o movimento e com outros números musicais
para descrever um tema comum, como nos musicais integrados. Parece que o
musical conceitual, então, prioriza o tema e minimiza a estrutura do enredo. Esta
foi a ideia básica sobre a qual os musicais conceituais tomaram forma ao longo
das décadas seguintes.
Segundo diversos historiadores e teóricos, a linha de espetáculos
conceituais que se seguiram a Allegro inclui uma diversidade de produções como
Love Life (1948), Hair (1968), A Chorus Line (1975), Cats (1982), Baby (1983),
Starlight Express (1987) e outros. Devido a uma ampla variedade de personagens,
tramas, estilos de apresentação e datas de origem desses musicais, os analistas do
teatro musical diferem em suas tentativas de identificar uma definição precisa do
conceito musical. Cada um desses musicais apresenta uma estrutura específica
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começa com uma trama na qual o ponto de vista do diretor se sobressai durante os
ensaios.
Durante o processo de produção de A Chorus Line, a ênfase foi dada sobre
o conceito de personagens que estavam fazendo testes para ser coristas,
representando aqueles que fazem (ou desejam fazer) carreira no show business.
Suas histórias são individuais e específicas, mas, além disso, são representativas
do estilo de vida de uma dançarina da Broadway. Assim, o ponto de início
determina a concepção da escrita da peça até a sua realização na produção como o
elemento definidor, que serve para sintetizar todos os outros aspectos do musical.
Como resultado, o público é envolvido e conduzido pela ideia que forma o
conceito, uma vez que o conceito é reforçado por todos os elementos inerentes ao
espetáculo - música, dança, voz, letra, enredo, tema, elementos de design - mais a
visão do diretor.
Uma vez que o conceito ou espírito do musical serve como fonte de
inspiração para toda a equipe de produção, tem-se debatido amplamente o quanto
se deve enfatizar a história ou enredo na integração de uma peça como um todo
para que a peça permaneça um musical conceitual. A maioria dos críticos e
teóricos concordam que o musical conceitual deve integrar música, movimento,
linguagem e temática equitativamente ao longo do show, mas discordam
amplamente se o enredo deve receber igual ênfase, ou mesmo se o enredo deve
70
existir. Scott Miller, no entanto, escreve que alguns musicais conceituais possuem
"um conceito central que é mais importante, mas (...) ainda empregam uma trama
linear” (187). Assim, de acordo com Miller, a trama, ou o book do musical pode
desempenhar um papel significativo na contribuição para o conceito.
Richard Kislan concorda que o musical conceitual pode conter um plot
(enredo), ou "sequência de ações destinadas a expor o drama em caráter, ideia e
situação", mas ele diferencia plot (enredo) e story (história): "enredo não significa
história. Enredo implica em uma sucessão específica de eventos; história implica
o conto que se conta (1995; 179). Kislan afirma que um enredo move a situação
para adiante; uma história é um desenvolvimento linear de eventos, e um musical
conceitual não incorpora uma história. Segundo esta definição, "história" implica
uma forte relação de causa e efeito entre os eventos da trama, mas a causalidade é
secundária em um musical conceitual. Do ponto de vista de uma audiência, então,
a produção é importante não por revelar o que acontece depois, mas por construir
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2.2
O conceitual em Sondheim
77
De acordo com Stephen Citron, em Song Writing: A Complete Guide to the Craft, Limelight
Editions, New York, 2002, p.331, o piano é o instrumento básico da música popular americana, às
vezes metal e corda; refrão de 32 durações – forma AABA or ABAC.
73
Se, no entanto, tudo o que Sondheim ofereceu era mais uma intrincada
mistura de elementos de um musical, então, seu trabalho seria mais uma extensão
do que uma inovação. Conceito, o termo cunhado para descrever a forma do
musical de Sondheim, sugere que todos os elementos do musical, desde o tema até
a apresentação, são integrados para sugerir uma imagem ou ideia teatral central.
Esta unidade é certamente encontrada na obra de Sondheim, mas nenhum rótulo
pode eventualmente abranger a ampla gama de inovações que ele trouxe. O
próprio, com sua aversão por generalizações levianas, repudia a designação:
78
SF Stoddard explora esta visão em seu ensaio "Visions and Re-visions: The Postmodern
Challenge of Merrily We Role Along" (2000; 187-198), assim como Edward T. Bonahue, Jr. em
"Sunday in the Park with George as Postmodern Drama "(GORDON: 1990; 171-186).
74
79
Stephen Banfield refere-se a desconstrução de A Funny Thing Happened on the Way to the
Forum (1993; 92).
75
Eu tinha começado a sentir (...) que todo musical da Broadway dependia das
músicas-integradas - números que brotavam do diálogo e do enredo - e que isso
deveria ser reexaminado, e talvez modificado. Embora o tom de Anyone Can
Whistle estivesse fora, as canções rompiam com a tradição: eles comentavam
76
sobre a ação ao invés de avançá-la, e acho que sua relação com o book era
excelente. Em Forum, eu já tentava uma outra ruptura: músicas que eram lapsos
de ação. Em Company as canções eram tréguas e comentários. (Sondheim apud
BURKE: 1970; 17)
Anyone Can Whistle é um espetáculo cult. (...) Foi experimental e começou uma
técnica para mim que eu usei desde então e espero nunca voltar a usar - o uso da
linguagem tradicional da comédia musical para fazer pontos. Todos os números
que Angela [Lansbury] cantou no show foram pastiche. (...)
Aliás, a técnica do uso de atitudes ao invés de emoções para Angela no Whistle
eu usei em Side by Side by Side e em You Could Drive a Person Crazy de
Company, e em grande quantidade em Follies, onde era realmente necessário.
(Sondheim apud ZADAN: 1971; 24)
"A sátira musical está sempre around the corner na obra de Sondheim. Ele se
entrega a esse gosto com muita frequência e isso se torna cansativo. Isso pode ser
o resultado de sua memória musical prodigiosa ou um reflexo de sua indisposição
para ser emocionalmente expressivo. Zombaria, afinal, é uma forma de se
escamotear." (1979; 322)
principais métodos para fazer a plateia inquieta é esta técnica de dupla exposição.
A declaração de Gottfried nos remete à ideia de que musicais devem ser um
entretenimento essencialmente escapista.
Um exame cuidadoso do trabalho de Sondheim revela que, embora a sátira
possa ser uma característica, não o é de forma isolada. Musicais de Sondheim não
são sentimentais, mas isso não significa que eles são estéreis ou insensíveis. Uma
explosão emocional enorme está no cerne do teatro sondheimiano, mas para ele,
isto é mais uma referência do que um ingrediente: as velhas formas, os estilos
bem-amados, lembram-nos do que o teatro pode fazer, e o que a sociedade foi um
dia. A canção satírica informa-nos sobre o que nossas vidas são agora. O conflito
e o contraste entre ambos configura uma estimulante experiência teatral. O uso da
linguagem teatral por Sondheim, além disso, não se restringe a canções
individuais ou mesmo a antecedentes da comédia musical. Seus trabalhos
diversificam a forma teatral escolhida para representar o conceito em questão: A
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Funny Thing Happened on the Way to the Forum e a farsa romana; Company e o
drama drawing-room; Follies e as revistas de Ziegfeld; A Little Night Music e a
opereta; Pacific Overtures e o teatro kabuki: Sweeney Todd e o melodrama
victoriano; Sunday in the Park with George e o pontilhismo; Into the Woods e os
contos de fadas.
A saída de Sondheim dos padrões tradicionais do teatro realista afetou a
natureza fundamental de suas personagens. Lehman Engel afirma: "Uma das
principais diferenças entre a maioria das peças e a maioria dos musicais (...) é que
as personagens nas peças frequentemente não são o que parecem ser: em musicais
elas invariavelmente devem ser". (ENGEL: 1972; 16) Esta simplicidade e
superficialidade intrínsecas das personagens pode ter sido verdade nos primeiros
anos de desenvolvimento do musical, mas não é uma qualidade essencial do
gênero, Isso não se aplica ao trabalho de Sondheim. Sondheim enfatiza
repetidamente a importância das personagens multidimensionais e admite uma
preferência por “personalidades neuróticas" Ele reconhece:
Pelo menos metade das minhas músicas lidam com a ambivalência, percebe-se
dois sentimentos ao mesmo tempo. (...) Eu gosto de pessoas neuróticas. Eu gosto
de pessoas problemáticas. Não que eu não goste de pessoas quadradas, mas eu
prefiro as pessoas neuróticas. Eu gosto de ouvir rumores abaixo da superfície. (
Sondheim apud MICHENER: 1973; 55)
78
para fechar os olhos." (MARX: 1973; 125) Uma das conquistas do teatro musical
americano é a exploração das possibilidades musicais e teatrais do vernáculo
americano. Sondheim, em suas letras cintilantes e harmonias complexas,
desenvolveu uma síntese convincente da linguagem musical e da linguagem
americana e seus padrões. Palavra e som se misturam, se contrastam e se
complementam, além de criar um momento teatral apropriado, uma expressão
válida sobre a idiossincrasia de uma personagem. Palavra e som são inseparáveis.
Sondheim deixa bem claro que as letras que lhe interessam são "letras em
uma situação dramática em um palco em termos de personagem." (SONDHEIM:
1974; 61) Arthur Lauren, que trabalhou com Sondheim em quatro shows, explica
que "Steve é o único letrista que quase sempre escreve canções que só podem ser
cantadas por uma e somente uma personagem em particular.” (Ibid., 55)
Sondheim acredita que há dois princípios básicos que ditam o que um escritor
lírico pode e deve fazer, o primeiro é que as letras existem no tempo. Um público
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não pode pedir a um intérprete para cantar lentamente ou repetir a canção, pois "a
música é um motor implacável que faz a letra seguir. "(Ibid., 64) Esse princípio
leva a outro, que Sondheim explica assim:
A letra vai com a música, e a música é muito rica, na minha opinião, a mais rica
forma de arte. Ela também é abstrata e faz coisas estranhas com suas emoções.
Assim não somente você acompanha com ela, mas com as luzes, figurinos,
cenários, personagens, atores. Há muita coisa para ouvir e receber. Letras,
portanto, têm de ser subscritas. Elas têm de ser muito simples na sua essência.
Isso não significa que você não possa fazer letras complexas, mas essencialmente
o pensamento é o que conta e você tem que alongar o pensamento o suficiente
para que o ouvinte tenha uma boa chance de compreendê-lo. Muitas canções
sofrem por ser muito condensadas." (Ibid., 64)
A tarefa do letrista é difícil porque ele tem que carregar cada palavra com
significado. A letra pode possuir toda a complexidade da poesia, explorando tanto
as ressonâncias conotativas e denotativas de cada palavra. Além disso, a própria
música acrescenta ainda diferentes níveis de profundidade e de significado.
Contudo, uma vez que cada letra é efêmera e tem uma exposição muito restrita,
cada palavra tem de ser precisa. Consequentemente, a letra escrita é um ofício
extremamente rigoroso. Sondheim mostra o quão exato um compositor deve ser
em sua sensível análise do número de abertura de DuBose Heyward em
80
Summertime de Porgy and Bess. Sobre o verso Summertime and the livin' is easy
(Summertime e a vida é fácil), Sondheim escreve:
Vale a pena uma grande dose de atenção para este and (e). Eu escreveria
Summertime when (quando), mas este and configura um tom, um tom
poético, para não falar de um tipo de dicção que vai ser utilizado na peça,
uma dicção informal e inculta, e um fluxo de consciência que será
utilizado em muitas canções, como em My Man's Gone Now. É a palavra
mais correta, e a palavra vale o seu peso em ouro. Summertime when the
livin' is easy é um verso chato comparado ao Summertime and. As
escolhas entre ands (e) e buts (mas) se tornam quase traumáticas quando
você está escrevendo uma letra - ou deveriam - pois cada uma pesa muito.
(SONDHEIM: 1974; 65)
Quando uma frase musical chega ao fim, a letra também deve chegar ao fim, caso
contrário, configura-se um conflito para quem ouve. A letra deve acompanhar a
música com uma vírgula, um ponto e vírgula, ou apenas até a concretização de
uma frase. (...) As palavras têm de assentar com a música a fim de se tornarem
claras para o público. Estou falando de clareza. . . e clareza tem a ver com aquela
coisa que eu falei, o tempo. Você não tem a chance de ouvir a letra duas vezes ou
lê-la. E se a letra não salta quando a música salta e não sobe quando a música
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sobe, não é apenas uma questão de mau-acentos, que são ruins o suficiente, mas
se não se levanta e cai com a música, o público se confunde. (SONDHEIM:
1974; 75-76)
Um dos momentos mais embaraçosos da minha vida como letrista foi depois de
uma leitura rápida do musical West Side Story, quando alguns dos meus amigos,
incluindo Sheldon Harnick, estavam presentes. Perguntei a Sheldon após o show,
"O que você acha?", achando que ele ia cair de joelhos e lamber a calçada. Mas
ele não o fez, e eu pedi a ele que dissesse o que estava errado. É essa letra I Feel
Pretty, ele disse. Agora, eu pensei I Feel Pretty era fantástica, eu tinha gasto um
ano da minha vida rimando day e way e me e be, e com I Feel Pretty eu queria
82
mostrar que eu podia fazer rimas internas também. Então eu tive essa menina
[Maria] portoriquenha cantando, It's alarming how charming I feel [É alarmente
como me sinto encantadora]. Você sabe, ela [a música] não teria sido mal
recebida na sala de estar de Noel Coward. Sheldon era muito gentil, mas, oh!
doeu. Eu fui imediatamente de volta à prancheta e escrevi uma versão
simplificada da letra, que ninguém relacionado ao show aceitou, por isso está
tudo lá, me envergonhando cada vez que é cantada, porque ela é cheia de erros
como esse. (SONDHEIM: 1974; 84-85)
FREDRIK:
(...)
For something romantic,
De Sade is to trenchant
And Dickens too frantic,
And Stendhal would ruin
The plan of attack,
As there isn't much blue in
"The Red and the Black."
De Maupassant's candour
Would cause her dismay,
The Brontës are grander
But not very gay,
Her taste is much blander,
I'm sorry to say,
But is Hans Christian Ander-
Sen ever risque?
Which eliminates A...80
80
http://www.allmusicals.com/lyrics/littlenightmusic/now.htm acesso em 10/06/2010.
83
que ele acredita que deve ser, em última análise, fútil. Ele critica o fato de que
"Sondheim definiu-se como um vanguardista de uma forma assumidamente
popular," (Ibid., 74) desprezando o gênero. Ele afirma de forma inequívoca, "a
comédia musical está para a música assim como o ping-pong está para o tênis."
(LAHR: 1979; 74) Mesmo seu uso do termo"comédia musical" em vez de "teatro
musical" mostra seu preconceito.
O musical pode ter sido "trivial" no passado, mas a sua grandeza não
reside em sua trivialidade. Sondheim mostrou que o teatro musical pode ser grave,
triste, e ainda emocionante. Ele é o expoente desta nova forma musical. Seu
trabalho redefiniu o gênero, e, como resultado, o abismo que separava o teatro
"sério", “legítimo” do teatro musical foi sobreposto por uma ponte.
Sondheim, então, desenvolveu o que é atualmente considerado o epítome
da forma cada vez mais sofisticada conhecida como musical conceitual. Seus
musicais, ao que parece, recorrem a referências históricas, numa medida sem
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3
Elementos Dramatúrgicos do Teatro Musical
3.1
O Libreto
tem razão: o book vem em primeiro lugar - não apenas na ordem da criação, mas
muitas vezes na composição de um espetáculo de sucesso.
Atualmente, o vocábulo libreto designa o conjunto, isto é, o book, com o
texto e as rubricas - e o score81, que engloba toda a parte musical.
3.1.1
O book
81
Score é um vocábulo específico do teatro musical cujo significado abrange muito mais do que
uma partitura; ele indica aos atores suas entradas musicais verticalmente.
87
entretenimento. Shows como Annie Get Your Gun ou Hello, Dolly! permitem à
plateia sentar-se confortavelmente, relaxar e divertir-se. A comédia musical está
para um musical assim como a ópera cômica está para a grande ópera: a diferença
não é de qualidade, mas de intenção.
Sem se abster de valores de entretenimento, um show musical aspira à arte
séria através de conteúdos ambiciosos, universalidade do tema, drama
proeminente, forma corajosa e produção mais exigente. Um musical intensifica o
drama através de uma letra, música ou dança, e utiliza a comédia como válvula de
escape para aliviar o peso; pode ser sombrio e complexo, mas, ao mesmo tempo,
agradável. O uso de Sunrise, Sunset durante a cena do casamento de Tzeitel e
Motel, de Fiddler on the Roof, ilustra esse paradoxo. Aqui está uma canção
sentimental, de letra graciosa e melodia agradável, que poderia apenas se referir
ao sentimento dos pais no momento do casamento, evidenciando suas reflexões
sobre a passagem da condição de filha para esposa. O que distingue tal canção no
musical é o seu contexto, o sentimento universal particularizado na situação
específica dramática do pogrom82. A maneira como o bookwriter faz uso dessa
82
Pogrom é um ataque violento maciço a pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente
(casas, negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos
em massa de violência, espontânea ou premeditada, contra judeus, protestantes, eslavos e outras
minorias étnicas da Europa, porém é aplicável a outros casos, e envolve países e povos do mundo
89
inteiro. A palavra tornou-se internacional após a onda de pogroms que varreu o sul da Rússia entre
1881 e 1884, causando o protesto internacional e levando à emigração maciça dos judeus.
83
Naughty Marietta é uma opereta em dois atos, com libreto de Rida Johnson Young e música de
Victor Herbert. Ambientado em Nova Orleans em 1780, ela conta como o capitão Richard
Warrington é encarregado de desmascarar e capturar um notório pirata francês que se chama "Bras
Priqué" - e como ele é ajudado e prejudicado por uma carismática fugitiva, Contessa Marietta. O
score inclui muitas canções conhecidas, como Ah! Sweet Mystery of life.
90
3.1.2
Elementos
com a história linear o que fez a pintura cubista com o espaço. No entanto,
playwriters que reconhecem a necessidade de uma história, obedecem a um
princípio fundamental: o enredo deve revelar em vez de falar sobre o drama. A
verossimilhança do gênero dramático advém da imitação da ação dramática, e
esse princípio aristotélico também é um dogma no teatro musical.
A situação opera dentro do enredo como qualquer momento capaz de gerar
o drama, sustentar a atenção do público, e implicar em uma resolução final. Como
micro unidades dramáticas, muitas situações se somam para fazer o macro enredo.
E cada situação deve favorecer as expressões de música e dança. Embora a
maioria dos musicais importantes desde Oklahoma! tem sido adaptada de peças
teatrais plenamente realizáveis, não é todo drama que sustenta uma adaptação para
um espetáculo musical. Certas situações resistem ao tratamento musical. Romeu e
Julieta tem uma longa história de adaptações de sucesso na ópera, no balé e no
teatro musical, devido à sequência de situações melodramáticas que eliminam a
necessidade de palavras e incentivam a substituição por som e movimento. Em
West Side Story, exceto por um momento de pausa cômica oferecida pela cena
“Jeez, Officer Krupke”, cada número musical no score surge das três principais
situações dramáticas do book: Os Jets-Sharks, Tony-Maria e Anita-Maria. A
progressão dessas situações que se refletem em cada canção diz tudo o que você
precisa saber sobre a premissa, o desenvolvimento e a resolução desse show.
92
3.1.3
Atributos
3.1.4
Mecânica
84
Grau de velocidade que se imprime à execução de um trecho musical. Conforme esse grau,
consideram-se três tipos de andamento: lento, moderado e rápido.
95
3.1.5
Estrutura
alguma técnica para trazer o público de volta para o show com o interesse e
entusiasmo despertado pela Abertura. Nestas circunstâncias, alguma expressão
dramática de tensão que prolonga a expectativa de resolução funciona melhor.
Este é o princípio por trás do dream ballet em Oklahoma!, o burburinho em West
Side Story, o pogrom no casamento de Tzeitel em Fiddler on the Roof.
O Segundo Ato deve ser mais curto e menos complicado que o Primeiro
Ato. Geralmente, não mais que 45 minutos se interpõem entre a conclusão do
intervalo e final do Segundo Ato. Porém, a quantidade de material novo
adicionado ao Segundo Ato deve ser limitada. Um material novo leva tempo para
se desenvolver, o tempo que pode servir melhor para avançar o crucial para o final
do show. Alguns escritores preenchem o Segundo Ato com reprises abreviadas do
material do Primeiro Ato. Este dispositivo acrescenta interesse, não necessita de
um maior desenvolvimento, e não fornece nenhum obstáculo para o impulso de
crescimento do programa em direção a uma conclusão.
O final do musical deve ser mais do que uma solução previsível. Deve
resumir a experiência singular daquele espetáculo. Aqui, o autor deve fazer o
público sair do teatro com um momento para recordar, um momento previsto,
excitante por si só. O público retém a lembrança da imagem final de Tevye
acenando para o violinista; das cartolas e fraques de A Chorus Line; da canção
Rose's Turn de Gypsy.
97
3.2
O score
fenomenal. As normas para o musical agora estavam em alta, o grande desafio era
desenvolver esta parceria criativa e ter seu talento reconhecido. A maioria dos
musicais da Broadway, desde aquele tempo, tem seguido esse paradigma.
Anteriormente, letristas e compositores escreviam canções, mas agora eles se
tornavam parte integrante do libreto, trabalhando junto com o bookwriter,
utilizando canções para desenvolver a personagem e avançar a história. Rodgers e
Hammerstein abandonaram as bem sucedidas fórmulas da revista, comédia
pastelão e das coristas seminuas. Todos os elementos do musical agora deveriam
ter uma função dramática. As técnicas utilizadas em Oklahoma! continuam a ser
usadas em musicais do século XXI.
O book tem prioridade, todos os outros elementos co-existem para as suas
necessidades dramáticas. Ele fornece o esqueleto narrativo para um musical, bem
como o momento de entrada do canto e da dança para reforçar a história. O book
pode ser baseado em uma peça, romance, filme ou, raramente, desenvolve-se a
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em The Surrey with the Fringe on Top com o seu ritmo clip-clop constante, que
imita o som de cascos de cavalos. Músicas que se repetem muitas vezes são
usadas para mostrar o desenvolvimento da personagem. Durante People will Say
We’re in Love, Laurie e Curly cuidam para que eles não fiquem muito perto ou se
falem por muito tempo, as pessoas podem ter uma ideia errada a respeito deles.
Perto do final do espetáculo, a repetição muda a letra para "Let People Say We're
in Love", revelando uma mudança em sua relutância inicial a uma aceitação
mútua das suas relações.
Oklahoma! também apresentou um papel inovador para a dança. Em seu
sonho, Laurie imagina um confronto mortal entre Curlie e Judd (os três vértices
do triângulo amoroso), e a plateia vê uma coreografia que avança a história,
através da música e do movimento. O avanço desta ideia se notabiliza em West
Side Story, musical concebido como um balé dramatizado pelo diretor-coreógrafo
Jerome Robbins.
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3.2.1
Elementos de um score
Uma efetiva abertura pode sintonizar esse público no mesmo nível psicológico da
cena de abertura e criar a sua consciência coletiva para os eventos a seguir. A
abertura entretém o público, a repetição assegura o reconhecimento e a diversão.
As melodias que a audiência leva para fora do teatro são aquelas que serviram
triplamente à abertura, performance e repetição. Um opening number deve dar
pistas sobre a atmosfera do espetáculo, as personagens principais, descrever as
suas relações, estabelecer o tempo e o espaço, incorporar o tema, projetar a
situação e fixar o estilo da performance para toda a produção, dando assim, ao
público, uma base para o reconhecimento e a valorização do impulso inicial de
comunicação de um musical. Na abertura de Brigadoon, o quinto acorde exprime
uma nota que comunica a configuração na Escócia, antes da audiência ver o
cenário ou a indumentária das personagens. As notas em staccato e as frases
musicais da abertura de My Fair Lady transmitem o temperamento refinado de
todo o trabalho. Os acordes dissonantes no discurso de abertura, Carousel Waltz
do musical Carousel, espelham a atmosfera de tensão iminente que está
subjacente à situação principal do espetáculo.
Um establishing number estabelece uma ideia fundamental na canção a
partir da qual o musical pode evoluir. A maioria das canções em um score de
sucesso estabelece algo novo e que vai além da música anterior. Este movimento
coordenado e cumulativo sinaliza o desenvolvimento dramático-musical dentro de
101
(Diálogo)
You’re a queer one............................................... (Melody 1)
(Diálogo de transição)
I’m never goin’ to marry…................................... (Melody 2)
(Diálogo de transição)
When I worked in the mill.................................... (Melody 3)
(Diálogo com interlúdio)
If I loved you……………………......................... (Melody 4)
(Diálogo de transição)
You can’t hear a sound……................................ (Melody 5)
(Monólogo com interlúdio)
There’s a helluva lot o’stars................................. (Melody 5)
(Diálogo com interlúdio)
Kinda scrawny and pale……............................... (Melody 3)
(Diálogo com interlúdio)
If I loved you……………………......................... (Melody 4)
(Diálogo)
(Conclusão musical)…………….......................... (Melody 4)85
85
KISLAN, Richard. The Musical: A Look at the American Musical Theatre. Rev. Ed. New York:
Applause, 1995. p. 214.
103
3.2.2
Canções dramáticas
86
O termo first traveller refere-se às cortinas transversas que ficam mais próximas da plateia, as
quais são abertas a partir de ambos os lados do proscênio. (Kislan, Richard. The Musical: A Look
at the American Musical Theater Prentice Hall Inc, NJ, 1980. p.216.)
104
me sinto bem com a vida", "Eu estou apaixonado" ou "Eu sou capaz de lidar com
o que parece ser um relacionamento fracassado"
As personagens do teatro romântico deve aspirar além do estabelecido em
uma I am song. A canção que incorpora tal desejo é do tipo I want song. Uma I
am song corresponde à personagem e à situação; uma I want song, à trama. Esse
tipo de canção pode sugerir ou traçar um plano de ação para a personagem.
Muitas vezes, uma I want song prenuncia o curso da ação que o musical vai
seguir. Tonight e A Boy Like That, de West Side Story, traduzem bem esse
sentimento.
3.2.3
Mais alguns elementos de canções para shows musicais
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O título de uma música para o teatro deve representar algo mais do que um
nome descritivo do tema da canção. A canção é a cena no teatro musical maduro.
Portanto, o título da música deve carregar sua função dramática, tanto como o
propósito da cena, a natureza da situação, ou uma mudança no enredo, ação ou
personagem. Para ser eficaz, o título deve aparecer no início do refrão. Oscar
Hammerstein II sabia disso e ensinou-o a Stephen Sondheim. Mesmo em um
musical inovador como Company, onde as canções comentam a ação ao invés de
avançá-la, os títulos das canções aparecem no início do refrão. Em The Little
Things You Do Together, Sorry-Grateful, You Could Drive a Person Crazy, Have
I Got a Girl for You, Someone is Waiting, Another Hundred People e Ladies Who
Lunch, o título aparece no primeiro verso da letra. Embora seja trabalho do letrista
determinar um título apropriado para fins dramáticos, o compositor deve
responder pela criação do título com um tema musical adequado.
Desde o início de 1900, as estrofes das canções populares americanas têm
sido, tradicionalmente, 32 barras longas, normalmente divididas em quatro seções
de oito compassos cada - a forma AABA. Este formato força os compositores e
letristas a criarem suas canções eficientemente, mais como uma disciplina do que
uma limitação. “A” é a melodia principal, repetida duas vezes - de modo que
possa ser facilmente lembrada. B é a ponte (bridge), e contrasta tanto quanto
possível com A. Em seguida há um retorno à primeira melodia, que pode variar.
106
4
O teatro musical no Brasil
4.1
O teatro de revista
4.1.1
A estrutura revisteira
87
“A revista é um espetáculo inteiramente composto por alusões voluntárias a fatos recentes. E a
alusão é um recurso de linguagem que consiste em se dizer uma coisa e fazer-se pensar em outra.
O encanto da revista reside no prazer da alusão”. In VENEZIANO, Neyde. Não Adianta Chorar –
Teatro de Revista Brasileiro...Oba! SP. Campinas: UNICAMP, 1996, p. 30.
88
Cocota conta a história do fazendeiro Gregório, tio de Cocota, que, tísico, sofre de constipação.
Seu compadre Serapião lhe indica um milagroso remédio, denominado “erva virgiliana”, para
110
personagem Mercúrio fala, diante de um pano de nuvens, das mutações que estão
ocorrendo, utilizando-se da autoexplicitação reveladora dos procedimentos e
arquitetura revisteiros.
Há grande presença de coplas91 de apresentação; alternância de textos em
prosa e poesia, todos em linguagem inteligível e recheados de alusões; cenas
cantadas e faladas; tudo isso conferindo agilidade e movimento ao texto,
meticulosamente composto e pensado. Não há em Cocota uma sucessão
equivocada de acontecimentos: cada elemento tem seu porquê de surgir e ser
curar sua enfermidade. Contudo, tal remédio é produzido somente por um boticário do Rio de
Janeiro. Gregório, Cocota, e Bergaño (amigo de Gregório), partem então para o Rio de Janeiro em
busca do medicamento, quando se armam diversas situações de confusão que demonstrarão o
contexto sócio-político-cultural do momento. Neste ínterim, Cocota se perde do tio e de Bergaño,
o que origina a busca da mesma pelo tio. Ao final, Cocota reencontra seu tio e a situação se
esclarece.
89
A espinha dorsal das revistas de ano era justamente o fio condutor. Ele possibilitava o
desenrolar dos fatos, suscitando o surgimento de várias situações episódicas. A receita
aparentemente era simples: uma busca ou perseguição a alguém ou alguma coisa. Os personagens
centrais caminhavam, corriam, andavam, procuravam ou fugiam. Havia, continuamente, alguém
que perseguia e alguém que escapava por um triz. Aí estava a viga, a coluna mestra da revista de
ano. In VENEZIANO, Neyde. O Teatro de Revista no Brasil – Dramaturgia e Convenções. SP.
Campinas: UNICAMP, 1991, p. 88.
90
E, movidos por esta ação de buscar ou perseguir, estes personagens centrais (os pertencentes ao
fio condutor) iam se deparando com quadros episódicos, através dos quais se criticava a realidade
imediata. In VENEZIANO, 1991, loc. cit.
91
Copla é um pequeno grupo de versos composto para ser cantado, sempre de maneira clara e
funcional, permitindo a imediata compreensão do público, conforme a linguagem precisa do teatro
de revista.
111
citado. Atente-se, por exemplo, para a fala de uma das personagens, Serapião,
logo no 1º ato, 1º quadro, cena 3, quando comenta que um “jangadeiro virá à corte
receber ovações dos vadios (...)”92 Tal jangadeiro vai aparecer somente no 2º ato,
6º quadro, cena 5, numa cena de alusão política evidente.
Comidas, meu Santo93, de Marques Porto e Ari Pavão, é uma revista pré-
carnavalesca, em 2 atos e 25 quadros. Sem um enredo linear, a ação deste texto de
1925 tem outra estrutura, diferente da revista de ano. Aqui, não há a presença do
fio condutor, e o texto é composto de uma sequência de quadros que não
obedecem a uma ordem lógica e progressiva.
Pode-se afirmar que Comidas, meu Santo se trata de uma meta-revista:
uma crítica mordaz ao próprio universo artístico da revista e também da sociedade
do período.94 Tome-se o exemplo da personagem Chincha, uma caipira que é
seduzida pelo universo da revista, e, caindo nas artimanhas do malandro Chandas,
vai viver uma pseudovida de atriz/vedete, adotando o nome espalhafatoso de
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92
AZEVEDO, Artur e SAMPAIO, Moreira. Cocota in Teatro de Artur Azevedo, Tomo II. Rio de
Janeiro: INACEN, 1985, p. 295.
93
Comidas Meu Santo se trata de uma revista metateatral, cujo prólogo é a entrada de personagens
para assistirem um teatro de revista. No decorrer da peça são apresentados de forma cômica e
crítica todos os mecanismos e estrutura de uma revista, tais como: a vedete, o compère e a comère,
a mulata, o português, até o público, entre outros. Alguns espectadores apresentados no prólogo
entram na revista e tornam-se os seus personagens. São apresentados quadros de fantasia, esquetes,
quadro de comédia, que são ligados pelas ações dos personagens como o malandro Chandas, a
Dona Chincha e seu Fetinga.
94
Ao utilizar-se sempre do popular e eficiente recurso da metalinguagem, a revista, ao mesmo
tempo, divertia e criticava a sociedade e o teatro como expressão da mesma, pois, (...) ao criticar-
se o funcionamento desse teatro, criticava-se o funcionamento da sociedade. In VENEZIANO,
1996, op. cit., p. 88.
112
imprescindível, Veneziano (1991; 94) afirma que “não há como se fazer uma
revista sem o prólogo”. O prólogo, que pode ser precedido de uma overture,96 tem
a função de desencadear o movimento do fio condutor da peça. Ao abdicar desta
função, o prólogo passa a ser o momento introdutório onde se apresenta toda a
companhia. Na sequência, é seguido de quadros alternados: números de cortina,
quadros de comédia, quadros de fantasia, números de plateia, culminando na
apoteose.
Em Cocota, o prólogo abarca o 1º e o 2º quadros, no qual se desencadeia o
fio condutor: as personagens e a situação se apresentam e delimitam,
evidenciando a que veio a presente revista. Já em Comidas, meu santo e Você já
foi à Bahia, o prólogo, abandonada a necessidade do fio condutor, assume a
95
Você já foi á Bahia? é regida ao toque de muita folia, por ser revista carnavalesca. A figura do
Rei Momo é imprescindível, surgindo com seu “decrepto” no qual afirma que o que vale é a festa
do carnaval. A trama que percorre a peça gira em torno de uma mentira que Fulgêncio e Castrinho
inventam para enganar suas esposas Rosália e Julieta e irem sozinhos aproveitar o carnaval do Rio
de Janeiro. O que eles não esperam é que a mentira é descoberta, e suas esposas, por vingança,
também decidem ir sozinhas para o carnaval do Rio. No Rio, as duplas aprontam muitas confusões
e muitos flertes, e acabam se hospedando coincidentemente na mesma pensão, a casa da D. Stela.
Na pensão estão D. Stela e seu esposo Anastácio; a filha deles, Juju, e seu esposo, Jeremias; e o
pai de D. Stela, Bento. Estes também se metem em confusões e flertes. Na atmosfera carnavalesca,
os casais mentem um para o outro, saem na folia, flertam uns com os outros, e no fim todos são
descobertos. Mas por ser carnaval, todos são perdoados...
96
Overture é uma abertura orquestrada, executada para que os últimos espectadores pudessem se
acomodar na plateia enquanto as luzes se apagavam.
113
A cena é complicadíssima,
E protesta o maquinista,
Que com mutação à vista,
Nada se pode arranjar;
Veio um pano e, enquanto, gárrulo,
Vou dando trela aos senhores,
Nos camarins, os atores
De fato podem mudar.
97
Rábula é uma denominação proveniente de Portugal, e consistia num papel curto e episódico
interpretado por grandes atores cômicos. Cf. Veneziano, 1991, op. cit., p. 102.
98
(AZEVEDO e SAMPAIO:1985;306)
114
99
Conforme afirma Flora Süssekind ao analisar as revistas escritas por Artur Azevedo: Suas
revistas estão carregadas dos acontecimentos políticos que marcam o país, e normalmente se
fazem acompanhar de nítidas tomadas de posição. (SÜSSEKIND, Flora. “A Poética da Revista” in
As revistas de Ano e a Invenção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 89.)
100
A revista de ano, talvez pela extrema variedade dos acontecimentos que narra, pela necessidade
de dar conta das rápidas reformas urbanas e da transformação histórica, parece impedida, enquanto
gênero, de maiores variações formais. (...) Porque, efetivamente, pequenas variações à parte, é em
torno de um mesmo e repetido modelo que se narravam diferentes acontecimentos nas revistas que
se sucediam a cada ano. In Süssekind, 1986, ibid., p. 96.
101
O Théâtre du Grand Guignol, em Paris, situado no número 20 bis da Rue Chaptal, apresentou
no palco cenas de crime, violência e horror, de 1897 a 1962. As cenas traziam situações como
assassinato, estupro, esquartejamento, etc., visando manipular a emoção do medo da plateia a
partir de um timing específico. Fonte:
http://www.vigormortis.com.br/VigorMortis/GrandGuignol.html. Acesso em 20/07/2008. Síntese
de uma adaptação de trechos da tese de mestrado The Horror of The Grand Guignol, de Paulo
Biscaia Filho, Royal Holloway University of London, 1995.
116
A apoteose era uma cena grandiosa que se dava ao final de cada ato do
teatro de revista, sendo que a apoteose do 1º ato costumava ser a mais importante.
Não tinha relação alguma com o tema abordado na trama da revista, na grande
maioria dos casos, e o tema era geralmente de caráter ufanista, com forte acento
de exaltação patriótica. Comemorava-se o Brasil, suas riquezas, suas regiões, seus
herois, seus acontecimentos políticos importantes.
Toda a companhia estava presente na apoteose, cuja evolução se dava
numa escada, elemento cenográfico posterior imprescindível do teatro de revista.
O quadro final apoteótico buscava provocar entusiasmo em meio a músicas e
encantamento, num verdadeiro convite aos aplausos.
Em Cocota, identificam-se quatro apoteoses, uma ao final de cada ato: a
primeira, um “cancã desenfreado”(AZEVEDO e SAMPAIO: 1985; 313) dando
102
O ritmo do espetáculo revisteiro era calcado na lei do contraste: a um ator que falava
pausadamente, contrapunha-se outro que metralhava o texto. Na construção dramatúrgica, uma
cena muito agitada era antecipada por outra mais parada. Contraste. Era o que não faltava na
revista. Ela aceitava quase tudo. In VENEZIANO, 1991, op. cit., p. 107.
118
103
Double-sens era uma convenção marcante e importantíssima do teatro de revista, cuja
utilização evidenciava a malícia mesclada a certa ingenuidade dos personagens, sem cair no tom
ordinário e grosseiro. O duplo sentido estava além do texto, completando-se com a interpretação
artística que exigia dos atores e das atrizes grande talento agilidade ao se utilizarem de gestos
codificados, olhares insinuantes e pausas reveladoras. (cf. VENEZIANO: 1991; 173)
119
4.2
Teatro Musical Engajado
104
Diretor e produtor teatral, um dos mais importantes encenadores alemães do séc. XX que, ao
lado de Bertold Brecht, fundou o teatro épico.
121
4.2.1
A contribuição de Chico Buarque para o teatro musical
(...) a coisa mais extraordinária que eu encontrei na música de Chico, baseada nos
versos de Morte e vida severina, foi um respeito integral pelo verso em si. A
música segue cada verso, no ritmo total. A música segue cada ritmo, crescendo
ou não, de cada parte do poema. (...) Se a música é boa, não deve nada à
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colaboração minha ou conselho meu. Ele pegou o texto, respeitou o texto e, com
o talento extraordinário dele, fez uma música que eu considero totalmente
apropriada ao texto. (...) E, para terminar, vocês sabem que eu não posso ler, hoje,
nenhuma sequência de Morte e vida severina sem que a música me fique soando
no ouvido. Hoje, estou resignado a tirar das minhas Poesias Completas o auto de
Natal Morte e vida severina, pois creio que ele pertence mais ao Chico Buarque
do que a mim. (ibid.,p.24-25)
sua ascensão. Na peça, Benedito Silva, músico obscuro e sem nenhum talento, é
tragado pela indústria do entretenimento. Torna-se rapidamente um ídolo cultuado
religiosamente por uma legião de fãs, muda de nome duas vezes e é levado a
cometer suicídio. Então, sua esposa, Juliana, o substitui na condição de estrela
pré-fabricada, dando continuidade ao jogo de interesses estritamente financeiros
dos empresários do show business.
Em 1972, Chico Buarque e Ruy Guerra escrevem Calabar: o elogio da
traição. A peça, que buscava reinterpretar o episódio da ocupação do Nordeste
açucareiro pelos holandeses, entre 1630 e 1654, do ponto de vista dos
colonizados, e retratar uma nascente consciência nacional brasileira, demonstra
que todos os envolvidos naquele acontecimento histórico foram, de algum modo,
traidores. Não somente Calabar, como afirmam os livros de história escritos sob a
ótica dos portugueses, teria sido o traidor por excelência.
Desenvolvendo temas polêmicos, desmitificando a história oficial e
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4.2.2
Gota d´água
Musical escrito por Chico Buarque em parceria com Paulo Pontes, Gota
d'água ganhou histórica montagem original em 1975, com a superlativa Bibi
Ferreira à frente, na pele da amarga Joana - a Medeia brasileira que, por ódio e por
desespero, decide se vingar do ex-companheiro sambista, Jasão, que a abandonara
para se casar com Alma, a filha do dono de um conjunto habitacional da periferia,
Creonte.
Paulo Pontes e Chico Buarque, os autores do musical, adaptaram a
tragédia grega Medeia, de Eurípides, a partir de concepção de Oduvaldo Vianna
Filho, morto em 1974. Mais que mera concepção, as ideias de Vianinha se haviam
materializado no “Caso Especial” que escrevera para a TV Globo no início dos
anos 70, trazendo para os subúrbios cariocas a trama da grande peça clássica.105
O tratamento dado por eles ao tema desenvolveu-se com independência
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105
A ideia de transportar histórias e personagens gregas para os morros ou subúrbios do Rio de
Janeiro já tinha sido posta em prática por Vinicius de Moraes em Orfeu da Conceição, com música
de Tom Jobim, texto levado à cena em 1956. Noutra chave, Nelson Rodrigues havia atualizado a
figura e a lenda de Electra (já filtradas pelo Eugene O‟Neill de Electra enlutada) em Senhora dos
Afogados, drama de 1947, rejeitado pelo TBC em 1953 e afinal encenado, sob a direção de Bibi
Ferreira, no Rio, em 1954. A principal diferença de Gota d’água em relação a essas obras reside
na ênfase política (que na peça de 1975 se combina à dolorosa trajetória da heroína), ênfase
prefigurada no “Caso Especial” de Vianinha.
126
Medeia consegue matar Creonte, sua filha e, não contente, os próprios filhos; em
seguida, foge no carro do Sol. Jáson trava diálogo violento com a mulher, mas não
acha tempo sequer para tocar nos meninos mortos.
Vianinha, nas seções finais, optou por uma perseguição policial a Medeia,
com a busca dos garotos (Jasão e o povo participam da perseguição e da busca),
dando tom de thriller ao texto. Mas, talvez considerando a natureza do veículo a
que o roteiro se destinava, fez os quitutes envenenados de Medeia atingirem
Creonte e a filha, mas não as crianças – salvas no final. Assinale-se que, mesmo
tendo tido a intenção de poupar o telespectador de um desfecho inteiramente
mórbido, o autor conseguiu emprestar grande beleza a seu texto, com o
contraponto entre a dor de Jasão (Creusa morreu, Creonte ficará inválido) e a
alegria ingênua exibida pelas crianças, alheias aos fatos – alegria que se transmite,
é claro, ao pai.
Um dos traços mais importantes da Medeia de Eurípides é o fato de a ação
desencadear-se sem que seu curso esteja previamente determinado pelos deuses,
isto é, por forças superiores às personagens. Os sentimentos de Medeia,
estrangeira em Corinto, traída e abandonada por Jáson, pai de seus dois filhos,
pertencem somente a ela – a comunidade, o mundo à volta parecem alheios à sua
sorte. O coro de quatro figuras femininas, é verdade, participa, solidário, das
127
aflições de Medeia, mas o que está em causa é antes a condição social das
mulheres. A própria personagem principal, com a provável anuência do coro, diz:
“Das criaturas todas que têm vida e pensam,/ somos nós, as mulheres, as
mais sofredoras”.106
Egeu, rei de Atenas na peça grega, transformado em motorista de táxi,
lança o corpo da criminosa ao mar, atendendo a pedido feito por ela. Medeia
matou-se pretendendo deixar a impressão de sua vingança ter sido completa.
O coro de figuras femininas, presente à peça de Eurípides, reaparece em
Gota d’água, representado pelas Vizinhas. Outras mudanças dizem respeito à
dimensão das personagens. Para citar um exemplo: a filha de Creonte, na tragédia
grega, é apenas referida pelas demais criaturas, sem vir à cena; no “Caso
Especial” de Vianna Filho, ganha a forma de Creusa, que, no entanto, fala muito
pouco; e cresce em Gota d‟água, com o nome de Alma, personagem que tem
alguma importância, embora não decisiva, junto a Jasão.
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106
EURÍPIDES. Medeia. In: ÉSQUILO; SÓFOCLES; EURÍPIDES. Prometeu acorrentado; Édipo
Rei; Medeia. São Paulo: Abril Cultural, 1980.p. 28.
128
literatura etc.” (Ibid., xvi). Nesse sentido, a peça pode ser considerada uma
tentativa de retomar o projeto nacional-popular levado à cena, desde fins dos anos
50, por artistas identificados a posições de esquerda.
Por fim, os autores pretendiam trazer a palavra de volta aos palcos, já que
“as mais indagativas e generosas realizações desse período [os anos 70] têm como
característica principal a ascendência de estímulos sonoros e visuais sobre a
palavra”. Com o texto elaborado em versos, intensificava-se o diálogo, “um pouco
porque a poesia exprime melhor a densidade de sentimentos que move os
personagens”. Em suma, procurava-se compreender o que se passava no Brasil e
para isso era necessário devolver, “à múltipla eloquência da palavra, o centro do
fenômeno dramático” (Ibid., xviii).
Os autores falam em sets no que toca à disposição cênica dos ambientes:
há o set das vizinhas, o do botequim, onde os homens se reúnem, o set da oficina
onde trabalha mestre Egeu, líder local, o set de Joana, o de Creonte. Os
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enquanto eu me consumia
(...)
Pra não ser trapo nem lixo,
nem sombra, objeto, nada,
eu prefiro ser um bicho,
ser esta besta danada
Me arrasto, berro, me xingo,
Me mordo, babo, me bato,
me mato, mato e me vingo
me vingo, me mato e mato107
108
Ibid., p.159.
132
Só um
Belo dia
Pois se jura, se esconjura
Se ama e se tortura
Se tritura, se atura e se cura
A dor
Na orgia
Da luz do dia
É só
O que eu pedia
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia
(Joana, cantando, chegou em frente ao set de Egeu; enquanto chama Corina, a
orquestra segue tocando)
Corina. Corina... (Corina aparece) Faz um favor
pra mim, mulher. Vai chamar Jasão. Diz
que estou aliviada. Minha dor
está passando. Vai?...109
109
Ibid., pp.151-152.
133
CREONTE
Escute, rapaz,
você já parou pra pensar direito
o que é uma cadeira? A cadeira faz
o homem. A cadeira molda o sujeito
pela bunda, desde o banco escolar
até a cátedra do magistério
Existe algum mistério no sentar
que o homem, mesmo rindo, fica sério
Você já viu palhaço sentado?
Pois o banqueiro senta a vida inteira,
o congressista senta no Senado
e a autoridade fala de cadeira
O bêbado sentado não tropeça,
a cadeira balança mas não cai
(...)Tem cadeira de rodas pra doente
Tem cadeira pra tudo que é desgraça (...)
E quando o homem atinge o seu momento
mais só, mais pungente de toda a estrada,
mais uma vez encontra amparo e assento
numa cadeira chamada privada
(tempo) Pois bem, esta cadeira é a minha vida
Veio do meu pai, foi por mim honrada
e eu só passo pra bunda merecida.” 110
110
Ibid., pp. 32-33.
134
JOANA
Tudo está na natureza
encadeado e em movimento —
cuspe, veneno, tristeza,
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111
Ibid., p.160.
136
Joana que, habilmente, tempera com ervas uns bolos de carne". (Ibid., p.160) O
paradoxo estabelecido entre a alegria do povo e a angústia de Joana revela-se na
síntese da relação dialética, gerada pela compreensão crítica global do espetáculo,
apesar da carga emotiva intrínseca.
A transição temporal de ação convergente se realiza quando as
personagens se movimentam, ainda cantando suas diferentes canções, em direção
a um ambiente só: o casamento. (Ibid., p.161) Cantam sublinhando a passagem do
tempo de preparação para a festa que se traduz como o motivo de união dos
personagens.
O tempo de preparação é uma forma de alienação da realidade de opressão
que sobrepassa todas aquelas vidas, resultando numa acomodação confortável que
carrega a ilusão da melhora de vida e suspende a temporalidade mordaz daquele
cotidiano. A situação torna-se irônica quando se confronta com a vida miserável e
submissa que ameaçou prorromper em revolta e deixou-se, por fim, lograr
ingenuamente pelo discurso populista de Creonte.
Durante a festa de casamento, a música é aproveitada conforme outra
perspectiva funcional, encaixando-se na trama para ilustrar o enredo e justapor-se
aos diálogos. O trecho de Flor da idade (Ibid., p.162) propicia a coreografia em
137
acrescentou dois sucessos de Chico Buarque – Partido Alto (de 1972) e O Que
Será (À Flor da Pele) (de 1976) - que não constam do texto original. Partido Alto
abre a encenação em intrincado jogo vocal que envolve quase todo o elenco,
fazendo as vezes de música de abertura, uma lacuna já apontada no início da
análise. Mais tarde, O Que Será (À Flor da Pele) pontua a tensão da narrativa
entre Joana e Jasão, ao fim do Primeiro Ato. Três músicas inéditas, escritas pelo
diretor musical Roberto Burgel também foram acrescentadas. Tal inserção foi
uma tentativa de aproximar o musical original ao modelo Broadway, uma vez que
o texto original privilegia os recitativos, e, só há de fato as quatro canções
mencionadas acima, a embolada cantada por Cacetão e a Corrente de Boatos que
encerra o Primeiro Ato, cantada pelo coro.
Se a porção musical cresceu em relação ao drama original, o oposto se deu
com o elenco e a duração das cenas: personagens foram condensados (restaram 10
das 15 figuras centrais), e a história agora chega ao fim uma hora antes (eram três
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4.2.3
Ópera do malandro
Se a gente tem um folclore policial tão grande, porque não fazer uma peça com
esses personagens? O Chico já vinha, há algum tempo, querendo trabalhar
comigo. E eu contei para ele a ideia de se fazer uma versão brasileira da Ópera
do Mendigo. Ele gostou e começamos a trabalhar. Aliás, essa ópera é um "roubo"
cíclico. Quando o John Gay escreveu sua versão, ele roubou a ideia original de
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Swift, pegou muitas canções populares e pôs letras nelas. Duzentos anos depois,
o Brecht fez a mesma coisa. Aproveitou a ideia do Gay mas pegou um pouco do
Kipling e François Villon. E temos a versão do Chico. Nas três peças conta-se a
mesma história. O que muda é o enfoque.(CORREA: 1979; 18)
que se casa com Max sob as bênçãos do Inspetor Chaves, o Tigrão, que "trabalha"
para os dois contraventores. O casamento é o golpe final na família Duran: o
desgosto dos pais de Terezinha – e, naturalmente, a ameaça aos negócios – é o
gatilho da trama em que todos tentam tirar vantagem de todos. A peça cria, ainda,
outras personagens inesquecíveis, como Geni e Lúcia, esta última filha de Tigrão
e rival de Terezinha. Ópera do malandro termina com uma passeata das
prostitutas e de outros grupos marginalizados em protesto contra a ditadura
Vargas. O desfile é comandado por João Alegre, sambista/compositor, autor
fictício da obra, que lembra o malandro nos tempos áureos da Lapa carioca. No
último momento, todas as personagens aderem à passeata, num final apoteótico
que ratifica a harmonização dos mundos da ordem e da desordem. A alegria
bizarra ocorre ao som de um pot-pourri de árias operísticas entoadas por todos e
arrematadas por um samba cantado por João Alegre.
Entre vários aspectos dessa obra de tanta força expressiva, tem destaque,
nessa pesquisa, o impacto resultante da mágica fusão de dois talentos de Chico
Buarque de igual quilate: o musical e o dramático. Ópera concilia o humorismo
da paródia com o lirismo da melhor música popular brasileira.
Ela se inicia com uma introdução muito característica do teatro épico à
maneira brechtiana. O fictício produtor da montagem sobe ao palco e anuncia o
espetáculo que será assistido dentro de instantes pelo público. Fala da necessidade
141
premente de "abrirmos os olhos para a realidade que nos cerca, que nos toca tão
de perto e que às vezes relutamos em reconhecer". (BUARQUE:1978; 19) Logo
após criticar as precárias condições do teatro brasileiro, preconiza a chegada da
hora e da vez do autor nacional, chamando ao proscênio o também fictício autor
da Ópera, o típico malandro carioca João Alegre. O produtor anuncia ainda que os
direitos autorais originários do espetáculo desta noite foram doados à Morada da
Mãe Solteira, instituição presidida pela Sra. Vitória Fernandes Duran, que
também é chamada ao palco. Depois de puxar aplausos para a "benemérita"
presidente, o produtor comunica que a própria Vitória Duran atuará no espetáculo
que virá a seguir.
Essa introdução deixa bastante marcada a teatralidade e o anti-ilusionismo
da Ópera do malandro, que, como se vê, realiza-se metalinguisticamente, como
peça dentro de peça.
Como nas peças de Gay e Brecht, os sambas e outras canções de Ópera do
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É uma proposta nova no gênero musical, já que os números musicais são, de certa
forma, dissociados do resto, apresentados numa passarela construída dentro do
palco. E isso, além de ser importante dentro da própria linguagem do espetáculo,
traz a vantagem de ser um musical mais apurado, com um tratamento mais
próximo de um teatro de revista ou de um programa de auditório, do que
propriamente uma peça de teatro. É um show à parte. 112
112
Coelho, L. A corrupção pedindo passagem. A Última Hora, de 26/07/78. Entrevista concedida
por Chico Buarque na data de estreia. apud OLIVEIRA, Solange Ribeiro. De Mendigos e
Malandros: Chico Buarque, Bertolt Brecht e John Gay - uma leitura transcultural. Ouro Preto:
UFOP, 1999. p. 98.
142
Nenhuma das três óperas se encaixa como opera seria, designação italiana
para forma teatral sem diálogos falados, totalmente musicada, com enredo de tom
elevado, às vezes trágico. Nada mais distante da Ópera de Chico Buarque. Ela é
uma opereta ou comédia musical, caracterizada pela inserção de formas musicais
populares de tipos diversificados: sambas, boleros, foxtrotes, mambos... A grand
opera foi igualmente descartada por Gay em The Beggar`s Opera. O antecessor
de Chico Buarque usou a ballad opera inglesa, composição dos séculos XVIII e
XIX, constituídas por baladas e canções populares. A novidade residia no
entrelaçamento das canções com grande número de diálogos falados. The
Threepenny Opera, com seu entrelaçamento de hibridismo musical e literário, está
ainda mais distante da opera seria.
Chico Buarque explora comicamente personagens, contexto histórico e
sócio-econômico. Também parodia a forma musical - especialmente a grand
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opera - criando letras cômicas para árias líricas, em uma apoteose final
semelhante às do teatro de revista carioca nos anos 40. A incongruência entre a
solenidade das composições parodiadas e o grotesco das letras resulta num
burlesco único.
O contexto musical para o qual sua letra foi concebida evidencia, além de
sua conjugação, outra função essencial: verso e melodia nem sempre correm
paralelamente. Uma interessante tensão opõe ocasionalmente esses dois
elementos, um atuando como comentário ou contraponto irônico do outro.
Também na letra e na música revela-se a presença contínua do processo paródico,
quando contêm citações de canções ou poemas conhecidos, acrescentando-lhes
nuances humorísticas.
Numa opereta, enredo e personagem habitualmente constituem meros
suportes para a melodia. Essa regra geral não é observada na Ópera do malandro.
Sem prejuízo de seu caráter ligeiro, voltado para o entretenimento, o texto
incorpora associações históricas e culturais ponderáveis. Longe de apenas
contribuírem como panos de fundo para realçar o perfil da obra, as referências
históricas e suas interrelações tornam mais denso o sentido da peça.
Indubitavelmente, seria possível assistir ao espetáculo sem refletir sobre o Brasil
do Estado Novo. Mas o texto será apreciado com muito mais intensidade pelo
espectador capaz de reconhecer as referências ao contexto histórico e cultural.
143
Seria deveras superficial uma leitura uma leitura da Ópera que ignore as raízes
históricas da figura do malandro, as inovações econômicas e trabalhistas do
Estado novo ou o papel da música popular, mediadora entre as elites e as classes
populares no Brasil.
O livro publicado em 1978, com o enredo e as canções da peça, tem a
seguinte ordem sequencial - um samba de breque (O Malandro); um bolero (Viver
do Amor); um tango (Tango do Covil); um chorinho com samba de breque (Doze
Anos); um mambo (Casamento dos Pequenos Burgueses); uma cantiga de roda
(Terezinha); uma marcha (Sempre em Frente); outro samba (Homenagem ao
Malandro); um samba-canção (Folhetim); uma canção em ritmo de fox-trot (Ai se
Eles me Pegam Agora); um xaxado com forró (Se eu Fosse teu Patrão); um
bolero (O Meu Amor), apresentado em dueto por Terezinha e Lúcia; uma música
que mistura elementos do fado com aspectos da música espanhola (Geni e o
Zepelim); uma canção lírica (Pedaço de Mim); e uma bricolagem, ou um mosaico
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4.2.4
O rei de Ramos
Buarque e Francis Hime, letras de Chico Buarque e Dias Gomes – dirigida por
Flávio Rangel, estreou a 11 de março de 1979, no Teatro João Caetano, no Rio de
Janeiro.
Nos papéis principais, achavam-se Paulo Gracindo e Felipe Carone, que
interpretaram os contraventores Mirandão e Brilhantina, ricos e despóticos
banqueiros do jogo do bicho.
No volume no qual a peça foi publicada, no mesmo ano em que chegou à
cena, encontramos depoimentos do diretor e do dramaturgo.
Flávio Rangel oferece uma explicação para o sucesso de O rei de Ramos.
Trata-se quase de uma fórmula: de acordo com ele, quatro fatores fazem
compreender o êxito do espetáculo. Primeiramente, a temática popular; no caso, a
disputa entre banqueiros do bicho, somada a uma história de amor que lembra
Romeu e Julieta, de Shakespeare. Depois, personagens familiares que, como diz
Flávio, são “facilmente reconhecíveis” e podem ser encontradas “em qualquer
esquina do Rio de Janeiro”. Os dois últimos motivos para a aceitação do
espetáculo teriam sido “humor simples e direto e sátira política” (Rangel in
GOMES, 1979; 8).
Há um trecho do depoimento de Flávio Rangel especialmente significativo
para esta pesquisa:
145
A peça foi escrita por uma encomenda minha, na busca de retomar a tradição
interrompida do musical brasileiro. E na busca permanente daquilo que tem sido
a maior preocupação da geração à qual pertenço, e a uma visão de mundo
semelhante, como a que informa Dias Gomes, Guarnieri, Plínio Marcos, Ferreira
Gullar e preocupou Vianinha e Paulo Pontes: o estabelecimento de uma
dramaturgia popular, e um estilo nacional de interpretação. (Ibid., 9)
1979) para colocar no palco a opinião do povo sobre aquilo que se está passando.”
(1979; 9).
O rei de Ramos é uma comédia musical – rubrica com que a peça foi
publicada. Mas Flávio diz que pode-se considerá-la “uma revista musical”, usando
as palavras livre ou equivocadamente. De qualquer maneira, é interessante ouvi-lo
quando distingue entre essa peça e o musical americano. O espetáculo cantado
norte-americano, segundo Flávio Rangel, quase sempre “parte da proposta
musical para depois se preocupar com a temática e os personagens”. O rei de
Ramos, por sua vez, “propôs-se a ter todos os elementos constitutivos de sua ação
girando em torno de seu tema principal” (Ibid., 10).
Passamos ao depoimento de Dias Gomes. É revelador que o dramaturgo
lembre que Oduvaldo Vianna Filho tentou convencê-lo, ainda na década de 60,
“da necessidade de pesquisar as tradições do nosso teatro musical (a burleta,113 a
revista), a fim de salvá-lo da extinção e dele arrancar raízes populares para a nossa
dramaturgia,” (Ibid., 11)
É o próprio Dias Gomes quem afirma não se tratar de uma revista. As
revistas costumam exibir estrutura fragmentária, o que não acontece com o texto
em pauta. O rei de Ramos, diz o autor, “é uma peça onde a música desempenha
113
A palavra “burleta” designa comédia de costumes musicada.
146
se necessário abrir uma janela, pois para uma nota de rodapé seria muito extenso,
e aqui é o melhor lugar para se fazer a observação a seguir.
As razões para o descrédito do gênero musical são muitas. No seu início,
nos primeiros anos do século XX, o teatro musical americano era pouco
sofisticado. O enredo era frágil. Houve tentativas para integrar a música e dança, e
uma fórmula básica de prazer e diversão: belas garotas, quadros cômicos e
baladas românticas prevaleceram. O moralismo simplista, o otimismo ingênuo, o
nobre heroi e a heroína ingênua foram incorporados a partir de melodrama do
século XIX. O sucesso comercial dessas peças incentivou sua fossilização em um
padrão previsível de extravagâncias sensacionalistas. O mérito artístico foi
considerado menos importante do que o retorno financeiro. O musical era visto
apenas como uma mercadoria.
Nem todos os musicais se prenderam rigidamente a este padrão. Alguns
tentaram introduzir profundidade temática e relevância social. Particularmente no
clima fervoroso político da década de 1930, os musicais começaram a refletir a
ansiedade social. Kurt Weill percebeu que a Broadway era o coração do teatro
americano e adaptou o seu compromisso político para o idioma americano. Suas
principais obras dos anos 30, Johnny Johnson (1936), uma discurso contra a
guerra, escrito com Paul Green e produzido pelo Group Theatre; The Eternal
Road (1937), uma retrospectiva da história judaica, escrito com Franz Werfel e
147
114
http://www.library.csi.cuny.edu/dept/history/lavender/cherries.html acesso em 18/06/2010.
148
Comecei humildemente
como engolidor de lista,
uma função que requer
perfeito golpe de vista,
além de um bom estômago
e um certo pendor de artista.115
115
GOMES,1979, p 23.
149
Balé. Na loja de pai Joaquim, entre imagens de orixás africanos, entre búzios,
velas e patuás, o Boca-de-Alpercata instalou seu ponto. (...) Os homens de
Pedroca entram, cautelosos, um após outro, evoluem em torno do bicheiro
116
GOMES,1979, p 23.
150
Qualquer amor
Me satisfaz
Qualquer calor
Qualquer rapaz
Qualquer favor
É só chamar
Pousar a mão
Qualquer lugar
Qualquer verão
É só chamar
É tudo, é do primeiro
Qualquer hora, qualquer cheiro
Qualquer boca, qualquer peito
Qualquer jeito de prazer
Qualquer prazer é pouco
Qualquer éter, qualquer louco
Que o meu corpo de criança
Não se cansa de querer
Qualquer amor
Eu corro atrás
Qualquer calor
Eu quero mais
Qualquer amor
Qual nada117
117
Chico Buarque in GOMES, 1979, p. 36.
151
formulam-se, expressos com lírica precisão, na música que cantam juntos, a Valsa
de Marco e Taís. A canção foi gravada por Nara Leão e Chico Buarque, sob o
nome de Dueto, no disco da cantora intitulado Com açúcar, com afeto, de 1980:
TAÍS
Consta nos astros
Nos signos
Nos búzios
Eu li num anúncio
Eu vi no espelho
Tá lá no evangelho
Garantem os orixás
Serás o meu amor
Serás a minha paz
MARCO
Consta nos autos
Nas bulas Nos mapas
Está nas pesquisas
Eu li num tratado
Está confirmado
Já deu até nos jornais
Serás o meu amor
Serás a minha paz118
118
Ibid., p. 44.
152
Essa disposição doce pode se converter noutra, bem distinta, caso algo se
interponha à realização do romance, seja “a ciência”, “o calendário” ou “o
destino”; nesse caso,
Danem-se
Os astros
Os autos
Os signos
As bulas
Os búzios
Os mapas
Anúncios
Pesquisas
Ciganas
Tratados
Profetas
Ciências
Espelhos
Conselhos
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Se dane o evangelho
E todos os orixás
Serás o meu amor
Serás, amor, a minha paz119
119
Ibid., pp. 44-45.
120
Ao final do quadro, o humor tópico, satirizando figurões do momento político, surge na fala de
Mirandão que parafraseia o estilo truculento do general João Batista Figueiredo. O bicheiro é
informado de que “Brilhantina tá pra abrir uma fortaleza em nossa zona”, e responde: “Me
descobre aonde fica e mando arrebentar. Invado e arrebento!” (1992: 307). A réplica parodia a
famosa declaração de Figueiredo ao assumir o governo, segundo a qual, se alguém tentasse
impedi-lo de “fazer deste país uma democracia”, como havia jurado, ele reagiria à altura: “Prendo
e arrebento”, disse o ex-chefe do SNI.
153
121
Chico Buarque in GOMES, 1979, p. 61.
122
Compère é o apresentador, comentarista , cantor que costurava os diversos quadros de uma
revista. (cf. VENEZIANO, 1991; 117)
154
legal, que deverá operar sob as bênçãos, mas também sob o controle do Estado.
Os lucros dos velhos banqueiros se acham ameaçados. O coro, que, em pleno
hospital, inclui enfermeiras, enfermeiros e “tipos populares do Rio”, atraídos pela
boataria em torno da legalização do bicho, canta, entremeando as intervenções dos
solistas (que são os banqueiros e seus respectivos adeptos):
CORO
A zooteca
A zooteca
De boca em boca só se fala em zooteca
A zooteca
A zooteca
Essa fofoca inda vai dar muita meleca
A zooteca
A zooteca
Inda vou ver muito banqueiro de cueca
A zooteca
A zooteca
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123
GOMES,1979, pp. 79-80.
155
124
No texto, a “Marcha com Deus e a família pela liberdade do bicho” é o título do 15° quadro;
todos os quadros trazem títulos, em geral irônicos, que não sabemos se foram conservados no
espetáculo. Recurso épico (usado por Brecht, por exemplo), os títulos configuram comentários às
ações que se vêem a seguir (ou seja, comentários prévios, que induzem à recepção crítica). No
caso do 15° quadro, há o expediente adicional dos cartazes. A rubrica pede: “Balé. Com máscaras
dos 25 bichos, os bailarinos marcham, portando cartazes que dizem: estou com o cavalo e não abro
– liberdade para a borboleta – abertura para o veado – bicho amplo e irrestrito – viva a iniciativa
privada – abaixo os bichocratas – „animals lib‟ – o bicho é do povo como o céu é do avestruz –
arena livre para o touro – o macaco tá certo – etc.” (1979: 118). Os cartazes integram a tradição
das revistas brasileiras, além de participarem do repertório das técnicas brechtianas. Nesse
momento, referem diversos temas da atualidade em 1979, políticos ou de costumes: cavalos
associados a Figueiredo (que praticava a equitação), a abertura política, os tecnocratas no governo,
a campanha pela anistia, os movimentos de liberação das mulheres e dos homossexuais, a Arena
(partido de situação) etc.
156
TODOS
Viva o „holding‟!
Viva o „dumping‟!
Viva o truste!
Viva o lucro!
125
Ibid.,1979, pp. 79-80.
157
Viva o luxo!
Viva o bicho!
Multinacional!
Viva o bucho!
Viva o lixo!
Multinacional!
(1979: 140).
O rei de Ramos apresenta uma estrutura bem integrada mas híbrida, com
elementos de musical modelo Broadway e algumas convenções revisteiras. As
personagens são simples, caracterizam-se pela linguagem e pelas ações. A
comicidade da personagem Vidigal imprime leveza à comédia. As canções são
bem distribuídas, e bem variadas de acordo com a tipologia, apresentando número
de abertura, canções padrões e cenas musicais. O coro ora comenta a ação, ora
representa uma comunidade. As ações coreografadas que avançam as cenas são o
elemento surpresa dessa comédia. A divisão em quadros e não em atos e a
presença de um narrador ao estilo compére denotam o conceito que sustenta O rei
de Ramos, como queria Dias Gomes, cuja intenção era usar “a dinâmica e a forma
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de comunicação direta que fizeram da revista, por várias décadas, o nosso teatro
popular.” (1979; 12)
As soluções estéticas mobilizadas nessas peças (e em outras produzidas
nesses anos de ditadura) reeditaram as práticas nacionais da farsa e da revista,
assimilaram influências estrangeiras (os alemães Erwin Piscator e Bertolt Brecht,
o musical norte-americano) e, sobretudo, afirmaram caminhos artísticos originais,
capazes de envolver o público.126 A geração de dramaturgos, diretores, atores,
cenógrafos e músicos que atuou nos anos 60 e 70 manteve a continuidade da
tradição do teatro musical no Brasil, fixando tendências que transcenderam aquele
instante. Aqueles artistas talharam as pontes que atam século e meio de
realizações literárias, sonoras e cênicas, projetando-as para o futuro. A arte de
misturar as fontes populares às formas cultas – o samba, a bossa, a valsa, a farsa, a
ária, o coro, a redondilha, o decassílabo –, as estruturas épicas e dramáticas se
enriquecendo mutuamente, a poesia na música popular, é uma prática herdada dos
modernistas no seu afã antropofágico, onde tudo se encaixa, se soma e se
incorpora.
126
Lembre-se, contudo, que essas montagens de índole popular quase sempre se viram restritas a
plateias de classe média, o que em parte se pode explicar pelo contexto em que se realizaram.
158
O êxito dessas montagens nos permite supor que eles alcançaram, pelo
menos em parte, seu objetivo. O que não houve, lamentavelmente, foi a necessária
constância de produções para que se pudesse hoje afirmar a existência de uma
prática nacional do espetáculo cantado – assim como há, digamos, uma prática
brasileira da teledramaturgia.
4.3
O modelo Broadway no Brasil
o carioca não sabia o que fosse uma comédia musical. Embora estivesse
familiarizado com as versões cinematográficas de vários sucessos da
Broadway, não sabia o que fosse ver, nos limites do palco, uma comédia
musicada onde a partitura, as canções, entrassem naturalmente, os bailados
fossem funcionais, magnificamente bem marcados e melhor ensaiados.127
durações do ritmo. Procura também manter a métrica dos versos, de forma que
suas letras não portem uma roupagem de tradução.
Claudio se associou a Charles Möeller e, desde 1997, a dupla tem
reinventado a arte do musical através de adaptações. Uma única criação, em
parceria com o músico Ed Motta, representa o aprendizado das convenções do
teatro musical modelo Broadway: trata-se de 7 - o musical, espetáculo que ganhou
prêmios de melhor autor (Charles Möeller), diretor (Charles Möeller e Claudio
Botelho), figurino, iluminação e categoria especial (Charles Möeller e Claudio
Botelho, pela atividade contínua das diferentes modalidades do teatro musical).
4.4
Do jukebox ao biográfico
128
http://en.wikipedia.org/wiki/Jukebox_musical acesso em 02/03/2011.
160
129
Sassaricando - e o Rio Inventou a Marchinha (2007) e É com esse que eu vou (2010), ambos de
Sérgio Cabral e Rosa Maria Araújo, não se enquadram nessa categoria, uma vez que não
apresentam enredo dramático alinhavando as composições musicais.
161
130
Tal comentário não se aplica, obviamente, a Renato Russo (2007) e Começaria Tudo Outra
Vez: A História de Luiz Gonzaga Júnior (1996; 2004), ídolos de gerações cujas faixas etárias são
inferiores à mencionada.
162
4.5
7 - O Musical
131
Somos Irmãs, VHS, acervo do CCBB, consultado em 03/02/2010.
163
Broadway estão formando um público que, há bem pouco tempo, via espetáculos
musicais com olhos de desconfiança, leigo nas convenções do teatro musical.
A diversidade dos trabalhos feitos em parceria pelos diretores contempla
obras ácidas e intelectualmente brilhantes, como as canções de Cole Porter, ou
shows conceituais como Company, de Stephen Sondheim. É provável que todo
este esforço eclético mais o trabalho sobre diferentes etapas criativas, da tradução
à versão, das audições aos ensaios, seja indispensável para o aprendizado de um
tipo de teatro que solicita, em proporções iguais, criatividade e preparo técnico.
A bagagem permitiu que Möeller e Botelho criassem um espetáculo cuja
marca seria o ineditismo.
A análise do espetáculo 7- o Musical foi feita a partir de uma gravação em
DVD e do libreto não oficiais, cedidos gentimente pelos autores, com o
compromisso de não publicá-los ou divulgá-los. Por esse motivo, o libreto não se
encontra no apêndice. As declarações de Charles Möeller e Claudio Botelho
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RAPAZ 1
Um rato branco...
RAPAZ 2
Sementes de romã...
RAPAZ 3
Um dente siso...
RAPAZ 4
Sapato de mulher...
RAPAZ 5
Um livro bento...
RAPAZ 6
E uma aliança...
O sétimo pedido é muito difícil, mas Carmem adverte, “Eu não quero
nada. Você é quem quer o seu homem de volta... A magia tem um preço, minha
filha. Tudo na vida exige sacrifício. Lembre-se que mudar o destino é uma coisa
muito séria...” Amélia não se conforma, “Eu já fui linda. Um dia eu fui...”, mas
parte decidida. É Carmem quem continua a história:
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Noite
Quando tudo em volta é noite
Quando tudo em torno é turvo
Quando tudo em cima é negro
Quando tudo some...
Pardo
Quando todo gato é pardo
Quando todo peso é fardo
Quando todo beco é torto
Quanto tudo some...
RAPAZES
Pela escuridão!
RAPAZES
Não há no mundo
Não há no mundo, não
Ninguém mais bela do que vós
Não há no mundo...
166
Ah... noite
De repente foi a noite
De repente foi um grito
De repente foi um corpo
De repente foi o
sangue
E na rua foi o sangue
E no muro foi a sombra
E nas pedras foram passos
E os passos foram
pela escuridão...
CLARA e RAPAZES
Branca de Neve
Branca de Neve, sim
É bem mais bela do que vós...
CARMEM
Traga um coração
Ainda moço
Quente e feliz
RAPAZES
Quente e feliz...
(A luz mostra Amélia no mesmo lugar sobre o morto, agora com um saco de
veludo preto nas mãos)
(RAPAZES, ELVIRA, MADALENA e DONA CARMEM arrematam a canção
em várias vozes)
Noite
167
Claro
Quando o dia chega claro
E o rato vai pro ralo
E a porca torce o rabo
E o diabo escorre
Pela escuridão...
(...)
Ele vai voltar
Vai voltar, vai
Certo como o sol
E a lua
Vão voltar no céu
Sempre
Sem nenhum senão
Sem pensar, sem
Ele vai ser meu
Meu dono
Como eu sempre quis
Sempre
(...)
HOMEM MORTO
Morreu
Fudeu
Ninguém te deixa em paz!
MADALENA (falado)
Viu por que eu tenho medo?
HOMEM MORTO
Azar
O meu
São todos anormais!
HOMEM MORTO
Por que
Não vão
Atrás
Da mãe
Da vó
E mais...
Se o inferno é ali
Chama um taxi pra mim
Eu prefiro encarar
Mas o coração [trazido por Amélia] é velho, diz Carmem, “Não posso
enganar as forças, minha filha. As forças pedem um coração jovem, de moço...
Entendeu? Ou é isso ou é nada... Você continua me devendo o sétimo pedido.”
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(...)
AMÉLIA
O dente que caiu na frente mais que de repente
Disfarçadamente se escondeu no ralo
CARMEM
No ralo
AMÉLIA
O ralo bem depressamente mastigou o dente
Dentro da corrente e já não volta não
(...)
170
CARMEM AMÉLIA
Peçam, e eu lhes prometo
Peçam, eu me ofereço
Mandem, e eu vou fazer
Juro, eu vou fazer
Quem, quando e por quê?
Não quero entender
É sagrado obedecer! É sagrado obedecer!
CARMEM
Eu vendo mercadorias!
conhecê-la. Se essa rua, a canção que Bianca canta enquanto caminha pela cidade,
é talvez a mais lírica do musical. Claudio Botelho parafraseia a cantiga oral e dá
voz ao lamento dessa mulher, que se perde pelas ruas, sem saber onde é o seu
lugar. Herculano também canta, mas não é um dueto, na verdade, há um
desencontro. Um coro masculino abre a canção, como se fossem vozes da rua que
sugerem a Bianca aquilo que ela precisa fazer:
BIANCA
Se essa rua
Por onde eu vou passar
Fosse minha
Mandava ladrilhar
Com pedrinhas que eu mesma inventei
Pra me salvar
171
Do silêncio HERCULANO
Onde ele me guardou Tudo pra você
Das paredes Meu bem
Onde ele me fechou Meu bem
E das portas que de par em par
Ele trancou
Por nós
Por nós Por nós
Por nós
Sim
Se essa rua
Que leva até o mar
Fosse minha Guarda o nosso amor
Mandava ladrilhar Meu bem
Com pedrinhas que eu colecionei Meu bem
Pra me acalmar
Rua
Não vai te enfeitiçar
Se essa rua...
172
AMÉLIA
(...)
Vem que o tempo escapa tão veloz
Vem!
ÁLVARO
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JUNTOS
Agora
É sempre
que esse rapaz não está enfeitiçado? Olha! Os deuses já estão te confundindo,
Amélia .Você não sabe mais o que faz, você está fraca. [o feitiço] Vai recair sobre
nós!”
Álvaro propõe que eles fujam e marca de se encontrar com Amélia à meia-
noite na estação. Carmem é categórica:
CARMEM (levanta-se)
O círculo não vai se fechar... O castigo virá. Se o sétimo pedido não for
completado, uma maldição terrível vai recair sobre você.
AMÉLIA
Maldição?
AMÉLIA
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Como?
CARMEM
Cada ano da sua vida a partir de agora será igual a sete. Sete anos em um! Você
vai envelhecer sete anos a cada ano da sua vida... Você entendeu?
Amélia permanece confusa, no meio da rua. O tempo urge, ela não pode
mais esperar e canta Olha pra mim:
(...)
Diz que me viu
Como eu era
Meus azuis
Os verdes meus
Meu mar
Meu mar
E vem
Me buscar num côche
Vem
O meu baile já terminou
Manhã
(...)
174
Em outro plano, Clara pergunta à Sra. A por que não há espelhos na casa
onde moram. Ela lhe responde que o espelho é o pior inimigo de uma mulher,
além do que Clara seria muito feia. Mas Clara não acredita no que ouve e dá a sua
própria versão dos fatos, para ela, não há espelhos para que a senhora A não veja a
sua própria imagem refletida.
No Rio de Janeiro, Bianca está morta, congelada pelo frio avassalador.
Álvaro passa pelo cadáver e não resiste aos encantos daquela beleza adormecida,
uma obra de arte emoldurada pelo gelo, beijando-a. Amélia telefona para a sua
madrinha dizendo que, em vez de Herculano, vai retornar com um príncipe. Clara
insiste em saber que fim levou sua mãe enquanto a história da Branca de Neve
está em seu clímax. Sra. A funde as duas histórias, conta que Branca de Neve
comeu a maçã e dormiu para sempre, e que sua mãe morreu afogada e nenhum
príncipe a salvou, deixando a menina confusa:
CLARA
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SRA A.
Ela não era pobrezinha...
CLARA
A minha mãe... Ou a Branca?
quando ouvimos a história de uma mulher que deixa de ser admirada pelo seu par
– a voz masculina do espelho – porque envelheceu e foi substituída por uma mais
nova, consequentemente mais bela. A história de Amélia, um pouco Medeia, por
invocar forças ocultas para tentar mudar o seu destino de mulher abandonada, nos
leva a refletir sobre o papel da mulher, que, longe do desejo masculino, caminha
para a auto-destruição. Bianca representa a insubmissão, quer encontrar a sua rua
para fugir da clausura. Apesar de passar um tempo com Herculano, abandona-o e
também a filha.
Ao final da história, com Clara já uma menina/mulher, finalmente Álvaro
aparece na estação, mas Amélia está irreconhecível. Ele e Clara se olham
fixamente, induzindo o público a acreditar que agora Amélia vai se transformar na
madrasta de Clara. Voltando a Bianca, que cantava Ele vai chegar ao descobrir-se
apaixonada/enfeitiçada por Álvaro, fica a dúvida: ela também não resistiu à
clausura de Álvaro, aquele que a viu como obra de arte?
Inegavelmente, 7 - O Musical é pioneiro em sua forma e já faz parte da
história do musical brasileiro. Só falta ser publicado.
176
5
Considerações Finais
6
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