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Criação e Evolução não Criação ou Evolução

R.J.Berry
_________________________________​________________________________________________
Resumo
Este artigo argumenta que é um equívoco opor os conceitos de criação e evolução. “Criação” é um
termo teológico que reconhece em tudo o que existe a dependência de autoria do Criador. “Evolução”
refere-se ao nosso entendimento atual sobre como Deus tem criado a diversidade biológica. Ambas
as considerações são necessárias para fazer justiça ao que nós, como cientistas, observamos.
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A Bíblia começa com um relato da criação do universo: “No princípio, Deus criou os céus e a Terra”.
A primeira vista, isso parece uma declaração simples e inequívoca, mas provocou um debate
interminável nos últimos séculos. Quando isto aconteceu? Como Deus fez isso? Que materiais Deus
usou? E Deus foi realmente o criador e designer de tudo? Essas questões tornaram-se mais nítidas
no final do Século XVIII quando ficou claro que a Terra era consideravelmente mais antiga do que a
suposição geral de mais ou menos 6000 anos, um período de tempo baseado na extrapolação para
trás das genealogias na Bíblia (i. e. Gênesis 4; Mateus 1:1-16; Lucas 3:23-38).
A razão para estender a história da criação não tem nada a ver com a crença religiosa ou a
incredulidade, mas foi baseada no estudo de rochas sedimentares e na associação de certos fósseis
com determinados estratos. Suas conclusões foram confirmadas e quantificadas por calibrações
radioisotópicas e por muitos outros métodos.1 O período de tempo prolongado levou inevitavelmente
a questões sobre a interpretação das Escrituras, intensificadas por debates entre “uniformistas” (que
acreditavam que processos similares haviam operado na mesma taxa ao longo do tempo geológico)
e “catastrofistas” (às vezes chamados de “diluvialistas” por causa da sua ênfase nos dilúvios
pré-históricos; eles acreditavam que um ou mais cataclismos tinham um efeito importante na
sobrevivência de plantas e animais). Embora o debate durasse mais tempo, na década de 1860 era
difícil encontrar clérigos argumentando que os “dias” de Gênesis 1 deveriam ser interpretados como
períodos literais de vinte e quatro horas.2 Como observou Francis Schaeffer, o tempo nos primeiros
capítulos do Gênesis não é usado cronologicamente e as genealogias (a base das datas calculadas)
não estão completas. E para ele: “No que diz respeito ao uso da palavra hebraica dia em Gênesis 1,
não é que devemos aceitar o conceito dos longos períodos de tempo que a ciência moderna postula,
mas sim que ... antes do tempo de Abraão não há nenhuma maneira possível de datar a história do
que encontramos na Escritura”.3
Enquanto a idade da Terra estava sendo esticada, as idéias de mudança biológica (ou
evolução) começaram a circular. Os contornos do registro fóssil estavam se tornando mais claros,
mostrando progressivamente organismos mais parecidos aos atuais nas rochas mais jovens ao
contrário das rochas mais antigas. Não obstante, permaneceu a visão predominante de um mundo
inalterado e imutável, criado por um artesão divino, que então se retirou para acima do céu azul
brilhante e permaneceu olhando benignamente para sua obra. O principal defensor desta
interpretação foi William Paley, o Arquidiácono de Carlisle. Em sua Teologia Natural (1802), ele
argumentou que Deus projetou tudo perfeitamente, e deseja o bem de todas as suas criaturas.
Darwin ficou impressionado; ele escreveu em sua ​Autobiografia​: “A lógica deste livro me deu muito

1
Lewis, C. & Knell, S.J. (eds.) The Age of the Earth: from 4004BC to AD2002, London: Geological
Society of London (2000). Veja também White, R.S. The Age of the Earth, Faraday Paper Número 8.
2
Roberts, M.B. ‘Darwin’s doubts about design’, Science & Christian Belief (1997) 9, 113-127.
3
Schaeffer, F.A. Genesis in Space and Time, London: Hodder & Stoughton (1973), p.124. Veja
também Lucas, E. Interpretando Gênesis no Século 21, Faraday Paper Número 11.
prazer como Euclides. O estudo cuidadoso das obras de [Paley] foi a única parte do curso
acadêmico [na Universidade de Cambridge] que me foi importante na educação da minha mente”.
Em 1844, o editor Robert Chambers, de Edimburgo, publicou Vestígios da História Natural da
Criação​, efetivamente um tratado contra o deísmo de Paley. Chambers escreveu: “Se houver uma
escolha entre a criação especial e o funcionamento das leis gerais instituídas pelo criador, eu diria
que o último é muito preferível, pois implica uma visão muito maior do poder divino e da dignidade
do que o outro.” Para Darwin, “a prosa era perfeita, mas a geologia me parece tão ruim e sua
zoologia muito pior”. No entanto, o livro agitou um grande debate na Grã-Bretanha: Darwin deu as
boas-vindas com o argumento de que “fez um excelente serviço ao chamar a atenção deste país
para o assunto e na remoção de preconceitos”.
A ​Origem das Espécies foi publicada em 1859. A visão de Darwin baseou-se na combinação
de dois conceitos facilmente testáveis - uma luta pela existência na natureza e a existência de
variação hereditária. Nele, Darwin apresentou um mecanismo (seleção natural) pelo qual a
adaptação ao meio ambiente poderia ocorrer, removendo assim a necessidade de um designer; O
relojoeiro divino de Paley tornou-se uma máquina impessoal, o “Relojoeiro Cego” de Richard
Dawkins.4 Mais importante naquele momento foi o fato de que Darwin reuniu evidências do fato de
que a evolução ocorreu, trazendo sentido para uma série de fenômenos: a possibilidade de
classificar racionalmente organismos, explicando semelhanças entre supostos parentes, a existência
de órgãos rudimentares e interpretando anomalias biogeográficas (ou seja, a restrição de cangurus
para a Austrália, pinguins para a Antártica, ursos polares para a Ártico, etc.).
Os argumentos da ​Origem foram rapidamente aceitos, apesar de afirmações contínuas em
contrário por aqueles que não estão familiarizados com a literatura histórica relevante. As
reivindicações de um grande conflito entre ciência e religião são grosseiramente exageradas. Por
exemplo, o infame debate entre o Bispo de Oxford e Thomas Huxley na Associação Britânica para o
Avanço da Ciência de 1860 não foi realmente sobre evolução ​versus ​criação ou mesmo ciência
versus religião. Do lado do bispo era sobre o perigo de legitimar a mudança em uma época em que
ele acreditava que teria efeitos sociais e teológicos prejudiciais; Huxley estava apontando para a
secularização da sociedade, seu objetivo era estabelecer a legitimidade da ciência contra o que ele
considerava como influência indevida dos líderes da igreja.5 Em 1884, o imprimatur episcopal foi
dado à ​Origem por Frederick Temple, Bispo de Exeter e que logo se tornaria Arcebispo de
Canterbury: “podemos dizer que [Deus] não fez as coisas: não, ​mas sim que Ele as criou para que
elas fizessem a si mesmo​… muitas vezes, ele se opõe ao argumento de Paley de que representa o
Todo-Poderoso como artífice e não como criador… mas essa objeção desaparece quando
colocamos o argumento na forma que a doutrina da Evolução exige.”6
Cinco anos depois Aubrey Moore, teólogo de Oxford, escreveu
“A ruptura do sistema medieval de pensamento e vida resultou em um atomismo que, se
tivesse sido mais perfeitamente consistente consigo mesmo, teria sido fatal ao
conhecimento e à sociedade … Deus foi ‘entronizado em inatividade magnífica em um canto
remoto do universo’ ... A ciência tinha empurrado o Deus deísta cada vez mais longe, e no
momento em que pareceu que ele seria completamente excluído, o darwinismo apareceu e,
sob o disfarce de um inimigo, fez o trabalho de um amigo.”7
Evolução Darwiniana

4
Dawkins, R. The Blind Watchmaker, London: Longman (1986).
5
Desmond, A. & Moore, J.R. Darwin, London: Michael Joseph (1991), p. 497.
6
Temple, F. The Relations Between Religion and Science, London: Macmillan (1885), pp.115-116.
7
Moore, A. ‘The Christian doctrine of God’, In Gore, C. (ed.) Lux Mundi, London: John Murray (1889),
pp. 57-109 (pp. 99-100).
Embora na década de 1880 houvesse pouca divergência que a evolução ocorreu8 e que a seleção
natural darwiniana foi um mecanismo plausível para ela, não havia nenhuma compreensão clara dos
detalhes de mecanismos evolutivos e, em particular, sobre as causas e manutenção da variação.
Isso mudou em 1900 com a 'redescoberta’ dos resultados de Mendel e a fundação da genética.
Alterações (‘mutações’) nos fatores herdados (ou genes) estudados pelos primeiros mendelistas (ou
geneticistas) foram a fonte óbvia de nova variação, que forneceu o material para a seleção para
atuar. No entanto, as mutações eram geralmente:
• deletérias em seus efeitos (por exemplo, a remoção de um órgão ou função);
• principais em suas consequências, enquanto Darwin sugeriu que as variações úteis para a seleção
teriam efeitos secundários; e
• herdadas como caracteres recessivos, enquanto traços "vantajosos" na natureza são quase todos
herdados como dominantes.
Isso levou à percepção de que a evolução não foi impulsionada pela seleção natural e uma
infinidade de especulações sobre mecanismos possíveis alternativos, incluindo nomogênese, “época
e área', holismo, e uma variedade de operadores internos dependendo de um impulso interno ou élan
vital.
Fortuitamente, três histórias clássicas da biologia (por Nordenskïold, Radl e Singer) foram
escritas na década de 1920 em um momento em que a seleção natural era considerada um processo
totalmente negativo e irrelevante para a evolução, e sua exposição errada continua em circulação.
A divisão entre geneticistas e evolucionistas (principalmente paleontólogos) foi resolvida
durante a década de 1930 pelo trabalho teórico da R.A. Fisher, J.B.S. Haldane e Sewall Wright, e
estudos experimentais de Theodosius Dobzhansky e E.B. Ford.9 Envolvendo:
1. uma melhor compreensão da herança da variação contínua (ajudado especialmente pela
teoria de Fisher sobre a evolução da dominância) e a percepção de que as mutações
estudadas pelos geneticistas laboratoriais eram eventos extremos;
2. a reformulação de ideias sobre acontecimentos na natureza em termos de populações em
vez de “tipos”, tendo assim em conta a existência de variação e o erro do clássico e estático
conceito das espécies, remontando a Platão; e
3. aceitação por especialistas em diferentes disciplinas que poderia aprender e contribuir
para as disciplinas irmãs.10
A “síntese neodarwiniana” resultante continua a ser a atual ortodoxia. Um grande desafio
veio na década de 1960 e 70, quando a introdução de técnicas moleculares revelou uma quantidade
inesperadamente grande de variação herdada que parecia ser “neutra”, ou seja, não ter qualquer
efeito sobre os seus portadores. O problema foi resolvido por uma variedade de abordagens que não
são de relevância direta aqui, mas que em grande parte confirmaram a correção do entendimento
seletivo.11 O que vale a pena comentar é que a controvérsia mostrou ciência em ação, testando
novas ideias e modificando a doutrina existente. Não é verdade, como às vezes é afirmado, que a
evolução é puramente dogma intestável.
Dois outros pontos gerais sobre a evolução:
• Quando os cientistas falam sobre a “teoria da evolução”, estão usando “teoria” no sentido
de um “corpo estabelecido de conhecimento científico” e não da maneira que “teoria” é usada
em histórias de detetives; e
• A descrição do filósofo Karl Popper sobre evolução como “não-ciência”, porque era
“não-falseável” foi rapidamente retirada por ele; ele aceitou que “ciências históricas” (ele
incluiu Astronomia nesta categoria) eram ciências válidas, embora com uma metodologia
diferente das ciências experimentais como Física ou Química.

8
Moore, J.R. The Post-Darwinian Controversies, Cambridge: Cambridge University Press (1979).
9
Berry, R.J. Neo-Darwinism, London: Edward Arnold (1982).
10
Mayr, E. The Growth of Biological Thought, Cambridge, MA: Harvard University Press (1982).
11
Berry, R.J., Crawford, T.J. y Hewitt, G.M. (eds.) Genes in Ecology, Oxford: Blackwell Scientific
(1992).
Certamente existem dados que poderiam, em princípio, minar a teoria da evolução: por
exemplo, se o código genético haveria se transformado para ser diferente em diferentes grupos de
animais, ou se descobrisse que seres humanos modernos haviam coexistido com dinossauros. Na
realidade todos os seres vivos estudados até agora têm essencialmente o mesmo código genético
(com algumas pequenas variantes), e os seres humanos modernos definitivamente não viveram na
época dos dinossauros. Mas como perguntas do tipo “e se?” são importantes para a ciência, porque
refletem o fato de que a teoria da evolução é uma teoria refutável, assim como qualquer outra teoria
científica.

A Evolução e a Bíblia
Existe uma grande diferença entre aceitar a Bíblia como autoritativa e acreditar que esta serve como
um livro científico. Se ela foi feita para ser entendida ao decorrer dos séculos, teve de ser escrita em
uma linguagem não técnica. Nós comumente usamos a sentença; “o sol se põe” ao invés de “o sol se
tornou invisível pelo meu ponto de vista porque a terra girou e eu não consigo mais vê-lo”. Galileu
escreveu sobre sua convicção de que a terra gira em torno do sol e não vice-versa, “a Bíblia nos
ensina como ir para o céu, não como o céu funciona, mas ele foi caçoado pelos seus
contemporâneos porque “firme está o mundo e não se abalará” (Salmo 96:10; veja também Salmo
19:5,6). Exemplos como esse deviam nos deixar atentos quanto a distinção do texto da Bíblia e sua
interpretação. No Século XIX, um teólogo de Princeton e defensor da inerrância bíblica, B.B.
Warfield, escreveu “Eu não penso que haja qualquer declaração na Bíblia ou em qualquer parte do
relato da criação, conforme indicado em Gênesis 1 e 2, ou em outro lugar, uma alusão que precise
ser opor a evolução”.12
Um caso que precisa de cuidados especiais, é a interpretação do relato da criação em
Gênesis 1, que diz respeito ao tempo da criação ter sido em seis “dias”. Como Henri Blocher13
apresenta detalhadamente, “dia” nesse contexto pode ser legitimamente interpretado como uma
passagem do tempo (talvez uma era geológica), como um período de revelação14, como um tempo
de reconstrução (depois de um período de caos), ou como um dispositivo literário para destacar o
sábado – o “sétimo dia”. Uma vez que aceitamos que a criação possa ter ocorrido em mais tempo do
que seis vezes vinte quatro horas, podemos apreciar a mudança na criação: do nada para alguma
coisa, de inorgânico para orgânico, de animais para humanos. Na verdade, as escrituras como um
todo são um relato de mudança: de jardim para cidade, de uma região selvagem para a terra
prometida, do pecado a salvação, da encarnação ao apocalipse. O Deus bíblico é aquele que orienta
as mudanças e não preserva a imobilidade. E mais: existe algo que não surge na tradução que é que
o texto original usa duas palavras diferentes para “criar” e “fazer”: ​bara ​que indica uma obra soberana
de Deus, com Deus como sujeito ativo (e que é usado nesse contexto apenas na criação da matéria,
dos grandes monstros e a humanidade) enquanto que a palavra comum asah é um termo mais geral
com um significado de modelar (e é usado em todas as outras ocasiões no relato da criação) .
Uma coisa que não nos é relatada na Bíblia, é ​como Deus criou. Isso não é incomum: É raro
que as escrituras relatem como Deus faz seus poderosos atos, porém a Bíblia está cheia de
descrições desses atos. No entanto, a Bíblia é inequívoca quando relata que a criação é obra de
Deus. (Sl 24:2, 95:5, 148, Jo 1:3, Col. 1:16; Hb 1:2; Ap 4:11) nos é explicitamente dito que devemos
aceitar essas verdades pela fé, não porque entenderemos necessariamente todos os processos
envolvidos (Hb 11:3).
A melhor abordagem é reconhecer que qualquer evento pode ser considerado como se
tendo mais de uma causa. Aristóteles identificou quatro: material, formal, eficiente e final; comumente

12
Noll, M.A. & Livingstone, D.N. (eds.) B.B. Warfield Evolution, Science and Scripture, Grand Rapids,
MI: Baker (2000), p.130.
13
Blocher, H. In the Beginning, Leicester: IVP (1984). Veja também Lucas, E. Interpretando Gênesis
no Século 21, Faraday Paper Número 11.
14
P.J. Wiseman Creation Revealed in Six Days, London: Marshall, Morgan & Scott (1948)
se distingue entre mecanismo – que é ​como algo acontece, e propósito – que é ​porque algo
acontece. As palavras nesta página podem ser consideradas como entidades físicas, mas também
são símbolos transmitindo uma mensagem para qualquer um que lê-las.15 De modo semelhante,
podemos tratar o mundo tanto como uma maravilhosa criação de Deus, como o resultado de milhões
de anos de evolução. Nós estamos falando da mesma coisa, mas as duas explicações não
contradizem a outra de forma alguma. As duas afirmações podem ser descritas como
“complementares”16; Seria logicamente errado afirmar que qualquer explicação esgote todas as
possibilidades; Esse é o erro de reducionistas doutrinários como Richard Dawkins. Deus é criador.
Aqueles que acreditam em Deus são livres para entender que Ele usou o mecanismo da evolução
para efetuar seu propósito.
Às vezes, é objetado que a evolução pela seleção natural é um processo aleatório e,
portanto, não pode ser o trabalho de Deus. Existem duas respostas para isso: primeiro, que “acaso”
geralmente não é mais que uma confissão de ignorância. Mas, mais importante: a evolução é
conduzida pela adaptação, não pelo acaso. Embora não saibamos todas as causas da mutação (que
é a causa última da variação), não devemos enfatizar excessivamente o papel do acaso [mutação]
como causa da variação: a maior parte das variações observadas (que é o material para a seleção e,
portanto, para a adaptação) é resultado de recombinação e não diretamente de uma simples
mutação. De fato, Simon Conway Morris argumentou que as possibilidades para qualquer nova
variação são tão restritas que a evolução pode ser considerada quase como um processo dirigido.17
Outra objeção é alegar que a evolução foi um processo dispendioso e cruel, “de unhas e
dentes ensanguentados”. Isso foi um problema que incomodou o próprio Darwin. Ele escreveu para
seu amigo, o destacado personagem americano, Asa Gray, professor de botânica em Harvard, “Eu
não posso convencer-me que um Deus onipotente e beneficente tenha criado o ​Ichneumonidae
[vespas parasitas] com uma intenção expressa de que se alimentem dos corpos vivos das lagartas”.
Não obstante, temos que reconhecer que a dor é um mecanismo de proteção valoroso; e também
que a Bíblia é clara que o sofrimento é um caminho para maturidade (Pv 23:13; Rm 5:3; Hb 5:8). A
melhor resposta para um cristão, é que Deus providenciou um caminho para sair do sofrimento
através da morte de Cristo na cruz (1 Pe 3:18), caminho esse que afeta a expiação tanto do mundo
natural como da esfera humana (Cl 1:20). A Bíblia deixa claro que a criação e sua metodologia é um
assunto de Deus, não nosso (Jó 38,39). Embora todas grandes religiões esperam algum tipo de
julgamento divino, não existe evidência de um progresso inevitável como imaginam alguns teólogos
(tais como Teilhard de Chardin).18

Evolução humana?
Para pessoas religiosas, a possibilidade de seres humanos evoluindo de formas mais primitivas é a
chave para rejeitar toda a noção de evolução. A figura frequentemente reproduzida da “sequência
sombria e grotesca” de esqueletos de primatas que começa com o Gibão, orangotango, chimpanzé,
gorila até o homem19 implicitamente coloca o homem no topo de um progresso contínuo. Em
contraste, o próprio Darwin tinha dúvidas se poderíamos evoluir os traços morais característicos da
humanidade. Ele escreveu, “Ele que estava pronto para sacrificar sua vida, como mais de um
selvagem havia feito, ao invés de trair seus companheiros, muitas vezes não deixava filhos para

15
Veja também Poole, M. Reductionism: Help or Hindrance in Science and Religion?, Faraday Paper
Número 6.
16
MacKay, D.M. Behind the Eye, Oxford: Blackwell (1991).
17
Conway Morris, S. Life’s Solution. Inevitable Humans in a Lonely Universe, Cambridge: Cambridge
University Press (2003).
18
Teilhard de Chardin, P. The Phenomenon of Man, London: Collins (1959).
19
Publicado originalmente em Huxley, T.H. Evidence as to Man’s Place in Nature, Londres: Williams
& Norgate (1863).
herdar sua natureza nobre… parece dificilmente provável que a quantidade de homens com tais
virtudes tenha aumentado por seleção natural”.20
Meio século depois, J.B.S. Haldane percebeu isso, apontando que, se o altruísmo individual
(mesmo na medida do auto-sacrifício) tivesse uma origem hereditária e (crucialmente) ajudasse
parentes próximos, então “genes altruístas” poderiam ser selecionados e espalhado pelas famílias.
Podem haver situações onde a cooperação (ou altruísmo) é uma vantagem para um grupo de
indivíduos, até mesmo se indivíduos, em particular, estejam em desvantagem. W.D. Hamilton21
formalizou esse argumento como “inclusive fitness” (ou “seleção de parentes”); Hoje isso é
assimilado pela Biologia geral como um mecanismo subjacente à “sociobiologia”,22 mais
recentemente denominado “psicologia evolutiva”.
Mas essas considerações não são perigosas para o conceito cristão de humanidade, porque
a distinção entre humanos e outros animais, é que nós (e somente nós) possuímos a “imagem e
semelhança de Deus” (Gn. 1:26,27) e isso não é sobre traços genéticos ou anatômicos. A ideia da
humanidade ser feita a imagem de Deus, é introduzida em um contexto de delegação de
responsabilidades para o cuidado da terra, envolvendo responsabilidade e confiabilidade. O caminho
mais simples (embora não o único) para considerar que a espécie biológica homo sapiens, é
descendente de um símio primitivo, relacionado com macacos de hoje (que é para onde apontam
fortemente os fósseis e as evidências genéticas)23, foi sendo transformado por Deus em algum
momento na história em homo divinus, biologicamente igual mas espiritualmente distinto.24 Gênesis 1
descreve a criação dos humanos como um ato criacional bara​, um ato específico de Deus, enquanto
Gênesis 2:7 descreve a situação como um sopro divino em um ser já existente. Não existe razão
para acreditar que esse evento aconteceu no mesmo momento em que surgiu o homo sapiens, que é
a anatomia dos humanos modernos (que data cerca de 200,000 anos atrás); Adão é retratado em
Gênesis como um fazendeiro, o que o dataria nos tempos neolíticos, cerca de 10,000 anos atrás.
Adão e Eva foram os progenitores espirituais de toda a humanidade, que a partir desse momento
adquiriu o potencial de vir a conhecer Deus pessoalmente pela fé. Dentro desse cenário e seguindo
os passos de Derek Kidner no comentário de Gênesis de Tyndale, depois da criação do homo
divinus, “...Deus pode ter conferido sua imagem aos contemporâneos de Adão, para trazê-los à
mesma esfera de existência. Neste caso, a chefia "federal" de Adão sobre a humanidade
estendeu-se à sua volta aos seus contemporâneos, e para diante à sua posteridade — e a
desobediência dele deserdou a uns e a outros igualmente."”25
Por fim, Gênesis 3 nos diz que Adão e Eva desobedeceram Deus e foram banidos de Sua
presença. Deus tinha alertado Adão e Eva que a desobediência levaria a morte no dia que
acontecesse (Gen. 2:17 – O texto hebreu diz “no dia que você comer disto...”). Mas eles não
morreram fisicamente, morreram “espiritualmente”, que significa dizer que perderam a companhia
próxima de Deus que tinham antes, e foram expulsos do jardim. A expulsão do jardim é um símbolo
poderoso de uma alienação sobre Deus, alienação essa que afetou seus trabalhos e seus
relacionamentos. O apóstolo Paulo compara essa morte, que é um resultado da entrada do pecado
por Adão, com a nova vida que todos podem ter com Cristo pelo caminho do arrependimento e da fé
(Rom. 5: 12-21; 1 Cor. 15:20-28). Essas passagens fazem muito mais sentido se entendermos essa
morte que vem a Adão como uma morte espiritual, ao invés de uma física. Fé em Cristo resulta num
renascimento espiritual, não um físico, é um ponto que Jesus teve que fazer para Nicodemos (João
3:3-6). Então se aceitarmos que a evolução física de seres humanos e sua relação espiritual com o

20
Darwin, C. The Descent of Man, London: John Murray (1871), p.200.
21
Hamilton, W.D. ‘The genetical evolution of social behaviour’, Journal of Theoretical Biology (1964)
7, 1-52.
22
Wilson, E.O. Sociobiology, Cambridge, MA: Harvard University Press (1975).
23
Boyd, R. & Silk, J.B. How Humans Evolved, New York: W.W.Norton (4th edn. 2006).
24
Berry, R.J. ‘From Eden to Eschatology’, Science and Christian Belief (2007), 19/1, In Press.
25
D. Kidner, Genesis – An Introduction and Commentary, London: The Tyndale Press (1967), p. 29.
criador não são as mesmas coisas, não se teria conflitos entre as afirmações bíblicas e as científicas
a respeito da origem dos humanos.

Conflito? Que conflito?


Todos os membros de religiões monoteístas, reconhecem um criador divino. Todavia, o
significado usual da palavra criacionismo é usado num sentido anti-evolucionista. Praticamente,
todos que negam a possibilidade do evolucionismo, o fazem com fundamentos religiosos. Esses
justificam suas crenças baseado em suas interpretações das escrituras – A Bíblia, O Alcorão ou outro
livro sagrado. Adventistas, por exemplo, estão entre os mais ferventes anti-evolucionistas com base
nos ensinos de George McCready Price, que pode ser nomeado como o fundador do criacionismo
“moderno” nos anos de 1920.26 Tal oposição se dá por conta de ​interpretações particulares, e isso
não é intrínseco à religião por si.27
Anti-evolucionistas fundamentam suas crenças em alegações sobre deficiências em dados ou em
análises científicas28, normalmente associados com extrapolações imaginárias, como, por exemplo,
dizer que a inundação de Noé impossibilita a estratigrafia geológica ortodoxa29, ou que algumas
peculiaridades não podem ter evoluído porque são “irredutivelmente complexas”30 – criticismos que
foram respondidos em princípio a 50 anos atrás por R. A. Fisher.31 Uma outra estratégia é tratar a
metodologia científica padrão como se esta fosse impregnada de naturalismo filosófico que por
consequência exclui a possibilidade de um criador32 – acusação esta já tratada por diversos autores.
33
Por sua vez, evolucionistas se vingam em suas críticas, muitas vezes oriundas de pontos de vista
dogmaticamente reducionistas.34 Indiscutivelmente os pólos opostos em debate precisam de um ao
outro para a existência do próprio debate; notou-se que a tentativa de Dawkins de imbuir o
evolucionismo com uma roupagem ateísta estimulou a popularidade do criacionismo.
É fácil se tornar envolvido com argumentos negativos acerca da criação e da evolução.35
Existem debates científicos e incertezas quanto ao(s) mecanismo(s) que causam a evolução, mas
não dúvidas significativas quanto ao fato de que a evolução aconteceu durante vários milhões de
anos. O estudo do mundo natural deve nos encher de temor e admiração (Salmo 8) mas não pode
por si só nos levar a um criador; só podemos conhecer Deus pela fé. Quando fundimos fé e razão,
podemos nos juntar à criação, em adoração à nosso criador e redentor, e regozijar-nos totalmente,
que é o verdadeiro propósito da humanidade. Nós não precisamos escolher entre criação e evolução,
a fé bíblica nos leva a afirmar ambos.

26
Numbers, R.L. The Creationists, New York: Knopf (1992).
27
Ruse, M. Can a Darwinian Be a Christian?, Cambridge: Cambridge University Press (2001).
28
Morris, H.M. Scientific Creationism, San Diego, CA: Creation-Life (1974).
29
Whitcomb, J.C. & Morris, H.M. The Genesis Flood, Grand Rapids, MI: Baker (1961).
30
Behe, M. Darwin’s Black Box, New York: Free Press (1996).
31
Fisher, R.A. ‘Retrospect of the criticisms of the theory of natural selection’, In Huxley, J.S., Hardy,
A.C. & Ford, E.B. (eds.) Evolution as a Process, London: Allen & Unwin (1954), pp. 84-98.
32
Johnson, P.E. Darwin on Trial, Downer’s Grove, IL: IVP (1991).
33
i.e. Shanks, N. God, the Devil and Darwin, New York: Oxford University Press (2004).
34
McGrath, A. Dawkins’ God, Oxford: Blackwell (2005).
35
Miller, K.R. Finding Darwin’s God, New York: HarperCollins (1999).

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