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Discentes: Emanuel Diogo Nunes Freitas (66004); Ana Catarina Nunes Marreiros (83263)
11 de dezembro de 2017
Contextualização do Processo de Promoção e Proteção
Foi instaurado um Processo de Promoção e Proteção judicial, pelo facto de T. (9
anos) se encontrar em situação de perigo de acordo com a alínea f), n. º2, artigo 3.º, da Lei
147/99 de 1 de setembro. Este processo foi remetido ao Tribunal, por exaurição dos
recursos de intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), após a
mãe ter retirado o seu consentimento para a intervenção, e recusado todas as medidas
propostas (artigo 39.º) presentes no acordo de PP.
Destaca-se que a abertura de processo de PP, pela CPCJ resultou das sinalizações
realizadas pela escola (por abandono escolar e negligência) e pela GNR (devido a
ocorrências de desacatos na escola causados pelo menor), e com as quais foram
notificados, a professora e os pais do menor, para averiguação/avaliação dos
acontecimentos. Segundo a professora; a) a criança não só apresenta dificuldades em
cumprir as regras e de interação, como comportamentos agressivos (e.g. insulta e agride);
os quais não se verificavam no ano letivo transato; b) a relação com a mãe é conturbada; c)
a mãe é muito reativa e desconfiada face à escola e permissiva face aos comportamentos
do menor; d) o menor encontra-se em abandono escolar (sem qualquer justificação); e)
alega que a mãe não facilita as aprendizagem, nem aos apoios a educação especial; f) a
permanência da mãe no muro da escola provoca grande agitação na criança.
Contrariamente, a mãe aliena a causa dos problemas do filho à escola, frisando que T. anda
ansioso e não quer ir à escola, por ser tratado de forma inadequada pela professora e
colegas. Não faz menção dos factos que levaram a GNR a ser chamada pela escola.
Assume que a criança possui problemas ao nível do comportamento, contudo não lhe dá a
medicação por considerar que este não se encontra doente. Já o pai, refere não ter
conhecimento das situações referidas, embora aluda que o filho deva ser acompanhado e
muito menos faltar a escola.
Adicionalmente, foram recolhidas informações colaterais, a partir das quais foi
possível constatar que: 1) as técnicas de Intervenção Precoce (pré-escolar) e da CERCI
(ensino básico), ambas contatadas pela escola, devido às dificuldades de aprendizagem e a
falta de capacidade de atenção e autocontrolo, as quais após a sua avaliação propuseram
medidas de intervenção, que não só não foram bem aceites pela mãe, como o
acompanhamento com este foi pautado por um regime irregular; 2) por recomendação, o
menor foi encaminhado para a Pedopsiquiatria, onde lhe foi diagnosticada uma
Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção, e prescrita medicação que nunca
foi administrada pela mãe. Por fim, à data do despacho, o tribunal, solicitou a técnica da
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EMAT uma avaliação do processo, a qual realizou: a) consulta de peças processuais
disponíveis; b) entrevista aos pais; c) articulação com as entidades de 1.º e 2.º linha de
intervenção.
Efetivamente são diversos os fatores, de risco e de proteção, que podem caracterizar
e explicar a situação de perigo em que o menor se encontra. Desse modo, utilizou-se o
modelo de Belkey (1984) para a sua contextualização, por este modelo integrar diferentes
domínios de influência (individual, familiar, social e cultural).
Ao nível individual, um dos fatores de risco que mais contribui para os
comportamentos manifestados pelo menor na escola, são fruto da ausência de limites e
regras impostas pela mãe, congruentes com um estilo parental permissivo. Segundo
Baumrind (1971) pais permissivos adotam uma postura tolerante face os comportamentos e
atitudes das crianças, sem o uso da punição ou cumprimentos de regras (Ferramacho,
2009). Além disso, o não reconhecimento das necessidades biopsicossociais da criança, são
resultado de práticas parentais desadequadas, caracterizadas por baixa competência
parental. Vemos ainda, como fator de risco psicossocial, o seu desemprego, como um
possível fator de agravamento, gerador de stress, manifestando no progenitor respostas,
como a passividade (Gracia et al. 1993; Garbarino et al. 1986, citado por Soriano, 2006).
Outro dos fatores de risco associados a mãe é a sua instabilidade psicológica (e.g.
impulsiva).
Em relação aos fatores de risco individuais da criança, conta-se a sua perturbação
diagnosticada, que não sendo devidamente tratada e acompanhada pode agravar os seus
problemas de comportamento e aprendizagem, e que também podem ser explicativas das
suas dificuldades de socialização (Freitas, 2014).
Ao nível familiar, a relação conflituosa entre os pais, agravada pela falta de
comunicação; a ausência prolongada do pai face à criança; o desajustamento e a
desvinculação da criança face a família (nuclear e alargada), constituem fatores de risco
que afetam nefastamente a qualidade das relações familiares, os vínculos de afetividade
entre pais-filho, e um fator preponderante no bem-estar, no desenvolvimento e na saúde da
criança (Reppold, et al., 2002, citado por Silva, 2016; Calheiros & Monteiro, 2007).
A nível do suporte social, desde muito cedo, a criança foi referenciada e
acompanhada por vários profissionais de diferentes áreas, por apresentar dificuldades a
vários níveis. Nesse sentido poderemos considerar, tal facto como fator de proteção, uma
vez que esses profissionais procuraram assegurar o apoio das necessidades da criança, nas
suas diferentes esferas. É nesse sentido que Camilo e Garrido (2013) salientam o suporte
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social como um fator indispensável, por atuar como um “amortecedor” e amenizar os
sentimentos experienciados pelos pais.
Por fim, os fatores culturais assumem neste enquadramento particular importância,
uma vez que são explicativos dos motivos que levaram a escola e a GNR a sinalizar o caso
à CPCJ, e depois ao Tribunal. A partir da implementação das políticas e leis, como a
147/99 de 1 de setembro, tornou-se possível que a comunidade identificasse e interviesse
nas situações de risco e perigo, nos diferentes contextos de vida da criança (e.g. família,
escola). Assim, neste caso é visível atuação precoce das entidades com competência em
matéria de infância e juventude, e posteriormente pela actuação da CPCJ e finalmente do
Tribunal, em resposta a uma situação de perigo claramente identificada por todos os
intervenientes por motivo de negligência parental.
Caraterização do Julgamento
O processo foi decidido em Debate Judicial, designação atribuída aos processos
judiciais na sequência de um Processo de PP – quando não há acordo entre as partes. O
inquérito foi conduzido tendo em conta a pirâmide de intervenção: Progenitores, Entidades
com Competência em Matéria de Infância e Juventude - ECMIJ (1ª linha), CPCJ (2ª linha),
e a EMAT. Foram inquiridos os pais biológicos do menor e ouvidas as testemunhas
(professora, auxiliar de educação, técnica de intervenção precoce, técnica da CERCI,
técnica da CPCJ, técnica da EMAT, pedopsiquiatra), por esta ordem. Além disso, a criança
também teria sido chamada para ser ouvida, caso estivesse presente (DL 147/99, artº 4,
alínea i).
O Debate Judicial teve início com o inquérito feito à mãe do menor, pela Procuradora,
procurou incidir: a) perspetiva da mãe sobre o motivo que a levou a responder em
Tribunal; b) caraterização da vida familiar; c) Descrição do filho e da sua relação com
este; d) o comportamento do filho na escola; e) o que pensa sobre a posição da professora
face o comportamento do menor; f) articulação com o pai sobre os problemas do filho e
qual a posição desse face à situação; g) motivo de recusa em seguir as recomendações dos
profissionais que o acompanharam; h) motivo da recusa do acordo proposto pela CPCJ; i)
alternativas face a esse acordo. Após intervenção da mãe, seguiu-se o inquérito ao pai, que
se apresentou tardiamente na audiência. O inquérito a este seguiu a lógica das duas
primeiras dimensões da mãe, a exceção de: e) o seu papel na resolução da situação; f)
participação na vida na vida do menor; g) disponibilidade e compromisso para assegurar a
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guarda e os cuidados permanentes do menor; h) proposta de alternativa apresentada ao
tribunal.
As testemunhas foram ouvidas, de seguida, sendo a primeira a professora titular do
menor, que foi questionada acerca: a) do comportamento observado da criança durante o
tempo em foi sua professora; b) evolução de aprendizagem e dificuldades identificadas; c)
medidas propostas para superar essas dificuldades; d) envolvimento da família na
resolução dos problemas identificados; e) atitude da mãe face a esses problemas. Ainda, foi
ouvida a Auxiliar de Educação, acerca de: a) caracterização do comportamento fora da sala
de aula; b) frequência desse comportamento; c) modo como é feita a gestão do
comportamento do menor; d) circunstâncias em que foi chamada a GNR à escola.
Seguidamente foi ouvida a técnica de intervenção precoce, que fez a avaliação do
menor no pré-escolar, sobre: a) motivo e circunstâncias que teve contacto com o menor; b)
qual a duração da intervenção e como foi realizada; c) resultados observados; d) a
recetividade da mãe a intervenção e às recomendações propostas; e) quem levava a criança
às sessões e com que frequência; f) sequência do acompanhamento. Depois foi ouvida a
técnica da CERCI, à qual foi solicitada a intervenção, por parte da escola, devido às
dificuldades de aprendizagem identificadas. As dimensões em que incidiu o inquérito
foram as mesmas utilizadas para a testemunha anterior. Ambas referiram que as
intervenções foram interrompidas por decisão da mãe do menor por não lhes reconhecer
utilidade ou pertinência.
Continuamente, foi ouvida a técnica da CPCPJ, gestora do processo de PP, quanto a: a)
o motivo que originou a instauração do processo de PP e qual a origem da sinalização; b)
como decorreu a avaliação – quem foi envolvido no processo de avaliação, qual a postura e
o grau de colaboração dos intervenientes; c) medidas de intervenção propostas; d) medidas
de intervenção implementadas. Depois o inquérito à técnica da EMAT, o qual incidiu
sobre: a) principais aspetos identificados no contacto realizado com os intervenientes
durante a avaliação; b) observação das condições domiciliárias onde o menor reside com a
mãe; c) que recomendações resultantes da avaliação.
Por fim, foi ouvida a Pedopsiquiatra, uma vez que recebeu a criança em consulta há
cerca de 4 meses, sendo a última a ver a criança. Nesta sequência, o inquérito pretendeu
averiguar: a) idade da criança na primeira consulta; b) diagnóstico efetuado, terapêutica
prescrita e recomendações; c) quem acompanhou a criança à consulta, d) qual a
periodicidade da criança às consultas; e) qual a postura da mãe da criança face às
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indicações fornecidas em consulta; f) medidas acionadas em resposta a ausência da criança
a esas.
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individualmente, propostas alternativas de preservação da criança em ambiente familiar
estável e seguro promotor do seu bem-estar físico e psicológico, respeitando o Artº 9,
Ponto 2, da Convenção dos Direitos da Criança (Resol AR. 20/90). Ambos os progenitores
se recusaram a apresentar qualquer proposta alternativa, sendo que no caso do pai, foi
expressamente delegada no Tribunal, pelo próprio, a decisão sobre o que serviria o melhor
interesse da criança excluindo-se dessa solução e alegando indisponibilidade para assumir
qualquer responsabilidade sobre o menor. No que respeita à postura da mãe, esta manteve a
recusa do acordo de PP previamente proposto pela CPCJ, insistindo que a solução seria o
menor mudar de turma uma vez que o problema central estava na professora.
Tendo em consideração a análise dos fatores de risco e proteção, presentes no
contexto de vida da criança, considera-se que a criança se encontra numa situação de
perigo, por estar em causa a sua integridade física, psicológica e emocional, devido à
instabilidade do contexto familiar, às práticas parentais desajustadas da mãe, à inexistência
de uma relação vinculativa com o pai e à ausência de suporte familiar alargado (artº 3,
ponto 2, alíneas c), e) e f) do DL 147/99 alterado pelo DL 23/2017), considera-se adequada
a aplicação da medida de colocação em acolhimento residencial (artº 50, ponto 2, do DL
147/99 alterado pelo DL 23/2017); artº 20, Ponto 1, da Convenção dos Direitos da Criança
(Resol AR. 20/90) por um período máximo de 6 meses, sujeito a reavaliação findo esse
prazo (artº 62, ponto 1, do DL 147/99 alterado pelo DL 23/2017).
Naturalmente, outros aspetos que se considera pertinente serem alvo de reflexão, são
as questões inerentes às especificidades da intervenção multidisciplinar nos processos de
PP, nomeadamente no tipo de abordagem que é feita ao caso, bem como, na forma de
comunicação das medidas propostas. Em vista disso, entende-se que a abordagem dos
técnicos de psicologia oferece a mais-valia de contribuir com uma abordagem
compreensiva dos casos, tendo em conta a influência da intersubjetividade tanto nos
processos de avaliação e inquérito como na negociação e comunicação da aplicação das
medidas de promoção e proteção junto da família.
Nota-se e chama-se a atenção para o facto da comunicação da aplicação da medida,
pela Juíza na leitura da decisão, não fazer referência à recomendação para uma intervenção
ao nível do apoio às práticas parentais, bem como ao apoio psicológico individual da mãe,
no sentido de preparar a reunificação familiar. Contudo, considera-se que a informação que
é transmitida não clara quanto às expetativas sobre o compromissivo que as famílias
devem assumir no decurso da aplicação da medida (artigo 59.º).
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É de salientar, que um dos pontos que consideramos importante a refletir, foi o facto
de não ter sido proposto qualquer acompanhamento social no sentido de promover a
empregabilidade e as competências socioprofissionais desta mãe, no sentido de a reintegrar
no mercado de trabalho, minimizando as condições socioeconómicas em que a mesma se
encontra e que representam um fator de risco para a qualidade das relações familiares e
para um desenvolvimento saudável e ajustado da criança.
Segundo Calheiros & Monteiro (2007), as ruturas e mudanças na família, a discórdia
marital e familiar e a violência doméstica têm sido implicadas nos estudos como fatores
potenciais que interferem negativamente nos processos de parentalidade, e que conduzem a
mudanças efetivas na qualidade das relações pais-filhos, na falta de disponibilidade
emocional, e na adoção de estilos parentais menos capazes (Belsky, 1984; Easterbrooks &
Emde,1988 cit por Calheiros & Monteiro, 2007). Ademais, estas salientam ainda que o
estatuto socioeconómico é um dos preditores mais significativo dos comportamentos
negligentes. Estes resultados coincidem com os de outras investigações sobre pobreza e
parentalidade (Conger et al., 1992; Levendosky & Graham-Bermann, 2000 cit. por
Calheiros & Monteiro (2007).
Ao nível das intervenções, os estudos demonstram que é possível reduzir o stress
através de programas de intervenção que melhoraram os recursos e as competências
parentais e familiares tornando-se mais adequadas (e.g., Olds & Henderson, 1989 cit por
Calheiros & Monteiro, 2007). A parentalidade é um fenómeno psicossocial ligado a
atitudes, valores, atribuições e comportamentos, e por isso a intervenção deve ter em
consideração os contextos sociais da parentalidade, incluindo áreas de conteúdo
relacionadas com as ideias e as atitudes sobre educação de forma a alterar as respostas
maternas que advêm do sistema de valores sobre as interações pais-filhos (Calheiros &
Monteiro, 2007). Outro dos aspetos que consideramos poder ser alvo de reflexão prende-se
com a necessidade de uma intervenção especializada junto da criança, por esta exibir
problemas de conduta, que podem enquadrar-se numa para-delinquência (agressões físicas
e verbais recorrentes tanto a adultos como aos pares, inadaptação e não cumprimento de
regras em contexto escolar, não reconhecimento das figuras de autoridade), não
considerados como crime tendo em conta a idade da criança, mas que a colocam
igualmente numa situação de perigo.
Em suma, consideramos que a aplicação da medida de colocação em acolhimento
residencial beneficiaria de uma recomendação para intervenção psicológica junto da
criança no sentido de minimizar os problemas de conduta identificados.
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2. Referências
Belsky, J. (1984). The determinants of parenting: A process model. Child development, 83-
96.
Camilo, C., & Garrido, M. V. (2013). Desenho e avaliação de programas de
desenvolvimento de competências parentais para pais negligentes: Uma revisão e
reflexão. Análise Psicológica, 3, 245-268.
Calheiros, M. M., & Monteiro, M. B. (2007). Relações familiares e práticas maternas de
mau trato e de negligência. Análise psicológica, (2), 195-210.
Convenção dos Direitos das Crianças – Resolução da Assembleia da República nº20/90, de
12 de Setembro
Freitas, M. (2014). O papel dos melhores amigos e do grupo de pares nas trajectórias de
retirada social durante a adolescência (Dissertação de Mestrado), ISPA, Lisboa
Guerra, P. (2016). Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada (2º ed.).
Coimbra: Almedina.
Lei de Proteção de Crianças e Jovens (LPCJP) – Aprovada pela Lei de 147/99 de 1 de
Setembro; republicação do texto aprovado pela Lei 142/15 de 8 de Setembro;
alterada pela terceira vez pela Lei 23/17 de 23 de Maio.
Silva, C. (2016). Avaliação diagnóstica de crianças e jovens em situação de negligência
parental: um estudo de caso numa CPCJ da área metropolitana do Porto
(Dissertação de Doutoramento), Instituo Superior de Serviço Social, Porto.
Soriano, F. (2006). Promoção e Proteção dos direitos das crianças: guia de orientações
para os profissionais de saúde na abordagem de situações de maus tratos ou outras
situações de perigo. Generalitat Valenciana edição, 1-338, retirado em:
http://www.cnpcjr.pt/preview_documentos.asp?r=3968&m=PDF
Ferramacho, S. I. D. J. (2009). O reflexo dos estilos parentais no jogo infantil (Dissertação
de Doutoramento), ISPA, Lisboa.
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Glossário de siglas:
ECMI - Entidades com Competência em Matéria de Infância e Juventude
CPCJ – Comissão de Proteção de Crianças e Jovens
EMAT – Equipa Multidisciplinar de Apoio ao Tribunal
PP – Processo de (Promoção e Proteção)
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