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Capítulo 5 - Temas da Economia do Direico de Propriedade 131

1. O QUE PODE SER PROPRIEDADE PRIVADA?


CAPÍTULO
A distinção econômica entre bens públicos e ptjvados caract~riza dois tipos ideais. Embo-
ra a realidade nunca seja ideal, entender esses tipos ideais áumenta nossa compreensão das
Temas da Economia do
5 Direito de Propriedade
leis que regem os bens reais. Nesta seção, expomos a aplicação do direito.de propriedade
à informação, que tem algumas características de um bem púbJic6. Quatro áreas princi-
pais do direito criam propriedade na informação e são chamadas "direito da propriedade
intelectual". O sistema de patentes estabelece direitos de propriedade para invenções e
outros apeifeiçoamentos técnicos. O sistema de direitos autorais concede direitos de pro-
priedade a autores, artistas e compositores. O sistema de marcas registradas estabelece a
propriedade para marcas ou símbolos comerciais distintivos. A área do direito conhecida
como segredos comerciais lida com práticas de negócios em que empresas comerciais ·têm
um interesse de propriedade. (Expomos os segredos comerciais de maneira breve abaixo
e mais extensamente em nosso site.) Depois de expor a ciência econômica da informação,
passaremos à sua aplicação à lei das patentes, do direitos autorais e da marca registrada.
Em seguida, iniciaremos uma nova seção sobre a propriedade de organizações, especifi-
o capítulo prec~d~nt~, d~s_envolv~mos uma te?ri~ econômic~ de direi~os de pro-

N
camente de empresas.
priedade e remed10s JUnd1cos. Vimos que o drre1to de propnedade ena um con-
junto de direitos que os donos de propriedade têm a liberdade de exercer como
A. A economia da informação
acharem conveniente, sem intromissão do Estado ou de pessoas privadas. Um sistema
de alocação por intercâmbio voluntário é consistente com essa liberdade. O direito de Há 5 mil anos, as pessoas dormiam debaixo de tetos de capim, cobriam-se com peles e afi- .
propriedade fomenta o intercâmbio voluntário removendo os obstáculos à negociação. xavam pedtas pontiagudas em pedaços de pau para jogar contra os animais. Um indígena
Usamos esse marco e a teoria econômica para responder quatro perguntas que precisam norte-americano que é amigo do professor Cooter, um dos autores deste livro, disse: "Meu
pai viveu na idade da pedra, eu me criei na idade do ferro e vou morrer na era do compú-'
ser abordadas por uma teoria do direito de propriedade:
tador". As inovações técnicas que impulsionaram essas mudanças se aceleraram. Desde a
1. O que pode ser propriedade privada? revolução industrial, a inovação fez com que a riqueza crescesse a taxas compostas. Com-
2. Como se estabelecem direitos de propriedade? posta ao longo de um século, uma taxa de crescimento anual de 2 % aumenta a riqueza mais
3. O que os donos podem fazer com sua propriedade? de seis vezes; uma taxa de crescimento anual de 5% aumenta a riqueza mais de 130 vezes;
4. Quais são os remédios jurídicos para a violação de direitos de propriedade? e uma taxa de crescimento anual de 10% aumenta a riqueza mais de 14 mil vezes.
Para responder a primeira pergunta, fize111os uma distinção entre bens privados e públicos, Esta seção diz respeito a algumas leis que promovem a inovação e causam o cresci-
e sustentamos que os primeiros deveriam ser propriedade privada. A propriedade privada mento composto. Para entender como essas leis afetam o crescimento, precisamos expli-
é adequada quando há rivalidade e exclusão no uso de bens. Para responder a segundal. car primeiro a economia básica das inovações, começando com os efeitos da inovação
pergunta, apresentamos um experimento mental para ilustrar corno o direito de proprie-,; sobre o bem-estar. Uma inovação econômica proporciona uma maneira melhor de fazer
dade incentiva a produção, desestimula o furto e reduz o custo da proteção dos bens. De· algo ou algo melhor para fazer. Uma maneira melhor de fazer algo reduz seu custo, de
acordo com esse experimento mental, as pessoas concordam em estabelecer direitos de modo que à curva da oferta se desloca para baixo e para a direita. Essa mudança faz com
propriedade para compartilhar dos benefícios da maior produtividade. Respondemos·a que o preço do bem fique menor para os consumidores. A quantidade de seu ganho é
terceir:a pergunta desenvolvendo a teoria das externalidades, especialmente a conexão en::- medida pelo aumento no excedente dos consumidores no mercado devido ao bem mais
tre males públicos na economia e infração na ordem pública no direito. Observamos que o· barato. De modo semelhante, encontrar algo melhor para fazer cria um novo bem que
common law se aproxima de um sistema de liberdade máxima, que permite qualquer uso·, alguns consumidores compram.
de propriedade por parte de seu dono que não viole a propriedade de outras pessoas. Ao Os consumidores se beneficiam da queda no preço de um bem que compram ou da
responder a quarta pergunta, usamos a teoria da negociação para concluir que o remédio introdução de um novo bem. Além disso, inovações podem fazer com que ramos inteiros
jurídico em forma de ação rnandamental é preferível para males privados com baixos cus- · da indústria apareçam, desapareçam ou se reestruturem. Só os historiadores se lembram
tos de transação para a negociação privada. Inversamente, o remédio jurídico em forma da American Ice Trust, que era uma das maiores empresas norte-americanas em 1900.
de indenização é preferível para males públicos com custos de transação elevados que Mudando os salários e o emprego, a inovação causa rupturas em comunidades, fazendo
com que algumas cresçam e outras definhem. A mecanização da agricultura nos Estados
impeçam a negociação privada. .
Essas respostas dadas no capítulo anterior são muito gerais. Neste capítulo, reexaffil- Unidos esvaziou o interior no início do século 20 e deixou prédios vazios e fechados
namos essas perguntas detalhadamente, com aplicações concretas. Os temas estão orga- em pequenas cidades. Embora muitos trabalhadores rurais se mudassem para a cidade
nizados, de forma geral, de acordo com as quatro perguntas fundamentais do direito de em busca de salários mais altos, um arador com uma parelha de cavalos que ficasse
no campo encontrava poucos empregadores que valorizassem sua aptidão. Na Europa,
propriedade.
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a revolução industrial empurrou os nobres com grandes propriedades rurais para fora Por causa desses problemas, os mercados privados muitas vezes subforneccm bens
dos centros de poder político. A inovação é apropriadamente chamada de "destruição públicos. De modo semelhante, os economistas que desenvolveram originalmenle a eco-
criativa". nomia da informação concluíram que um mercado privado forneceria uma quantidade ele
A maioria das sociedades valoriza os ganhos decorrentes do crescimento mais rápido informações menor do que a quantidade eficiente. Essas considerações teóricas sugerem
mais do que temem seus efeitos destrutivos. O direito de propriedade pode ajudar a as- que um mercado não regulamentado irá subfornecer obras criativas que· coqiorifíquem
segurar um rápido crescimento econômico. Para entender por que, precisa~os mudar o ideias, como, por exemplo, ciência, invenções, livros e pinturas. O problemá tem quatro
foco dos consumidores e trabalhadores para as empresas. Urna empresa que mova ganha alternativas diferentes, que passamos a descrever.
uma vantagem competitiva, o que cria imediatamente lucros extraordinários. Os lucros A primeira alternativa é que o Estado forneça ou subsidie a arte e a ciência, especial-
extraordinários recompensam o inovador pelos recursos e esforços dedicados a uma ativi- mente a pesquisa básica. Assim, o Estado possui ou subsidia muitas universidades. Mais
dade muito arriscada. A longo prazo, entretanto, a concorrência faz com que a inovação se relevantes para este livro são subsídios para julgamentos. Em muitos países que seguem
difunda, e muitas empresas passam a fazer uso dela. Quando a inovação está plenamente a tradição do civil law, como o México e o Chile, por exemplo, os cidadãos têm direito
difundida, o inovador perde sua vantagem competitiva, e seus lucros caem para o nível de usar os tribunais gratuitamente. Nos Estados Unidos, os litigantes pagam taxas aos
normal. Quando a difusão está concluída, a economia atinge um novo equilíbrio cujos : tribunais, mas as taxas ficam aquém dos custos dos tribunais, de modo que os julgamentos
benefícios se difundem até mais amplamente do que a inovação. · são subsidiados. No capítulo 10, sustentaremos que os precedentes jurídicos constituem
Nesse ciclo da vida da inovação, a inovação causa um desequilíbrio, e o inovador um estoque valioso de ideias. Concluiremo·s deste fato que os tribunais norte-americanos
tem lucros extraordinários enquanto ele persistir. Portanto, a recompensa pela inovação deveriam parar de subsidiar a resolução de disputas privadas e continuar subsidiando a
depende de quanto tempo persiste o desequilíbrio. Uma passagem rápida para o equilíbrio criação de precedentes jurídicos.
dá pouco retorno ao inovador pelos recursos que investiu e os riscos que assumiu. Sem A segunda alternativa são contribuições beneficentes. Urna grande tradição nos Es-
urna intervenção jurídica, a competição pode destruir rapidamente os lucros decorrentes tados Unidos e em alguns outros países (mas não em todos) é a expectativa de que as ·
da inovação, o que resulta em inovação insuficiente. Para perceber por que, precisamos pessoas ricas deem contribuições voluntárias substanciais às artes e ciências. Além de as
entender alguns elementos da economia da informação. Todas as pessoas que têm um te- normas sociais exigirem esses presentes, o sistema tributário dos Estados Unidos permite
levisor ou computador compram informação, mas a informação difere de outras mercado- a dedução de doações beneficentes da renda tributável do doador. Na prática, este me-,
rias, corno laranjas ou lâminas de barbear. Quais são problemas especiais que existem na canismo de dedução significa que os doadores contribuem com apro,xirnadamente dois
definição de direitos de propriedade e no estabelecimento de mercados na informação? A terços do valor da doação e o Tesouro norte-americano contribui com o outro terço. Ou-
informação tem duas características que tornam as transações com a informação diferen- tros países, como a Suíça, por exemplo, não permitem tais deduções, aparentemente por
tes das transações com bens privados comuns. A primeira característica é a credibilidade, causa da opinião de que o Estado, e não os ricos, deveria controlar as artes e ciências. A
que examinaremos no Capítulo 7. A segunda característica, que exporemos agora, é a beneficência, entretanto, desfruta da seguinte vantagem significativa sobre o governo: os
impossibilidade de apropriação. Em geral, a informação é algo dispendioso em termos de doadores monitoram o uso de seu dinheiro por suas organizações beneficentes prediletas
produção e barato em termos de transmiss,ão. Uma ilustração: a música popular é algo dis- · de maneira mais cuidadosa do que os contribuintes monitoram o uso dos impostos por
pendioso para fazer e é barato fazer cópias das gravações. No instante em que o pro_dutor · parte do governo, e o monitoramento reduz o desperdício.
vende informações ao comprador, o comprador se torna um concorrente em potencial do ;: A terceira alternativa, descrita em termos amplos como proteção de segredos comer-
produtor original. Por exemplo: quando alguém compra um disco compacto com música:· ciais, provém do direito relativo aos contratos e responsabilidades civis extracontratuais.
numa loja, o comprador pode copiar o disco imediatamente é revendê-lo a outras pessoas.;_ Um funcionário ou subcontratado de uma empresa do Vale do Silício precisa, por via de
Além disso, o revendedor só.arca com o custo da transmissão, e não com o custo da pro-· regra, assinar um acordo de não divulgação (non-disclosure agreement - NDA). Num
dução. Portanto, os revendedores que pagam pela transmissão fazem concorrência des- NDA, o funcionário ou subcontratado promete não divulgar nenhum dos segredos da em-
leal com os produtores que pagam pela produção. Os consumidores tentam "pegar uma: presa. Por exemplo, o funcionário ou subcontrat~do promete não falar nem escrever so-
carona" não pagando mais do que o custo da transmissão. O fato de os produtores terem; bre o maquinário, o equipamento, as pesquisa ou as práticas comerciais da empresa. Em
dificuldade para vender informações por mais do que uma fração de seu valor é chamado : termos ideais, a proteção de segredos comerciais impede a transmissão de informações e
de problema da impossibilidade de apropriação. Urna ilustração: tradicionalmente, lojas . permite que seu produtor se aproprie do valor delàs.
de Hong Kong revendem software norte-americano ao custo de um disquete. (Resta ver se · Entretanto, as leis sobre o segredo comercial têm debilidades que comprometem sua
essa prática irá continuar depois de a China aderir à Organização Mundial do Comércio.) eficácia. Suponha que o inventor A empregue a pessoa B, que assina um NDA, e depois a
Pense na conexão entre impossibilidade de apropriação e bens públicos. A informação pessoa B faz vazar os segredos de A para a empresa C:
contém ideias. O uso de uma ideia por uma pessoa não diminui sua disponibilidade para
ser usada por outras pessoas. Portanto, o uso da informação não implica rivalidade. Ex- Inventor Funcionário Terceiro
cluir algumas pessoas do acesso a uma nova ideia pode ficar caro, porque transmitir ideias A
Contrato
é muito barato. Portanto, a informação não implica exclusão. Essas são as duas caracte- incluiNDA informações
rísticas dos bens públicos identificadas no Capítulo 2. A impossibilidade de apropriação
da informação é essencialmente o mesmo problema que a impossibilidade de exclusão no A tem um contrato com B, mas não tem contrato com C. Visto que C não tem obri-
caso dos bens públicos. gações contratuais para com A (em tem1os técnicos, A e C não têm "vínculo jurídico" ele
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contrato), A tem poderes jurídicos limitados para impedir C de usar os segredos comer-,
ciais de A ou de transmiti-los a outros. Se C soubesse ou tivesse razões para acreditar que:· havia interesses de propriedade em número grande demais .. Como aconteceu isso? Interesses de
B violou o NDA, A poderia processar C. Se C induzisse B a violar o NDA, A poderia propriedade privada eram, em grande parce, desconhecidos durante os 1970 anos do regime comu-
processar C. Mas se C não sabia, ou não tinha razões para saber, ou não induziu B a infrin- nisca, e as pessoas chegaram a cer reivindicações de propriedade d.e recursos de formas idiossincrási-
cas. Assim, por exemplo, um aparcamento grande com muitas peças, que tinha sido propriedade
gir o contrato com A, C não fez nada de errado em receber as informações. Além disso,
privada antes da Revolução de 1917, passou a ser habitado por várias famílias diferences. (ada família
se as informações vazaram completamente e se tornaram conhecimento comum no setor,
calvez ocupasse uma das peças do apartamento e compartilhasse o uso da cozinha e do banheiro.
qualquer um pode usá-las gratuitamente, mesmo estando ciente de que originalmente elas Quando o comunismo acabou, essas famílias achavam que tinham direitos de propriedade concí-
vieram a público por uma infração contratual. nuos a suas peças individuais e aos espaços comuns. Suponha que, se transformado num imóvel para
Pesquisas recentes concluíram que a proteção de segredos comerciais não é muito efi- um único proprietário, o valor do aparcamento - ou kommunalka, como era chamado - seria de
caz no Vale do Silício. Na realidade, os funcionários trocam de emprego com frequência US$ SOO mil. Suponha que acualmence haja quatro famílias de inquilinos, e cada unia ocupe uma
na região, e levam consigo para a nova firma muitos dos segredos da antiga. Na verdade, peça e compartilhe o uso dos espaços comuns. Vendidos separadamente, os interesses dos inquili-
muitos funcionários do Vale do Silício não entendem quando infringem as leis relativas nos alcançariam, segundo nossa suposição, US$ 25 mil - ou US$ 100 mil no cocal. Convercer a kom-
ao segredo comercial, parcialmente porque essas leis são diferentes das normas vigentes munalka num único aparcamento criaria USS 400 mil em_ valor. Mas ocorreu frequentemente que os
nas empresas locais. custos da combinação dos interesses individuais dos inquilinos eram tão grandes que impediam o
2
A quarta alternativa, que geralmente complementa a proteção dos segredos comer- uso mais valioso do recurso.
Heller chamou isso de problema dos anticomuns: "múltiplos proprietários têm, cada um, o di-
ciais, é o direito de propriedade intelectual. Além de acordos de não divulgação com
reito de excluir outros de um recurso escasso, e nenhum deles cem um privilégio efecivo de uso". 3 Os
seus funcionários, coligados e clientes de negócios, o inventor A poderá tentar obter uma
interesses de propriedade podem estar cão refinadamence divididos que impõem custos significati-
patente, um direito autoral ou uma marca registrada. Se seu requerimento tiver sucesso, A vos de combinação a usuários posteriores que gostariam de consolidar os interesses de propriedade
terá direitos de propriedade sobre as informações que produziu. Por esta razão, estes três num todo mais valioso. Heller e outros sustentaram que justamente esse problema dos anticomuns
corpos do direito fazem parte do estudo da propriedade intelectual, que é nosso próximo 4

,-,~,~-
(anticommons) aparece na pesquisa biomédica. Apresentaremos mais um exemplo no quadro sobre
tema. o âmbito público mais abaixo nesce capículo.
Os problemas dos comuns e dos anticomuns sugerem que há questões de eficiência referentes
canto à "subpropriecarização" quanto à "superproprietarização". Assim como o mingau dos três ursos
NOTA NA INTERNET 5.1
poderia estar quente demais ou frio demais ou no ponto, da mesma maneirai lei pode definir os
Em nosso site, há uma exposição sobre a florescente literatura da área do direito e da economia interesses de propriedade de maneira refinada demais ou de nenhuma maneira ou na medida cerca.
sobre segredos comerciais.
2
Veja ELINOR ÜSTROM, GOVERNJNG THE COMMONS: THE EVOLUTION OF INSTITUTIONS FOR ACTION (1990),
3
Veja Hei ler, The Tragedy of the Anticommons: Property in the Transitionfrom N\arx to Market, 111 HARV. L. Rev.
621 (1998).
4
Michael A Heller & Rebecca Eisenberg, Can Patents Deter lnnovation? The Anticommons in Biomedical Resear-
ch, 280 SCJENCE 698 (1998).
Comuns e anticomuns

A análise econômica inicial da propriedade se concentrou nos benefícios, em termos de eficiência, da


definição dos interesses de propriedade (normalmente, eram interesses de propriedade individual)
sobre recursos que anteriorme~ce não tinham proprietário ou eram de propriedade comum. O argu- B. Propriedade intelectual
mento era que, a menos que um proprietário individual tivesse um interesse juridicamente protegido Como no caso de bens imóveis, a propriedade dos produtos intelectuais implica o direito
em recursos valiosos, haveria menos incentivo para invescir no desenvolvimento desses recursos. de excluir outros de seu uso. Quando os direitos de propriedade intelectual são cumpri-
Além disso, os usuários que tinham acesso a recursos de propriedade comum - como, por exemplo, dos com eficácia, o dono de um novo chip de computador ou de um novo romance pode
as pastagens nos arredores das aldeias medievais ou os peixes nos oceanos abertos atualmente - por usar o poder de exclusão para extrair um preço de outros usuários. O preço recompensa
via de regra usariam excessivamente esses recursos, fazendo uso excessivo da pastagem comum ou o criador, o que resulta em mais inovações e crescimento mais rápido - uma forma de
pescando um número excessivo de peixes dos viveiros comuns. Garrett: Hardin, já falecido, chamou
"eficiênda dinâmica".
isso de ''A cragédia dos comuns". 1 Havia dois corretivos claros para o problema; passar a propriedade
Depois de feita uma inovação, sua disseminação permite que mais pessoas desfru-
do recurso para um indivíduo (que reria, então, o incentivo apropriado para investir em sua preser-
vação ou uso e para excluir outros de seu uso) ou criar um método executável e eficaz de restringir
tem de suas vantagens. Os direitos de propriedade intelectual também podem aumentar a
o acesso ao recurso comum. disseminação. Sem direitos de propriedade, o inovador poderá tentar manter a inovação
Como reconheceu o professor Michael Hei ler, a ruptura da União Soviética no início da década em segredo para lucrar com ela. Assim, os venezianos renascentistas guardaram cuidado-
de 1990 mostrou um problema muito diference na atribuição de reivindicações de propriedade. Em samente os segredos da fabricação de vidro, e Shakespeare guardou cuidadosamente os
vez de haver interesses de propriedade em número pequeno demais - o problema dos comuns-, textos de suas peças de modo que só seu grupo teatral pudesse encená-las. Com direitos
de propriedade intelectual eficazes, entretanto, o inovador não precisa ter medo de que
1
Hardin, The Tragedy of che Commons, 162 SCIENCE 1243 (1968). outras pessoas venham a roubar a inovação. Em vez de mantê-la em segredo, o dono pode
disseminá-la e cobrar taxas por seu uso, como, por exemplo, taxas de licenciamento para
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patentes ou taxas de encenação para peças. A substituição do segredo pela propriedade propriedade intelectual fortes que protejam seus criadores. Em contraposição a isso, os
aumenta a disseminação, que resulta em uso mais amplo - um aumento de "eficiência países em desenvolvimento se beneficiam da ampla difusão de tecnologia a baixo custo.
estática". Sendo assim, os países em desenvolvimento carecem de entusiasmo para fazer cumprir
Embora direitos de propriedade intelectual seguros façam com que o proprietário dis- direitos de propriedade intelectual que elevem os preços para seus consumidores. As-
semine uma inovação, a disseminação geralmente fica aquém do ponto necessário para a sim, a Microsoft quer que a China suprima a cópia ilegal de seu softwan:, e a China
eficiência estática. A teoria do monopólio explica por quê. Uma invenção valiosa cria um aparentemente carece de entusiasmo para esse esforço. O resultado líquido é que o mais
produto melhor ou uma maneira melhor de fazer um produto antigo. Se a invenção não novo software da Microsoft é vendido pelos camelôs de Hong Kong pelo preço de um
tem substitutos similares, a concessão de uma patente ou do direitos autorais cria "poder disquete, e os Estados Unidos ameaçam processar a China na Organização Mundial do
de monopólio", que significa que o vendedor pode aumentar o preço. Para maximizar 5
Comércio. Essas tensões déveriam diminuir à medida que a China constate que um di-
os lucros, o proprietário-monopolista fixa a taxa a ser paga pelo usuário num nível alto reito da propriedade intelectual fraco retarda o desenvolvimento de software e de outros
demais para a eficiência social, de modo que o uso é baixo demais. Portanto, o direito da setores criativos.
propriedade intelectual resulta em menos disseminação de uma inovação do que o neces- O direito da propriedade intelectual confronta a interação entre inovação e dissemina-
sário para a eficiência estática. ção e resolve este dilema de formas um tanto diferentes em cada uma de suas três áreas
As patentes e o direitos autorais são monopólios temporários cuja amplitude e duração principais - patentes, direitos autorais e marcas registradas. O direito da propriedade in-
podem variar. Estreitar a amplitude ou encurtar a duração dos direitos de propriedade telectual, entretanto, é o resultado de um processo histórico que se desenvolveu sem base
intelectual muitas vezes diminui os lucros do monopólio e aumenta a disseminação. Uma científica. Só recentemente o direito de propriedade passou a ser analisado pela economia.
ilustração: suponha que uma pessoa escreve um romance e outra o adapta para um filme. Mesmo atualmente, contudo, a análise econômica disponível é insuficiente para essa ta-
Os direitos autorais restritos dão ao escritor a propriedade do romance e ao adaptador a refa. A técnica usual da análise econômica implica a comparação de equilíbrios com uma
propriedade dos direitos do filme. Em contraposição a isso, os direitos autorais amplos tecnologia fixa ("análise de equilíbrio estático"), ao passo que o direito da propriedade '
dão ao escritor a propriedade do romance e dos direitos do filme. De modo semelhante, intelectual exige urna análise da inovação e da tecnologia cambiante ("teoria do cresci-
uma patente de um chip de cornpu~ador pode durar períodos diferentes em países diferen- mento"). Melhorias na economia da informação indubitavelmente produzirão novas crí-
tes. Iniciando com direitos de propriedade intelectual restritos e breves, sua ampliação ticas e melhorias no direito de propriedade intelectual. Entrementes, a análise econômica
e seu alongamento recompensam o criador e incentivam mais inovação. Se a inovação do direito de propriedade intelectual precisa seguir em frente com as ferramentas dispo-
pode ser mantida em segredo, ampliar e alongar os direitos de propriedade intelectual níveis. Além das ferramentas científicas inadequadas, o direito de propriedade intelectual
recompensa a disseminação aumentando as taxas dos usuários. Portanto, aumentar os não se alinha bem com a eficiência econômica porque os legisladores reagem a grupos
incentivos para a criação também aumenta os incentivos para disseminação, ao menos de interesses especiais politicamente poderosos que se importam mais com seus próprios
até certo ponto. Além desse ponto, contudo, ampliar o escopo ou a duração dos direitos lucros do que com a riqueza da nação. O desenvolvimento de setores de alta tecnologia
de propriedade do criador aumenta o poder de monopólio, o que recompensa a criação desafia tanto a teoria econômica quanto a lei. Quase todas as questões referentes ao direi to
e reduz a disseminação. Portanto, os incentivos para a criação e para a disseminação se de propriedade intelectual estão em aberto. Este fato torna o assunto empolgante e, ao
compensam. (Mais tarde, explicamos que aumentar ainda mais o escopo ou a duração dos mesmo tempo, confuso.
direitos de propriedade do criador pode acabar reduzindo a criação e disseminação.)
Para avaliar o problema da disseminação, considere o caso do pedágio numa ponte. A 1. Patentes: amplas ou restritas? Para avaliar o histórico do direito de patentes, examine
eficiência exige que o pedágio seja igual ao custo marginal dé cruzar a ponte. O custo de sua evolução. As patentes europeias para invenções começaram na República de Veneza
permitir que outro motorista cruze uma ponte não congestionada é de aproximadamente• em 1474 e foram formalizadas na Inglaterra, na Lei de Monopólios de 1623. O artigo I,
zero, de modo que o pedágio ótimo é de aproximadamente zero. Se o pedágio ótimo não:· parágrafo 8 da Constituição norte-americana dá ao Congresso o poder para proteger tanto
é zero, alguém que dá valor a cruzar a ponte deixará de fazê-lo, o que é um desperdício. os direitos autorais quanto a patente: "promover o progresso da ciência e das artes indus-
Suponha que o valor do pedágio seja de US$ 1. Uma pessoa que estiver disposta a pagar.• , triais assegurando, por tempo limitado, aos autores e inventores o direito exclusivo a seus
US$ 0,75 não cruzará a ponte, de modo que o pedágio destrói US$ 0,75 em benefícios que: respectivos escritos e descobertas". Para colocar esse poder em ação no tocante às paten-
podériam ter sido criados sem custo. (A conclusão é diferente no caso de uma ponte con- tes, o Congresso norte-americano aprovou a primeira lei de patentes em 1790, que foi re-
gestionada, onde um congestionamento maior é o custo de permitir que outro motorista visada em 1793, 1836, 1952 e 1995. Para assegurar um direito exclusivo a uma invenção,
a cruze.) De modo semelhante, o custo de permitir que outra pessoa use um programa de o inventor precisa apresentar um requerimento ou solicitação ao Escritório de Patentes
computador patenteado ou uma gravação musical é de aproximadamente zero, de modo norte-americano estabelecendo que a invenção é para um "processo, máquina, manufatura
que a taxa ótima a ser paga pelo usuário é de aproximadamente zero. Entretanto, a taxa ou composição material nova e útil ou [uma] melhoria nova e útil deles" (35 U.S. Code
que otimiza os lucros para o proprietário é muito maior do que zero. Assim, a propriedade 101). A invenção precisa ser "não óbvia", ter "utilidade prática" (uma característica que é
intelectual resulta em taxas altas demais e disseminação baixa demais. mais ou menos presumida no caso de todos os requerentes) e não ter sido comercializada
A confrontação entre inovação e difusão causa tensões comerciais significativas no ou conhecida do público por mais de um ano antes da data do requerimento. Um exami-
mundo contemporâneo. Os países desenvolvidos do mundo criam bem.mais inovações 5
que resultam em patentes ou direitos autorais do que os países em desenvolvimento. O Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS é a sigla em inglês) se aplica a
todos os membros da Organização Mundial do Comércio. O cumprimento dos direitos de propriedade intelectual também
Consequentemente, os países desenvolvidos se concentram nos benefícios de direitos de é reforçado internacionalmente pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO é a sigla em inglês).
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nadar de patentes - um funcionário do governo que é, em termos ideais, um jurista com :f 1a. Amplitude Uma importante questão de políticas públicas diz respeito à amplitude
uma boa formação científica - precisa decidir se a patente deve ser concedida. Aproxima- Y eficiente de uma patente. Para se entender a diferença,' em termos de efeitos de incenti-
elamente três quartos de todos os requerimentos são aprovados pelo Escritório de Patentes.· vo, entre patentes restritas e amplas, contraponha dois inventores, duas invenções e duas
Ao longo da década de 1970, entre 70 e 80 mil patentes foram concedidas por ano. 6 Con- regras. Suponha que dois inventores estejam pensando eín investir em duas. invenções.
tudo, na década de 1990, os requerimentos de patentes e o número de patentes concedidas A primeira invenção melhoraria os processos de craqueamento de petróleo .e a segunda
nos Estados Unidos explodiram, chegando a quase 150 mil por ano. O requerente bem- invenção produziria um substituto para o chumbo na gasolina. Os inventores esperam
-sucedido recebe atualmente um monopólio de 20 anos sobre o uso da invenção. 7 Nin- que as duas invenções sejam semelhantes, mas não idênticas. Sob uma regra ampla, uma
guém pode usar a invenção exceto com a aprovação de seu proprietário. Outros que dese- única patente compreenderia ambas as invenções. Visto que a parte.que fizer a primeira
jem usar a invenção precisam adquirir do detentor da patente o direito de fazê-lo. O invenção receberá direitos exclusivos a ambas as invenções, a parte que fizer a primeira
detentor poderá, se assim o quiser, licenciar o uso da patente em troca do pagamento, por descoberta ficará com todos os lucros, e a outra parte não ganhará nada. Portanto, a regra
8
parte do licenciado, de uma taxa conhecida como royalty. ampla incentiva a pesquisa rápida e duplicativa. Em contraposição a isso, sob uma regra
Se um detentor de patente crê que outra pessoa está usando sua patente sem permis- restrita, uma patente separada seria necessária para cada invenção. A parte que fizer a pri-
são, poderá mover uma ação por violação de patente e buscar tanto uma indenização ou meira invenção receberia direitos exclusivos a ela, e a parte que fizer a segunda invenção
uma ação mandamental. teria direitos de propriedade exclusiva a ela. Portanto, a regra restrita incentiva a pesquisa
mais lenta e complementar.
NOTA NA INTERNET 5.2 1Mn~1a, Para avaliar essa contraposição entre patentes amplas e restritas, pense numa rela-
ção típica entre pesquisa e desenvolvimento (P&D). Às vezes, a pesquisa produz uma
Em nosso site, você encontrará mais informações sobre desdobramentos recentes nas leis sobre descoberta pioneira sem valor comercial imediato, mas com grande potencial comercial.
patentes nos Estados Unidos e em outros países, incluindo especulações sobre as causas do tre-
Para realizar seu potencial, uma descoberta pioneira precisa ser desenvolvida e "lançada ·
mendo aumento no número de patentes na década de 1990 e no início dos anos 2000.
no mercado". O desenvolvimento implica uma série de pequenas melhorias. Assim, uma ·
invenção pioneira é seguida por uma série de aplicações. A questão juridica é se a patente
Um inventor que solicita uma patente arrisca mais do que apenas os honorários advo- para a descoberta pioneira se estende às aplicações. As patentes amplas incentivam a pes-.
catícios. A informação contida na solicitação fica acessível ao público; Se o requerimento quisa fundamental, e as patentes restritas incentivam o desenvolvimento.
for indeferido, os concorrentes poderão usar livremente a invenção descrita na solicitação. Uma ilustração: suponha que um investimento de US$ 100 mil em pesquisa produza
Se o requerimento é. deferido, os concorrentes terão uma descrição precisa da invenção, de uma invenção pioneira sem valor comercial. Subsequentemente, um investimento de US$
modo que podem tentar imitá-la sem violar a patente. Por estas razões, alguns inventores 50 mil em desenvolvimento produz uma melhoria na invenção pioneira que tem um ·valor
preferem confiar na proteção dos segredos comerciais e não solicitar uma patente. É mais comercial de US$ 1 milhão. Se a lei concede patentes amplas, uma patente para a inven-
normal, entretanto, que um inventor aposte tanto nas leis sobre segredos comerciais quan- ção pioneira também cobriria a melhoria, mas se a lei concede patentes restritas, seriam
to nas patentes para proteger sua propriedade intelectual. ~ necessárias patentes separadas para a invenção pioneira e a melhoria.
As patentes criam um direito de propriedade exclusiva de uma invenção com duas Qual amplitude de patentes proporciona o máximo de eficiência? Se o valor social do
dimensões: duração e amplitude. "Duração" designa o número de anos entre o registro de investimento em pesquisa fundamental excede o valor social do investimento no desen-
uma patente e sua expiração. Por exemplo, a maioria das patentes norte-americanas dura volvimento de aplicações, as patentes deveriam ser ampliadas. Inversamente, se o valor
20 anos a partir da data do requerimento. "Amplitude" designa o quão semelhante uma social do investimento no desenvolvimento de aplicações excede o valor social do investi-
outra invenção pode ser sem violar a patente para a invenção original. Uma ilustração: o mento em pesquisa fundamental, as patentes deveriam ser restringidas.
Cubo de Rubik é um quebra-cabeças popular em que cada um dois seis lados de um cubo Na realidade, as questões de amplitude são resolvidas no direito de acordo com a
são divididos numa grade de 3 X 3, e cada uma das células da grade é colorida. O objetivo "doutrina dos equivalentes", que se refere a uma série de veredictos de tribunais sobre o
do jogo é manipular o cubo a fim de alinhar fileiras de células da mesma cor. Um tribunal quanto duas invenções precisam ser equivalentes para se constatar a existência de uma
norte-americano decidiu que o Cubo de Rubik não violava uma patente anterior da Mole- violação de patente. Esta doutrina é obscura e imprevisível. Por vezes, os tribunais racio-
culon para um jogo semelhante que usava uma grade 2 X 2. 9 cinaram que uma melhoria com grande valor comercial não deveria ser interpretada como
violação do direito de uma invenção pioneira com pouco valor em si. 10 Afinal de contas, o
6
que as pessoas realmente valorizam é a melhoria, e não a invenção pioneira.
Das patentes emitidas entre 1971 e 1975, 51 % foram concedidas a empresas nacionais, 23% a empresas e governos estran-
geiros, 2% ao governo federal norte-americano e 23% a inventores individuais. Esta distribuição representa uma tendência
Howard Chang, um economista-jurista, mostrou recentemente que esse argumento é
nesse século de aumentar a propriedade de novas patentes pelas pessoas jurídicas e diminuir as de propriedade de pessoas inválido com vistas à maximização do valor social da atividade inventiva. 11 Se as pessoas
físicas. FREDERICK SCHERER, INDUSTRIAL MARKET STRUCTURE ANO ECONOMIC PERFORMANCE (2. ed., 1980). que fazem a pesquisa fundamental recebem o valor de venda da invenção pioneira, mas
7
Em 1995, o Congresso norte-americano mudou a duração da patente de 17 anos a partir da data da aprovação para 20 anos não recebem nada do valor de venda das aplicações comerciais, não haverá pesquisa fun-
a partir da data do depósito do pedido de registro. A mudança, que coloca o sistema norte-americano em conformidade
com outros sistemas nacionais de patentes, surgiu da aprovação do mais recente acordo comercial internacional. damental suficiente. Para perceber por que, pense numa analogia entre invenções pionei-
8
r.'lais de 95% das patentes concedidas nos Estados Unidos vão para homens. Se a sociedade determinasse que as mulheres
10
deveriam receber uma quota maior das patentes concedidas, seria prudente incentivar as mulheres inventoras dando a suas Veja Westinghouse v. Boyden Power Brake Co., 170 U.S. 537,572 (1898).
11
invenções urna duração de patente mais longa (25 anos, digamos) do que aquela dada às invenções de homens? Veja Howard F. Chang, Patent Scope, Antitrust Policy, and Cumulative Innovation, 26 RAND J. ECON. 34 (1995). Veja tam-
9
},!oieculon Research Corp. v. CES, Jnc., 872 F.2d 407,409 (Fed. Cir. 1989). bém Robert P. Merges & Richard R. Nelson, On the Complex Economics of Pa1er11 Scope, 90 COLUM. L. R.Ev. 839 (1990).
140 Direito e Economia Capítulo 5 - Temas qa Economia do Direito de Propriedade 141

ras e a criação de carneiros. Os carneiros são vendidos por causa da lã e da carne. Suponha Pergunta 5.1: Quando expirou a patente de uma droga chamada "Librium" (um sedativo que
que a carne de carneiro tenha um valor muito maior do que a lã. Se os pastores recebem o foi o precursor do Valium), seu preço caiu de US$ 15 para US$ 1, 10. 13 Explique por que ocorreu
pagamento do valor da lã, mas não do valor da carne, seu pagamento será insuficiente, e essa queda de preço. Relacione sua explicação cüm o problemà de incentivos eficientes para a
eles irão criar muito poucos carneiros. A carne e a lã são produtos conjuntos da criação de criação e transmissão de uma ideia.
carneiros. Incentivos eficientes exigem que os pastores recebam o valor de venda de seu Pergunta 5.2: Lembre-se de nosso exemplo de um investimento.de ÜS$ 100 mil em pesqui-
produto (carneiros), que é a soma do valor de venda da carne e da lã. sa que produz uma invenção pioneira sem valor comercial, e de um investimento subsequente
De modo semelhante, as aplicações comerciais e as invenções pioneiras são produtos de US$ 50 mil em desenvolvimento que produz uma melhoria que tem um valor comercial de
conjuntos da pesquisa fundamental. As aplicações comerciais exigem invenções pionei- US$ 1 milhão. Suponha que a Empresa A esteja numa situação singular para fazer a pesquisa
ras, e as invenções pioneiras exigem pesquisa fundamental. Um produto conjunto não pioneira, e que a Empresa B esteja numa situação singular para desenvolver a aplicação. Preveja
será oferecido em quantidade suficiente se a remuneração do fornecedor for igual ao valor a diferença em investimento resultante de uma lei de patentes ampla e de urna lei de patentes res-
comercial de apenas um dos produtos conjuntos. Em termos ideais, a pesquisa fundamen- trita. Ao fazer sua previsão, distinga entre uma situação em que os custos de transação impedem
tal e o desenvolvimento comercial ficariam juntos numa única empresa. Se as atividades a Empresa A e a Empresa B de negociar urna com a outra e uma situação em que os custos de
transação da negociação sejam nulos.
forem unificadas sob um único produtor, este receberá a soma do valor da pesquisa fim-
damental e da aplicação comercial, assim como o pastor recebe o pagamento do valor da Pergunta 5.3: Quando as invenções tornam a forma de descoberta e aplicação, as autoridades
carne e da lã. podem emitir uma "patente dominante" para a descoberta pioneira e uma "patente subserviente"
Mesmo que uma empresa realizasse a pesquisa fundamental e outra empresa desen- para a melhoria. A invenção subserviente não pode ser fabricada legalmente sem a concordância
volvesse as aplicações comerciais, o problema do incentivo poderia ser resolvido se os dos detentores da patente dominante e da patente subserviente. Assim, as duas partes são obri-
custos de transação fossem iguais a zero. Se os custos de transação fossem iguais a zero, gadas a negociar, tendo cada uma delas poder de veto, e chegar a um acordo sobre a divisão dos
o Teorema de Coase se aplicaria a este caso: a amplitude da patente não importa para a lucros futuros antes de fabricar a melhoria. Na ausência de tal acordo, só a invenção pioneira.
pode ser fabricada. Responda a Pergunta 5.2 pressupondo que, em vez .de prescrever patentes .
·eficiência econômica contanto que os inventores possam negociar uns com os outros sem .
amplas ou restritas, a lei concede uma patente dominante e uma subserviente.
custo e fazer contratos eficientes.
Problemas surgem sob o pressuposto realista de que os custos de transação impedem
1b. Duração Como observamos, os direitos a uma patente duram um período de tem~
a negociação entre fornecedores de pesquisa fundamental e desenvolvimento comercial.
po fixo. Qual é o tempo de vida ótimo das patentes? Oferecemos um marco econômico
Dois remédios jurídicos estão à disposição: lubrificar a negociação (Teorema Normativo
para responder esta pergunta. Visto que as patentes criam um monopólio temporário
de Coase) ou alocar os direitos à parte que mais os valoriza (Teorema Normativo de Ho-
que remunera o inventor e onera os compradores, o tempo de vida ótimo de uma patente
bbes). Em vez de promover esses remédios, o direito norte-americano foi perverso em
atinge o melhor equilíbrio entre o incentivo à criatividade e o desestímulo à dissemi-
ambos os sentidos.
nação. À medida que a duração das patentes aumenta, a sociedade desfruta de mais
A negociação entre inventores leva, às vezes, a joint ventures de pesquisa, em que
benefícios derivados de mais inovação. Entretanto, a taxa a que esses benefícios aumen-
fabricantes que são concorrentes compartilham uma infraestrutura de P&D e concorrem
tam presumivelmente diminui. Consequentemente, o benefício marginal decorrente de
um com o outro na produção e nas vendas. Nos Estados Unidos, as leis antitruste têm
mais inovação diminui na medida em que a duração das patentes aumenta. Na medida
inibido joint ventures de pesquisa e desenvolvimento. Portanto, a aplicação do direito an-
em que a duração das patentes aumenta, a sociedade arca com mais custos resultantes
titruste a P&D obstruiu uma solução para o problema da prod1:,1ção conjunta de invenções.·.
de menos disseminação. A sociedade reage a patentes longas buscando substitutos de
Felizmente, autoridades norte-americanas reconheceram essa falha na política e tomaram .
bens patenteados. Quanto mais uma sociedade procura, mais substitutos ela encontra.
medidas para corrigi-la.
Como no caso dos benefícios, a taxa à qual os custos sociais das patentes aumentam
Quando produtores separados fazem invenções conjuntas, as autoridades se defrontam
presumivelmente diminui com a duração. Em consequência, o custo marginal decon-cn-
com um problema difícil na determinação da amplitude das patentes. Se a invenção pio-
te da menor disseminação presumivelmente diminui na medida em que a duração das
neira tem pouco valor em si mesma, parte do valor da melhoria precisa ser pago ao pionei- patentes aumenta.
ro a fim de oferecer um incentivo adequado para invenções pioneiras. Por outro lado, se a
O raciocínio marginalista descreve o tempo de vida ótimo das patentes em tennos
invenção pioneira tem um grande valor em si, seu inventor muitas vezes já será remunera-
abstratos. Mas que tempo de vida específico é o ótimo? Como vimos, nos Estados Unidos
do adequadamente, mesmo que não receba nenhuma quota do valor da melhoria. Por
uma invenção que cumpre certas condições recebe uma patente de 20 anos de duração
conseguinte, a proteção de patentes para invenções pioneiras deveria ser mais ampla para
medidos a partir da data da solicitação. Em termos ideais, haveria um tempo de viela dife-
aquelas com pouco valor em si, e a proteção de patentes para invenções pioneiras deveria
rente da patente para cada invenção, dependendo de suas características individuais.
ser mais restrita para aquelas com grande valor em si. Este é exatamente o oposto do re-
12 Esse esquema de prazos individualizados das patentes não é exequível, mas existem
sultado às vezes alcançado por tribunais norte-americanos.
alternativas viáveis à concessão de uma patente de 20 anos para cada invenção. A Alema-
nha, por exemplo, estabeleceu um sistema de patentes com dois níveis. Lá, as 1 n-,10 n,-n,,.,~
12
O termo técnico para designar a doutrina jurídica que produz resultados perversos é a "doutrina dos_ equivalentes". Apli-
cando esta doutrina, os tribunais poderão decidir que uma invenção pioneira com pouco valor próprio (isolado) não é
13
equivalente ao valor de sua aplicação, de modo que a patente para o seu valor "isolado" não se estenda à sua aplicação. '"Quando o Líbrium, o precursor da Hoffmann-LaRoche para o Vali um, perdeu sua patente, os preços caíram rlr i. :s:5 15
Em contraposição a isso, os tribunais poderão decidir que uma invenção pioneira tenha valor próprio equivalente à sua para US$ l ', disse William Haddad, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Genéricos." Vrja "Thc 5h:ft :o
aplicação, de modo que a patente para a primeira se estende à segunda. Generic Drugs", New York Times, 23 jul. 1984, p. 19.
Direico e Economia Capítulo 5 Temas da Economia do Direitó de Propriedade 143
142

importantes recebem patentes de prazo completo, enquanto invenções de menos impor- uma invenção valiosa cujo desenvolvimento é extremamente dispendioso, mas que simplesmence
tância e melhorias recebem o que em inglês se chama de petty patents por um prazo não poderia gerar receita suficiente se fosse vendida ~ um cusco razoável dentro do prazo de 20 anos
três anos. Além disso, a Alemanha exige que os detentores de patentes paguem uma taxa das patentes para justificar o desenvolvimento. ·
anual para dar continuidade à patente. A taxa anual é relativamente módica durante os pri- O Congresso norce-americano reconheceu vários exemplos·imporcantes desse tipo de inven-
meiros anos do tempo de vida de uma patente, mas depois disso aumenta gradativamente ções. Um deles é a Lei Hatch-Waxman (Lei sobre a Concorrência no Preço das Drogas e Restauração
em intervalos regulares até que o período da patente esteja esgotado. Em consequência, de Patentes) de 1984. A lei acrescentou cinco anos de tempo de vida da patente para p·rodutos far-
macêuticos para compensar o tempo perdido nos testes de drogas novas anteriores à aprovação
menos de 5% das patentes alemãs permanecem em vigor durante seu prazo completo,
exigidos pela Adminimação de Alimentos e Drogas (FDA - Food and Drug Aministration). A lei
sendo o tempo de vida médio de uma patente um pouco menor do que oito anos. Este fato
também eliminou os cestes duplicacivos de segurança e eficácia para drogas genéricas (aquelas que
não é surpreendente caso se considere que, pressupondo uma taxa de juros de 10%, um têm a mesma composição química de drogas cuja patente está expirando).
compromisso de pagar US$ 1 em oito anos vale menos de US$ 0,50 hoje, e um compro- O Congresso foi até além disso na Lei sobre Drogas órfãs de 1983 e em suas emendas posterio-
misso de pagar US$ 1 em 20 anos vale menos de US$ 0,20 hoje. res. O Congresso tratou dessa lei num caso do problema que mencionamos acima - uma invenção
A eficiência econômica aumentaria alterado-se o sistema norte-americano para que valiosa que poderia não ser desenvolvida porque o tempo de vida normal das patentes não era longo
ele se parecesse mais com o sistema alemão? Talvez. Uma resposta convincente, entre- o suficiente para justificar os custos do desenvolvimento. Uma "droga órfã" é um medicamento des-
tanto, exige muita pesquisa estatística para fornecer provas a respeito de médias amplas, e tinado ao tratamento de "qualquer doença ou problema de saúde que ocorre com tão pouca fre-
essa pesquisa ainda está por ser feita. quência nos Estados Unidos que não há expectativa razoável de que o custo do desenvolvimento ou
da comercialização da droga seja recuperado pela venda". Uma emenda posterior definiu ainda essas
2. Patente demais Apesar da ausência de pesquisas estatísticas, existem indícios de que doenças ou problemas de saúde como aquelas que afetam menos de 200 mil pessoas nos Estados
0 direito de patentes se ampliou demais e ameaça sufocar a criatividade em algumas áreas. Unidos. A lei dá aos desenvolvedores de drogas órfãs créditos tributários para os custos dos escudos
A pesquisa farmacêutica representa um exemplo de um desses problemas que a legislação clínicos e outros subsídios para os custos do desenvolvimento. Além disso, os desenvolvedores de
resolveu. Para desenvolver uma nova droga, as empresas muitas vezes têm de usar uma drogas órfãs ganham um período de exclusividade de sete anos, que poderá ser revogado se o desen-
droga já existente. Temendo a concorrência, os proprietários de patentes farmacêuticas volvedor deixar de fornecer a droga à população de pacientes ou abandonar a droga.14 Por fim, a FDA
relutam em licenciar seu uso na pesquisa a concorrentes. Este é um caso em que o direito acelera muito o processo de aprovação para drogas órfãs, levando, às vezes, apenas oito meses para
de patentes suprime a inovação que constitui sua própria finalidade. A Lei sobre Alimen- aprová-la.
Aparentemente, a lei teve o efeito desejado. Nos 20 anos antes de 1983, a FDA só cinha aprovado
tos, Drogas e Cosméticos, também conhecida como Emendas Hatch-Waxman, resolveu
10 drogas órfãs. Mas só em 1984 ela aprovou 24. Durante os primeiros 1S anos de vigência da lei, o
parte do problema permitindo o livre uso de compostos patenteados na pesquisa para
número de drogas órfãs quincuplicou, enquanco o número de drogas não órfãs dobrou. 1s
desenvolver uma alternativa genérica. No caso Merck KGaA v. Integra Lifesciences 1, L. Não obstante esse histórico de sucesso, há algumas preocupações com a lei sobre Drogas ·ór-
(2005), a Suprema Corte estendeu essa lei a pesquisas que visem ao desenvolvimento de fãs. Uma delas tem a ver com o período de exclusividade. Por exemplo: esse período de sece anos
drogas inteiramente novas. incentiva o desenvolvimento inicial, mas desestimula o desenvolvimento de drogas concorrentes,
Outro exemplo de direito de patentes çJ.mplo demais diz respeito aos métodos empre- mas quimicamente diferences. O Congresso considerou isso indesejável; assim, em 1993, aprovou
sariais. No passado, ninguém pensava que um método empresarial pudesse ser patentea- emendas à lei que permitiam o pacenteamento de uma segunda e cerceira drogas órfãs destinadas
do. Entretanto, advogados criativos induziram o Escritório de Patentes norte-americano à mesma doença ou problema de saúde como a droga órfã original, concanco que estas segunda e
a emitir patentes de alguns métodos empresariais. O mais famoso exemplo é a patente de terceira drogas fossem clinicamente superiores de formas definidas. Também tem havido preocupa-
"um só clique" da Amazon para encomendas feitas pela Internet. A maioria dos pesquisa- ções adicionais com o status das drogas órfãs. Suponha, por exemplo, que a população de pacientes
dores crê que os inovadores que criam novos métodos empresariais não deveriam poder ultrapasse o limiar de 200 mil ou que a droga órfã acabe sendo eficaz para tratar de outros problemas
de saúde ou doenças para os quais não se aplicam drogas órfãs ou que a droga órfã acabe sendo
patenteá-los.
extremamente lucrativa. O status de droga órfã deveria ser revogado nesses casos? O Congresso cem
abordado estas questões, mas ainda não chegou a um .acordo sobre o fazer a respeito delas.
14
Esse prazo de exclusividade poderá parecer estranho a alguns leicores. As patentes não são rodas concessões
de exclusividade? Sim, mas há um direico muito imporcame. Uma pateme normal dá ao detentor direitos

1i1if O tempo de vida ótimo das patentes: drogas órfãs


exclusivos àquela invenção ou inovação. Mas oucras pessoas rêm a liberdade de desenvolver inovações dis-
rincas, mas diferences, que subscicuam (mas não violem) pacences já exiscences. (Veja nossa breve exposição
da "doutrina dos equivalemes" nesta seção.) Assim. calvez você cenha desenvolvido e pacenteado urn pro-
duco farmacêutico que reduz o colesterol ruim do sangue. Mas outras pessoas podem desenvolver outros
Já mencionamos o faco de que, nos Escados Unidos, há um unico prazo de pacentes - 20 anos. A
producos químicos destinados à mesma finalidade, comamo que não sejam cópias próximas de sua drogJ
análise feica nesca seção sugeriu que isso não é ócimo; escá claro que os cuscos e benefícios sociais (Pondere que seu tículo propriedade de um imóvel lhe dá direicos exclusivos àquela propriedade, mas não a
das invenções e inovações diferem, às vezes, de maneira marcance. Em termos ideais, o siscema de imóveis que renham uma localização semelhante.) A distinção no caso da lei sobre Drogas órfãs é que depois
pacences reconheceria essas variações concedendo prazos diferences para as pacences dependendo de alguém ter desenvolvido um produto farmacêutico que cumpra os critérios para ser designado urna droga
do benefício social líquido de cada invenção. Mas, provavelmente, os cuscos adminiscracivos de uma órfã, ninguém mais pode desenvolver uma droga, mesmo diference, destinada ao mesmo problema de saúde
ou doença durance sete anos (ao menos sob a formulação original da lei).
determinação individual do tempo de vida ótimo de cada pacente - ou acé mesmo de classificar as 11
Veja Frank Lichcenberg & Joel Waldfogel, Does Misery Love Company? Evidence from Pharmaceucical Markecs
invenções de acordo com prazos de patente diferentes são proibicivamente elevados. Há, sem dúvi- Before and After che Orphan Drug Acc. 2007 (NBER Working Paper, 9.750).
da, cuscos sociais - talvez, cusms sociais significativos que se seguem disso. Por exemplo: pode haver
Capítulo 5 Temas d.a Economia do Direicó de Propriedade 145
144 Direico e Economia

Pergunta 5.4: Uma possível armadilha do sistema de renovação da taxa para a determinação invenção. Quando o mercado ficar sabendo do verdadeiro valor da firma, as ações do
do tempo de vida ótimo das patentes é que, em termos ideais, queremos que o detentor de uma., inventor se valorizarão. ·'
patente compare a taxa de renovação com o benefício social de renovar a patente por mais um) Seguindo esta linha de pensamento, alguns pesquisadores sustentaram que alguns
ano, e não apenas com o benefício privado. Você pode sugerir corno, ao estabelecer a taxa de) mercados produzem investimentos excessivos em informação. Pense, por exemplo, no
renovação anual, poderíamos induzir detentores de patentes a fazer o cálculo social apropriado? : mercado de ações como um todo. Um investidor que descobrir antes dos outros que uma
empresa está comprando outra pode obter grandes lucros comprando as ações da empre-
Pergunta 5.5: Um terceiro meio de ,reduzir os custos sociais da concessão de um tempo de sa-alvo. O que a sociedade ganha com os movimentos mais rápidos de preço nas ações da
vida das patentes que seja longo demais é uma política de licenciamento compulsório. Esta po- empresa-alvo é modesto em comparação com a vasta riqueza que é redistribuída ao passar
lítica, que faz parte dos sistemas de patentes da maioria dos países da Europa Ocidental, permite.
das mãos de acionistas desinformados para as de investidores informados. Este fato é uma
que os recebedores de licença frustrados solicitem aos tribunais que obriguem os detentores
razão pela qual as leis sobre valores mobiliários nos Estados Unidos e em outros países
de patentes a licenciá-las se conseguirem mostrar que os detentores de patentes deixaram de;
usar suas patentes no mercado interno dentro de um período de tempo especificado, deixaram · proíbem membros de uma empresa de negociar suas ações com base em informações que
de licenciar quando isso seria essencial para colocar uma invenção complementar em uso ou eles ainda não tomaram públicas - a proibição de negociações baseadas em informações
abusaram de suas posições restringindo excessivamente o fornecimento de suas invenções, por confidenciais (insider trading).
exemplo. Se o tribunal é persuadido pelo candidato à licença a obrigar o licenciamento, ele tam- .· . Os investidores se apressam em comprar uma ação cujo preço irá subir antes que al-
bém determina um royalty razoável. Faça uma avaliação econômica da política de licenciamento : guém outro o faça, o que cria a possibilidade de negociação excessiva. De modo seme-
compulsório. lhante, os pescadores se apressam em pegar os peixes no mar antes que outro o faça, o que
Je. Conclusão sobre patentes Como explicamos, originalmente, a economia da infor- causa um trágico excesso de pesca. Os inventores se apressam em assegurar as patentes.
mação concluiu que um mercado privado não regulamentado não fornecerá informações• Diferentemente dos Jogos Olímpicos, o direito das patentes não tem medalha de prata - , ·
suficientes. Os remédios para o problema incluem fornecimento público ou subsídios quem termina em segundo lugar não ganha nada. As invenções são como os peixes no mar?
públicos para a pesquisa científica, doações beneficentes e direitos de propriedade inte:-,: Não. As vantagens do crescimento são tão vastas que a sociedade se beneficia da corrida
lectual. Esta concepção ainda domina a maior parte das discussões sobre políticas públi- : pela inovação, mesmo quando é frenética. Vencer a concorrência numa corrida por paten-
cas. Entretanto, podem ocorrer situações especiais em que a ausência de regulamentação tes tem externalidades negativas, mas as invenções causam extemalidades positivas muito ,
16
ou subsídios resulte em informações demasiadas ou na quantidade certa. maiores que são desfrutadas pelo público à medida que as inovações se disseminam.
Para perceber por que, pense na invenção de um meio mais preciso de prever o tempo:, Antes de concluir esta seção, queremos mencionar uma razão pela qual a proteção de
A teoria original sustentava que o inventor não pode se apropriar do valor da invenção patentes para algumas invenções é mais elevada do que recomenda a eficiência econômi-
porque as pessoas que compram suas previsões podem revendê-las a outras. Entretan~'; ca. Além do monopólio jurídico dado por uma patente, algumas invenções criam monopó-
to, há meios alternativos para os inventores conseguirem lucros. O inventor da previsão lios naturais. Um monopólio natural existe quando os custos médios diminuem à medida
do tempo pode lucrar especulando com os preços agrícolas, por exemplo. Para perceber que a escala da produção aumenta. Havendo um monopólio natural, a maior empresa com
como, vamos supor que o inventor preveja um outono chuvoso que irá reduzir as colheitas os menores custos pode eliminar a concorrência. Por exemplo: distribuir os custos de pes-
e fazer com que o preço dos cereais suba. Ele pode manter essa informação em segredo quisa e desenvolvimento por volumes de produção maiores reduz o custo médio da inova-
e comprar cereais no verão para entrega no outono. Quando chegar a colheita no outono., ção. Assim, o custo médio do desenvolvimento de um sistema operacional para computa-
os agricultores cumprirão seus contratos entregando o cereal-ao inventor pelo preço baixo. dores pessoais diminui à medida que o número de usuários aumenta. Nas tecnologias da
do verão. Subsequentemente, o inventor pode revender o cereal imediatamente pelo pre- informação, os padrões do respectivo setor industrial representam um elemento adicional
ço elevado causado pelo outono chuvoso. Assim, Aristóteles afirma que Tales de Mileto. do monopólio.natural. Uma ilustração: padronizar as teclas necessárias para movimentar
usou a filosofia para prever o tempo e fez fortuna no que equivalia a opções de compra d~ o cursor num programa de processamento de texto reduz o custo do aprendizado de pro-
17 cessamento de texto para todo o mundo. À medida que o padrão se torna dominante, os
prensas de azeitonas. --.-·
Em geral, os produtores de informações podem obter lucros de investimentos espe; usuários o valorizam mais. Consequentemente, qualquer empresa que consiga estabelecer
culativos. No Vale do Silício, um inventor muitas vezes participa da fundação de um: direitos exclusivos sobre um padrão setorial pode desfrutar de um elemento de monopólio
empresa e é proprietário de grande parte de suas ações. Presumivelmente, o inventoL, natural e explorar esse poder licenciando o direito de usar o padrão.
sabe mais do que o público a respeito do desempenho futuro da firma. A invenção podefJ Se uma invenção constitui a base de um monopólio natural, o inventor pode obter
rá dar à empresa uma vantagem competitiva em vários aspectos além de sua aplicação• lucros monopolistas até mesmo sem urna patente. Para fazer isso, o inventor precisa usar
imediata. Por exemplo, a firma poderá aprender muitas coisas a respeito da aplicação e seu tempo de entrada para expandir seu negócio e inovar mais rapidamente do que a con-
comercialização da invenção em vários campos antes de seus concorrentes. Além dis- corrência. Crescendo e inovando mais rapidamente do que a concorrência, o líder desfruta
so, a empresa poderá estabelecer o nome de sua marca em produtos associados com a . de retornos crescentes para a escala, que geram lucros monopolistas. Uma ilustração:
suponha que um produto de software de computador comece com uma descoberta funda-
mental e, depois, sofra uma melhoria constante por meio de inovações. Para financiar me-
16 Veja J. Hirschleifer, The Priva/e and Social Value of Informatíon and the Reward to !nnovative A'ctivity, 61 AM. EcoN . lhorias constantes, uma empresa necessita de um nível significativo de vendas. O inventor
R.Ev. 561 (1971). Veja também R. Posner, The Social Costs of Monopoly and Regulations, 83 J. POL. EcoN. 807 (1975), ~. original poderá atingir o nível crítico de vendas antes de qualquer outro e, então, fixar o
E. Rice & T. Ulen, Rent-Seeking and Welfare Loss, 3 RES. IN LAW & EcoN. 53 (1981),
17 Aristóteles, Política, Livro l, Capítulo 11. Agradecemos a Eric Rasmussen por este exemplo.
preço do produto num nível baixo o suficiente para impedir a entrada de outras firmas, O
146 Direico e Economia Capítulo 5 - Temas da Economia do Direiwde Propriedade 147

preço que impede a entrada de concorrentes no mercado (o chamado "preço limitador d· sistema de propriedade intelectual, vários países europeus, incluindo a Suécia e a Holanda, suspen-
entrada") ainda pode render lucros supracornpetitivos para o produtor. deram seus sistemas de propriedade intelectuàl durante várias· décadas em meados e no final do
O monopólio natural é uma característica tão comum de redes que sua ocorrência e século 19.
redes tem um nome especial efeitos de rede. A análise econômica dos efeitos de redé: Mas se não há sistema de patentes, como a sociedade pode incentivar o investimento na inven-
0

começou com as ferrovias no século 19. A mais eficiente organização de uma f errovià ção e a disseminação? Um método possível consiste na concessão de prêmios. Eles podem ser re-
geralmente exige que as linhas se irradiem a partir de um terminal central. O termina,:[ compensas monetárias para realizações específicas ou para inovações gerais, e podem ser oferecidos
central é o "cubo da roda" e as linhas irradiadoras são os "raios". (Esta mesma linguageni· por entidades públicas ou privadas ou por ambas ao mesmo tempo. Talvez o melhor exemplo de
uma recompensa pública destinada a induzir uma invenção específica tenha sido a busca de um
se aplica atualmente às linhas aéreas.) O proprietário do terminal central pode favorece~;
método exato de medir a longitude por parte do governo inglês. Observando o Sol, os navios po-
conexões com suas próprias linhas férreas e desfavorecer conexões com linhas férreaS
diam medir a latitude, sua distância ao norte ou ao sul do equador, com relativa facilidade. Mas em
concorrentes. Esse efeito de rede em linhas férreas confere urna grande vantagem ao prn? 19
relação à longitude eles estavam desnorteados. Os resultados do desconhecimento de onde se es-
prietário do terminal central para uma região. De modo semelhante, setores econômicos: cava podiam ser - e às vezes eram - desastrosos. Reagindo a um famoso desasrre com um navio, o
baseados na informação muitas vezes apostam em conexões análogas ao terminal ferrovi- Parlamento inglês decidiu fazer alguma coisa. Em 1714, ofereceu f 20 mil à primeira pessoa que con-
ário central. Por exemplo: todos os softwares que estão num computador pessoal precisam seguisse medir com exatidão a longicude no mar. Para avaliar as proposcas, o Parlamento nomeou
usar o sistema operacional dele. Um proprietário exclusivo do sistema operacional parai um Conselho de Longitude, presidido por Sir Isaac Newton, e eles exigiram uma viagem de cesce para
computadores pessoais pode favorecer o uso de seus próprios softwares e desfavorecer ô as Índias Ocidentais com critérios para decerminar o sucesso.
uso de softwares rivais. Esse padrão de abuso é a alegação central do Ministério da Justiça Um carpinteiro e relojoeiro de Yorkshire chamado John Harrison achava que a chave para medir
norte-americano em seu recente processo antítruste contra a Microsoft. Ser proprietário a longitude era um relógio extremamente preciso. (A maioria dos oucros inventores que disputavam
dé um sistema operacional de computador foi visto em analogia com o fato de ter uma. o prêmio achavam que a chave residia em observações precisas de obJecos ceiesres.) A percepção de
Harrison era de que a Terra girava 360 graus, uma rotação completa, ao longo de 24 horas. Em con-
patente sobre o uso da língua inglesa.
sequência, a Terra gira 15 graus a cada hora de cada dia. Se fosse possível medir a diferença de tempo
Pergunta 5.6: Suponha que o inventor de uma técnica de previsão do tempo determine que o entre um navio no mar e um ponto Axo na superfície da terra (como em Londres, por exemplo),
tempo durante a época de plantio·e germinação será perfeito, causando uma grande safra. ExplF'. poder-se-ia determinar o quanto se tinha avançado em torno da cerra. Um exemplo: caso se pudesse
que como o inventor poderia usar essa informação para fazer investimentos lucrativos. determinar que se escava exatamente 3 horas a leste de Londres, saber-se-ia exatamente qual era a
longitude em que se estava - 45 graus lesce. Mas para que esse método de medição funcionasse,
Pergunta 5.7: Os diretores de uma empresa são, muitas vezes, as primeiras pessoas que fi;
seria necessário ter um relógio extremamente preciso. Eessa foi a tarefa que Harrison se propôs.
cam sabendo de fatos que afetam o preço de suas ações. A lei norte-americana proíbe os direto--.
Finalmence, em 1759, Harrison desenvolveu um relógio extremamente exato, que chamou de
res e outros integrantes do pessoal interno de usar informações confidenciais para especular coaj
H-4. Em 1764, o Conselho de Longitude ordenou que o H-4 fosse testado num navio que viajaria de
o valor das ações da empresa. Use a teoria da primeira apropriação e a economia da informação
Pommouch para Barbados, e William, filho de Harrison, foi a Barbados para supervisionar o reste. O
para construir argumentos a favor e contra a eficiência dessa proibição.
desempenho do relógio foi maravilhoso, mas rivais impediram que Harrison recebesse o prêmio até

NOTA NA INTERNET 5.3 ,~,m1,~1


Veja em nosso site literatura adicional da associação de direito e economia sobre questões
que seu filho fez um apelo dramático e bem-sucedido ao rei Jorge Ili. Harrison finalmente recebeu sua
recompensa 43 anos depois de iniciar sua busca.
A Inglaterra não Acou desanimada com essa experiência. Mais tarde, o Parlamento ofereceu uma
recompensa pela primeira vacina bem-sucedida concra a varíola.
lativas a patentes. Há muitos - na verdade, cada vez mais - prêmios privados destinados a induzir atividades in-
ventivas específicas. O Prêmio Ansari X, criado em 1996, é famoso por cer oferecido US$ 10 milhões
à primeira equipe privada que conseguisse financiar, conscruir e lançar uma espaçonave capaz de
levar três pessoas até uma alcura de 100 km acima da cerra, retornar com segurança e depois repetir

......
11111 Prêmios de patentes (e outros)
a mesma viagem com a mesma nave dentro de duas semanas. Um grupo liderado por Burt Rutan e
Paul Allen, o cofundador da Microsoft, ganhou o prêmi~ em outubro de 2005 .
Algumas pessoas sugeriram que os sucessos das recompensas para realizações específicas po-
dem ser estendidos a invenções gerais. Sceve Shavell e Tanguy van Ypersele sustentaram que um
O argumenco econômico a favor das patentes afirma que dar ao desenvolvedor de uma invenção sistema de recompensas governamentais gerais pelo desenvolvimento de invenções novas, úteis e
ou inovação nova, útil e não óbvia um direito exclusivo incenciva o investimenco em novos méto- não óbvias é superior ao acuai sistema de concessão de direitos a pacences. 20 Os custos e benefícios
dos, máquinas e práticas e sua disseminação. Mas sempre houve ceticismo quanto à necessidade sociais de um sistema de recompensas são claramente superiores aos do atual sistema de patences7
do sistema de patences. Os críticos há muito sustentaram que as deficiências desse sistema parti- Poder-se-ia sustentar que as recompensas públicas e privadas para a atividade inventiva complemen-
cularmente os altos preços e a produção restrita do monopólio - não compensam os supostos tam o sistema de parentes, de modo que os dois sistemas deveriam operar juntos?
benefícios. 18 Com efeito, por causa de suas profundas preocupações com os efeitos maléficos do
19
18
Veja DAVA SOBEL, LONGITUDE, 1997.
Veja, por exemplo, Michelle Boldrin & David Levine, The Case Against lnte/lectual Property, 92 AM. EcoN. REV. 20
Veja Sceven Shavell & Tanguy van Ypersele, Reward Versus lntel/ectual Property Rights, 44 J. Law & Econ. 525
209 (2002). Veja cambém no site dos autores, www.econ.wuscl.edu seu manuscríco, com a excensão de um (2001). Veja cambém Michael Abramowicz, Perfecting Patent Prizes, 56 VAND. L. REV. 715 (2003).
livro, incicul3do Against IP.
148 Direico e Economia Capícuio 5 - Temas da Economia do Direito de Propricd~1,k 149

3. Direitos autorais Em nossa análise das patentes, aplicamos a economia da informa/ se transformou numa eficiente ferramenta de programação. Entretanto, ao p2.,<;s,irmos de
ção para responder as duas perguntas fundamentais sobre a amplitude e a duração. Esta sistemas operacionais para programas mais aplicados, proprietários privados co11 1 r;,lan1
mesma estrutura se aplica a outros temas da propriedade intelectual, particularmente aos os programas mais bem-sucedidos. Exemplos ·disso são ó Microsoft Worcl e o (ir ,:Jg 1c.
direitos autorais e à marca registrada, que expomos brevemente. Os direitos autorais con: Poderíamos criar uma analogia entre sistemas operacionais e a língua inglesa e entre prc-
cedem a escritores, compositores e outros artistas um direito de propriedade sobre sua: gramas aplicados e romances. Esses fatos sugerem a existência de uma fronteira naLural
21
criação com base na demonstração de que a obra dele ou dela é uma expressão original. entre software com código-fonte aberto e software proprietário. Os program;idorcs ele
Diferentemente do sistema de patentes, o sistema de direitos autorais americano não exige computadores contestam ardorosamente a localização correta dessa fronteira. A retr'irica
que os criadores registrem sua obra a fim de receber a proteção do direitos autorais. Mas deles pode, às vezes, parecer uma guerra religiosa do século 17 ou a amarga disputa entre
à semelhança da lei das patentes, a proteção do direitos autorais é limitada em termos d socialistas e capitalistas no século 20.
amplitude e duração. O legado histórico dos direitos autorais muitas vezes dificulta e obstrui a comunicação
A amplitude de um direito autoral diz respeito aos usos que podem ser feitos de uni entre pesquisadores e toma mais lento o desenvolvimento científico. Antes da Internet, os
material protegido por direitos autorais sem autorização. Um direito autoral amplo proíbe: pesquisadores se comunicavam principalmente por papel quando não falavam uns com os
qualquer uso não autorizado, ao passo que um direito autoral restrito permite alguns usos' outros. Publicar uma revista acadêmica em papel é dispendioso, de modo que quem a
não autorizados. Por exemplo: livros são citados em recensões e sátiras, ou fotocopiados publica tem de cobrar valores altos pela assinatura. Com a Internet, o custo de dissemina-
para finalidades educacionais. A lei lida com esses usos por meio das chamadas exceções ção de artigos de revista caiu verticalmente, mas as mesmas revistas acadêmicas com seus
de uso adequado. Por exemplo: no caso Sony Corporation of America v. Universal Citi altos preços de assinatura dominam muitos campos acadêmicos. Para mudar essa situa-
Studios, Jnc., 464 U.S. 417 (1984), o caso Betamax, a Suprema Corte norte-americana de-; ção, alguns pesquisadores atualmente se recusam a transferir o direitos autorais sobre seus
cidiu que gravar programas de televisão over-the-air protegidos por direitos autorais num' artigos a quem publica revistas cujo preço de assinatura é elevado, ou reservam direitos de
gravador de video cassete é uso adequado quando é feito com a finalidade de "mudança de divulgação pela Internet para si mesmos. Uma iniciativa chamada Creative Commons ·
tempo", mas não necessariamente com a finalidade de "arquivamento". Uma linha vaga!' tenta criar um novo padrão de direitos autorais que garanta para os autores o direito de
24
objeto de frequentes litígios, divide a cópia não autorizada adequada e a inadequada. .,, disseminação barata de sua pesquisa na Intemet.
Desde seu início no século 18, os Estados Unidos aumentaram a duração de um direi~: Qual é o futuro dos direitos autorais na era digital? De acordo com uma visão do,
22
tos autorais, de modo que agora ele vale durante a vida do autor ou autora mais 70 anos. futuro, a maioria dos usuários de informações digitais irá baixá-las de alguns poucos ven-
A duração ótima de um direito autoral implica um problema diferente das patentes - espe.! dedores que imponham taxas uniformes. Neste sistema, obter informações se assemelha
23
cificamente, os custos de investigação. Antes de produzir seu próprio material protegid9 a colocar dinheiro num fonógrafo automático para ouvir uma canção. De acordo com o
por direitos autorais, um criador poderá querer verificar se suas ideias para um romance· modelo do "fonógrafo automático celestial" (veja o livro de Paul Goldstein citado no fim
digamos, são originais. Os custos de procurar entre todos os romances para se certificar d . deste capítulo), cada usuário de informações digitais será semelhante às estações de rádio
que sua ideia não viola, sem o querer, o direitos autorais de outra pessoa podem ser consi_ norte-americanas contemporâneas que precisam pagar royalties padronizados a uma câ-
deráveis'. Para limitar esses custos, os criadores recebem uma duração limitada e uma am mara de compensação central sempre que rodam uma canção. Se o fonógrafo automático
plitude relativamente restrita para suas criações. Entretanto, a facilidade de fazer cópias e celestial for bem-sucedido, o direito autoral se tornará a lei dominante da era digital. De
a disseminação da alfabetização aumentam a capacidade de outras pessoas de evitar pag acordo com uma visão alternativa, entretanto, a lei dos direitos autorais morrerá porque a
um royalty ao detentor do direitos autorais. Assim, o alongall.).ento da proteção por direitos tecnologia tomará o direito desnecessário. No modelo do "libertarismo digital", a prote-
autorais dá aos criadores mais tempo para recuperar seus royalties justos. ção técnica por meio de criptografia barata será mais eficiente do que a proteção jurídica
Em algumas áreas, a lei do direitos autorais e a lei de patentes foram longe demais da propriedade intelectual. A criptografia barata supostamente possibilitará aos produto-
ameaçam sufocar a criatividade. Para perceber o problema, imagine que alguém ol::>ten~ res de informações digitais controlar quem as usa sem muita necessidade da lei. Novas
o direito autoral da língua inglesa. Ninguém teria condições de dizer nada sem pag leis são a resposta a máquinas novas, ou.máquina~ novas são a resposta a máquinas novas?
uma taxa de licença. Esse direito autoral suprimiria a criatividade linguística. De mod Se você acha que sabe se o futuro trará o fonógrafo automático celestial ou o libertarismo
semelhante, muitos especialistas em computação acreditam que linguagens fundamentai digital, você deveria ir imediatamente comprar ações de empresas de tecnologia.
de computador deveriam permanecer _no domínio público onde as pessoas as possam mo
dificar, adaptar, melhorar e usar livremente. Desta maneira, o sistema operacional Lin · NOTA NA INTERNET 5.4 lf!llf;jl~I
Nosso site fala muito mais sobre a economia dos direitos autorais, como, por exemplo, a recente
21 Como o expressou o lorde Macaulay, o direito autoral é "um imposto pago pelos leitores para dar uma recompensa gene-,: controvérsia jurídica referente ao Napster e outros sites para baixar material suscetível de registro
rosa aos escritores", THOMAS B. MACAULAY, SPEECHES ON COPYRIGHT 25 (C. Gaston, ed., 1914). de direitos autorais, objeções constitucionais às extensões do direitos autorais do final da década
22 Em outubro de 1998, o Congresso aprovou a Lei Sonny Bono de Extensão do Prazo do Direito Autoral para obras criadas de 1990, outras propostas de refonna do direitos autorais, e uma proposta recente do juiz Richard
para
a partir de 1º de janeiro de 1978 para a vida do autor mais 70 a'nos, e estende os direi_tos aut?rais exist~nt~s "criados
Posner e do professor William Landes para um direito autoral indefinidamente renovável.
arrendamento e de propriedade de empresas" para 95 anos. Antes da mudança, a Lei Amencana de Direitos Autorais d~
1976 tinha dado proteção para a duração da vida do autor mais 50 anos. Quaisquer que sejam as ~utras razões para.ª Lei,
de Extensão do Prazo dos Direitos Autorais, uma justificativa é que ela coloca a prática norte-americana em confonrudade_
24
com a prática da Europa ocidental. Creative Commons, um projeto do professor Lawrence Lessig, da Faculdade de Direito de Stanford, pemiite que autores,
23 William Landes & Richard A. Posner, An Economic Analysis of Copyright Law, 18 J. LEGAL Snm. 325 (1989). Veja també compositores e outros criadores escolham dentre uma variedade de proteções para suas expressões. Veja www.creative-
Wendy Gordon, On Owning Jnformation: lntellectual Property and the Restitutionary Impulse, 78 VA. L. REv. 149 (1992) .. commons.org.
150 Di,eico e Economia Capítulo 5 Temas da Economia do Direico de Propriedade 151

3. Marca registrada Muitas empresas modernas e organizações de serviços investem argumento econômico para limitar a duração dos direitos de propriedade sobre marcas
quantias enormes de dinheiro para estabelecer símbolos facilmente reconhecíveis para registradas que empregamos no caso das patentes e direitos autorais. Os limites impostos
seus produtos. Por exemplo: as crianças de muitos países reconhecem os arcos dourados à duração das patentes e direitos autorais eram justificados como tentativas de minimizar
que sinalizam a localização de uma franquia do McDonald's. Esses símbolos são marcas os custos sociais do monopólio e da investigação. Entretanto, as marcas registradas incen-
27
registradas [trademarks] ou marcas de serviço [servicemarks]. O common law e suas leis tivam a concorrência e não impõem custos de investigação. Esta talvez seja_a razão pela
começaram a proteger marcas registradas já no século 13 na Inglaterra. O moderno direito qual as marcas registradas podem durar para sempre, até serem abandonadas. Neste to-
chi marca registrada nos Estados Unidos provém da Lei Federal sobre Marcas Registradas cante, as marcas registradas são semelhantes a direitos de propriedade fundiária e diferen-
ele 1946, comumente chamada de Lei Lanham. A lei oferece um método para se obter o tes de outras formas de propriedade intelectual.
25
registro federal para marcas registradas ou marcas de serviço. Como no caso das paten- A questão da amplitude nas marcas registradas tem uma idiossincrasia interessante.
tes, o requerente que consegue o registro precisa demonstrar que a marca cumpre certos Nada está mais assentado na lei das marcas registradas do que a proposição de que nomes
critérios, sendo que o mais importante deles é a distintividade. O registro junto ao Escri- de produtos genéricos não podem ser marcas registradas. Por exemplo: nenhum produtor
tório de Marcas Registradas dos Estados Unidos dá ao detentor acesso a certas proteções de câmeras pode registrar a palavra "câmera" corno marca registrada. Permitir tal marca
e direitos, entre os quais está o privilégio de colocar o sinal® ao lado de sua marca, que registrada possibilitaria que seu proprietário processasse qualquer fabricante de câmeras
26
indica uma marca registrada. que anunciasse seu produto usando a palavra "câmera". Se nomes de produtos genéricos
As marcas registradas ajudam a resolver o problema da ignorância do consumidor a pudessem ser marcas registradas, a lei das marcas registradas criaria poder monopolista,
respeito da qualidade de um produto. Quando a qualidade não é conhecida com certeza, em vez de facilitar a competição. Às vezes, entretanto, um produto competitivo tem tanto
o consumidor pode usar a marca registrada como um sinal de qualidade. Além disso, as sucesso que sua marca registrada se torna um nome genérico. Por exemplo: atualmente
marcas registradas reduzem para os consumidores o custo de procurar um produto com as pessoas falam em "xerocar" quando querem dizer "fotocopiar" ou falam em "gilete"
qualidades específicas. As principais justificações econômicas para a concessão de direitos quando querem dizer "lâmina de barbear". Quando essa situação surge, o proprietário da ·
de propriedade a marcas registradas são que eles diminuem o custo de busca para o consu- marca registrada tem de protegê-la processando os rivais que usarem o nome genérico
midor e criam um incentivo para os produtores fornecerem mercadorias de alta qualidade. para descrever seus produtos. Do contrário, o produtor perderá seu direito de propriedade
A comercialização no Leste Europeu antes da queda do comunismo em 1989 mostra o quanto ao nome genérico.
que pode acontecer sem marcas registradas. As loj'as estatais vendiam produtos sem mar- Esse tipo de coisa aconteceu à Sterling Drug Company em 1921. Naquele ano, urna
ca com rótulos genéricos - "pão", "camisa", "óleo" ou "caneta". Um consumidor encon- vara federal norte-americana determinou que o nome que a Sterling tinha registrado corno
traria urna ou duas canetas sem marca na prateleira de uma loja, de modo que não tinha marca de seu ácido acetilsalicílico, "Aspirina", tinha se tornado o termo comum para de-
como saber quem as tinha projetado ou fabricado. Uma compra era uma escolha aleatória signar qualquer marca dessa droga, não apenas a da Sterling. Depois dessa decisão, todos
dentre os produtos do universo de fábricas estatais. Já que as fábricas não podiam adquirir os produtores de ácido acetilsalicílico podiam usar a palavra "aspirina" para descrever seu
reputações juntos aos consumidores, elas não podiam concorrer para melhorar a quali- produto. A Bayer conseguiu impedir a erosão de sua marca registrada Aspirina no México
dade. Em contraposição a isso, a marca registrada possibilita que urna empresa construa e no Canadá, onde nenhuma empresa exceto a Bayer pode descrever seu ácido acetilsali-
28
uma reputação de alta qualidade e publicidade digna de crédito, de modo que ela pode cílico como "aspirina". Para ficar sabendo como os fabricantes de produtos muito bem-
competir com outras empresas em relação a essas dimensões. -sucedidos protegem suas marcas registradas, leia o quadro sobre "Coca" na página 152.
O problema geral da credibilidade é central para a teoria econômica da informação. Além da qualidade, as marcas registradas também sinalizam prestígio. Em alguns
Os compradores de informações geralmente não podem determinar seu valor até que as mercados da Ásia Oriental, um consumidor pode escolher um relógio sem marca e de-
tenham. Uma ilustração: recentemente, um banqueiro recebeu urna carta que dizia: "Se pois escolher o nome de marca a ser colocado nele. Assim, um consumidor pode obter
você me pagar US$ 1 milhão, eu lhe direi corno seu banco pode ganhar US$ 2 milhões". A o prestígio de um relógio que proclama ser um "Rolex" sem pagar o custo. Essas cópias
única maneira de tornar essa afirmação digna de crédito é fornecendo as informações ao baratas, que violam as leis das marcas registradas, recompensam o consumidor e enganam
banco. Depois de ter as informações, entretanto, o banco não tem por que pagar por elas. o fabricante do produto autêntico. Infelizmente, ·as ferramentas econômicas normais não
De modo semelhante, para avaliar o valor de um software inovador, um comprador de foram projetadas para o prestígio, não se saindo bem em medir os custos e benefícios de
grande porte corno a Microsoft precisa entender como ele funciona. Depois de descobrir cópias baratas.
como o produto funciona, entretanto, a Microsoft poderá produzir sua própria versão do Pergunta 5.8: A duração do direitos autorais aumentou sob a lei norte-americana em vá-
produto, em vez de pagar royalties à pequena empresa. rias etapas desde o século 18, até chegar à duração da vida do autor ou autora mais 70 anos.
Observe que a justificativa econômica para a existência de marcas registradas é dife- Suponha que uma escritora termine um romance aos 40 anos. Se ela viver até os 75 anos, o
rente daquela das patentes e direitos autorais. Diferentemente das patentes e direitos auto- direitos autorais irão durar 105 anos. A uma taxa de juro de 10%, o valor atual de US$ 1 pago
rais, a teoria econômica das marcas registradas não diz respeito à inovação, ao monopólio depois de 105 anos equivale a menos de 5 centavos de dólar. O que esse fato sugere sobre a
temporário ou à disseminação restrita. Consequentemente, não podemos utilizar o mesmo
27
Informações gerais encontram-se em William Landes & Richard Posner, Trademark Law: An Economic Perspecrive, 30 J.
25
Observe, entretanto, que não há necessidade de registrar urna marca a fim de receber um direito de propriedade sobre essa LAW & EcoN. 265 (1987).
28
marca. A empresa Bayer da Alemanha tinha descoberto o ácido acetilsalicílico no final da década de 1890. O governo norte-
26
Aiguns produtores colocam o símbolo TM ou SM (que designa servicemark) em seus produtos, mas esses símbolos não -americano confiscou a marca registrada "Aspirina" durante a l ª Guerra Mundial e vendeu o direito de usar esse nome
têm SWILIS jurídico. comercial à Sterling Company em 1918. Ironicamente, a Bayer comprou a Sterling em 1994.
152 Direico e Economia Capículo 5 - Temas da Economia do Direicode Propriedade ;53

pergunta se a duração eficiente do direitos autorais é mais longa ou mais breve do que aquela Pergunta 5.12: A lei das marcas registradas não permite que um detentor venda uma marca
que a lei dispõe atualmente? registrada independentemente do produto ao qual ela está vinculada. Portanto, a Coca-Cola
não pode vender seu uso da marca registrada "Cota-Cola'i a outro produtor de xarope à base de
Pergunta 5.9: Em 1939, o compositor Igor Stravinsky recebeu US$ 6 mil de Walt Disney
cola; essa marca só poderá ser vendida junto com o xarope prnduzida pela Coca-Cola Company
pelo direito de usar "O rito da primavera" no filme animado "Fantasia", com Mickey Mouse.
ou sob a supervisão dela. Você pode indicar uma justificativa econômica para essa restrição?
A Disney deveria ser proprietária do direito exclusivo de lançar o filme em videocassete, o que
gerou uma receita de US$ 360 milhões nos dois primeiros anos após seu lançamento em 1996,
ou os cessionários de Stravinsky têm direito a uma parte do dinheiro?
NOTA NA INTERNET 5.5
Pergunta 5.1 O: Ninguém pode usar uma patente sem a permissão do seu detentor. Porém,
num conjunto limitado de circunstâncias, outros poderão usar material protegido por direitos Quais são os remédios jurídicos apropriados para o uso ilegal de uma patente, direitos auto-
autorais sem a permissão de seu detentor. Essas circunstâncias - chamadas de exceção do "uso rais ou marca registrada? Veja em nosso site uma exposição da perspectiva econômica dessas
adequado" - permitem, por exemplo, que autores de recensões citem o material protegido por questões.
direito autoral sem permissão, que prof~ssores fotocopiem trechos limitados de material prote-
gido por direito autoral e o usem em suas aulas e grupos musicais e que grupos musicais in-
cluam uma amostra de música protegida por direitos autorais em suas próprias composições. 29
Use a teoria econômica para explicar por que poderá ser eficiente permitir a exceção do uso
NOTA NA INTERNET 5.6 ,~,~111
adequado. Esta seção só tocou a superfície dos notáveis desdobramentos ocorridos na propriedade inte-
lectual nos últimos 10 anos. Em nosso site, você encontrará mais informações sobre as ques-
Pergunta 5.11: Por que é eficiente limitar a duração de patentes e direitos autoraiss, ao pas- tões desta área, como, por exemplo, uma discussão da propriedade privada versus software de
so que os direitos de propriedade de imóveis duram quase para sempre? "código-fonte aberto".

C. As organizações como propriedade


As fa.nn1ias, clubes, igrejas, cooperativas, trusts, entidades beneficentes e o Estado são .
illl!
.....
"Coca" - essa e a rea !
, 1
organizações proprietárias de bens como terras, prédios e máquinas. Uma organização,
entretanto, não é igual à propriedade que tem. No caso de algumas espécies de orga-
Uma das marcas regi_stradas mais conhecidas no mundo é a palavra "Coca" para descrever o refri- nizações, os membros podem comprar e vender ativos, mas ninguém pode cornrrar ou
gerante à base de cola da Coca-Cola Company. Justamente porque é tão conhecida, a Coca-Cola vender a organização. Uma ilustração: ninguém é dono de uma família, clube, ·
Company corre o perigo de que os consumidores possam usar a designação "Coca" para se referirem cooperativa, trust, entidade beneficente ou Estado. Em contraposição a isso, as emrre:;a;;
a qualquer refrigerante à base de cola e não apenas àquele produzido pela Coca-Cola Company. Se têm proprietários que compram e vendem não apenas os ativos da empresa. mils também
isso acontecer, "Coca" terá se tornado um nome,genérico de produto que qualquer produtor poderá
a própria empresa. Em suma, muitas organizações são donas de propriedade e algumas
usar. O departamento de pesquisa comercial da Coca-Cola, que tem um orçamento anual de US$
organizações são propriedade.
2 milhões, emprega uma equipe de cerca de 25 investigadores cuja tarefa é percorrer os Estados
Unidos pedindo "Coca" e "Coca-Cola" em restaurantes, lancherias e bares. Depois, os investigadores As organizações que são propriedade e as que não o são desempenham papéis diferen-
enviam amostras do que lhes é servido à sede da empresa em Atlanta para serem submetidas a uma tes na sociedade. As organizações que não são propriedade desempenham o papel central
análise química. Se a empresa constatar que um proprietário de restaurante lhes serviu algo diferente na vida social, na religião e no governo, ao passo que as empresas desempenham o papel
de Coca-Cola, essa empresa é ad~ertida a respeito de seu delito. central na produção e no crescimento econômico. Explicaremos a conexão existente entre
Desde 1945; a Coca-Cola tem processado aproximadamente 40-60 varejistas por ano. Os varejis- a diferença em termos de propriedade e a diferença em termos de função. ·
tas afirmam que o que está por trás da vigorosa campanha da empresa não é um medo da violação Para iniciar, pensemos no que é uma organização. As organizações geralmente têm
da marca registrada, mas uma tentativa insidiosa e anticoncorrencial de intimidar os varejistas para uma estrutura de cargos criados por leis e contratos, como presidente, tesoureiro ou om-
que só negociem com a Coca-Cola Company. Observam que, muitas vezes, é dispendioso demais budsman. Enquanto alguns membros das organizações têm cargos, todos os membros têm
para eles - como numa noite movimentada - dizer a cada cliente que pede rum com Coca que eles
papéis a desempenhar. A padronização na divisão de trabalho cria papéis como guarda-li-
irão realmente tomar rum com Pepsi. Para rião enfrentar um processo por violação de marca regis-
vros, mecânico ou comprador. Proporcionando uma estrutura de cargos e papéis, uma
trada, muitos dos varejistas simplesmente assinaram um contrato de fornecimento exclusivo com
a Coca-Cola, dizendo que fazer isso era menos dispendioso para eles. Os varejistas apontam para o organização coordena o comportamento de seus membros de modo· que possa perseguir
fato de que a Coca tem uma fatia de mercado de 80% no mercado de lancherias e bares, mas uma objetivos. Quando a organização é suficientemente firme, os observadores da organiza-
fatia muito menor das vendas em supermercado corno prova de que o trabalho do departamento ção atribuem papéis a ela, e não apenas a seus membros enquanto indivíduos. Portanto,
de pesquisa comercial faz parte de uma operação de comercialização anticoncorrencial. podemos definir uma organização como uma estrutura de cargos e funções capaz de agir
coletivamente. ·
(Veja "Mixing wich Coke Over Trademarks Is Always a Fizzle: Coca-Cola Adds a Liccle Life in Courc co Those Failing
co Serve che Real Thing", Wa/1 Streetjournal, 9 mar. 1978, p. 1, col. 4.) As organizações ajustam sua estrutura para melhorar o desempenho ou mudar ob-
jetivos. As organizações com proprietários se ajustam reagindo à pressão dos mercados
para as organizações. Por exemplo: altos funcionários de uma empresa cujo desempenho
29
James Zinea, "A Discordant Ruling", Forbes, 5 out. 1998, p. 66. é insatisfatório poderão ver sua empresa ser comprada por um novo proprietário que de-
·154 Direico e Economia Capículo 5 - Temas da Economia do Direico de Propriedade 155

mitirá os gerentes antigos e os substituirá por novos gerentes. Em contraposição a isso, autoridades antitruste que poderão impedir uma companhia área de se fundir com outra.
uma organização sem proprietário evita a pressão vinda do mercado para as organizações Em geral, bloquear fusões para intensificar mercados de- produtos toma o mercado pouco
porque ninguém pode comprá-la ou vendê-la. movimentado para as empresas.
Precisamos pensar em como um mercado para as organizações muda o comportamen- Na medida em que um mercado fica pouco movimentado, as pressões competitivas
to delas. De acordo com a teoria da propriedade e da negociação desenvolvida neste livro, diminuem. Especificamente, mercados pouco movimentados para as empresas permi-
os mercados tendem a fazer a propriedade ser transferida de pessoas que a valorizam tem que seus membros persigam objetivos diferentes da maximização dos .lucros. A
menos para pessoas que a valorizem mais. Assim, o mercado para as organizações tende compreensão desse fato exige uma avaliação da história do direito societário. As em-
a fazer as organizações passarem de proprietários que as valorizam menos para proprietá- presas são formas muito antigas de organização. Por exemplo: no passado, o governo
rios que as valorizem mais. As empresas são, primordialmente, instrumentos para ganhar britânico se financiava parcialmente vendendo licenças exclusivas a grandes empresas
dinheiro, de modo que os proprietários das empresas tendem a valorizá-las segundo sua para desenvolver o comércio nas colônias. Um exemplo específico: a Hudson's Bay
lucratividade. Consequentemente, o mercado para empresas tende a levar a propriedade Company foi formada em 1670 e, pouco tempo depois, recebeu o controle sobre o co-
de cada empresa às pessoas que possam extrair o máximo de lucro dela. Sob as condições mércio de peles e outros negócios na região que, atualmente, corresponde a um terço do
ideais descritas no modelo da concorrência perfeita, a lucratividade mede o valor social território do Canadá.
criado por uma empresa. Quando a realidade se aproxima dessas condições, o mercado Duas inovações jurídicas importantes distinguem essas empresas históricas das em-
para empresas maximiza a riqueza da nação transferindo a propriedade às pessoas que presas modernas. Primeiramente, como a Hudson's Bay Company, as cartas patentes das
dirigem as empresas com o máximo de lucratividade. empresas históricas as restringiam em termos de atividade e geografia. Em contraposição
Já que ninguém é dono de uma farru1ia, clube, igreja, cooperativa, trust, entidade be- a isso, as empresas modernas podem entrar em praticamente qualquer forma de negócio
neficente ou Estado, não há mercados para passar o controle dessas organizações para as em qualquer lugar. Uma ilustração: urna empresa com sede em Indiana pode entrar em
pessoas que possam obter o máximo de lucro delas. Sendo assim, a finalidade primordial praticamente qualquer tipo de negócio em qualquer outro estado norte-americano. (As
dessas organizações não é obter lucro. Em lugar de ser um instrumento para a obtenção empresas estão proibidas de entrar em alguns poucos ramos de negócios nos Estados
de riqueza, a maioria dos membros_ é de opinião que essas organizações estão primordial- Unidos que estão reservadas para sociedades, particularmente direito e contabilidade, ou
mente a serviço de outras finalidades. Se essas organizações fossem de propriedade de que exigem uma constituição separada de sociedade, particularmente bancos comerciais.)
alguém, a pressão do mercado para organizações desviaria sua finalidade para a lucrativi- Remover restrições referentes a atividades e à geografia aumenta enormemente a concor- ·
dade. Desse modo, ninguém deveria ser proprietário de uma organização cuja finalidade rência entre empresas.
não é o lucro, que é o que também observamos na realidade. Em segundo lugar, os proprietários das empresas históricas eram responsáveis pela
O dono de uma propriedade desfruta de poder discricionário sobre ela, incluindo o dívida da empresa. Por exemplo, se a Hudson's Bay Company tivesse ido à falência no
direito de transformá-la. Quando uma organização é de propriedade de alguém, geralmen- século 18, seus credores poderiam obter reembolso confiscando a riqueza de seus acio-
te o proprietário tem o poder de reestruturar seus cargos e papéis, e de trocar as pessoas nistas. Havendo uma responsabilidade ilimitada dos investidores numa empresa por suas
que os ocupam. Esse poder jurídico que o -proprietário tem sobre uma organização basta, dívidas, as pessoas que investem precisam monitorar e controlar com cuidado as políti-
muitas vezes, para controlá-la. Quando uma organização não tem proprietário, entretanto, cas da empresa. Em contraposição a isso, os proprietários das empresas modernas não
ninguém pode controlar seus cargos e papéis. A alternativa para a propriedade é, muitas são responsáveis pelas dívidas da empresa. Se uma companhia aérea vai à falência, por
vezes, a govemança. Um sistema de governança implica política e controle coletivo. Uma exemplo, seus credores podem liquidar seus ativos, mas não confiscar as casas, carros
ilustração da diferença: o proprietário de uma pequena empresa a controla e faz com ela ou contas bancárias de seus acionistas. Em decorrência da responsabilidade limitada, as
o que quiser, ao passo que os membros de um clube, igreja, cooperativa ou Estado demo- pessoas que investem em ações correm o risco de perder seu investimento e nada mais. A
crático tomam decisões coletivas e se envolvem na política. Geralmente a propriedade é responsabilidade limitada permite que as pessoas invistam numa empresa sem monitorar
a melhor opção para buscar a riqueza, e a governança geralmente é a melhor opção para ou controlar as políticas dela tão de perto.
tentar alcançar objetivos mais difusos. A responsabilidade limitada é um aspecto do problema mais geral de separar os ativos
Explicamos que organizações diferentes têm funções diferentes, e a função primordial de uma empresa dos ativos de seus proprietários e gerentes. A responsabilidade limitada
das empresas é criar riqueza mediante a busca de lucros. O mercado para as empresas impede o credor da empresa de se apoderar dos ativos pessoais dos proprietários dela. Um
ajuda a manter a gerência concentrada nessa tarefa. Entretanto, os mercados para as em- corpo de leis igualmente importante impede os credores dos proprietários de se apoderar
presas são, muitas vezes, pouco movimentados, o que quer dizer que há poucos com- dos ativos da empresa. A separação dos ativos é chamada de "partilha", e a não separação
pradores ou vendedores. Uma ilustração: a recessão econômica na virada do século 21 dos ativos é chamada de "mescla". O direito societário moderno separa os ativos das em-
e a destruição do World Trade Center por terroristas causaram um declínio significativo presas e de seus proprietários, ao passo que historicamente a lei os mesclava.
no número de passageiros aéreos. Nesse ambiente, muitas (mas não todas) companhias A responsabilidade limitada criou uma situação comumente descrita como a separa-
aéreas não são lucrativas. Essa situação cria uma pressão para que os proprietários de ção da propriedade do controle. Esta expressão designa o fato de que muitos acionistas
companhias aéreas não lucrativas as vendam. Os compradores em potencial são poucos, de grandes empresas cujas ações são vendidas em bolsa as monitoram pouco e não têm
porque companhias aéreas são muito caras e operá-las exige conhecimento especializado. controle sobre elas. Às vezes, um pequeno número de grandes investidores monitora e
O mercado para companhias aéreas é pouco movimentado no sentido de ter poucos com- controla a empresa. Muitas vezes, porém, nenhum dos proprietários exerce controle so-
pradores e vendedores. O problema dos mercados pouco movimentados é agravado pelas bre a empresa. O controle sobre ela está, antes, nas mãos de sua gerência. A maioria dos
156 Direico e Economia Capítulo 5 - Temas da Economia do Direico,de Propriedade 157

investidores quer ganhar dinheiro, desejando, portanto, que os gerentes maximizem os prietários são muitos acionistas são "empresas de capital aberto". De modo semelhante, o
lucros. Os gerentes, entretanto, têm seus próprios objetivos a perseguir. Estado é chamado de "setor público". Quando o Estado .é danei de um recurso, como um
Um mercado vigoroso para as empresas pode impedir os gerentes de perseguir objeti- parque público, por exemplo, às vezes dizemos que o recurso pertence a todos os cidadãos
vos diferentes da maximização dos lucros da empresa. Em geral, o mercado de ações ele- ou que pertence somente ao Estado e a ninguém mais.
va o preço das ações de urna empresa até que ele seja igual aos ganhos futuros esperados Que diferença faz o número de proprietários? Ao expor o Teorema de Coase, des-
da empresa descontando o valor presente. Se os gerentes não conseguem maximizar os crevemos a negociação entre os donos de propriedades separadas, como o pecuarista e 0
lucros da empresa, os ganhos futuros esperados da empresa caem e o preço de suas ações agricultor, por exemplo. A negociação também ocorre quando várias pessoas são donas da
diminui. Sob essas circunstâncias, alguém que está do lado de fora poderá tentar comprar mesma propriedade. Por exemplo: os sócios de uma empresa negociam em tomo da alo-
a empresa e substituir sua gerência. Corno prediz esta teoria, as provas econométricas cação de tarefas. A diferença entre propriedade privada e pública pode ser descrita como
demonstram que o preço das ações das empresas sobe e permanece mais elevado em con- uma diferença na estrutura da negociação.
sequência de uma tornada hostil ou tomada de controle bem-sucedida. Assim, os novos A propriedade privada divide as pessoas em grupos pequenos. Contanto que as ex-
gerentes precisam tornar a firma adquirida mais lucrativa. A previsão da possibilidade ternalidades sejam privadas, os proprietários privados podem promover seus interesses
de uma aquisição hostil ajuda a impedir os gerentes de se desviar muito do objetivo de cooperando com um número pequeno de pessoas. A negociação entre grupos pequenos .de
maximizar os lucros da empresa. Inversamente, um mercado pouco movimentado para pessoas tende a resultar em cooperação e a atingir eficiência. Consequentemente, é fácil
as empresas toma aquisições hostis improváveis, de modo que os gerentes podem tentar defender a propriedade privada quando as funções de produção e utilidade são separáveis,
alcançar outros objetivos que não os lucros. ou quando as externalidades afetam poucas pessoas. Nessas circunstâncias, a propriedade
Em anos recentes, muitos estudos e pesquisas sobre empresas dizem respeito a como pública é um erro dispendioso.
a lei alivia ou exacerba problemas criados pela separação de propriedade e controle. Por Uma ilustração provém de um estudo de bancos de ostras situados ao longo das costas
exemplo: os gerentes empregam vários dispositivos contratuais para reduzir a possibili- do Atlântico e do Golfo do México nos Estados Unidos. 30 Num estágio inicial de sua vida,
dade de .que alguém compre a empresa e coloque novos gerentes (por exemplo, ''poison as ostras aderem permanentemente a algum material subaquático, como uma rocha, por
pill", "lock-ups", "paraquedas de ouro" e ações sem direito a voto). Além disso, os geren- exemplo. Essa aderência torna possível imaginar a definição de direitos de propriedade
tes conseguiram que fossem promulgadas leis para reduzir a eficácia do mercado para o privada de ostras para operadores de pesca comercial. Entretanto, os estados situados ao
controle das empresas (particularmente a Lei Williams). longo das costas do Atlântico e do Golfo do México que têm setores comerciais de ostras
Antes de dar início a um novo tema, queremos relacionar esta exposição das organi- não acordaram um único sistema de direitos de propriedade sobre ostras. Alguns estados
zações como propriedade ao próximo capítulo. O problema da separação da propriedade determinaram que as áreas subaquáticas onde as ostras tendem a se congregar devem ser
e do controle na empresa moderna tem uma forma analítica geral. Os proprietários geral- propriedade comum para colhedores de ostras; qualquer um deles pode tirar ostras dessas
mente colocam seus ativos sob o controle de outra pessoa. Nessas circunstâncias, os eco- áreas, e nenhum deles pode excluir um outro. Outros estados decidiram que essas áreas
nomistas descrevem o proprietário como o "principal" e o controlador como o "agente". devem estar disponíveis para arrendamento privado por parte do Estado e que o arrenda-
O problema de agência- entre o agente e o proprietário - é redigir um contrato que dê tário terá os direitos usuais de excluir e transferir (com algumas limitações). Essa diferen-
ao agente incentivos para gerir o ativo da melhor forma do ponto de vista do principal. O ça permitiu aos professores Agnello e Donnelly comparar a eficiência relativa dos siste-
próximo capítulo usa o modelo principal-agente para desenvolver a teoria dos contratos. mas de direitos de propriedade privada e comunitária. A medida de eficiência que eles
usaram foi a produtividade da mão de obra (produção por pessoa-hora na pesca de ostras).
Pergunta 5.13:
Sua conclusão foi que a mão de obra era empregada de modo mais produtivo nos bancos
a. Dê um exemplo concreto da diferença entre propriedade e govemança em organizações. Em de ostras arrendados para empresas privadas do que nos bancos de ostras comunitários.
seu exemplo, que forma de organização tem um custo transacional mais elevado para tomar Expressando isso de maneira drástica, os autores desse estudo concluíram que se todos os
decisões?
bancos de ostras tivessem sido arrendados privadamente em 1969, a renda média do co-
b. Encontre um exemplo concreto de uma empresa cujos gerentes se defrontaram com uma
lhedor de ostras teria sido 50% mais elevada do que era. Isso implica uma perda conside-
oferta de aquisição hostil bem-sucedida. Depois da tomada de controle, o que aconteceu
rável de bem-estar devido à propriedade pública.
com os gerentes da firma adquirida?
Os bancos de ostras públicos são um exemplo da exaustão de um recurso de acesso
aberto pelo uso excessivo, que, lembramos, é chamado de "a tragédia dos comuns". O
D. Propriedade pública e privada
acesso aberto a um recurso natural congestionado tem uma lógica implacável com um
Tendo exposto a propriedade de organizações, passamos a uma exposição da propriedade final terrível, como uma tragédia grega.
de ativos como terra, prédios e máquinas por parte de organizações. Usaremos nossa teo- Expusemos o caso fácil em que a propriedade privada pode separar as de
ria da propriedade para explicar a diferença entre propriedade privada e pública de um re- utilidade e produção e em que as externalidades são privadas. Um caso ma1s clifícíJ para
curso. As extemalidades privadas e públicas diferem de acordo com o número de pessoas a opção entre a propriedade pública e a privada surge quando as funções de produção e
afetadas. De modo semelhante, a propriedade privada e a pública podem ser distinguidas utilidade de muitos proprietários são interdependentes e as externalidades sáo públicas.
pelo número de proprietários. Um recurso cujo proprietário é um único ~ndivíduo é pri-
vado. Urna empresa cujo proprietário é um pequeno grupo de acionistas ("sociedade de 30
Veja R. J. Agnello & L. P. Donnelly, Property Rights and Efficiency in the Oyster lndustry, 18 J. LAW k Ecm,. ( '.9/5).
capital fechado" ou "empresa fechada") é uma "empresa privada". Empresas cujos pro- Veja também G. Power, More About Oysters Than You Wanted to Know, Mo. L. REv. 199 (1970).
158 Direito e Economia Capítulo 5 Temas da Economia do Direito de Propriedade 159

Para resolver esse problema através da propriedade privada, as partes afetadas precisam de pescar. O problema do mar já era chamado de "a tragédia dos comuns"; assim, o pro-
negociar umas com as outras, e os custos de transação são proibitivos. A propriedade blema das lojas de Moscou foi denominado de "a tragédia dos anticomu~s". Depois que
pública é uma solução possível. Em vez da negociação não estruturada e da exigência de um anticomum surge, juntar os direitos em conjuntos utifü;áveis de propriedade privada
que todos concordem, a passagem da propriedade privada para a pública substitui isso pode ser brutal e lento.
pela negociação estruturada e por um princípio de escolha coletiva, como, por exemplo, A propriedade privada atribui cada recurso a uma pessoa que o possuí, e o dono
a decisão da maioria. pode controlar o acesso excluindo outras pessoas. Os proprietários privados têm de arcar
Uma ilustração: pense na terra de pastagem nas montanhas da Islândia.31 Dividir as com o custo da manutenção dos limites. A propriedade privada funciona bem quando as
pastagens montanhosas entre proprietários individuais exigiria que elas fossem cercadas, funções de produção e utilidade são separáveis ou as externalidades afetam poucas pes-
o que é proibitivamente caro. Em vez disso, as pastagens montanhosas são propriedade soas que podem negociar umas com as outras. A propriedade pública tem três formas.
comum, sendo que cada aldeia possui diferentes pastagens que são separadas por caracte- Em primeiro lugar, o acesso aberto permite a todo o mundo usar um recurso, e ninguém
rísticas naturais, como lagos e picos de montanhas. Se cada pessoa na aldeia pudesse co- pode excluir qualquer pessoa de usá-lo. Não se gasta nada em manutenção de limites. O
locar· quantas ovelhas quanto quisesse na pastagem comum, os prados poderiam ser des- acesso aberto funciona bem quando o recurso não está congestionado, mas o congestio-
truídos e desgastados pelo uso excessivo. Na verdade, as pastagens comuns nas montanhas namento causa um trágico uso excessivo. Em segundo lugar, o controle político permite
da Islândia não foram usadas excessivamente nem destruídas porque as aldeias têm siste- aos legisladores ou reguladores impor regras referentes ao acesso. O acesso limitado é a
mas eficazes de governança. Elas adotaram regras para proteger e preservar a pastagem regra mais comum para a propriedade do Estado, incluindo terras públicas. Em terceiro
comum. As ovelhas são levadas para pastar na pastagem comum nas montanhas durante o lugar, o oposto do acesso aberto é o consentimento unânime, que não permite o acesso a
verão e depois levadas de volta para propriedades rurais individuais nos vales durante o ninguém a menos que todo o mundo concorde. A necessidade de consentimento unânime
inverno. O número total de ovelhas permitido na pastagem montanhosa durante o verão é entre múltiplos proprietários causa uma trágica subutilização. Em circunstâncias especiais
ajustado de acordo com sua carga máxima. Cada membro da aldeia recebe urna quota do em que o objetivo é preservar um recurso em seu estado não usado, a subutilização é um
total que é proporcional à quantidade de terra cultivada onde planta feno para alimentar as acaso feliz, e não uma tragédia.
ovelhas no inverno. Seria surpreendente se uma pequena aldeia homogênea na Islândia estivesse paralisa-
Algumas exposições da superioridade da propriedade privada sobre a propriedade pú- da politicamente ao ponto de não conseguir gerenciar recursos públicos. Entretanto, um
blica igualam a propriedade pública a acesso aberto aos recursos. Essa equação é simples país grande e heterogêneo como os Estados Unidos se depara com problemas bem mais
demais. De fato, o público em geral não tem acesso livre à maior parte da propriedade pú- difíceis na gestão de recursos públicos. Uma solução é reduzir a propriedade pública ven-
blica. Uma ilustração: nos Estados Unidos, os parques nacionais são propriedade pública, dendo terras de propriedade da União. O valor de mercado dos produtos provenientes de
mas cobra-se uma taxa de ingresso; muitas atividades exigem reservas com antecedência terras no oeste norte-americano certamente seria mais elevado se a terra que atualm~nte
(uma forma de racionamento pelo tempo), e lá ninguém pode cortar madeira ou levar está sob controle público fosse transferida para o controle privado.
animais para pastar. A tragédia dos comuns, em sua forma plenamente desastrosa, exige Contudo, é provável que esse argumento não persuada as pessoas que querem ver
uma paralisia política que impeça o gove:gio de deter a destruição de um recurso. Essa essas áreas subutilizadas. A maioria dos ecologistas acredita que as terras públicas não
paralisia parece ter alcançado um estágio avançado no tocante a alguns recursos, como os deveriam ser gerenciadas com o objetivo de maximizar o valor de mercado que elas pro-
viveiros de peixes, por exemplo. Para outros recursos, há sintomas de paralisia, mas não duzem. Todo mundo tende a pensar que algumas coisas são mais valiosas do que a riqueza
o desastre completo. Por exemplo: o governo federal possui vastas áreas de terra no oeste (ao menos em última análise), como, por exemplo, a liberdade ou a verdade; para algumas
norte-americano e vende permissões para uso do pasto, silvicultura e mineração nessas pessoas, as áreas de terra não exploradas são um valor assim. Quem ama a liberdade nunca
terras. O domínio federal é gerenciado de modo ineficiente. Em decorrência disso, o meio decidiria se as pessoas têm o direito de se expressar perguntando se as pessoas pagariam
ambiente se deteriorou. 32 mais para ouvi-las ou para silenciá-las. De modo semelhante, quem ama as áreas de terra
O colapso do comunismo na Europa Oriental identificou um tipo de problema de pro- não exploradas nunca decidiria se deveriam ser construídos condomínios nos locais onde
priedade que não tinha sido percebido. Muitas lojas ficaram fechadas por vários anos os condores da Califórnia fazem seus ninhos perguntando se as incorporadoras pagariam
em Moscou enquanto movimentados quiosques de rua surgiram em frente a elas. Lojas mais pela terra do que os ecologistas. Os ecologistas geralmente se opõem à venda de ter-
polencialmente lucrativas permaneceram fechadas porque um número grande demais de ras públicas a interesses privados porque seu objetivo é limitar a exploração da terra, e não
prssoas tinha o poder jurídico ou efetivo de impedir qualquer pessoa de usá-las. Vetos aumentar o rendimento. Tendo em vista o grau de discordância existente e1me ecologistas
rnúlrip1os resultaram da projeção das leis socialistas promulgadas durante o regime co- e incorporadoras, parece certo que vastos recursos serão gastos c:m disputas políticas em
munista. A situação onde todo o mundo poderia impedir qualquer pessoa de usar uma loja tomo da govemança de terras públicas no oeste dos Estados Unidos.
em Moscou é a imagem idêntica do mar onde ninguém poderia impedir qualquer pessoa Pergunta 5.14: Os empreendimentos cooperativos são propriedade coletiva, e as questões
que lhes dizem respeito são dirigidas pela govemança compartilhada. Use a teoria preceden-
11
te para discutir a gestão de alguns empreendimentos cooperativos que você conheça, como,
Vt~ja a das pastagens comuns nas montanhas da Islândia em THRAINN EGGERTSSON, ECONOMIC BEHAVIOR AND por exemplo, uma cooperativa de laticínios, um prédio de apartamentos administrado como
fri,TlTUT!ONS,
cooperativa, um kibbutz israelense, uma propriedade rural huterita, uma comuna e assim por
Para uma introdução à propriedade federal de terra nos Estados Unidos, veja MARION CLAWSON, THE FEDERAL LANDS
Rt,VISITl'J), l 983. diante.
160 Direito e Economia Capículo 5 - Temas da Economia do Direito de Propriedade 161

11. COMO OS DIREITOS DE PROPRIEDADE SÃO ESTABELECIDOS página 165.) Atualmente, há poucas oportunidades para reivindicar terras ou águas sem
E COMPROVADOS? dono, mas a regra da primeira posse se aplica a formas importantes de propriedade incor-
pórea, corno as invenções, por exemplo.
Como explicamos no capítulo anterior, a delineação clara dos direitos de propriedade
Uma grande vantagem da regra da primeira posse é que ela se concentra em alguns
facilita a negociação e o intercâmbio voluntário. Entretanto, a delineação e execução de·.
poucos fatos simples, de modo que é relativamente fácil e barato aplicá-là. Caso ocorra
direitos de propriedade são dispendiosas. Consequentemente, é necessário contrabalançar
uma disputa referente à propriedade, em geral é simples determinar quem possuía primei-
os benefícios decorrentes da delineação dos direitos de propriedade e os custos. Nesta
ro a posse em questão. Por exemplo: indícios materiais geralmente provam quem explo-
seção, examinamos como o direito atinge o equilíbrio.
rou por primeiro urna fonte de abastecimento de água. Há, entretanto, uma desvantagem
econômica na regra da primeira posse: ela cria um incentivo para que ·algumas pessoas
A. O estabelecimento de direitos de propriedade sobre coisa fungível: pratiquem preempção, ou seja, adquiram a preferência sobre outras fazendo investimen-
primeira posse versus propriedade subjacente tos não econômicos para obter título de uma propriedade. A razão pela qual a regra. da
O problema da definição dos direitos de propriedade parece simples no caso de objetos primeira posse cria um incentivo para investir recursos excessivos cedo demais é fácil de
como a terra e prédios, que têm limités nítidos e permanecem fixos. Mas o que dizer de explicar. De acordo com a regra da primeira posse, um investimento apropriado transfere
objetos que estão em movimento ou têm limites indefinidos, como o gás natural ou ani- a propriedade de um recurso ao investidor. O proprietário de um recurso escasso pode
mais selvagens? A "propriedade de objeto fungível", que é o nome dado a essas coisas, arrendá-lo ou alugá-lo a outros. O aluguel aumenta na medida em que o recurso se toma
cria um problema jurídico ilustrado pela ação judicial Hammonds v. Central Kentucky mais escasso. De fato, o aluguel é o valor de escassez do recurso. Sob a regra da primeira
Natural Gas Co., 255 Ky. 685, 75 S.W.2d 204 (Tribunal de Apelação de Kentucky, 1934). posse, um investimento rende, portanto, dois tipos de benefícios ao investidor: 1) produ-
A Companhia de Gás Natural do Kentucky Central arrendou áreas de terra situadas sobre ção (produz-se mais a partir de recursos existentes) e 2) renda ou aluguel futuro (valor de
grandes jazidas de gás natural. Algumas das áreas arrendadas estavam separadas umas escassez do recurso no futuro).
das outras por terras que a companhia não possuía ou arrendou. O domo geológico de gás Urna ilustração: suponha que a lei permita que uma pessoa adquira a propriedade
natural do qual a companhia extraía o produto que fornecia se encontrava parcialmente de terra "devoluta" cercando-a. Cercar a terra aumenta sua produtividade usando-a, por
sob terras arrendadas e parcialmente sob terras não arrendadas. Hammonds era proprie- exemplo, como pastagem para o gado. Por suposição, cercar a terra também transfere a.
tária de 54 acres de terra situados acima do domo geológico explorado pela Companhia propriedade à pessoa que construiu a cerca. Suponha que cercar terra devoluta custe mais
de Gás Natural do Kentucky Central, mas ela não tinha entregue os direitos do subsolo do que o lucro obtido de seu uso corno pastagem para o gado aos preços atuais, mas que
de suas terras à companhia. Quando a Companhia de Gás Natural do Kentucky Central todo mundo espere que o valor de uso da terra vá subir à medida que a população au-
e
extraiu gás natural petróleo do domo, ela processou a empresa com base na teoria de que mentar no futuro. Investidores poderão construir cercas inúteis para "obter a preferência"
parte do gás natural que estava debaixo de suas terras tinha sido ilicitamente apropriada sobre outros e assegurar o título sobre a terra.
pelo réu. O investimento precoce ilustra um princípio econômico geral aplicável à regra da
Nesta ação, é difícil, se não impossível, identificar que parte do gás natural vinha das primeira posse. Quando o Estado concede direitos de propriedade, as pessoas disputam
terras não arrendadas e que parte vinha do subsolo de terras arrendadas. Dois princípios vigorosamente para obter o título. Numa disputa pelo título, as pessoas tentam fazer com
gerais podem resolver o problema do estabelecimento da propriedade: que os direitos de propriedade sejam transferidos a elas. A eficiência econômica, contudo,
diz respeito à produção de riqueza, não à sua transferência. Os investimentos feitos para
l. Primeira posse: o petróleo e o gás não são propriedade de ninguém até que sejam
transferir riqueza, e não para produzi-la, são socialmente ineficientes.
reduzidos à posse efetiva mediante a extração, ou
Em termos técnicos, a eficiência social exige que os investidores invistam num recur-
2. Propriedade subjacente: o proprietário da superfície tem o direito exclusivo às
so até que o custo marginal seja igual ao aumento marginal no valor produtivo. A regra da
jazidas que estejam no subsolo.
primeira posse faz com que as pessoas invistam m~m recurso até que o custo marginal seja
Sob a primeira regra, a Companhia de Gás Natural do Kentucky Central tinha direito de igual ao valor marginal da soma da produção maior mais a propriedade transferida. Por-
extrair todo o gás natural do domo, independentemente de ser detentora dos direitos à tanto, o efeito de transferência sob a regra da primeira posse gera investimento excessivo
superfície ou não. Porém, sob a segunda regra, a Companhia só tinha direito de extrair gás nas atividades que a lei define como necessárias para obter a posse jurídica. Melhorar a
natural do subsolo da superfície de que era proprietária ou arrendatária. propriedade a fim de transferir a propriedade corresponde ao interesse próprio dos inves-
As consequências dessas duas regras para a exploração e extração eficiente de gás na- tidores, mas não aos interesses da eficiência social.
tural são muito diferentes. De acordo com a primeira regra, o petróleo ou gás fungível não Uma ilustração: pense na Lei de Cessão de Terras (conhecida corno Homestead Act)
é de propriedade de ninguém até que alguém o possua, e a primeira pessoa a possuí-lo se de 1862 nos Estados Unidos, que estabeleceu regras que permitiam a cidadãos priva-
torna, com isso, a proprietária. Esta regra pode, consequentemente, ser chamada de regra dos adquirirem até 160 acres de terras públicas no oeste. A lei exigia que os requerentes
da primeira posse. A regra da primeira posse aplica a máxima jurídica "o primeiro no cumprissem certos requisitos antes de adquirir o título. Por exemplo: o requerente Linha
tempo é o primeiro no direito". Esta regra é usada para estabelecer direitos de propriedade de apresentar uma declaração juramentada de que era chefe de farru1ia ou tinha mais de
há séculos. Uma ilustração: no árido sudoeste norte-americano, o direito estadual permitia 21 anos de idade, e de que o requerimento tinha "a finalidade de assentamento e cultivo
que uma pessoa obtivesse um direito à água num curso sendo a primeira a explorá-la para efetivo, e não se destinava, direta ou indiretamente, ao uso ou benefício de qualquer outra
usá-la na mineração ou irrigação. (Veja o quadro intitulado "O mar como propriedade" na pessoa ou pessoas". Além disso, antes de o título pleno ser adquirido por US$ 1,25 o acre,
162 Direico e Economia Capítulo 5 - Temas da Economia do Direito de Propriedade 163

o requerente tinha de residir no lote durante seis meses e fazer melhorias ou benfeitorias A opção pela regra mais eficiente num caso como Hammonds exige ponderar o incen-
"adequadas" na terra. Estas exigências visavam a minimizar os efeitos de transferência tivo ao investimento excessivo sob a regra da primeira ppsse contra o custo da administra-
e incentivar a produção. Na prática, entretanto, as exigências foram executadas por um ção e execução da condição de ser proprietário sem posse._
brevíssimo período (o que geralmente acontecia com a exigência de residência) e eram Pergunta 5.15: Esta é a parte crucial da ação judicial Pierson v. Post: 34
descumpridas com facilidade (como quando as benfeitorias "adequadas" consistiam na
colocação de casas em miniatura - na verdade, casas de bonecas grandes - na proprieda- [... ] Post, possuindo certos cães sob seu comando, fez o seguinte: "er,n certa terra selvagem e de-
sabitada, sem posse e devoluta, chamada a praia, encontrou e pegou um desses animais nocivos
de requerida). A ocupação e o desenvolvimento da região pouco explorada dos Estados
chamado raposa", e enquanto estava lá caçando-a e perseguindo-a com seus cães, e, ao ver isso,
Unidos aconteceram num ritmo mais rápido do que aquele que mercados competitivos ou
Pierson, perfeitamente ciente de que a raposa era assim caçada e perseguida, fez o seguinte: à
uma Homestead Act executada com rigor teriam produzido. vista de Post, para impedir que ele a pegasse, matou-a e a levou embora. Tendo um veredicto
Em contraposição à regra da primeira posse, não há hiato na propriedade sob a segun- sido dado para [Post, que era] o autor da ação abaixo, [Pierson interpôs recurso) [ ... ]. Por mais
da regra para o gás fungível, segundo a qual todo o gás que está no subsolo já pertence às descortês e indelicada que tenha sido a conduta de Pierson para com Posto neste caso, seu ato
pessoas que são donas da superfície. Por extensão, a segunda regra sugere que os animais não produziu qualquer lesão ou dano ao qual pudesse ser aplicado um remédio judicial. Somos
selvagens pertencem aos proprietários de alguma área de terra, como, por exemplo, aque- de opinião que a sentença abaixo foi errônea e deveria ser anulada.
l ,1 em que o animal selvagem nasceu. A propriedade de peixes e outros recursos marinhos
A pergunta é: essa decisão implementa um princípio de propriedade vinculada ou
t:.llvez devesse ser vinculada à propriedade do fundo do oceano. Em geral, a segunda
um princípio de primeira posse? Observe que esse caso, que é uma constante em cadei-
rc:grn, chamada de regra da propriedade vinculada, vincula a propriedade de objeto fun-
ras introdutórias sobre direito de propriedade em universidades norte-americanas, parece
à propriedade fixa.
irrelevante para o contexto moderno, porque a primeira posse de raposas aparentemente
O common law e o civil law muitas vezes vinculam a propriedade aplicando o princípio
não faz com que um número excessivo delas seja pego cedo demais.
da acessão. De acordo com este princípio, uma coisa nova é de propriedade do dono da
propriedade imediata ou proeminente. Assim, um bezerro recém-nascido pertence ao pro- Pergunta 5.16: Você consegue entender de alguma forma a proposição de que a regra da
prietário da vaca mãe, terra nova criada por um desvio num rio pertence ao proprietário da primeira posse é um princípio da "justiça natural"?
margem do rio; o proprietário do nome de uma marca tem um direito exclusivo de usá-lo A análise econômica sugere que não deveria ser por causa de preocupações a respeito
no nome de um domínio da Internet; o proprietário do direito autoral tem um direito exclu- de qual caçador é proprietário de uma raposa. Explique os custos e benefícios a ponder~r
sivo de adaptar a obra para outro meio; o proprietário de um apartamento também é dono numa análise econômica dessa ação judicial.
de quaisquer acessórios permanentes que um inquilino fixar às paredes; uma nova oportu-
nidade de negócios descoberta por um funcionário de uma empresa durante o trabalho B. Quando privatizar recursos de acesso aberto:
pertence à empresa; e um carpinteiro que, sem o saber, lisa a madeira de outrem para fazer
um barril é dono dele (mas tem de pagar indenização ao proprietário da madeira).33
congestionamento versus manutenção de limites
A vinculação da propriedade de objetp fungível a não-fungível evita investimentos Expusemos vários exemplos históricos de recursos sem dono que se tornam propriedade
precoces contanto que os direitos de propriedade sobre o recurso ao qual o objeto fungí- privada. Quando recursos sem dono se tornam propriedade de alguém? A economia su-
vel está vinculado já estejam estabelecidos. Uma ilustração: todo o gás já tem proprietário gere uma resposta.
sob a segunda regra porque todos os direitos à superfície já têm proprietário, de modo que A regra da primeira posse muitas vezes se aplica quando a propriedade é de proprie-
a regra não incentiva a aquisição da propriedade extraindo gás em excesso com demasiada dade comum e acessível ao público. A propriedade que é acessível ao uso de um público
brevidade. De modo semelhante, se os salmões fossem propriedade das pessoas que são amplo se chama um recurso de acesso aberto. Uma ilustração: os mares são uma proprie-
donas dos cursos d'água onde eles desovam, os proprietários não esgotariam os salmões dade comum à qual o público tem acesso. Em muitos casos, os peixes e mamíferos do
pegando um número excessivo deles. mar podem ser propriedade de quem os pega. Consequentemente, os peixes e mamíferos
O problemà com a segunda regra, como ilustram os fatos no caso Hammons, é a difi- marinhos têm sido caçados bem além do nível econômico, alguns até as raias da extinção.
culdade de estabelecer e comprovar os direitos de propriedade. A homogeneidade do gás De modo semelhante, em boa parte do mundo, nas terras comuns de caça há um excesso
natural e sua dispersão em cavernas tornam difícil e dispendioso provar sua localização de caça, nas terras comuns de pastagem há um excesso de animais pastando, e nas flo-
original no subsolo. restas públicas há um excesso de ceifa. Boa parte da erosão do solo e do esgotamento de
Nossa análise dos recursos fungíveis revela um dilema comum no direito da proprie- florestas no mundo é causada pela regra do acesso aberto.
dade: Seguem-se alguns termos técnicos para ajudar a explicar a irracionalidade econômi-
ca da situação. O "rendimento sustentável máximo" é o maior rendimento sustentável a
As regras que vinculam a condição de proprietário à posse têm a vantagem de serem fáceis de
longo prazo. Para maximizar o rendimento, a aplicação de mão de obra e capital precisa
administrar e a desvantagem de incentivarem investimentos não econômicos em atos possessó-
rLos, ao passo que as regras que permitem o ser proprietá1io sem a propriedade têm a vantagem
se expan~ir até que o produto marginal da mão de obra e do capital seja zero. Todos os
Je evitar investimentos precoces e a desvantagem de ter adnúnistração dispendiosa. principais viveiros de peixes do mundo são explorados além do rendimento sustentável
máximo atualmente, o que significa que o produto marginal da mão de obra e do capital é

Establishing Ownership: First Propriedadession versus Accession, BERKELEY LAW AND EcoNOMICS 34
'26 fev. 2007. Cal. R. 175, 2Am. Dec. 264 (Supreme Court ofNewYork, 1805).
..
164 Direirn e Economia Capículo 5 - Temas da Economia do Direico. de Pror:i~i~_i:~ 1
í65

negativo. Nessas circunstâncias, a pesca nos viveiros de peixes aumentaria ao se investir


menos esforço e ao se reduzir os gastos com mão de obra e capital. De modo semelhan-
te, o rendimento em muitas florestas de acesso aberto aumentaria envidando-se menos 1!lli O mar como propriedade
esforços e cortando-se menos árvores, e o rendimento em muitas pastagens de acesso
aberto aumentaria envidando-se menos esforços e mantendo-se menos animais. Viveiros A água cobre quase 70% da superfície terrestre na forma de oceanos, mas a quase to.ta!idade cbsa
de peixes, :florestas e pastagens com excesso de uso são análogos a uma fábrica que tem vasta quantidade de água não é afecada por direicos de propriedade bem definidos. No Fif"1,,1 ,,:r:'i-
lo 16 e início do século 17, as grandes viagens de descobrimento e os impérios ulcramarícirnos ck';is
tantos operários que eles se atrapalham mutuamente e tornam uns aos outros mais lentos,
resultantes na Europa cornaram necessárias regras internacionalmente aceitas sobre os direiw', ele
de modo que o produto total da fábrica aumentaria simplesmente reduzindo-se o total de
usar o oceano. Esses direitos foram catalogados pela primeira vez no famoso Mare Liberum de Hu30
empregos. Nada poderia ser mais irracional do que designar pessoas para trabalhar em Grotius, da Holanda. Ele observou que "o mar, por não poder ser capturado como o ar, não pode ter
empregos com produtividade negativa. sido vinculado às posses de nenhuma nação em particular''. No sistema que Grocius sugeriu e que
Impedir o uso excessivo de recursos comuns implica controlar o uso por outros meios prevaleceu no direito internacional por quase 300 anos, cada nação deveria ter direitos exclusivos ao
do que a regra de acesso aberto. A propriedade vinculada é um método. Por exemplo: uso do oceano dentro de um espaço de 3 milhas de suas águas costeiras, sendo essa área chamad~
para impedir o uso excessivo de pastagens comuns, pequenas comunidades da Islândia de "mares territoriais". (A distância de 3 milhas não foi escolhida por acaso; essa era a distância que
tradicionalmente vincularam o acesso às pastagens comuns à produção em pastagens pri- uma bala de canhão do início do século 17 conseguia alcançar.) Além do limite de 3 milhas, Grotius
vadas. Especificamente, os agricultores tinham permissão de levar para pastar animais nas propôs que o "alto-mar" deveria ser um recurso comum do qual ninguém, com exceção dos piratas,
montanhas comuns no verão de acordo com urna fórmula baseada no número de animais poderia ser legitimamente excluído.
que cada agricultor sustentava no inverno com o feno produzido em pastagens privadas O uso crescente do alto-mar no início e em meados do século 79 levou à substituição da doutri-
35 na do "uso livre" por aquela do "uso razoável". Depois da 2ª Guerra Mundial, a importância crescente
nas planícies.
da navegação, da pesca, das jazidas offshore de petróleo e gás e da mineração no fundo do mar fez
Outro método para impedir o uso excessivo é a privatização, que, neste contexto,
com que o sistema jurídico dos direitos referentes ao oceano se desintegrasse. Em 7945, o presidente
significa converter a propriedade pública em privada. Uma ilustração: muitas pessoas Truman anunciou que os direitos exclusivos dos Estados Unidos aos recursos orgânicos subaquáticos
poderiam se estabelecer em terras cedidas pelo governo, pescar no mar ou tirar corais de - como o petróleo e gás natural, por exemplo - estendia-se até o limite da placa continental, uma
recifes. Em contraposição a isso, úm proprietário privado pode excluir outras pessoas do área que se estendia por 200 milhas a partir da costa atlântica dos Estados Unidos. Outros países
uso de seu recurso. Conceder direitos de propriedade privada de terra, baleias ou elefantes rapidamente fizeram reivindicações semelhantes. Diferentemente dessas ações unilaterais, tentativas
fecharia o acesso limitando-o ao proprietário. Assim, a cessão de terras pelo governo as de cooperação internacional atingiram resultados ambíguos.
converte de propriedade pública em privada; alguns cursos d'água com salmões foram Uma ilustração: quando a terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UN-
convertidos em propriedade privada; e algumas aldeias receberam a propriedade de reci- CLOS é a sigla em inglês) se reuniu em 1974, havia uma ampla concordância de que o mar territorial
fes de corais. seria estabelecido no limite de 12 milhas e deveria haver uma "zona econômica''. controlada ~m
A conversão de propriedade éornum em propriedade privada implica no seguinte dile- grande parte, mas não completamente, pelo Estado costeiro, que se estenderia até 200 milhas a partir
do contorno da costa, que é a extensão geral da placa continental.
ma: uma regra de acesso aberto gera o uso,.excessivo de um recurso, ao passo que os direi-
Não havia uma concordância geral sobre o que fazer com os direitos de propriedade das áreas
tos de propriedade privada exigem a exclusão dispendiosa de não proprietários. Esta for-
situadas além desse limite de 200 milhas, e foi a disposição dessas áreas que levantou as questões
mulação dá uma ideia de, quando urna sociedade economicamente racional irá mudar a realmente difíceis. Os países desenvolvidos insistiram num sistema de exploração baseado nos direi-
norma legal para um recurso fazendo-o passar do acesso aberto para a propriedade priva- tos de propriedade privada, ao passo que os países em desenvolvimento propuseram um sistema de
da. Quando o recurso não está congestionado e a manutenção de limites é dispendiosa, o direitos de propriedade comum. No final, acordou-se uma solução conciliatória, chamada de sistema
acesso aberto é mais barato dp que a propriedade privada. Com o passar do tempo, entre- paralelo. Haveria canto exploração privada quando uma companhia financiada e operada pela ONU,
tanto, o congestionamento poderá aumentar, e a tecnologia de manutenção de limites po- chamada de "Empresa". A fim de dar à Empresa capacidade de concorrer com os países mais avan-
i' derá melhorar. No final, poder-se-á chegar a um ponto em que a propriedade privada seja çados do mundo desenvolvido, seria criada uma Autoridade Internacional do Fundo do Mar (ISA
mais barata do que o acesso aberto. Uma sociedade economicamente racional irá privati- é a sigla em inglês) para alocar direitos de mineração nos oceanos. A conferência especificou uma
i11 variante engenhosa do método de cortar bolo chamado de "eu cerco, você escolhe" a fim de alocar
zar um recurso a partir do momento em que a manutenção de limites custar menos do que
;' 1·
o desperdício decorrente do uso excessivo do recurso.
36 os direitos de mineração. Antes de poder iniciar suas operações, uma organização privada ou estatal
tinha de submeter à ISA dois locais de operações em potencial. A Autoridade escolheria, então, um
'·1 Esta teoria faz previsões claras sobre a privatização. Por exemplo: ela previu que a
desses locais para a exploração posterior pela Empresa e permitiria que o requerente seguisse em
invenção do arame farpado, que reduziu os custos da manutenção de limites, promoveria a
freme com a mineração do outro.
Os Estados Unidos se recusaram a assinar o tratado final, embora 117 países o tenham final-
35
Veja T. Eggertsson, Analyzing lnstitutional Successes and Failures: A Millenium of Common Mountain Pastures in Ice- mente assinado em dezembro de 1982. Com o passar do tempo, as objeções norte-americanas
land, 12 INTN'L REV. LAW & EcoN. 423 (1992). aos dispositivos faltantes da UNCLOS Ili se desvaneceram ou se mostraram infundadas. O tratado
36
Este é o aspecto central destacado por Harold Demsetz, Toward a Theory of Property Rights, 57 AM. EcoN. REv. 347 entrou em vigor em 7994. Os Estados Unidos assinaram o tratado, mas o Congresso não o tinha
(1967). Ele sustenta, por exemplo, que os índios norte-americanos não estabeleciam direitos de propriedade sobre a terra ratificado.
quando os custos da administração das regras excediam os benefícios decorrentes da propriedade privada. Seguindo este
raciocínio, ele tenta explicar por que certas tribos indígenas norte-americanas, como as do nordeste, por exemplo, cuja Pergunta 5.17: De que formas esses desdobramentos históricos correspondem à eficiência, e até que
principal atividade econômica era pegar animais em armadilhas para tirar sua pele, desenvolveram uma noção de direitos ponto eles correspondem ao poder político e à distribuição?
de propriedade, e outras, como os índios das pradarias, cujo principal recurso era o búfalo migratório, não fizeram isso.
Até que ponto seus argumentos se coadunam com a história ou a antropologia ainda é uma questão em aberto.
166 Direico e Economia Capíwlo S - Temas da Economia do Direico de Propriedade 167

privatização de terras públicas no oeste norte-:-americano. Outro exemplo: ela prevê que se?, inquilino que alugou o chalé no qual você está morando. A esta altura você se lembra da-
rão criados direitos de propriedade no espectro eletromagnético quando os radiodifusores · quela piada que começa assim: "Ei, cara, você gostaria de comprar a Torre Eiffel?"
começarem a causar interferência uns nos outros. As previsões dessa teoria são confirma-, Quando você compra uma propriedade, deveria apurar quem é o legítimo dono e nego-
das por alguns fatos e refutadas por outros. Aparentemente, as sociedades são racionais;' ciar com ele. Um método confiável e barato de determinar a propriedade evita alienações
como supõe a teoria, mas não perfeitamente racionais. A política leva a negociações e so-
luções conciliatórias que violam as exigências da eficiência econômica. Exemplos dessas
fraudulentas de imóveis, como ocorre, por exemplo, quando o inquilino se passar por faz
dono. Há várias formas de criar um registro de propriedade. Veja esta história - prova-
soluções conciliatórias se encontram no quadro intitulado "O mar como propriedade". velmente apócrifa do "registro" de um título na Inglaterra medieval, quando poucas
Pergunta 5.18: Leia o seguinte re1ato da história ,do direito das águas e discuta se a lei pare~ pessoas eram alfabetizadas. Diz-se que o vendedor entregava ao comprador um torrão de
ce ter evoluído na direção da eficiência econômica. turfa e um ramo da propriedade numa cerimônia, realizada perante testemunhas, chamada
de livery oj seisin. Depois, os adultos espancavam uma criança que tinha assistido à en-
A água sempre foi um dos mais valiosos recursos naturais, mas visto que ela tende a correr,
sempre houve problemas na definição e atribuição de direitos de propriedade sobre a água. Há trega da turfa e do ramo com suficiente força para que a criança se lembrasse daquele dia
séculos, na Inglaterra, a regra geral era que os direitos eram conferidos ao "proprietário ribei- enquanto vivesse, criando, assim, um registro vivo da transferência.
rinho", isto é, à pessoa que era dona da terra localizada na margem do rio. O principal direito Felizmente, hoje em dia temos métodos melhores de registrar o título de terras. Nos
37
do proprietário ribeirinho era o direito a um curso d'água que passasse por sua terra. Seria uma , Estados Unidos, não há um método uniforme de registro de terras, mas cada um dos 50
violação dos direitos de outrem se um usuário localizado a montante usasse a água que passava estados tem algum sistema de registro público de títulos de terras. Uma mudança na pro-
por sua propriedade de tal modo que reduzisse o fluxo para os usuários localizados a jusante. priedade de imóveis precisa ser registrada no registro oficial de escrituras, como, por
Por conseguinte, o usuário a montante não podia desviar tanta água para seu próprio uso que o exemplo, o cartório do condado. O registro é um processo formal, e os registros estão
fluxo fosse significativamente reduzido para as pessoas a jusante. O dono de urna propriedade à abertos ao público. O registro de propriedade arquivado geralmente contém uma descri-
margem de um rio estava limitado em sua capacidade de vender água a não ribeirinhos (isto é, ção formal da localização do imóvel, uma lista de restrições que se aplicam a ele e uma -
pessoas que não possuíam terras situadas ao longo do curso d'água).
relação de quem foi proprietário do imóvel a que altura do tempo.
Entretanto, no século 19 esse sistema jurídico teve de ser alterado porque a demanda indus-
Embora se mantenha um sistema de registro de títulos para terras e alguns poucos ou-
trial do fluxo natural de um rio frequentemente excedia a oferta. No leste dos Estados Unidos,
essas questões foram resolvidas aperfeiçoando-se a teoria dos direitos das águas baseada no tros artigos de valor, como automóveis, não existe tal sistema para a maioria dos bens. Na
fluxo natural que tinha sido adotada do common law inglês. Uma teoria alternativa dos direitos maioria das transações, o comprador não emprega recursos para determinar se o vendedor·
das águas apareceu no oeste dos Estados Unidos. Sob a teoria do uso sensato, o proprietário realmente é proprietário do que está vendendo. Por exemplo: você raramente questiona
ribeirinho tem o direito de usar o fluxo d'água de qualquer maneira sensata. Era considerado se os livros que você compra na livraria eram de propriedade legítima da livraria. Você
sensato que um proprietário usasse toda a água num curso d'água ou lago quando outros não presume que quem possui um livro seja seu legítimo proprietário. Uma prova adicional
estavam fazendo uso dela. Sob a teoria do uso sensato, um proprietário ribeirinho não tem um da propriedade está na memória de testemunhas da venda, como a criança do exemplo
direito ao fluxo natural da água. Além disso, um proprietário ribeirinho poderá transferir direi- da Idade Média, ou talvez num contrato de venda por escrito. Um sistema de registro de
tos a níio ribeirinhos. propriedade de livros representaria um ônus para o comércio e impediria a movimentação
eficiente de mercadorias.
C. Registro e transferência de título: custos de comprovação versus A segurança dos contratos mais importantes é fortalecida por um sistema de teste-
munhas oficiais do acontecimento. Testemunhas oficiais, chamadas "notários", registram
custos de registro
o acontecimento num documento oficial e afixam seu selo a ele. Alguns estados norte-
Marcar o gado, gravar o número de série num motor de automóvel, estampar um número -americanos licenciam muitos notários, de modo que suas taxas são baixas. No outro
da Previdência Social numa TV - estas são algumas formas pelas quais pessoas privadas extremo, alguns países, como a Itália, restringem os notários a advogados especializados
tentam provar sua propriedade de bens valiosos. Além desses recursos jurídicos priv·ados, que se submetem a exames difíceis, prestam serviços complicados que vão muito além de
às vezes o Estado oferece registros de propriedade. Assim, marcas são registradas para testemunhar um documento e desfrutam de elevados lucros monopolistas, especialmente
evitar cópia ou sobreposição. Inspetores de marcas contratados pelo Estado ou por empre- em transações de imóveis.
sas privadas poderão policiar violações. Apesar desses dispositivos, às vezes as pessoas Deparamo-nos com outro dilema no direito da propriedade. Por um lado, comprovar o
"compram" bens que o vendedor não poderia vender. Esta seção trata da comprovação da título por meios formais, como, por exemplo, registrar a transferência de uma escritura,
propriedade e de remédios jurídicos em casos em que um bem é "vendido" sem a permis- reduz as incertezas que oneram o comércio. Por outro lado, a comprovação do título por
são do proprietário. meios formais é dispendiosa. Portanto, o direito da propriedade precisa desenvolver re-
Suponha que você decida realizar o sonho de uma vida toda e comprar uma propriedade
rural. Você encontra um pedaço de terra no interior que lhe agrada e aborda o agricultor que
37
está morando lá. Depois de discutir os limites do lote, a fertilidade e o escoamento d' água, Há um sistema alternativo de registro de terras, chamado de sistema de Torrens, que deve seu nome a Sir Richard Torrens,
que introduziu este sistema simplificado no sul da Austrália em 1858, e esse sistema ou algo semelhante a ele está em
o agricultor propõe vender a terra a um preço atraente. Vocês selam o acordo com um aperto uso em muitas partes do mundo. No sistema de Torrens, o Estado opera um cartório de registro de imóveis e um fundo
de mãos. Na semana seguinte você volta com um cheque, entrega-o ao agricultor e, pouco de seguro de títulos. Erros em títulos causados pelo oficial de registros estatal são indenizados com recursos do fundo de
tempo depois, muda-se para a propriedade. Duas semanas mais tarde, um homem bate à seguro. Vários estados norte-americanos tentaram o sistema de Torrens, mas todos eles acabaram abandonando o sistema,
porque a escrituração incompetente causou tal esgotamento nos fundos de seguros de títulos operados pelo Estado que os
porta do chalé, anuncia que é o dono da propriedade e explica que veio expulsar o execrável fundos faliram. (Veja SHELDON KURTZ & HERBERT HOVENKAMP, AMERICAN PROPERTY LAW, 1987, p. 1151-1244.
168 Direico e Economia Capículo 5 - Temas da Economia do Direirn de Pro;>' 69

gras que contrabalancem os impedimentos ao comércio criados pela propriedade incerta boa-fé impede que uma receptação de bens furtados se esconda atrás da lei. A lei também
e o custo da manutenção de um sistema de controle. No caso de artigos caros como pré-:, poderá exigir que o comprador faça esforços razoáveis para verificar a propriedade, como,
dias e carros, a lei reduz as incertezas que oneram o comércio proporcionando um sistema '. por exemplo, checar para ver se o número de série não foi removido do televisor. Aplicada
para registrar o título, e a lei normalmente obriga que todas as vendas passem pelo proces- a este exemplo, a lei europeia presumivelmente permite que você fique com a TV. O dono
so de registro recusando-se a proteger transações não registradas com esses artigos. No original poderá recuperar seu dinheiro do ladrão, se possível.
caso de transações pequenas, contudo, o custo da manutenção de um sistema de compro- Em geral, o direito precisa alocar o risco de que bens furtados sejam comprados de
vação excederia os benefícios resultantes do risco reduzido. 38 / boa-fé. A regra norte-americana coloca todo o risco sobre o comprador, ao passo que a
regra europeia coloca o risco sobre o proprietário original. A regra norte-americana dá aos
D. Um ladrão pode dar título válido? compradores um incentivo extra para verificar se o vendedor é realmente o dono. A regra
Vejamos corno as pessoas reagem a leis que alocam a responsabilidade pela comprovação . europeia dá aos proprietários um incentivo extra para proteger sua propriedade contra
da propriedade. Imagine que você tenha fechado um bom negócio para comprar um tele- o furto. Uma dessas regras é mais eficiente no sentido de impor um ônus mais baixo ao
visor de uma pessoa que você conheceu no estacionamento de um bar local. O vendedor comércio e de promover o intercâmbio voluntário de propriedade.
contou urna história para explicar sua necessidade urgente de arrumar dinheiro vendendo i Que regra é essa? Segue um método para descobrir qual. Digamos que indica o
sua TV e a tirou do porta-malas de seu carro. Certa noite, enquanto você está desfrutando mais baixo custo para o dono original se proteger contra furto gravando, digamos, seu
seu televisor novo, a polícia chega a seu apartamento junto com a pessoa de quem a TV número da Previdência Social no objeto. E digamos que C8 indica o mais baixo custo para
foi furtada. A lei deveria permitir que você fique com a TV ou exigir que você a devolva? o comprador verificar se o vendedor é o dono confirmando, digamos, este fato com a parte
Este exemplo levanta uma pergunta geral: se um bem é furtado do proprietário A pelo da qual o vendedor obteve originalmente o bem. A bem de incentivos eficientes, a respon-
ladrão B, e B desaparece com o dinheiro depois de vender o bem ao inocente comprador sabilidade deveria recair sobre a parte que possa verificar a propriedade ao menor custo.
C, o bem pertence a A ou a C? Assim, a eficiência das regras concorrentes poderá ser determinada da seguinte maneira: ·
1. Se é geralmente verdade que C0 < C8 , então é mais eficiente para o comprador de
Esta figura retrata os fatos: boa-fé adquirir o título válido contra o proprietário original.
2. Se é geralmente verdade que C0 > C8 , então é mais eficiente para o proprietário
bem bem
~ Proprietário - Ladrão _ _ _ _ [5J Comprador original reter o título contra o comprador de boa-fé.
dinheiro
Infelizmente, a ausência de indícios empíricos sobre os valores de C0 e i.r11pecic
de responder decisivamente se uma regra é melhor do que a outra. De fato, a falta ele indí-
Esta pergunta é respondida de forma diferente em jurisdições diferentes. De acordo
cios também impede diferentes países de identificar a regra mais eficiente e :-idotá-la.
com a regra vigente nos Estados Unidos, os transferidores geralmente só podem alienar
Entretanto, o exemplo da Espanha sugere o que provavelmente é a melhor abordagem, Na
os direitos de propriedade que tenham legitimamente. Assim, uma pessoa sem o título
39 Espanha, a "regra norte-americana" normalmente é aplicada quando o ladrão furta o bem
não pode àliená-lo para um comprador. Neste exemplo, o ladrão não tinha o título vá-
de uma farrn1ia e o vende a um comerciante. Em outras palavras, um comerciante esr,1-
lido para o televisor, de modo que não podia lhe dar o título válido para ele. O título se
nhol não pode obter título válido de um ladrão. Os comerciantes que compram de um Ia-
encontra, pelo contrário, com a pessoa de quem a TV foi furtada. De acordo com a regra
drão incentivam o furto tornando-o mais lucrativo. A prática espanhola de aplicar a regra
norte-americana, você precisa devolver o aparelho de televisão para seu dono. Você tem
norte-americana a comerciantes que compram de ladrões dissuade os comerc.iantes ele
direito a recuperar seu dinheiro do ladrão (tecnicamente, o ladrão violou sua garantia de
receptar bens furtados, reduzindo, assim, a lucratividade do furto. Na Espanha, contudo, a
título) se o ladrão for pego e tiver dinheiro.
"regra europeia" de que um comprador pode adquirir título válido de um ladrão normal-
Uma regra diferente prevalece em boa parte da Europa, onde o comprador adquire tí-
40 mente é aplicada quando o ladrão furta o bem de um comerciante e o vende a outro co-
tulo comprando o bem ou mercadoria "de boa-fé". A exigência de boa-fé significa que o
merciante ou a uma farrn1ia. Assim, a prática espanhola aumenta a facilidade· com que os
comprador precisa acreditar genuinamente que o vendedor é dono do bem. A exigência de 41
bens circulam entre os comerciantes e cheg(Ull ao consumidor final.

38
Você deveria reconhecer que esse argumento a favor de um sistema de registro de reivindicações de propriedade é um caso E. Rupturas na cadeia de título
ou exemplo geral do Teorema Normativo de Coase que vimos no capítulo anterior. A propriedade incerta onera o comércio e causa um desconto elevado do valor que compra-
39
Isto é verdade em termos genéricos, mas há exceções importantes. Por exemplo: se um ladrão furta dinheiro e o usa para
dores em potencial atribuem a um ativo. Consequentemente, a eficiência econômica exige
comprar mercadorias de um comerciante, o dono original do dinheiro não pode recuperar o dinheiro do comerciante. Um
ladrão pode transferir um título válido por dinheiro. Além disso, o Código Comercial Uniforme permite a negociantes a remoção de incertezas, ou "nuvens", do título de propriedade. Esta seção expõe breve-
regulares de bens ou mercadorias dar títulos melhores do que aqueles que receberam, Assim, se uma loja de eletroeletrô- mente como o direito da propriedade remove as nuvens que se acumulam sobre títulos,
nicos adquire, por acaso, a posse de um televisor furtado e o vende, o comprador tem direito a presumir que o comerciante
tivesse o título válido para o televisor. Qualquer responsabilidade para com o verdadeiro dono do televisor está com o
41
comerciante. Você pode sugerir uma razão econômica pela qual esta regra é sensata? C. Paz-Ares, Seguridadjurídica y seguridad dei tráfico, REY. DE DERECHO MERCANTIL 7-40 (1985), Agradecemos a Paco
40
Nossa simplificação da regra europeia omite nuances no direito civil. Assim, a regra § 935 do Código de direito civil Garcimartin por esta referência.
42
alemão distingue entre um proprietário que perdeu a posse de um bem móvel voluntariamente e um proprietário que o Também é possível adquirir uma servidão pela ocupação mansa da propriedade de outrem, Por exemplo: alguém que
fez involuntariamente, Um dono que tenha perdido a posse involuntariamente tem uma reivindicação relativamente forte cruza habitualmente a propriedade de outra pessoa sem que o proprietário proteste poderá adquirir o direito de continuar
contra alguém que comprou esse bem de boa-fé. cruzando a propriedade.
·170 Di1eico e Economia Capículo 5 - Temas d_a Economia do Direito de Propriedade 171

J. Usucapião No capítulo precedente, apresentamos um exemplo em que Joe Potatoes


Pergunta 5.19: Aplique o conceito de usucapião ao espectro eletromagnético.
construiu, sem querer, sua casa de tal maneira que 60 cm dela ultrapassavam a divisa da.
propriedade e entravam no terreno de Fred Parsley. Lembre-se que Parsley só descobriu Pergunta 5.20: Por que você acha que o período de temP,o fixado pela lei para o usucapião
a invasão e moveu o processo depois que 10 anos tinham se passado. Potatoes adquiriu-· tende a ser breve em estados como Oklahoma, onde os índios_ possuíam muita terra?
qual.quer direito à parte da propriedade de Parsley que ocupou? De acordo com o direito Pergunta 5.21: Suponha que a lei que estipula as limitações para o usucapião seja de 10
anglo-americano, ele poderá ter adquirido. Se o proprietário "dorme sobre seus direitos", anos. Depois de 9,9 anos de invasão, os proprietários mantêm direitos plenos, mas depois de 10
permitindo que a invasão fique velha, o invasor poderá adquirir o direito de propriedade.· anos de invasão os donos perdem todos os seus direitos. Em vez de os proprietários perderem
A doutrina jurídica relevante é o usucapião. A expressão em inglês, adverse posses~ '. seus direitos abruptamente ao final de 10 anos, a lei poderia ser redigida de tal modo que os di-
sion, faz referência ao fato de que a posse da terra por um invasor é adversa ao interesse ' reitos diminuíssem gradativamente ao longo do tempo. Por exemplo: o invàsor poderia receber
42
do dono. Alguém pode adquirir a posse da propriedade de outra pessoa ocupando-a por i 10% de juros sobre a propriedade para cada ano de usucapião, de modo que depois de um ano o
um período de tempo especificado numa lei, contanto que a ocupação seja adversa aos invasor seria proprietário de 10% dela e depois de 1Oanos ele seria proprietário de tudo. Compa-
43 re a eficiência da "regra descontínua" com a da "regra contínua".
interesses do dono e o dono original não proteste ou tome medidas judiciais.
A vantagem econômica do usucapião é que ele remove as incertezas do título e permi- 2. Leis sobre objetos extraviados Suponha que, ao andar por um beco em Manhattan,
te que a propriedade passe para usuários que mais a valorizam. Uma ilustração: suponha você tropece num saco de papel pardo. Abrindo o saco, você constata que ele contém um
que você queira comprar uma casa que foi construída em 1910 e vendida em 1925, 1937 broche de diamante. Naturalmente, você gostaria de ficar com ele. Mas está claro que
e 1963. Sua investigação sobre o título revela a existência de uma confusão nos regis- alguém o perdeu. Você tem o direito de ficar com ele se o dono não exigir que ele seja
tros jurídicos sobre se a venda em 1937 foi legal. Entretanto, o proprietário atual residiu devolvido após um período razoável de tempo? Você tem a obrigação de se esforçar para
na propriedade desde 1963 sem que houvesse uma contestação jurídica. A lei para essa localizar o proprietário publicando, digamos, um anúncio no jornal? Quem é dono de
jurisdição estipula que o usucapião durante 25 anos transfere a propriedade ao invasor. propriedade que foi abandonada, perdida ou extraviada? As leis sobre objetos extraviados -
Portanto, a lei de usucapião e a ocupação incontestada do atual proprietário desde 1963 respondem estas perguntas.
removeram a incerteza do título datado de 1937. Em geral, uma regra para a aquisição de Uma lei sobre objetos extraviados nos Estados Unidos estipula um procedimento para
título por usucapião diminui o custo do estabelecimento de reivindicações de propriedade que a pessoa que encontrou um objeto desses adquira a sua propriedade. Se ela excede um.
legítima ao eliminar o risco de que a propriedade seja disputada com base no passado valor estipulado, quem a encontrou poderá ter de comparecer diante de uma autoridade
distante. judicial e assinar um documento referente aos fatos relativos à propriedade encontrada.
Outra justificativa baseada na eficiência para o usucapião foi enfatizada no passado: A autoridade judicial publica, então, um anúncio referente ao objeto encontrado. Se o
o usucapião impede que recursos valiosos permaneçam ociosos por longos períodos de proprietário não comparecer para reclamá-lo dentro de um período de tempo estipulado
tempo ao especificar procedimentos para que um usuário produtivo tire o título de um (um ano, por exemplo), a pessoa que o encontrou se torna sua proprietária. Alguém que
usuário improdutivo. Sob tal regra, as pessoas que deixam de monitorar as divisas de suas encontrar um objeto e ficar com ele sem cumprir a lei está sujeito a uma multa.
propriedades correm o risco de perder partes ociosas delas para alguém que venha fazer À semelhança do registro de títulos, as leis sobre objetos extraviados desestimulam
esse uso. Neste sentido, a regra tende a fazer a propriedade passar da ociosidade para o o furto de propriedade. Havendo uma lei sobre objetos extraviados, um ladrão que seja
uso produtivo. Posseiros têm adquirido terras de proprietários ausentes por meio do usu- pego com a propriedade de outrem não pode evitar a responsabilidade afirmando que a
capião. No oeste norte-americano, os colonos adquiriram historicamente muita terra dos
achou. ("Onde você arranjou este relógio?", perguntou Sherlock ao suspeito. "Ele caiu de
índios dessa forma. Os colonos acreditavam que faziam um uso mais valioso da terra, ao
um caminhão", respondeu ele.) Assim, uma lei sobre objetos extraviados ajuda a distin-
passo que os índios os viam como ladrões.
guir uma pessoa de boa-fé que encontrou um objeto de um ladrão que o furtou. Como as
Além dos dois tipos de benefício econômico, o usucapião tem um custo: os proprie-
regras do usucapião, as leis sobre objetos extraviados tendem a afastar as incertezas do
tários precisam monitorar ativamente sua terra para expulsar invasores que, do contrário,
título e transferir a propriedade para usuários pr.odutivos. Como as regras do usucapião,
poderiam se tornar donos. Sem leis sobre o usucapião, os proprietários poderiam reduzir
as leis sobre objetos extraviados também dão um incentivo para que os donos monitorem
os custos do monitoramento e mais invasores gostariam de usar a terra de outras pessoas.
sua propriedade. Finalmente, as leis sobre objetos extraviados induzem a divulgação de
informações por parte das pessoas que encontrem objetos e, assim, reduzem os custos de
43
Para ser exato, a pesquisa tradicional distingue quatro condições que o usucapião precisa cumprir: donos que percam ou extraviem sua propriedade.
1. O usucapiente precisa ter entrado efetivamente na propriedade disputada e assumido a posse exclusiva. Pergunta 5.22: Se o valor de um objeto perdido é suficientemente baixo, as leis sobre ob-
2. Essa posse precisa ser "aberta e notória". Esta expressão significa que a invasão não pode ser feita em segredo; um
proprietário alerta deveria ter condições de detectá-la.
jetos perdidos não se aplicam. Consequentemente, a pessoa que o encontrou não tem obriga-
3. A posse do invasor precisa ser adversa ou hostil e estar sob uma "reclamação de direito incontestável". Esta condição ção jurídica de avisar. Exponha os custos que precisam ser contrabalançados para se atingir o
exige que a invasão seja inconsistente com os direitos de uso do proprietário e contra seus interesses. mais eficiente limite inferior no valor de um objeto perdido para os fins das leis sobre objetos
4. Finalmente, a invasão tem de ser contínua por um período de tempo especificado em lei. perdidos.
Alguns estados do oeste norte-americano também exigem que o usucapiente pague impostos sobre a propriedade durante
um período de tempo especificado em lei antes de adquirir o título. Veja LAWRENCE FRIEDMAN, A HISTORY OF AMERICAN Pergunta 5.23: No direito marítimo, é preciso haver regras para alocar os direitos de pro-
L11.w, 360-361 (2. ed., 1985). Observe que essas condições não indagam a respeito da intenção do usucapiente. Apesar priedade a propriedades perdidas no mar. Nos Estados Unidos, a pessoa que encontra um navio
indícios de que é mais provável que os tribunais apliquem a regra do usucapião quando a invasão é acidental. Veja abandonado geralmente adquire a propriedade, mas em alguns casos o governo se apodera de
Rid1:1rd Helmholz, Adverse Propriedadession and Subjecrive lntem, 61 WASH. U. L. Q. 331 (1983). navios abandonados em suas águas. Onde esta última condição vigora, uma pessoa que par-
Capítulo 5 - Temas d?- Economia do Direito de Propriedade 173
172 Direito e Economia

ticipa do salvamento de um navio abandonado geralmente recebe um prêmio de salvamento " meu herdeiro construa um campo de golfe? Se a lei colocar rotineiramente de lado tais
determinado pelo tribunal. · restrições, terei um incentivo para exaurir o recurso ou.burlar a lei antes de minha morte.
Essa prática de pagar prêmios a pessoas que salvam navios incentiva a desonestidade Se a lei fizer cumprir tais restrições, meus desejos poderão ser cumpridos, mas ao custo
atrai um número eficiente de recursos para o negócio da busca de navios perdidos? O social de tornar difícil, se não impossível, passar Blackacre para um uso mai~ valorizado
de conceder direitos de propriedade total à pessoa que encontrou um navio é mais ou menos do que seu uso como residência. · .
eficiente do que o sistema de pagamento de prêmios a pessoas que tenham salvo um navio? No exemplo precedente, o dono aparentemente quer restringir os usos futuros de Bla-
ckacre por razões estéticas. Em outros exemplos, um proprietário cria um tntst (chamado
"fundo de reserva para garantir a manutenção do beneficiário") para proteger alguém
Ili. O QUE OS DONOS PODEM FAZER COM SUA PROPRIEDADE? 45
contra seu próprio mau julgamento, ou um legado tenta manter uma propriedade na fa-
46
O que os donos podem fazer com sua propriedade? Nesta seção, analisamos algumas res- rm1ia para sempre, ou uma cláusula acessória limitativa tenta canalizar vendas futuras a
47
trições tradicionais aos direitos de propriedade e adiamos a exposição de regulamentações certos tipos de compradores. Em geral, o princípio de que o dono atual deveria ter liber-
governamentais modernas como, por ex.emplo, normas de zoneamento. dade para estruturar as transações como quiser encontra uma dificuldade quando o pro-
prietário quer restringir proprietários futuros. Nesses casos, existe um conflito entre a li-
A. Legados e heranças: custos de burla e custos de exaustão berdade de donos sequenciais da mesma propriedade. Qualquer redução na liberdade de
Num mundo feudal ou tribal, o direito normalmente estipula os herdeiros da terra, em vez qualquer dono na sequência causa desperdício econômico, independentemente de a redu-
de o proprietário escolher os herdeiros. Uma ilustração: o filho mais velho herdava toda a ção na liberdade provir do direito ou de uma transação privada.
44
terra de seu pai na Inglaterra medieval, e em tribos matrilineares a terra é muitas vezes O common law inglês reagiu a esses fatos, de modo geral, sendo cético em relação
herdada da tia pela sobrinha. Além disso, as sociedades feudais e tribais normalmente a "restrições de alienação", como são chamadas, e especificamente no caso do legado
restringem a venda de terra. À medida que o direito se moderniza, os proprietários aumen- criando uma lei complicada chamada, literalmente, regra contra a perpetuidade. A regra·
tam seu poder de estipular as condições da herança e da venda. Nos países ocidentais, a lei impõe um limite de tempo às restrições de propriedade impostas pelas condições de uma
evoluiu ao longo dos séculos rumo· a uma maior liberdade para o dono especificar quem doação, venda, legado ou outra transação. Em vez de durar perpetuamente, as restrições
poderá ter a propriedade após sua morte e o que os herdeiros poderão fazer com ela. Ex- ficam automaticamente sem efeito quando um limite de tempo legal expira. O limite de.
pomos brevemente a análise econômica dessa tendência. tempo legal tem a curiosa formulação "vidas atuais mais 21 anos". Para entender seu
Qualquer restrição às opções do proprietário cria um estímulo para burlá-la. Uma sentido, suponha que minha única descendente é uma filha solteira, e eu estipule em meu
ilustração: imagine uma proprietária que queira deixar suas terras para uma determinada testamento que ela herdará a casa de meus ancestrais, Blackacre, sob a condição de que
amiga, e imagine que a lei vá conceder a propriedade a outra pessoa. A proprietária pode ela só seja usada como residência. De acordo com a regra, a restrição tem de perder o
burlar a lei, por exemplo, transferindo o título parà a amiga hoje e arrendando-o desta efeito 21 anos após a morte de minha filha.
por US$ 1 por ano até sua morte. Burlar a lei geralmente exige a assistência de um bom Observe que a regra contra a perpetuidade é uma "regra que deixa fora uma geração".
advogado. ·Em geral, os proprietários usam recursos jurídicos dispendiosos para burlar Esta expressão quer dizer que ela permite a um proprietário deixar fora a geração atual-
restrições ao uso da propriedade. mente viva restringindo seu uso à propriedade, mas esta passa sem restrições às mãos dos
Agora, modifique o exemplo e imagine que leis rígidas e advogados caros impeçam o não nascidos ainda quando atingirem os 21 anos e se tornarem adultos de acordo com a lei.
proprietário de burlar restrições a legados. Já que seu desejo de designar sua herdeira foi Uma regra que deixa fora uma geração tem uma justificativa econômica. Suponha que você
frustrado, a proprietária poderá exaurir sua propriedade antes de morrer. Por exemplo: ela tenha de escolher um princípio referente ao poder que uma geração tem de impor restrições
poderia cortar madeira prematuramente, ou exaurir a fertilidade do solo com uma agricul- ao uso da propriedade por gerações subsequentes. O princípio que você escolher será apli-
tura intensiva, ou adiar reformas necessárias de prédios. Em geral, as regras que restrin- cado a cada geração. yocê sabe que o mundo muda de formas imprevisíveis, de modo que
gem a transferência solapam o incentivo do dono de maximizar o valor da propriedade. nenhuma restrição é boa para sempre. Você tam~ém sabe que a maioria dos proprietários
Os custos de burla e os custos de exaustão constituem duas razões para permitir que são prudentes e benevolentes para com seus herdeiros, e alguns poucos são tolos e venais.
um dono tenha liberdade para transferir a propriedade por ocasião de sua morte. Entre- Com efeito, você quer um princípio que sirva de proteção contra um tolo ocasional numa
tanto, essas mesmas razões justificam que se restrinja a liberdade de um proprietário em sequência infinda de proprietários, pressupondo um mundo em constante mudança.
circunstâncias especiais. ~ maior parte dos direitos de propriedade vive para sempre, mas Um proprietário prudente não restringirá um herdeiro prudente, e um proprietário prn-
todos os donos morrem. As vezes, uma geração de donos quer restringir o poder discri- dente restringirá um herdeiro tolo. Pressupondo estes fatos, um princípio atraente para
cionário dos donos subsequentes. Uma ilustração: suponha que eu seja o dono da casa você escolher permite a cada geração restringir a geração seguinte, mas não as gerações
ancestral de minha família, Blackacre, e estipule em meu testamento que ninguém jamais subsequentes. Quando proprietários prudentes aplicarem este princípio, só herdeiros tolos
deverá usar Blackacre para um outro fim do que residir nela. Subsequentemente, eu mor-
ro e meu herdeiro quer transformar Blackacre num campo de golfe. A lei deveria fazer 45
Por exemplo, cria-se um trust no qual a beneficiária recebe o rendimento dos juros da propriedade do trust, mas não pode
cumprir as restrições que constam em meu testamento ou colocá-lo de lado e permitir que tocar no capital até chegar à meia-idade.
46
Por exemplo, o proprietário deixa instruções de que, por ocasião de sua morte, sua terra deve ser dada a seu filho mais
44
Na maior parte da Inglaterra, de 1066 (data da conquista nonnanda) até 1925, a regra geral para dispor de imóveis por oca- velho, por ocasião de cuja morte a terra deve ser dada ao filho mais velho dele, e assim por diante.
47
sião da morte da pessoa era que eles passavam intactos para o filho mais velho do falecido, o que era um sistema chamado No passado, nos Estados Unidos cláusulas às vezes bloqueavam vendas futuras a compradores que pertrnccssc1r a cc.rtas
primogenitura. Os testadores não tinham liberdade para mudar esta regra exceto sob circunstâncias muito restritas. etnias.
Capítulo 5 - Temas da Economia do Direico de Propriedade 175
174 Direito e Economia

que esteja tão perto quanto possível das intenções da pessoa falecida. Por exemplo: o dinheiro
serão restringidos. Além disso, as restrições que os proprietários prudentes impõem a_} proveniente da venda da propriedade da pessoa falecida em Lebanon, Indiana, poderia ser dado
herdeiros tolos poderão impedir os herdeiros tolos de impor restrições à geração seguinte. a uma faculdade de medicina localizada em algum outró lugar. Use os conceitos de custos de
Assim, a regra contra a perpetuidade parece maximizar o valor da propriedade ao longo burla e custos de exaustão para dar uma justificativa econôrrµca dessa regra.
de gerações.
Pergunta 5.26: Sugerimos acima que uma taxa de renovação que aumerita~se a cada ano
Um trust é uma organização em que uma pessoa possui e gerencia dinheiro em bene-
seria um meio eficiente de estabelecer o tempo de vida ótimo de uma patente. De modo seme-
fício de outra. Os trusts têm finalidades diferentes, como, por exemplo, transferir riqueza
lhante, suponha que os proprietários que quisessem restringir o uso futuro de sua propriedade
aos herdeiros evitando os impostos de transmissão causa mortis. Quando uma pessoa cria ' tivessem de pagar uma taxa para cada ano de validade da restrição. Por exemplo: se meu testa-
um trust e o dota de recursos, ele paga dinheiro ao beneficiário, que não é uma herança, mento estipula que Blackacre deveria ser usada exclusivamente como residência durante 100
de modo que não incide sobre ele o imposto de transmissão causarrwrtis. Finalmente, anos, eu teria de fazer uma provisão, em meu testamento, para pagar o estado por cada ano
porém, o trust é dissolvido, e as autoridades tributárias poderão recuperar parte dos im- do período de validade da restrição. Com efeito, o estado deduz uma taxa anual de um legado
postos evitados pelo trust. Para reduzir mais ainda a responsabilidade tributária, alguns de um testador que deseje impor restrições póstumas à propriedade durante um número espe-
estados americanos promulgaram leis que permitem aos cidadãos criar "trusts perpétuos" cificado de anos. Em que nível você fixaria essa taxa? Ela seria a mesma para todos os tipos
ou "trusts de dinastias". Já que nunca são dissolvidos, eles evitam a responsabilidade tri- de condições e todos os tipos de propriedade? Uma taxa assim é mais eficiente do que a regra
butária desencadeada pela dissolução, mas também são inconsistentes com a regra contra contra a perpetuidade?
a perpetuidade.
Os cidadãos norte-americanos de um estado podem estabelecer um trust em outro es- B. Direitos de usar a propriedade de outrem
tado. Os estados concorrem entre si para atrair negócios com trusts fazendo leis favorá- Em geral, ninguém pode usar a propriedade de outrem sem a permissão do dono. Usar a
veis, especialmente para evitar o pagamento de impostos devidos ao governo federal ou a propriedade de outrem sem a permissão do dono é um ato ilícito. Como vimos no capítulo.
outros estados. Os trusts perpétuos são um exemplo disso. Além de evitar o pagamento de 4, esta regra e custos de transação moderados induzem as pessoas que querem usar a pro-
impostos, a concorrência pelos negócios com trusts também pode aumentar a eficiência priedade de outrem a negociar com o proprietário. A negociação faz com que a proprieda-
dos trusts. A gestão de carteiras de ações, que os trusts muitas vezes têm, ilustra urna de seja usada pela parte que mais a valoriza, como exige a eficiência alocativa.
melhoria dessas. No século 19, a maioria dos estados norte-americanos adotou urna nor- Pode alguém jamais usar a propriedade de outrem de maneira legal sem a permissão
ma que tornava o administrador do trust responsável se a carteira incluísse ações especu- do dono? Já vimos que a exceção do "uso adequado" permite que se use material protegi-
lativas que perdessem seu valor. Esta norma fez com os administradores de trusts com- do por direitos autorais sem a permissão do dono - em circunstâncias limitadas. (Veja a
49 p
prassem obrigações e ações muito conservadoras, de primeira linha. O baixo risco, pergunta 5.11 acima.) Esta questão surgiu no famoso processo Ploofv. Putnam. µtnam
entretanto, caracteriza a carteira em seu conjunto, e não cada ação dela. Numa carteira era o proprietário de uma pequena ilha no Lago Champlain, um grande corpo d'água si-
equilibrada, o risco de urna ação contrabalança o risco de outra. Em termos técnicos, ter tuado no norte do estado de Vermont. Em novembro de 1904, Ploof estava velejando com
ações com um risco que apresente correlação negativa resulta em baixo risco para a car- sua esposa e dois filhos numa chalupa quando uma tempestade violenta surgiu repentina-
teira em seu conjunto, embora ações individualmente sejam de alto risco. Alguns estados mente. Ploof necessitava de um porto seguro rapidamente, e o mais próximo era a ilha de
inovadores reagiram a esses fatos mudando as regras para a gestão de trusts. Sob as regras Putnam. Ploof atracou sua chalupa a um píer naquela ilha, esperando que seu barco e sua
revisadas, o administrador de trust que tenha uma carteira equilibrada não é responsável farru1ia tivessem condições de sobreviver à tempestade em segurança. Entretanto, um em-
por prejuízos causados por uma queda no valor de ações individuais. Esta mudança das pregado de Putnam, temendo que a chalupa danificasse a propriedade de seu empregador
regras fez com que as carteiras de trusts se afastassem de obrigações conservadoras e ao ser jogada repetidamente contra ela durante a tempestade, soltou o barco do píer e o
comprassem ações individualmente mais arriscadas. Os estados que fizeram a mudança empurrou embora. Então, a chalupa e seus passageiros ficaram à mercê da tempestade.
atraíram mais negócios com trusts, o que pressiona outros estados para que modernizem Por fim, o barco foi levado até a praia pela tempestade e naufragou.
8
suas normas de gestão de tntsts,.4 Ploof processou Putnam, alegando que os prejuízos para seu barco e os ferimentos
Pergunta 5.24: Em vez de "vidas atuais mais 21 anos", a norma poderia ser "vidas atuais sofridos por ele próprio e sua farru1ia foram resultado do delito praticado pelo réu por
mais 10 anos" oµ "vidas atuais mais 3S anos". Compare essas regras como meios de "deixar intermédio de seu funcionário. Ploof sustentou que a tempestade causou uma emergên-
gerações de fora". cia que justificou sua violação da propriedade do réu, mesmo sem permissão. Ele pediu
uma indenização por seu prejuízo. Putnam replicou que todo dono de propriedade tem
Pergunta 5.25: Suponha que um testador imponha uma condição que não pode ser cumpri-
um direito de excluir invasores. Este princípio está tão firmemente estabelecido, afirmou
da. Por exemplo: a pessoa falecida doa sua propriedade para que seja usada para uma faculdade
de medicina em Lebanon, no estado de Indiana, mas após a morte da testadora o estado de ele, que o tribunal deveria lhe conceder um julgamento antecipado da lide, sem levar a
Indiana abandona seus planos de construir uma faculdade de medicina lá. Nesta situação, os questão a juízo. O juiz de primeira instância indeferiu o pedido do réu de um julgamento
tribunais norte-americanos aplicam a doutrina de cy pres (que significa, no francês jurídico, antecipado da lide, e o réu recorreu. O Tribunal de Justiça do estado de Vermont reafirmou
.. assim aproximadamente"). Sob essa doutrina, o tribunal encontrará uma condição alternativa a decisão e determinou que uma necessidade privada como a de Ploof representava uma
exceção à regra geral que proíbe a invasão de propriedade.
Veja Max M. Schanzenbach & Robert H. Sitkoff, Did Reform of Prudent Trust lnvestment Laws Change Trust Portfolio
Allocation ', LAW & EcoN. (2007). Outro exemplo da concorrência entre jurisdições: o trust foi desenvolvido no common
low, nãd no civil lczw. O sucesso dos bancos londrinos no negócio de trusts pressionou os bancos de Paris a modificar o 49
81 Vt. 471, 71 A. J 88 (Supreme Court of Vermont, 1908).
CL'!I fr:rnces para obter todas as vantagens do trust no common law tnglês.
176 Direico e Economia Capítulo 5 - Temas da Economia do Direico de Proprieclacle 177

Numa emergência, uma pessoa pode usar a propriedade de outra sem permissão. En- · A venda de sexo ou de crianças é proibida pela moralidade convencional, bem como
tretanto, o usuário precisa indenizar o proprietário pelos custos do uso. Uma ilustração: ·• pela lei. Muitas formas de inalienabilidade expressam a·moralidade convencional. Outras
um caminhante que se perca numa região despovoada e remota pode invadir urna cabana: ·.; formas de inalienabilidade, como, por exemplo, a promulgação de direitos humanos, ex-
não habitada para conseguir comida e abrigo, mas precisa ressarcir o dono pelo dano· pressam as aspirações de teóricos políticos eminentes. E os teóricos da econo_mia? O que
causado à cabana e pela comida consumida. Outro exemplo: X fica extremamente doente eles tiveram a dizer sobre a eficiência da inalienabilidade? Ocasionalmente, uma regula-
durante a noite, a única farmácia da cidade está fechada e seu proprietário, Z, está fora de mentação aumenta a eficiência de uma transferência. Este fato dá uma justificativa econô-
alcance; assim, X arromba a farmácia de Z e toma o medicamento necessário. A lei irá mica para a regulamentação. Entretanto, a inalienabilidade vai muito além da regulamen-
desculpar a invasão, mas X precisa pagar uma indenização a Z. Um exemplo final: X, que tação. Ao passo que as regulamentações restringem as transferênciás, a inalienabilidade
está prestes a ser assassinado por Y, pega o objeto pesado mais próximo, um valioso vaso as proíbe. A eficiência de uma transferência não pode ser aumentada proibindo-a. Em
de porcelana de Z, e o quebra na cabeça de Y, salvando, assim, a vida de X. X precisa pa- geral, as proibições de transferências são ineficientes porque impedem as pessoas de obter
gar uma indenização a Z pelo vaso. Em suma, a doutrina da necessidade privada permite o que elas querem. Seguindo esta linha de pensamento, alguns autores atacaram as leis
50
a violação indenizada de propriedade em caso de emergência. que tornam certos bens inalienáveis. Existe qualquer justificativa econômica da inalie-
51
A teoria da barganha racionaliza a 'exceção da necessidade privada estendendo-a à nabilidade ?
regra geral contra a violação de propriedade. Numa emergência, os custos de transação Alguns teóricos sustentam que a venda de certas mercadorias solapa sua transferência
talvez impeçam a negociação. Por exemplo, o caráter repentino com que a tempestade por meios superiores. Pense, por exemplo, no suprimento de sangue aos hospitais. Dois
surgiu impediu Ploof de encontrar Putnam e negociar com ele. Quando a negociação é meios complementares são usados para assegurar que o sangue não esteja infectado: faz-
inviável, as transações voluntárias não fazem necessariamente com que os bens sejam -se um histórico médico dos indivíduos que fornecem sangue, e o sangue é examinado em
usados pela parte que mais os valoriza. Uma regra que permite a invasão indenizada de laboratórios. É mais provável que os fornecedores individuais deem um histórico médico
propriedade assegura que a violação só ocorra quando seu valor para o invasor exceder o exato quando doam seu sangue do que quando o vendem. Consequentemente, a doação,
custo que ela acarreta para o proprietário. de sangue é mais livre de infecções. Este fato oferece uma justificativa econômica para
Suponha que Ploof tivesse encontrado Putnam no píer e negociado com ele. A emer- se obter sangue por meio de doações e não de compras, mas não uma razão para proibir
52
gência transferiu um poder monopolista a Putnam, que tem o único píer nas proximidades. a venda de sangue. Nos Estados Unidos, por exemplo, a maior parte do sangue é obtida
53
Em vista do monopólio de Putnam e do desespero de Ploof, Putnam poderia exigir uma por doações, mas uma parcela é comprada.
quantia exorbitante de dinheiro pelo uso do píer. Ploof poderia prometer que a pagaria, Suponha, entretanto, que a venda de sangue solape doações voluntárias. Por exemplo:
mas se recusar a fazer isso depois de passada a emergência. O litígio de tais "contratos as pessoas poderiam achar que doar sangue gratuitamente é tolo, a menos que o sangue
de mau samaritano" será exposto mais tarde, quando tratarmos da "doutrina do estado de possa ser vendido. Se esses fatos fossem verdade, proibir a venda de sangue poderia ser
necessidade" no direito contratual. necessário a fim de desviar as transferências para o canal superior das doações. De modo
semelhante, os antropólogos sustentaram que os mercados destroem as economias de do-
Pergunta 5.27: Uma variação interessante dos fatos do processo Ploof ocorreu em Vincent
v. Lake Erie Transport Co., 109 Minn. 456, 124 N.W, 221 (Supreme Court ofMinnesota, 1910). ação entre povos tribais. Embora seja plausível, o apoio factual para essa teoria não é forte
No final de novembro de 1905, o navio a vapor Reynolds, de propriedade do réu, estava atraca- o suficiente para oferecer uma defesa convincente da inalienabilidade. Parece, portanto,
do ao píer do autor da ação em Duluth e descarregando carga. Uma tempestade surgiu subita- que a inalienabilidade se baseia na moralidade convencional e em filosofias políticas que
mente no Lago Superior. O Reynolds chamou, por meio de sinal, um rebocador para tirá-lo do · acentuam valores diferentes da eficiência de Pareto.
píer, mas, por causa da tempestade, não foi possível encontrar nenhum. O navio permaneceu
Pergunta 5.28: Suponha que todo adulto numa determinada jurisdição é legalmente qua-
atracado ao píer durante a tempestade. A violência da tempestade jogou o navio a vapor repeti-
lificado para desempenhar a função de jurado. Os corpos de jurados em potencial são escolhi-
damente contra o píer do autor da ação, causando danos no valor de US$ 300. O autor da ação
dos por revezamento dentre a população qualificada. Atualmente, nenhuma jurisdição permjte
pediu esta quantia. A Lake Erie Transport Co, argumentou que seu navio a vapor era um invasor
que alguém convocado para ser jurado contrate u:r:n substituto qualificado. A sociedade estaria
involuntário. O Reynolds tinha tentado deixar a propriedade do autor da ação, mas não conse-
numa situação melhor se as pessoas tivessem a permissão de se envolver num mercado para
guira fazer isso sem culpa própria, O tribunal decidiu que o autor da ação tinha direito a uma
jurados?
indenização. Sustente que esta decisão é eficiente.
0
C. Inalienabilidade ' Veja, por exemplo, Elisabeth Landes & Richard A, Posner, The Economics of the Baby Shortage, 7 J, LEGAL Snfü J2J
(1978), e J. Robert Pritchard, A Marketfor Babies? V, TORONTO L l 341 (1984). Veja também o simpósio de 1987 1;obte
A lei proíbe a venda de algumas coisas valiosas, como, por exemplo, órgãos do corpo, a economia da venda de bebês na Boston University Law Review.
1
sexo, heroína, crianças, votos, armas atômicas ou direitos humanos. Você não pode en- ' Veja Susan Rose-Ackerrnan, lnalienability and the Theory o/ Property Rights, 85 CoLUM. L. REv, 931 (l 985). Margan:t
tregar algumas dessas coisas, como, por exemplo, heroína ou seu voto numa eleição na- Jane Radin, Market-lnalienability, 100 HARV. L. REV. 1849 (1987), e Richard Epstein, Why Restrain Alienarion~ 85 Co-
LUM, L. REV. 970 (1985),
cional. Você não pode perder algumas dessas coisas por nenhum meio legal, como, por 2
' Veja RICHARD TITMUSS, THE GJFr RELAT!ONSHIP: FROM HUMAN BLOOD TO SOCIAL POLICY, 1971, em que o autor sustenta
exemplo, seus direitos humanos. Um sentido de alienação é perder algo, especialmente que a inalienabilidade é um método eficiente de assegurar o controle da qualidade. Veja também Kenneth Arrow, Gifrs anel
uma parte íntima de você. No direito, o termo inalienável designa uma posse que o indi- Exchanges, l PHILOSOPHY AND Puauc AFFAIRS 343 (1972), e Reuben Kessel, Transfused Blood, Serum Hepatitis, anel the
Coase Theorem, 11 J, LAW & ECON. 265 (1974),
víduo não pode perder por meios especificados, Assim, os órgãos do corpo, o sexo e as 51
O sangue pode ser comprado nos Estados Unidos, mas a Food and Drug Administration exige que as etiquetas distingam
crianças são inalienáveis por venda, seu voto é inalienável por venda ou doação, e seus se a fonte é um "doador pago" ou "doador voluntário". Observe que instituições sem fins lucrativos que coletam sangue
direitos humanos são inalienáveis por quaisquer meios, de "doadores voluntários" geralmente o vendem a hospitais.
178 Direico e Economia Capítulo 5 - Temas da Economia do Direico de Propriedade 179

NOTA NA INTERNET 5.7


•~1liJ1E3 1
À medida que a tecnologia para fazer uso de órgãos humanos transplantáveis melhorava, a de~;
54
-sucedido. Essencialmente, o sistema de alocação usado atualmente nos EUA concede órgãos na
ordem em que os pacientes constam numa lista de espera oficia'i. Em 2006, a organização que super-
manda desses órgãos superou em muito o suprimento disponível sob as regras da inalienabilida- : visiona os cransplances de órgãos (UNOS é sua sigla em inglês) sugeriu um algoritmo de alocação
de. Veja nosso site (e o quadro sobre "Órgãos corporais inalienáveis"), onde há uma exposiçã~ '. alternativo - que eles fossem dados primeiro às pessoas que provável mente irão viver mais tempo
de como um mercado regulamentado de órgãos humanos poderia aumentar a oferta. depois do transplance. Esta proposta é controvertida e ainda está em discussão.

FONTES:
Veja Lloyd R. Cohen, lncreasing the Supply of Transplantab/e Organs: The Virwes of a Futures Market, 58 Geo.
WASH. l. REV. 1 (1989) .

lli.ll
..Â
Órgãos corporais inalienáveis
Gregory Crespi, Overcoming the Legal Obstac/es to the Creation of a Futures Market in Bodily Organs, SS
L.J. 1 (1994).
OHIO Se.

RICHARD EPSTEIN, MORTAL PERJL: ÜUR INALIENABLE RIGHT TO HEALTH (ARE? 1997.
Nos últimos 20 anos, os avanços na tecnologia médica cornaram possível transplantar órgãos cor-
porais de uma pessoa para outra, o que resulcou num enorme crescimento na demanda de órgãos 54
corporais transplantáveis. A cada ano, nos Estados Unidos, há quase 80 mil pessoas esperando Há uma piada de economistas sobre essa sicuação: um paciente que espera um cransplante de coração fica
sabendo por seu médico que subitamente há dois corações disponíveis - um de um maratonisca de 24 a11os
cransplantes de órgãos. Mas a oferta de órgãos adequados, chamados de "órgãos de cadáver", é nocavelmeme sadio que morreu em freme ao hospital e outro de um economista de 90 anos. Sem hesitação,
muico menor de aproximadamente 10 mil órgãos por ano. Para mercados em que há procura o paciente opta receber o coração do economisca, porque, explica ele a seu espancado médico, "eié'. jamai, roi
em excesso, preços ascendentes colocam a oferta e a procura em equilíbrio. Mas isco não pode usado".
acontecer em relação aos órgãos transplantáveis porque a lei ·proíbe transações de mercados para
esses órgãos. A chamada Lei da Doação Anatômica Uniforme, promulgada em 1968 e adotada por
codos os estados e pelo distrito federal na década de 7970, coma ilegais os concracos para a compra
e venda de órgãos corporais. A Lei Nacional de Transplantes de órgãos, 42 U.S.C. § 274 (1994), D. A desvinculação dos direitos de propriedade
cambém proíbe contracos para a venda de órgãos humanos para serem usados em transplante Em geral; os donos de propriedade possuem um pacote de direitos, e às vezes a lei res-
humano. Em decorrência disso, as doações são o único meio pelo qual se podem fornecer órgãos tringe a capacidade do proprietário de mexer em seu pacote de direitos. Urna ilustração: o·
corporais transplantáveis.
proprietário de um bem poderá ter os direitos w, x, y e z sobre ele. O proprietário poderá
Para fazer uma doação de seus órgãos corporais, a pessoa precisa indicar - muitas vezes, ao
querer desvincular esses direitos e vender w e x para urna pessoa, ficando com y e z para
obter ou renovar a carteira de motorista - uma disposição de entregar órgãos transplantáveis em
caso de morte. Menos de 20% da população norte-americana em idade de dirigir preencheu o si mesmo. Às vezes, entretanto, a lei não permite a desvinculação, mas permite a venda do
cartão de doador, mas 85% dessa mesma população dizem estar disposcos a fazer uma doação de pacote completo. Por exemplo: o proprietário de um terreno urbano pode vendê-lo em sua
seus órgãos. totalidade, mas os regulamentos do município talvez o impeçam de cortá-lo pela metade
Já que tancas pessoas não indicaram de maneira digna de fé sua disposição para doar e já que e de vender a metade dele.
existe uma demanda cão robusta de órgãos cransplancáveis, há preocupação a respeito de como O zoneamento ilustra regulamentações específicas que impedem a desvinculação de
aumencar a oferta. Sob o sistema acuai, os médicos normalmente têm de perguntar ao parente alguns direitos de propriedade. Uma pergunta mais profunda é se algo semelhante a pro-
mais próximo se podem "retirar" os órgãos da pessoa falecida. Como se pode imaginar com fa- priedade geralmente limita ou restringe a desvinculação. Para ilustrar o que está em jogo,
cilidade, esta talvez não seja a melhor ocasião para fazer tal pedido. Uma alternativa ao sistema suponha que A herde o relógio de bolso tradicional de sua fanuiia. B, que é irmão de A,
acuai é o do "consentimento presumido": presumir-se-ia que todas as pessoas tivessem consen- gostaria de usar o relógio numa festa de Natal a cada ano. B paga algum dinheiro aA em
tido com a retirada de seus órgãos a menos que tenham declarado afirmativamente o contrário.
troca da promessa de A de deixar B usar o relógio em cada Natal. A recusa de A de deixar
Muitos países europeus têm essa regra de omissão, mas com variações. Por exemplo: a França
presume o consencimenco com a retirada, mas exige que as autoridades verifiquem com a família
B usar o relógio no Natal num ano futuro romperia seu contrato, de modo que B poderia
da pessoa falecida. A Áustria é o país que está mais próximo do consentimento presumido puro. processar A.
Curiosamente, o resultado na Áustria é que, em comparação per capita com os Estados Unidos, Dando continuidade ao exemplo, suponha que A venda o relógio para C. Ao efetuar a
há bem mais rins disponíveis para transplante, mais ou menos o mesmo número de fígados e venda, A não diz nada a C a respeito de B. C continua ignorando o contrato de A com B
menos corações. até que o Natal se aproxima e B pede a C o relógio para usá-lo. C se recusa a dá-lo. O que
Há várias outras possibilidades para aumentar a oferta. A tecnologia poderá possibilitar cada vez B pode fazer? Nada a C. C não tem de deixar B usar o relógio no Natal. O único remédio
mais que se transplantem órgãos de animais em seres humanos; alcernacivamence, a tecnologia pode- jurídico disponível a B é processar A pedindo indenização por ruptura de contrato.
rá desenvolver órgãos arcificiais, de modo semelhante ao desenvolvimento de membros artificiais e Como ilustra esse exemplo, o contrato entre A e B não dá a B a segurança de que ele
lentes de concaco. Finalmente, poder-se-ia permitir um mercado regulamentado de órgãos humanos. sempre poderá usar o relógio no Natal. O que B quer é um direito de usar o relógio no
.As vircudes e armadilhas de tal mercado são exploradas nas fontes relacionadas abaixo.
Natal que ele possa assegurar contra qualquer pessoa que seja dona do relógio. B poderia
Acé que a oferca aumente, haverá um grande excesso de demanda. E, na ausência de um mer-
adotar uma nova abordagem jurídica para tentar obter segurança: deixar A vender a B
cado para alocar a oferta limitada entre as muitas pessoas que a procuram, precisa haver um méco-
os direitos sobre o relógio no Natal, e deixar A manter todos os outros direitos sobre o
do de alocação não baseado no mercado. Há um algoritmo extremamente complicado nos Escadas
Unidos para decidir quem recebe um órgão humano cransplancável. Este algoritmo procura ser relógio. Se a A não fosse dono dos direitos de uso do relógio no Natal, presumivelmente
;u,,co e eficiente, e, sob as circunstâncias rnuiw penosas, provavelmente ele é razoavelmente bem- A não poderia vender esses direitos a ninguém mais. Além disso, qualquer pessoa que
tentasse impedir B de usar o relógio no Natal presumivelmente violaria seus direitos de
180 Direito e Economia Capítulo 5 - Temas da Economia do Direito de Propriedade 18l

propriedade. Especificamente, se C se recusasse a deixar B usar o relógio no Natal, B A eficiência econômica geralmente favorece a desvinculação sempre que ela a11 rncnta
deria processar C por "lesão de direito" e obter uma execução específica. (Explicaremos•···· o valor de mercado da propriedade e a proibiçã9 da desvinculação quando ela dirnini1i o
estes termos mais detalhadamente nos capítulos 6 e 7 .) ,· valor de mercado da propriedade. Os donos da propriedade geralmente querem rr1;1x1,11·
Observe o que acontece quando A e B substituem a promessa contratual feita por A a zar seu valor de mercado, e eles estão posicionados melhor do que o Estado para saber
B pela venda de direitos de uso por parte de A para B. A indenização é o remédio jurídico como fazer isso. Em consequência, o Estado raramente tem alguma razão para impedir o,
normal para a violação de contrato. Por conseguinte, o direito contratual de B de usar ore- proprietários que queiram desvincular de fazer isso. Lembre-se, porém, de nossa exµn~ í ·
lógio no Natal está protegido pela responsabilidade de A por pagar uma indenização pela• ção anterior dos "anticomuns". A desvinculação poderá impor custos futuros às pessuas
violação. Em contraposição a isso, os mandados judiciais são o remédio jurídico usual. que gostariam de reorganizar os direitos numa nova configuração. Na medida em que há
para a lesão de direitos de propriedade. Por conseguinte, a propriedade do direito de usa{ um argumento econômico contra a desvinculação, ele se baseia no desejo de minimizar os
o relógio no Natal por parte de B está protegida por sua capacidade de obter uma ordem . custos futuros de reconfigurar esses direitos para formar um conjunto mais valioso.
do tribunal exigindo que C deixe B usar o relógio no Natal. · Alguns teóricos sustentaram que os indivíduos podem, às vezes, aumentar o valor de
O exemplo do relógio ilustra que a ,desvinculação pode prejudicar o comércio. Espe- sua própria propriedade mediante uma desvinculação que aumente os custos de transa-
cificamente, se a desvinculação é permitida, C não teria certeza a respeito de que direitos ção para a.venda de outras propriedades. Uma ilustração: um contrato com formulário
ele adquiriu exatamente ao comprar o relógio de A, o que diminuiria o interesse de C de padrão diminui os custos de negociação de todos num ramo da economia. Um vendedor
comprar o relógio. Um mercado vigoroso exige que os compradores tenham certeza acer- que se afaste do padrão reduz a padronização, o que impõe custos a outros vendedores.
ca dos direitos que adquirem. Em geral, um reservatório comum de conhecimentos sobre contratos diminui os cus-
O exemplo levanta uma pergunta geral: "O dono de propriedade que tem um pacote de · tos de transação do intercâmbio, e a desvinculação esvazia o reservatório comum. Esta
direitos pode reorganizá-lo livremente, transferi-los como quiser e obrigar os tribunais a concepção implica que o direito de propriedade exige limitações contra a fragmentação
proteger a transferência dos direitos por mandados judiciais?" Embora este problema ra- pela particularização.
ramente surja no caso de relógios ou objetos semelhantes, ele surge com frequência no Esse argumento, contudo, não é convincente. Boa parte do direito contratual impõe
caso de bens imóveis. Uma ilustração: suponha que eu seja dono do lar ancestral de minha regras que se aplicam a menos que as partes estipulem de outra forma no contrato. (Veja
fanu1ia, Blackacre, e queira garantir que ninguém jamais o use para outra finalidade que nossa exposição das "regras em caso de omissão" no próximo capítulo.) O Estado não·
não como residência. Para assegurar essa finalidade, eu gostaria de tirar os direitos de ur- precisa policiar os contratos para assegurar que eles permaneçam suficientemente padro-
banização do pacote de direitos de propriedade. Posso fazer isso? De acordo com o direi- nizados. Exigências estatais de contratos padronizados estão normalmente equivocadas
to de propriedade do common law, eu só posso restringir o uso da propriedade por parte
pela mesma razão que restrições estatais à desvinculação de propriedade são equivocadas.
dos donos futuros d.e Blackacre por um período limitado de tempo. (Veja a exposição
A lei deveria obrigar os vendedores a revelar restrições improváveis à propriedade decor-
precedente sobre a regra contra a perpetuidade.) Em geral, um proprietário não pode des-
rentes de transações passadas, mas, contanto que as partes entendam o que estão adqui-
vincular e reorganizar livremente os direitos de propriedade de bens imóveis no common
rindo, a lei deveria, em geral, fazer cumprir acordos relativos a direitos de propriedade
law. De modo semelhante, sistemas de civil law em países como a França vão além dessas
desvinculados.
restrições do common law enumerando os direitos de bens imóveis que os donos não po- ·
dem mudar. De acordo com a tradição do civil law, os direitos enumerados se vinculam à
55
própria propriedade, e não à pessoa que, casualmente, é dona c:lela.
IV. QUAIS SÃO OS REMÉDIOS JUDICIAIS PARA A VIOLAÇÃO DE
Outra espécie importante de propriedade que provoca disputas sobre a vinculação e
desvinculação é a sociedade anônima. Os acionistas de uma sociedade anônima são seus •
DIREITOS OE PROPRIEDADE?
proprietários legais. Tradicionalmente, cada ação transmite a seu proprietário o direito a , Como se observou no Capítulo 4, o common iaw se aproxima de um sistema jurídico de
um voto nas reuniões dos acionistas. Em anos recentes, entretanto, algumas sociedades liberdade máxima, que permite que os donos façam qualquer coisa com sua propriedade
anônimas criaram novos tipos de ações que não dão direitos de voto a seus proprietários. que não lese a propriedade de outras pessoas. Ao se aplicar esse princípio, a quantidade de
Há muitos outros exemplos em que empresas desvincularam e reorganizaram os direitos liberdade concedida aos proprietários depende de se desenredar o uso da propriedade por
tradicionais desfrutados por seus proprietários. parte de um proprietário do uso por parte de outro. Quando os usos são separados, o efeito
Em vez de nos enredar nos detalhes do direito imobiliário ou societário, precisamos de um proprietário sobre outro ocorre através de acordos voluntários, como, por exemplo,
enfocar o aspecto geral subjacente a essas controvérsias. No exemplo do relógio tradi- o intercâmbio de mercado. Quando os usos se juntam, um proprietário afeta outro invo-
cional, a questão fundamental é se o dono da propriedade pode dar a várias pessoas di- luntariamente, corno quando minha fumaça passa sobre sua propriedade. Nesta seção,
ferentes direitos sobre ela que elas possam fazer cumprir por uma ação específica contra expomos os problemas jurídicos e econômicos especiais causados por usos confusos.
qualquer pessoa que as viole.
A. Externalidades e males públicos
55
Na terminologia jurídica, numerus clausus designa uma lista restrita de direitos, incluindo direitos de propriedade. No Quando as pessoas concordam em impor custos e benefícios umas às outras, elas muitas
caso da propriedade, esses direitos são in rem, o que significa que eles s~ vi~cu!am à proprie~ade independentemente d,e vezes fazem um contrato. Em contraposição a isso, quando as funções de utilidade ou
seu dono, ao passo que os direitos contratuais são in personam, o que s1gmfica que eles se vinculam às pessoas especi-
ficas que fizeram o contrato. Veja os artigos de Michael Heller e de Thomas Merrill e Henry Smith indicados no fim do
produção de diferentes pessoas são interdependentes, elas impõem benefícios ou custos
Capítulo 4. umas às outras independentemente de terem concordado ou não. Essa interdependência
Di'.eico e Economia Capículo 5 Temas da Economia do Direico de Propriedade 183

é chamada de externalidade, porque os custos ou benefícios são transmitidos fora de um. Acrescentemos uma notação adicional para indicar mercados incompletos. Suponha
mercado. Uma ilustração da diferença: se eu comprar tantas melancias em minha fruteira que os três bens (x 1, x 2 e x 3 ) são comprados numa mercearia aos preços (p 1 , p 2 e p 3 ). O
local que o vendedor aumenta o preço, minha ação afetará outros compradores, mas fazer preço que a a paga por x3 presunúvelmente reflde o custo pefo qual a mercearia compra o
subir um preço exemplifica o funcionamento normal dos mercados, não uma externali- • bem. Este preço não inclui o custo do dano que o consumo·de x 3 por parte de a. impõe a b.
dade. Em contraposição a isso, se o canto de meu galo incomoda meus vizinhos, rriinha· Consequentemente, não há preço associado com a variável x/ na função de utilidade
ação os afeta independentemente de transações de mercado; assim, o barulho é uma ex- de b. Para anexar tal preço, as pessoas a e b teriam de negociar urna com a outra.·Com essa
ranalidade. negociaçãq, a extemalidade talvez fosse intemalizada. Nosso exemplo de duas pessoas é
Os custos ou benefícios transmitidos fora do mercado não são precificados. Semprêo uma extemalidade privada. Alternativamente, suponha que haja 1, 2, 3, ... n pessoas iguais
que os custos ou benefícios não são precificados, o fornecedor carec~.de incentivos para à pessoa b. Escolha qu~querui:na ~lessas pessoas e chame-a dej. A função de utilidade da
fornecer a quantidade eficiente. A superação do problema do incentivo exige que se pre.:. pessoa) tem a formai!= il (x/, x;, xj), poisj = 1, 2, 3, ... n pessoas. Agora a externalida-
cifique a externalidade. Quando uma extemalidade é precificada, seu fornecimento é ca-/ de danosa do consumo de x 3 por parte de a afeta tantas pessoas que é um mal público. O
nalizado através de um mercado, o que se chama de internalizar a externalidade. Assim,,; custo transacional de negociar com n pessoas presumivelmente é proibitivo, de modo que
a solução para usos interdependentes da propriedade é canalizá-los através do mercado ou'. a externalidade não pode ser internalizada por uma negociação privada. É preciso, em vez
internalizar a externalidade. disso, encontrar um meio alternativo de precificar a externalidade.
A solução eficiente do problema da internalização depende do número de pessoas Pergunta 5.29: Classifique os itens que constam na lista a seguir como mercados, extemali-
afetadas. Se a interdependência afeta um número pequeno de pessoas, a externalidade é, dades privadas ou externalidades públicas.
"privada". Por exemplo: o canto de meu galo afeta alguns poucos vizinhos, de modo que
a. um farol avisa os navios da presença de rochas
o barulho é uma externalidade privada. Se a interdependência afeta um grande número'.
b. meu prédio bloqueia a luz do sol que você recebe
de pessoas, a externalidade é "pública". Por exemplo: a fumaça emitida por uma fábrica•
c. você faz um lance maior do que o meu num leilão
afeta muitos lares, de modo que ela é uma externalidade pública. De modo semelhante, ' d. minhas abelhas polinizam suas macieiras
quando um carro a mais entra numa autoestrada congestionada, todos os outros motoristas· e. o barulho do aeroporto diminui o valor de venda de minha casa.
diminuem um pouco a velocidade, de modo que o congestionamento é uma externalidade ·
pública. A distinção entre privado e público na economia se baseia num continuum que : Pergunta 5.30: Suponha que o terceiro bem, x3 , represente quilômetros dirigidos em carros ·
descreve o número de pessoas que são afetadas pelas ações de alguém. À medida que au- pelas pessoas 1, 2,. 3, ... n e suponha que os carros sejam poluentes. Reescreva a função de utili-
dade da pessoaj na formulação precedente para representar estes fatos.
menta o número de pessoas afetadas pela ação de alguém, cruza-se uma divisa vaga que
separa o "privado" do "público".
No Capítulo 4, explicamos que o consumo de um bem público por uma pessoa não B. Remédios jurídicos para externalidades
diminui a quantidade disponível para outras e que excluir algumas pessoas do desfru-{ No direito de propriedade, urna externalidade danosa é chamada de mau uso da pro-
te de um bem público é difícil. As externalidades públicas normalmente têm essas ca.: · priedade. Lembre-se de que nossa exposição dos remédios jurídicos para o mau uso da
racterísticas de não rivalidade e impossibilidade de exclusão. Por exemplo: quando uma propriedade no Capítulo 4 fez urna distinção entre mandado judicial e indenização, e
pessoa respira ar poluído, a mesma quantidade de ar poluído fica para as outras pessoas que a eficiência relativa desses remédios jurídicos tem muito a ver com a distinção entre
respirarem, e é difícil impedir algumas pessoas de respirar o _ar numa determinada região público e privado. Se o mau uso da propriedade é privado, poucas partes são afetadas por
de qualidade do ar. Consequentemente, externalidades públicas prejudiciais também são· ele, e, em decorrência disso, os custos de uma negociação conjunta são baixos. Quando
chamadas de "males públicos". os custos da negociação são baixos, as partes normalmente chegarão a um acordo coope-
Vamos resumir esses pontos usando um pouco de notação matemática. Imagine uma rativo e farão o que é eficiente. Consequentemente, nessas circunstâncias a escolha dos
economia pequena com duas pessoas, denotadas corno a e b, e três bens privados, deno- . remédios jurídicos faz pouca diferença para a eficiência do resultado da negociação. O
tados como x 1, x 2 e x 3 • O consumo dos dois primeiros bens não implica externalidades, remédio jurídico tradicional do direito da proprÍedade - mandado judicial - é atraente
mas o consumo do terceiro bem impõe custos externos. Por exemplo: os dois primeiros - sob essas circunstâncias, porque o tribunal não precisa executar a difícil tarefa de calcular
bens poderiam ser maçãs e peras, e o terceiro bem poderiam ser cigarros. Anexamos um·.• a indenização. Sempre que se vê um mandado judicial como um remédio que proíbe a
sobrescrito a um bem para indicar quem o consome. Assim, a utilidade da pessoa a pode atividade perturbadora sempre e indefinidamente, então sua inflexibilidade é dispendiosa.
ser escrita corno uma função dos três bens que ela consome: i/ uª (x/, x/, x/). Supo- Entretanto, sempre que se vê um mandado judicial como uma instrução às partes para que
nha que a pessoa b consome os dois primeiros bens, mas não o terceiro; isto é, a pessoa resolvam sua disputa por meio do intercâmbio voluntário, então ele é um remédio jurídico
b não furna cigarros. Além disso, suponha que a pessoa b não goste de respirar a fumaça atraente para maus usos privados da propriedade.
elos cigarros da pessoa a. Assim, a utilidade da pessoa b pode ser escrita ub = i/ (x1\ x/, Em contraposição a isso, tentar corrigir uma externalidade danosa do tipo do mal
x/). (Observe que a utilidade de b normalmente aumentará se ela consumir mais de x 1 e público pela negociação implicaria a cooperação de todas as partes afetadas. Nessas cir-
x 2 , mas sua utilidade irá diminuir se a consumir mais x3.) As funções de utilidade de a e b cunstâncias, a negociação fracassa porque exige a cooperação de um número excessivo de
são interdependentes porque o consumo do terceiro bem por parte de a é um argumento pessoas. A lei designa uma externalidade danosa do tipo público como mau uso público
na função de utilidade de b. Em outras palavras, a presença de uma variável na função de da propriedade. Nossa análise sugere que a indenização será um remédio jurídico mais
utilidade de b que leva o sobrescrito a indica uma extemalidade. eficiente para um mau uso público da propriedade do que o seria um mandado judicial.
Capículo 5 - Temas da Economia do Direito de Propriec!2c!'ê
184 Direito e Economia

Para aplicar essa prescrição de optar entre mandados judiciais e indenizações, o tri BOOMER v. ATLANTIC CEMENT CO., INC. 309 N.Y.S.2d312, ·
bunal deve examinar o número de pessoas afetadas pela externalidade. Entretanto, o ttj. 257 N.E.2d 87 (Tribunal de Apelação de_Nova York, 1970)
bunal não precisa fazer uma análise de custo-benefício que compare mandados judicia[
e indenizações. A análise de custo-benefício exige mais informações do que os tribun ; BERGAN, D. O réu opera uma grande fábrica de cimento perto de Albany. Traca-se de processos
normalmente têm, de modo que deveriam ser evitadas regras jurídicas cuja aplicação exij solicitando mandado judicial e indenização movidos por proprietários de Cerras círcunvizinhas
uma análise custo-benéfício. que alegam haver danos causados à propriedade pela sujeira, fumaça e ,/ibração que er~anam da
Quando o ressarcimento de danos é perfeito, ele reintegra a vítima na mesma cu fábrica.
[No juízo de primeira instância e na apelação, constatou-se que as operações de fabricação
de utilidade de que ela teria desfrutado sem o dano. O ressarcimento de danos podes
de cimento do réu eram uma percurbação para os vizinhos autores da ação. Foi concedida uma
temporário ou permanente. Com a indenização temporária, o autor da aç~o recebe ressai:
indenização temporária, mas indeferiu-se um mandado contra sujeira, fumaça e vibrações futuras
cimento pelos danos que o réu lhe infligiu no passado. Se os danos continuarem no futur provenientes da planta que causassem os mesmos danos ou danos maiores. Os autores da ação
o autor da ação terá de voltar ao tribunal a fim de receber uma indenização adicion apresentaram esce recurso a fim de conseguir o remédio jurídico tradicional contra um mau uso de
Portanto, a indenização temporária impõe altos custos de transação para a resolução d propriedade - um mandado judicial.]
disputas. No caso da indenização temporária, as reduções em danos futuros se traduze A razão do indeferimento do mandado [... ) é a grande disparidade, em termos de consequên-
diretamente em reduções na responsabilidade. Consequentemente, a indenização tempo; cias, do mau uso da propriedade e do mandado. Esta teoria não pode, entretanto, ser sustentada
rária cria incentivos para que os lesantes adotem continuamente melhorias técnicas quê sem revogar uma dou crina que cem sido consiscencemente reafirmada em diversos casos importan-
reduzam os custos externos. tes neste tribunal e jamais foi desautorizada aqui, a saber, que, onde se tenha constatado a existência
Com a indenização permanente, o autor da ação recebe ressarcimento por danos pas- de um mau uso de propriedade e onde tenha havido um dano substancial mostrado pela parte
sados e o valor atual descontado de todos os danos futuros previstos razoavelmente.
56
Um queixosa, um mandado judicial será concedido.
A regra, em Nova York, cem sido de que esse mandado será determinado, embora se mostre
pagamento único extingue reivindicações referentes a danos passados e futuros no nível
especificado no julgamento. Infelizmente, as mudanças futuras na tecnologia e nos preços, uma acentuada disparidade, em termos de conseqüências econômicas, entre o efeito do mandado
e o efeito do mau uso da propriedade [... ]
são difíceis de prever, de modo que a estimativa de danos futuros padece de erros. Assirr1/
O tribunal de apelação também determinou a quantia de indenização permanente atribuível
a indenização permanente impõe altos custos de erros. Além disso, pagando indenizaçã
a cada autor da ação, para a orientação das partes caso ambos os lados concordassem corn o pa-
permanente o lesante "compra" o direito ao dano externo até a quantia estipulada no jul gamento e a aceitação de tal indenização permanente como liquidação de todas as controvérsia,
gamento. Consequentemente, a indenização permanente não cria incentivos para que o entre as partes. O cocal de indenização permanente a ser pago a todos os autores da ação foi, por-
lesantes adotem melhorias técnicas que reduzam os custos externos abaixo do nível esti~ tanto, fixado em USS 185 mil[ ... ]
57
pulado no julgamento. · Este resultado [...) representa um desvio de uma regra que se estabeleceu; mas seg111í a rcgr:1 li-
Como explicamos, a indenização temporária impõe altos custos de transação, ao passá teralmente nestes casos implicaria fechar a planta imediatamente. Este tribunal está inceií;irr,c:ite de
que a indenização permanente impõe altos custos em termos de erros e solapa os incenti acordo que se deve evitar esse remédio imediatamente drástico; a diferença em estudo é a rne 1hor
vos para reduzir danos futuros. Os custos de transação da resolução de disputas, seja po maneira de evitá-lo. [Nota de rodapé do tribunal: O investimento da Aclantic Cerne11r: Co. n;i fábr1c,1
julgamento ou acordo, são baixos quando a responsabilidade é certa e a indenização é de mais de USS 4S milhões. Há mais de 300 pessoas empregadas nela.)
fácil de calcular. Os custos de erros são altos quando a inovação melhora a tecnologia par,, Se o mandado fosse concedido a menos que, num período de tempo breve - por exerrplo,
reduzir o dano e muda a compreensão dos danos causados por externalidades. Assim,:._. 18 meses - a perturbação fosse diminuída pela descoberta de técnicas melhores, haveria inevita-
indenização temporária tende a ser mais eficiente pressupondo-se danos facilmente men; velmente solicitações ao tribunal de apelação de ampliação do tempo para realizar, com base na
exibição de boa vontade, esforços para encontrar essas técnicas. As partes poderiam resolver esse
suráveis e uma inovação rápida. Inversamente, a indenização permanente tende a ser mai.
litígio privado a qualquer momento se o réu pagasse dinheiro suficiente e a ameaça imineni:e de
eficiente pressupondo-se uma medição dispendiosa dos danos e uma inovação lenta.
fechar a fábrica aumentasse a pressão sobre ele[ ...]
Recomendamos a indenização como remédio jurídico para um mau uso público d. Além disso, é improvável que técnicas para eliminar o pó e outros subprodutos irritantes da
propriedade. Entretanto, o common law tradicionalmente não tem seguido esta prescriçãq fabricação de cimento sejam desenvolvidas por qualquer pesquisa que o réu possa empreender
Quando o público é.prejudicado por um mau uso de propriedade, os tribunais tradicionaj. em qualquer período de tempo breve; elas dependerão da totalidade de recursos da indúscria de
mente permitem que as partes afetadas o proíbam. O caso seguinte sugere que o common la •. cimento em nível nacional e no mundo todo. O problema é universal em todos os lugares em que
se tomou mais receptivo a remédios jurídicos na forma de indenização para casos de ma4 se fabrica cimento.
uso público da propriedade. Leia o caso, lembrando-se da diferença entre o remédio jurídico. Por razões óbvias, o ritmo da pesquisa está além do controle do réu. Se, ao Anal de 13 meses,
tradicional para um mau uso da propriedade (indenização pelo dano passado e um mandado o segmento todo não tivesse encontrado uma solução técnica, um tribunal teria dificuldade de
judicial contra dano futuro), indenização recorrente e indenização permanente. Depois de ler\ fechar essa fábrica de cimento levando devidamente em consideração os princípios de equidade.
o caso, teste seu conhecimento da teoria da extemalidade respondendo as perguntas. ·· Por outro lado, conceder o mandado a menos que o réu pague aos autores da ação a indeniza-
ção permanente a ser fixada pelo cribunal parece fazer justiça entre as partes em contenda. Todas
as atribuições de prejuízo econômico às propriedades em que se baseiam as queixas dos aucores da
56
Mais informações sobre o desconto se encontram no Capítulo 2. . ação terão sido indenizadas [... ]
57 Em seu voto minoritário no caso Boomer v. Atlantic Cement Co., que apresentamos a seguir, o desembargador Jasen:' Parece sensato pensar que o risco de ser obrigado a pagar uma indenização permanente a
reconheceu este aspecto em sua crítica à concessão de indenização permanente pela maioria. Escreveu ele: "Além disso~, donos de propriedade lesados por parte de donos de fábricas de cimento seria, em si mesmo, um
depois que a indenização permanente é avaliada e paga, o incentivo para minorar o mal seria eliminado, continuando
dessa forma, a haver poluição do ar numa área sem que haja diminuição".
incentivo razoavelmente eficaz para pesquisar técnicas melhores para minimizar a perturbação da
o;reico e Economia Capículo S - Temas da Economia do Direito de Propriedade 187

cranquilidade [... ] Portanto, parece justo para ambos os lados que se conceda uma indenização Pergunta 5.35: Contraponha a diferença entre a indenização temporária e a permanente em
permanente aos autores da ação que porá fím a este licígio privado (... ] A decisão, pela concessão termos dos incentivos para as pessoas construírem novas casas perto da fábrica de cimento.

,~,~,~-
de indenização permanente impondo uma servidão à cerra, que constitui a base das ações, excluiria Pergunta 5.36: Até que ponto a lei da propriedade privadà pode resolver o problema da
um ressarcimento futuro por parte dos autores da ação ou seus outorgados. poluição?
Isso deveria ficar fora de contestação mediante uma disposição da sentença de que o pagamen-·
to da indenização pelo réu e sua aceitação pelos autores da ação determinado pelo tribunal serão
58
como compensação por uma servidão da terra. NOTA NA INTERNET 5.8
As decisões judiciais deveriam ser reformadas, sem custos, e os casos remetidos à Suprema Cor-
Em nosso site você encontrará mais uma ação judicial e algumas perguntas adicionais sobre o
te, Condado de Albany, para conceder um mandado que será anulado quando do pagamento, por
uso da lei de perturbação de propriedade para corrigir externalidades.
parte do réu, das quancias de indenização permanente aos respectivos autores da ação que serão,
para esta finalidade, determinadas pelo tribunal. ·
JASEN, O., discordando. Concordo com a maioria que uma reforma da decisão é necessária aqui, C. Gráficos de externalidades
mas não aprovo a doutrina recentemente enunciada de cálculo de uma indenização permanente,
em lugar de um mandado, onde direitos de propriedade substanciais tenham sido prejudicados Vamos expressar num gráfico como a concessão de indenização pode intemalizar uma
pela criação de uma perturbação da tranquilidade[ ... ] externalidade e restaurar a eficiência. Supomos que uma empresa como a Atlantic Cement
Vejo perigos graves na revogação de nossa regra, há muito estabelecida, de conceder um man- seja responsabilizada pelos custos externos que inflige a outros. A situação com a qual se
dado judicial onde um mau uso de propriedade resulte num prejuízo substancial contínuo. Ao depara a firma é mostrada na Figura 5.1. A curva do custo marginal privado, CMP, indi-
permitir que o mandado se torne sem efeito sobre o pagamento de indenização permanente, a maio- ca o custo da produção de diferentes quantidades de cimento para a empresa. Os custos
ria está, de Jato, autorizando uma lesão de direito contínua. É a mesma coisa que dizer à empresa de privados incluem o capital, a mão de obra, a terra e os materiais, mas não o dano externo
cimento que ela pode continuar a prejudicar seus vizinhos contanto que pague uma taxa por isso. causado pela poluição. Os custos externos da poluição acrescentam-se aos custos privados
[Grifo dos autores.] Além disso, depois que essa indenização permanente for calculada e paga, o para produzir os custos sociais da produção de cimento. A Figura 5.1 retrata duas curvas
incentivo para diminuir a lesão de direito seria eliminado, e, com isso, a poluição do ar de uma área
de custo marginal social representando duas tecnologias diferentes. Sob a tecnologia an-
continuaria sem redução.
tiga, o acréscimo dos custos externos da poluição aos custos privados da produção produz
É verdade que alguns tribunais sancionaram o remédio jurídico aqui proposto pela maioria
numa série de casos, mas nenhuma das citações nas quais a maioria se apoia é análoga à situação a curva de custo marginal social CSM. Esta curva retrata o verdadeiro custo para a sacie~ ·
que temos diante de nós. Nesses casos, os tribunais, ao indeferir um mandado e conceder uma dade de cada nível de produção sob a tecnologia antiga. Há, entretanto, uma tecnologia
indenização pecuniária, fundamentaram sua decisão numa demonstração de que a finalidade para nova que polui menos. Seus custos marginais sociais são mostrados ao longo da linha
a qual se pretendia usar a terra era primordialmente para o benefício público. Aqui, por outro lado, CSM'. A superioridade da nova tecnologia reside no fato de causar a metade da poluição,
está claramente estabelecido que a empresa de cimenco está criando uma poluição contínua do ar em qualquer nível de produção dado, da tecnologia antiga. Por exemplo: a tecnologia
que constitui o mau uso da propriedade primordialmente para seu próprio interesse privado, sem antiga talvez use filtros na chaminé, e a tecnologia nova talvez use depuradores de gás na
qualquer benefício público [-] A promoção dos interesses da empresa de cimento poluidora não chaminé.
cem, em minha opinião, uso ou benefício pú61ico. [... ]
Eu proibiria que a empresa de cimento ré continuasse a expelir partículas de pó sobre as pro-
priedades de seus vizinhos a menos que, num prazo de 78 meses, a empresa de cimento reduzisse
$
essa perturbação da tranquilidade [...]. CSM

CSM'

Pergunta 5.31: No caso Boomer, a extemalidade é privada ou pública? e


Pergunta 5.32: Os custos de transação da negociação entre as partes são altos ou baixos?
Pergunta 5.33: Suponha que as farm1ias tivessem um direito de ordenar que a empresa d CPM
cimento parasse de poluir. Com que obstáculos a empresa de cimento se depa:raria se ela tentas~
se comprar das farru1ias o direito de poluir?
Pergunta 5.34: Explique o remédio jurídico concedido pelo tribunal. Suponha que, em a1~
gum ponto do tempo no futuro, a empresa de cimento dobre sua produção, aumentando, assim,·
o barulho, a fumaça, o pó e a vibração infligidos aos vizinhos. Os proprietários das casas têm
um remédio jurídico?
A
58 q
Uma servidão da terra é uma restrição ou um ônus imposto a um terreno. Normalmente, a servidão "acompanha a terra", o o
que quer dizer que ela fica permanentemente vinculada ao pedaço de terra específico, não dependendo, portanto, da iden·.:
tidade do proprietário. Em nossa exposição do processo, veremos por que o tribunal deseja fazer da obrigação de pagar
Figura 5.1 Os efeitos de incentivo sobre investidores privados de uma diferença entre desapro-
uma indenização permanente pelo maus uso da propriedade uma servidão e não uma mera obrigação de pagar a indivíduos
especfftcus. priações indenizáveis e regulamentações não indenizáveis.
Direito e Economia Capítulo 5 Temas da Economia do Direito_ de Propriedade 189
188

Sob qualquer tecnologia e na ausência de qualquer ação judicial ou regulatória, a tax''_ Em muitos países, a constituição circunscreve o poder do Estado de tomar propriedade
de produção que maximiza lucro da empresa, %, é determinada na interseção da c~rva d _ privada. Por exemplo: a cláusula a respeito da desapropriação da 5ª emenda da constitui-
custo marginal privado e do preço de produção prevalecente, Po· Sob a tecnologia antii ção norte-americana diz: "[ ... ] tampouco se tomará a propriedade privada para uso públi-
ga, 0 total de custo externo infligido pela taxa de produção % é a área ABC. Sob a nova co, sem indenização justa". Portanto, a 5ª emenda proíbe. o Estado de tirar propriedade
tecnologia, o total de custo externo infligido pela taxa de produção q0 é a área ABD. O privada exceto sob duas condições: 1) que a propriedade privada seja tomada para uso
custo social líquido infligido pela última unidade de produção é t' + t sob a tecnologi público e 2) o proprietário seja indenizado. Explicaremos a justificativa econômica dessas
antiga e t' sob a nova tecnologia. Observe que é fácil perceber que, mesmo não havend duas condições.
compulsão jurídica para que a firma 1eve em conta os custos externos, a sociedade est 1. Indenização Para entender a exigência de indenização, contraponha as desapro-
numa situação melhor se a empresa está produzindo % sob a nova tecnologia e não so, priações e os impostos. Os impostos são calculados sobre uma base ampla, como, por
a antiga. Contudo, se a firma não é obrigada a internalizar esses custos extemos, ela nã() exemplo, renda, propriedade, vendas ou heranças. Todas as pessoas sujeitas ao imposto se
tem incentivo para adotar a nova tecnologia. J deparam com a mesma tabela de taxas ou alíquotas. Em contraposição a isso, uma desa-
Entretanto, as coisas mudam se é possível obrigar a empresa a intemalizar o custo so~ propriação implica uma propriedade específica da qual uma pessoa específica é dona. As
cial de sua produção de cimento. Sob a tecnologia antiga e sendo a firma responsabilizada:· tiranias às vezes financiam o governo e enriquecem autoridades tirando propriedade de
por seus custos externos, a taxa de produção que maximiza lucro é determinada p~~a in~,: indivíduos. Para financiar o Estado por desapropriações, o dono privado cuja propriedade
terseção de PO e CSM em q1• Mas com a nova tecnologia e sendo a firma responsab1~zad~/ é tomada não deve receber indenização. Se o dono da propriedade privada recebesse uma
por seus custos externos, a taxa de produção que maximiza lucro é determinada pela mter-, indenização igual ao valor de mercado de sua propriedade, o Estado não poderia ganhar
seção P0 e CSM' em q2 • O custo social total infligido por essas duas taxas de produção é,_
sob nossos pressupostos, o mesmo; isto é, a área AEF é igual à área AGH. Mas como q2 > dinheiro tomando-a. Assim, a exigência de indenização pode ser vista como um disposi-
tivo para canalizar o financiamento do governo na direção dos impostos e afastá-lo das
q 1, a sociedade prefere que a empresa adote a tecnologia nova e opere a~ longo_ de CSM\_ desapropriações.
Mas e a empresa? Ela ainda fica indiferente diante das duas tecnologias? Nao. Supon- A economia oferece razões de peso para :financiar o Estado por impostos e não por
do que a firma pague os custos da poluição, seus lucros máximos sob a antiga tecnologi~ desapropriações. Qualquer tipo de expropriação distorce os incentivos das pessoas e causa
são a área AP0F, ao passo que os lucros máximos sob a tecnologia nova são APclf. E ineficiência econômica, mas os impostos distorcem bem menos do que desapropriações .
óbvio que APclI > APJ. não indenizadas. Para perceber por que, considere o princípio básico nas finanças públi-
Como essas considerações se relacionam com a pergunta que fizemos acima a respeitq cas de que impostos focados distorcem mais do que impostos amplos. Aplicando este
dos incentivos para adotar tecnologias de produção melhores sob as medidas alternativas princípio, uma dada quantia de receitas pode ser gerada com menos distorção por um
de indenização? Aresposta intuitivamente plausível é que a empresa de cimento adotará imposto sobre alimentos e não sobre verduras, ou um imposto sobre verduras e não sobre
a tecnologia mais limpa mais rapidamente sob a indenização temporária do que sob a in-_ cenouras. Este princípio se segue do fato de que é mais difícil escapar de impostos amplos
denização permanente, e esta intuição é corroborada por nossa análise formal. Entretanto, do que impostos específicos. Por exemplo: escapar de um imposto sobre os alimentos
essas van.tagens econômicas da indeniza~ão temporária sobre a indenização permanente exige que se coma menos, ao passo que escapar de um imposto sobre cenouras exige que
precisam ser comparadas com os custos administrativos potencialmente mais elevados da se coma outra verdura, como pepinos, por exemplo. Os impostos amplos distorcem menos
indenização temporária. · o comportamento porque um grande número de pessoas não pode mudar seu comporta-
Pergunta 5.37: A linha de preço P0 é horizontal na Figura 5.1. O que este fato indica ares~ mento para escapar de impostos amplos. Portanto, a eficiência exige que o Estado arreca-
59
peito da concorrência? de receitas de impostos amplos, como, por exemplo, sobre a renda ou o consumo. Em
contraposição a isso, as desapropriações têm uma base muito específica. Os proprietários
Pergunta 5.38: Suponha que a ciência revele um novo risco para a saúde causado pel~ resp~.-.
ração da poluição proveniente de fábricas de cimento. Como uma descoberta dessas mod1fi.cana individuais irão gastar muito dinheiro para impedir o Estado de tomar sua propriedade
o gráfico e mudaria o nível eficiente de produção de cimento? ' sem indenização. Com efeito, a possibilidade de d_esapropriações não indenizadas desvia-
ria esforços e recursos da produção e os deslocaria para a política de redistribuição.
D. Desapropriações 2. Uso público A exigência de indenização não evita outro abuso político, em que o
A teoria da propriedade desenvolvida no Capítulo 4 acentua que direitos de propriedade< Estado toma a propriedade de alguém e a vende a outra pessoa. Para avaliar o problema,
claros e certos poderão facilitar a negociação, o que cria um excedente resultante da co- pense na diferença entre uma desapropriação e uma venda. As vendas são motivadas pelo
operação e do intercâmbio. Inversamente, direitos de propriedade não claros e incertos ganho mútuo, que é criado passando-se a propriedade de um uso menos valorizado pr1ra
impedem a negociação, o que destrói o excedente social. O poder do Estado de tomar a um uso mais valorizado. Uma ilustração: a compra do Chevrolet 1957 de Adam por Blair
propriedade e regulamentar seu uso reduz a clareza e certeza dos direitos de propriedade. cria um excedente, já que Blair o valoriza mais do que Adam. O fato de ambas as partes
A destrnição de excedente social daí decorrente representa o custo econômico do poder terem de consentir com a venda garante o ganho mútuo. Em contraposição a isso, urna
do Estado de tomar propriedade e regulamentar seu uso. O que contrabalança o custo desapropriação não exige o consentimento do dono da propriedade, de modo que o ganho
econômico é o benefício de oferecer serviços públicos a um custo mais baixo. Nesta
ção, desenvolvemos essas ideias numa teoria econômica da desapropriação e dos poderes 59
A proposição precisa é que os bens deveriam ser tributados a uma taxa inversamente proporcional à 5118 sia'1 irn:,,clc
regulatórios. demanda e oferta. Os impostos amplos incidem sobre agregados que são demandados e ofertados de rnanei_ra 1ndásticc1.
190 Direito e Economia Capículo 5 - Temas da Economia do Direico ,de Propriedade 191

unilateral pode motivar uma desapropriação. O dono de uma propriedade poderá valoriz'.: Consequentemente, a eficiência exige que se empreenda o projeto desde que o valor da
sua propriedade mais do que quem a toma. ... terra seja menor do que US$ 200 mil. Os três proprietários avaliam a terra a US$ 30 mil
Por exemplo: suponha que Sansão seja o dono da propriedade rural de sua farrn1i por terreno, de modo que a construção da estrada criaria um excedente social de US$ 110
cujo valor de mercado é de US$ 30 mil, mas Sansão não quer vendê-la porque, para el mil. Suponha que o Estado adquira um direito de opção de comprar um dos lotes de terra
por razões sentimentais, a propriedade vale US$ 100 mil. Dalila cobiça a proprieda por US$ 30 mil. O Estado poderia pagar até US$ 170 mil pelos dois outros terrenos e ain-
rural de Sansão e estaria disposta a pagar até US$ 40 mil por ela. Suponha que o Esta da sair ganhando. Cientes disto, cada um dos proprietários exige US$ 100 mil por seu lote
possa obrigar Sansão a vender sua propriedade por seu "valor de mercado justo". Assi de terra. Se o Estado tiver de comprar a terra, e não desapropriá-la, o projeto fracassará.
Dalila faz uma contribuição de US$ 5 mil para o fundo de campanha de uma proeminen O último proprietário geralmente se recusa a vender quando o Estado adquire lotes
autoridade governamental, que tira a propriedade rural de Sansão, paga-lhe US$ 30 mil contíguos de terra necessários para um projeto público. Num exemplo da vida real, os
a revende a Dalila por US$ 30 mil. Assim, Dalila e a autoridade governamental ganh{ incorporadores de um novo estádio de beisebol em Denver adquiriram toda a terra com
US$ 5 mil cada, embora Sansão perca US$ 70 mil. exceção da propriedade de uma pessoa que se recusou a vender, a quem o jornal chama-
Tirando a propriedade de Sansão e dando-a a Dalila, o Estado transfere propriedaq va de "o cara que é dono da primeira base". Mesmo quando os proprietários não opõem
de uma pessoa privada para outra, de modo que Dalila não precisa pagar o preço subjetiv resistência, a possibilidade de fazer isso pode aumentar drasticamente os custos de tran-
que Sansão quer pela propriedade rural. A exigência de indenização a preços de mercad sação da aquisição de propriedades contíguas. O poder de desapropriação elimina esse
não impede este abuso, que ocorre porque o valor subjetivo do dono excede o valor d problema. O governo deveria apelar para a venda compulsória principalmente quando há
mercado pago como indenização. Para eliminar o abuso, o Estado poderia indenizar muitos vendedores, cada um dos quais controla recursos que são necessários para o proje-
preço subjetivo do proprietário, e não o preço de mercado. Entretanto, só o dono sabe qu · to. Portanto, as desapropriações deveriam ser orientadas pelo seguinte princípio: em geral,
é o preço subjetivo. Numa venda voluntária, o proprietário recebe pelo menos o preç o governo só deveria tomar propriedade privada com indenização para fornecer um bem
subjetivo ou não vende. Se quisesse indenizar pelo menos o preço subjetivo do dono, público quando os custos de transação impedem a compra da propriedade necessária.
Estado teria de comprar a propriedade, e não tomá-la. . Pergunta 5.39: E se o governo precisa comprar uma única propriedade de grande porte para
A· exigência de "uso público" evita o abuso neste exemplo. O uso da propriedad: fornecer um bem público, digamos, uma estação de rastreamento por satélite? Há um único
rural de Sansão por Dalila é privado, não público. Consequentemente, neste exemplo·· proprietário privado com o qual se tem de negociar. E sua propriedade é a única adequada para
desapropriação viola a exigência de uso público. A exigência de uso público proíbe o us. a estação. O governo deveria ter a permissão de obrigar esse indivíduo, um monopolista para o
de desapropriações para se desviar dos mercados e transferir propriedade privada de UIIt uso público a que se visa, a vender por um valor de mercado justo?
pessoa privada para outra. Em vez disso, a propriedade tem de ser desapropriada para ·
Pergunta 5.40: A exigência de uso público para a desapropriação pelo governo foi recente-
uso público. Por exemplo: a propriedade rural de Sansão poderia ser desapropriada p ' mente objeto de litígios e comentários. Vejamos um exemplo. O centro de uma grande cidade
criar um parque, uma escola ou uma rodovia. . está arruinado por décadas de depressão econômica e negligência. O governo municipal crê que
A exigência de uso público não resolve o problema da ineficiência em transferênci, o bem-estar econômico da comunidade exige um centro vibrante e atraente. Assim, fazendo
involuntárias. Uma ilustração: suponha que os motoristas estivessem dispostos a pag uso de seu poder expropriante, o governo toma grande parte das propriedades dilapidadas e as
US$ 40 mil para usar uma estrada que atravesse a propriedade rural de Sansão, cujo val · repassa (a um preço bem abaixo do valor de mercado) a uma incorporadora privada com instru-
de mercado é US$ 30 mil. Desapropriando a terra, pagando US$ 30 mil a Sansão e con ções de como a empresa deve revigorar a vida residencial e comercial da área do centro.
truíndo uma estrada, o governo espera um excedente de US$ 1O mil. Na realidade, paí- Essa desapropriação é eficiente, mesmo que a propriedade tenha sido repassada a uma parte
Sansão sua propriedade rural vale US$ 100 mil, de modo que o prejuízo social líquido privada?6()
de US$ 60 mil e Sansão perc;lerá US$ 70 mil. Pergunta 5.41: Compare a eficiência dos dois seguintes métodos de modificar a restrição
Esse exemplo sugere que o Estado não deveria tomar propriedade com indeniza( da indenização justa:
meramente para produzir um bem público. Na realidade, o Estado compra a maior p · ·
a. Defina que a indenização justa é o valor de merc_ado justo (inclHindo os custos de reassenta-
dos recursos que usa para fornecer bens públicos. Por exemplo: o Estado compra ciment
mento) mais, digamos, 20%.
ltípis, caminhões, lâmpadas e mão de obra. De fato, as desapropriações estão mais e· b. Permita que os donos de propriedade privada façam suas próprias avaliações do valor de sua
cunscritas do que sugerem as exigências de indenização e uso público. propriedade. Eles concordam em pagar o imposto predial e territorial com base nesse valor
3. Recusas O governo precisa comprar grandes áreas de terra de muitos proprietário~ autofixado. Se vier alguma vez a desapropriar a propriedade, o governo concorda em pagar
o valor autofixado da propriedade como indenização justa.
a fim de fornecer alguns bens públicos, como, por exemplo, bases mjlitares, aeroportos,
rodovias e áreas nativas. Esses projetos muitas vezes exigem "contiguidade", o que sígnit 4. Seguro Normalmente, as pessoas compram seguros de ativos cujo valor constitui
fica que os terrenos têm de se tocar. Uma ilustração: os segmentos de uma rodovia não se. uma proporção significativa de sua riqueza, como uma casa, por exemplo. A maioria dos
conectam a menos que estejam em terrenos contíguos. A contiguidade rompe a negocia7. proprietários de residências compra seguro contra incêndio. De modo semelhante, as pes-
ção criando oportunidades para os proprietários se recusarem a concordar com a venda nll
esperança de obter condições melhores. . 60
Uma ilustração: suponha que o Estado proponha a construção de uma estrada qu~ Não deixe de ver a Nota na Internet 5.9, onde há uma indicação de mais informações sobre casos recentes implicando
padrões factuais como os dessa pergunta.
atravessará três lotes de terra de três proprietários diferentes. O Estado decide que 0,, 61
Mais informações sobre desapropriações como seguro se encontram em Lawrence Blume & Dan Rubinfeld, Compensa-
motoristas pagariam US$ 200 mil a mais do que os custos de construção dessa estrad_ · tionfor Takings: An Economic Analysis, 72 CAL. L REv. 569 (1984).
Capítulo 5 Temas da Economia do Direico. de Propriedade 193
192 Direico e Economia

soas querem seguro contra desapropriações. Empresas privadas fornecem seguro con impe~ir ~ uso ~as be~eitorias. Se, subsequentemente, as restrições imp~direm O uso das
incêndio, ao passo que o Estado fornece seguro contra desapropriações indenizando benfe1tonas, o mvest1mento será desperdiçado. Portanto, restrições indenizadas resultam
donos de propriedades. Por que o setor privado fornece seguro contra incêndios, e o sei em benfeitorias pródigas.
62
estatal fornece seguro contra desapropriações? Ilustremos este argumento com um exemplo.
Esta pergunta desafia você a relacionar as desapropriações com a economia do segurõ ~ATOS: Xavier é um funcionário público em cuja sala há ?m mapa com. uma gros-
O seguro distribui o risco entre os detentores de apólices. Em geral, distribuir o risco mai sa lmh,a azu! que o atravessa: Atualmente, as leis de planejamento urbano permitem
amplamente reduz a quantia com que cada um tem de arcar. O Estado pode distribuir·· que a area situada ao sul da linha azul seja usada para qualquer finalidade comercial
risco de desapropriações entre a base de todos os contribuintes, que é mais ampla do qu industrial ou residencial. O governo propõe mudar a lei e proibir ó uso industrial em~
base de todos os detentores de apólices de uma empresa de seguros. Assim, a distribuiçá. bora o comercial continuasse a ser permitido. '
do risco depõe em favor do seguro público. · Yvonne é proprietária de um prédio localizado na linha azul. Atualmente ela usa
A eficiência administrativa depõe em favor do seguro privado. A disciplina da con~ o prédio ~o~o um ponto-de-venda de varejo, mas está pensando em expandi; e refor-
corrência causa um nível mais alto de eficiência administrativa em fundos de seguros• mar o pred10 para usá-lo como fábrica. Yvonne precisa decidir quanto deve investir
privados do que em fundos de seguros estatais. Muitos fundos de seguros estatais, como; na melhoria do prédio. Se abandonar a ideia de usar seu prédio· como fábrica ela
por exemplo, o seguro de depósitos em bancos de poupança norte-americanos, têm uni fará um inv~stimento menor reformando-o para usá-lo como loja de varejo, e~ re-
histórico sinistro. ·· gulamentaçao governamental do uso da terra não a afetará. Mas se seguir em frente
A distribuição do risco e os custos administrativos não são decisivos. O argument • com a ideia de usar o prédio como fábrica, fará um investimento grande, e a decisão
decisivo a favor do seguro público contra desapropriações se baseia nos efeitos em termo d? go:erno irá ~fetá-1~. Se o governo executar sua proposta de mudança, ela perderá
de incentivo para o Estado. As decisões sobre desapropriações são tornadas pelo Estado d~n~erro com o mvestimento grande, e um tribunal terá, então, de decidir se ela tem
Se o Estado não tivesse de pagar indenização, ele poderia tomar propriedades para se fi drre1to a uma indenização pelo prejuízo. A decisão dependerá de o tribunal declarar
nanciar, ou poderia tornar propriedades para redistribuí-las entre os amigos dos políticos, que a mudança no planejamento urbano do governo é uma regulamentação, e neste
61
ou poderia comprar bens públicos em excesso. =i caso ele não deve pagar uma indenização, ou uma desapropriação, e neste caso ele
S. Regulamentações Numa parte anterior deste capítulo, expusemos como as funçõ deve pagar indenização.
interdependentes de utilidade ou produção podem causar a externalização de custos s Pense nos efeitos, em termos de incentivos, da decisão do tribunal sobre Yvonne. Se
ciais. Os processos por mau uso da propriedade representam um remédio jurídico. e~tiver convencida de que o zoneamento é uma desapropriação e de que receberá inde-
regulamentações pelo Estado representam outro. As regulamentações restringem o uso mzação, ela não correrá riscos se fizer um grande investimento; assim, investirá corno se
propriedade sem tirar o título do proprietário. Promulgar regulamentações implica não houvesse ris~o de sofrer prejuízo em decorrência da ação do governo. Por outro lado,
luta política entre os beneficiá.rios e as vítimas. Visto que o resultado depende da polí se Yvonne acredita que o zoneamento é uma regulamentação e ela não receberá indeni-
ca, e não da análise de custo-benefício, o custo total das regulamentações muitas vez· ?
zaçã?, ~orrerá risc~ de que seu investimento seja destruído pela ação governamental, e
excede ó total de benefícios. Entretanto; um capítulo sobre a propriedade não é o lug restnngrrá seu mvestlmento.
para desenvolver uma crítica completa das regulamentações. Nesta seção, enfocamos uni' A Figura 5.2 ilustra esses fatos. O eixo vertical indica dólares, e o eixo horizontal
questão mais restrita referente às desapropriações. mede o tamanho do prédio reformado de Yvonne. A linha reta rotulada "Custo total"
Normalmente, as regulamentações causam urna queda no,_ valor da propriedade visada; indica a quantia que ela gasta com a reforma do prédio. Duas curvas, rotuladas R e R
o que pode levar a uma ação judicial em busca _de indenização. Uma ilustração: um indus· indicam possíveis receitas produzidas pelo prédio em função de seu tamanho. A c:;va d;
trial que adquire terra para construir uma fábtj:ca pode ficar bloqueado quando o govem receita ~uperior, rotulada Rnr: ~dica a receita que pode ser obtida se não houver regula-.
local faz um zoneamento e proíbe o uso da ~~rra para fins industriais. o industrial pocl mentaçao, de modo que o pred10 poderá ser usado como uma fábrica. A curva de receita
mover uma ação, alegando que o Estado tiroú uma porção substancial do valor da pr . inferior, rotulada Rr, indica a receita que pode ser-obtida quando houver regulamentação,
priedade, mas não o título. Quando decidem em favor do autor da ação em tais casos, · de modo que o prédio não poderá ser usado como fábrica.
tribunais dizem que houve uma "desapropriação". Quando decidem em favor do réu e Aplicand? ~ lógica econômica usual, Yvonne maximizará o~ lucros optando pelo ta-
tais casos, os tribunais dizem que houve uma "regulamentação". A diferença é que um manho de pred10 para o qual o custo marginal é igual à receita marginal. Os valores mar-
desapropriação exige indenização, e uma regulamentação, não. ginais_são_ ind~cados pela inclinação da curvas de valor total no gráfico. y0 é o ponto em
Queremos expor os efeitos, em termos de incentivos, dessa classificação em restrições·:. que a mclmaçao da curva da receita inferior é igual à inclinação da curva do custo total.
indenizadas (desapropriações) e restrições não indenizadas (regulamentações). Se o Es-'., de modo que Yo é o nível de investimento que maximiza o lucro quando o uso industrial
tado não precisa indenizar restrições, ele imporá um número excessivo delas. Se houver é proibido. Se Yvonne tivesse certeza de que os tribunais decidiriam que o zoneamento é
restrições em demasia, os recursos não serão usados para a finalidade com o valor máxi- < uma regulamentação, ela maximizaria os lucros investindo no nível baixo y .
mo. Portanto, as restrições não indenizadas resultam em usos ineficientes. Inversamente, ·, Y1 é o ponto em que a inclinação da curva da receita é igual à inclinaçã~ da curva elo
se o Estado precisa indenizar plenamente por restrições, os donos de propriedade ficarão._' custo total, de modo que y 1 é o nível de investimento que maximiza o lucro quando O uso
indiferentes em relação às restrições por parte do Estado. Se estiverem indiferentes em
relação à possibilidade de uma restrição por parte do Estado, os donos de propriedade_
62 VieJa
. Cooter, Unity in Tort, Contract, and Property: The Model of Precaution, 73 CAL. L. REv. 1 (1985).
irão reformar sua propriedade como se não houvesse risco de que as restrições venham a
Dir·eito e Economia Capítulo 5 - Temas da Economia do Direico de Propriedade 195
194

$ zação pelas regulamentações dá às autoridades governamentais um incentivo para regu-


lamentar em excesso, ao passo que a possibilidade de irtdenizações das ·desapropriações
Custo total faz com que as autoridades governamentais internalizemp custo pleno da expropriação
de propriedade privada. Quando é provável que a ação governamental seja considerada
Rnr uma desapropriação, o governo internaliza o custo de suas ações e, assim, restringe a
(uso industrial)
desapropriação de propriedade privada. Por outro lado, quando é provável que a ação go-
vernamental seja considerada uma mera regulamentação, o governo carece de incentivos
materiais para conservar seu uso de direitos de propriedade privada valiosa.
Se o Estado indeniza os proprietários por desapropriações governàmentais, eles têm
um incentivo para investir em benfeitorias excessivas, ao passo que se o Estado não inde-
niza, o governo tem um incentivo para regulamentar em demasia a propriedade privada.
Este é o paradoxo da indenização, com o qual nos depararemos de novo em nosso estudo
dos contratos e atos ilícitos civis. As autoridades ou funcioná.rios públicos deveriam levar
em consideração esse paradoxo quando têm de decidir se uma ação estatal que reduz _os
y val9res da propriedade privada é uma desapropriação ou uma regulamentação.. Se os pro-
o Yo Y1 prietários privados reagirem à indenização fazendo benfeitorias em excesso, seu cornpor~
Figura 5.2 Os incentivos para a adoção de uma tecnologia nova e melhor sob a regra da inde~. tarnento irá melhorar se a ação estatal for declarada uma regulamentáção. Inversamente,
nização temporária. se o governo reagir à não indenização por uma ação excessiva que prejudica os donos de
propriedade; seu comportamento i..rámelhorar se a ação estatal for declarada uma desapro- . ··
priação. Em termos técnicos, a elasticidade na oferta de investimento privado no tocante .
industrial é pennitido. Se Yvonne tivesse certeza de que o zoneamento seria considerado à indenização favorece a regulamentação em lugar das desapropriações, e a elasticidade
uma desapropriação pelos tribunais, ela maximizaria os lucros (incluindo a indenização) na oferta de ação estatal no tocante à indenização favorece as desapropriações em lugar
investindo no nível alto. das regulamentações.
Examine agora à"nível eficiente de investimento. A eficiência social exige que Yvonne
leve em conta os riscos reais, inclusive o risco de que o valor do investimento que elâ
pensa em fazer seja destruído pela ação do governo. Se tivéssemos certeza de que o govet;i
no não alteraria a regulamentação do uso da terra nessa área, a eficiência exigiria que
NOTA NA INTERNET 5.9 ,~,~111
Tem havido algumas fascinantes ações judiciais recentes nos EUA referentes a regulamenta-
Yvonne investisse no nível alto y 1• Por outro lado, se fosse certo que o governo alteraria as ções não indenizáveis e desapropriações indenizáveis. Em nosso site, revisamos algumas dessas
regrns, a eficiência exigiria que Yvonne investisse no nível baixo y0 • Na realidade, é incer~. ações e parte da literatura recente sobre essas questões.
to se o góvemo fará a alteração, de modo que a eficiência exige que Yvonne invista num
63
nível intermediário entre y 1 e y 0 • ..
E. Negociação com o Estado
A ausência de indenização faz com que Yvonne intemalize o risco. Quando internaliza.
o risco, ela investe eficientemente num nível acima de y0 e a]:?aixo de y 1• Concluímos que: Passamos agora a um processo famoso em que um proprietário de terra processou com
nenhuma indenização pela perda de valor em investimentos causada por ações governa~; êxito o Estado por tirar Um direito de propriedade pela forma como regulamentou a ex-
mentais incertas oferece incentivos para um investimento privado eficiente. Entretanto, a ploração da terra. Ao norte de Los Angeles, o magnífico litoral da Califórnia foi deixado
indenização faz com que ela invista no nível Y1> corno se o risco fosse zero. Concluímo{ grandemente intacto pelá exploração da terra, e a Comissão Litorânea da Califórnia é
que a indenização plena pela perda de valor em investimentos· causada por ações gover{ ·responsável por mantê-lo dessa forma. Um proprietário chamado Nollan pediu à Comis-
namentais incertas oferece incentivos para um investimento privado excessivo. são licença para ampliar um pequeno abrigo litorâneo e transformá-lo numa casa. A pro-
. Este argumento cliz respeito a investimentos para pessoas privadas, não para o Estado:; priedade estava localizada entre a praia e a estrada pública, como mostra a Figura 5.3. A
O efeito das duas instituições jurídicas regulamentações e desapropriações - é bem casa teria diminuído e degradado a vista do litoral a partir da estrada, e a Comissão queria
diferente quando passamos de pessoas privadas para autoridades governamentais. Se o proteger a vista que se tinha dali. Para proteger a vista, a Comissão poderia ter recusado
tribunal decide que a alter~ção nos usos permissíveis de terra na área pertinente é uma a licença para construir a casa. A Comissão, entretanto, adotou outra abordagemporque
mera regulamentação, de modo que não há necessidade de pagamento de indenização, a tinha outro objetivo: criar um passeio público ao longo da praia, como indicado na figura.
alteração não custa nada ao governo. Por outro lado, se o tribunal decide que esta ação Ela pediu ao proprietário que doasse.um caminho público ao longo da praia em troca dá
específica é uma desapropriação, de modo que é preciso pagar uma indenização, esse tipo licença para construir a casa. Os incorporadores privados muitas vezes doam terra em
de ação é muito dispendioso para o governo. Obviamente, a possibilidade de não indeni- troca de licenças, como quando uma construtora de um projeto habitacional doa terra para
uma escola e uma estrada em troca da l_icença para construir casas em terra agricultável.
·····---·-- ---------- Em vez de doar o caminho, entretanto, o proprietáricfprÓcessou a Comissão.
St:'. r11 eciso, a eficiência exige que ela o aumento de lucros daí resultante quando A lei claramente pennite ao Estado regulamentar propriedade par~ proteger o público
• '"º""'•c,••omPnto multiplicado orobabil!dade de que não ação governamental, seja igual à perda
probabilidade da ação governamental.
contra prejuízo, e a lei claramente proíbe o Estado de éxproprüicd~nosde prop1iedade
196 Direico e Econoinia Capículo 5 - Temas da Economia do Direico de Propr (

Reprojetar 1 Caminho ao 1
a casa 1 longo da praia 1

(mitigação) .·I (compensação) 1

Dono da propriedade .:::.300 -250


Comissão eública +250 +400

Figura 5.5 Valor da mitigação e da compensação.

casa de Nollan
A Figura 5.6 combina os números das duas figuras anteriores para indicar os benefí-
cios líquidos de atos alternativos. "Não agir" rende O para ambas as partes. "Agir emiti-
rodovia pública _
gar" rende 700 para o dono da propriedade (l.000 - 300 = 700) e -50 para o público
( -300 + 250 = -50). Estas duas opções são, aparentemente, as únicas permitidas pela
Figura 5.3
corte no caso Nollan. Dadas essas duas opções, presumivelmente a Comissão irá recusar
a licença, e o resultado será O benefício para ambas as partes.
selecionados a fim de financiar bens públicos. A Comissão Litorânea estava protegendo\ Aparentemente, a Corte não quer permitir que as partes ajam e compensem, n que
0 público ou forçando uma pessoa privada a pagar por uma servidão pública? A Sup~e~a.: beneficiaria a ambas. "Agir e compensar" rende 750 para o dono da propriedade (J .000
Corte dos Estados Unidos chegou a esta última conclusão num parecer complexo redigido 250 = 750) e 100 para a comissão pública (-300 + 400 = 100).
pelo ministro Scalia. A Corte procurou um "nexo" entre o dano causado pelo proprietárió/ Com esses números hipotéticos, a decisão no caso Nollan resulta num retorno de O
(obstruir a vista pública a partir da estrada) e o remédio jurídico exigido pela Comissão.· para ambas as partes (a Comissão recusa a licença para a construção), ao passo que per-
(doar um caminho público ao longo da praia). A Corte raciocinou que, sem tal nexo, a mitir que a Comissão exigisse uma compensação resulta num retorno de 850 (a Comissão·
regulamentação era uma desapropriação ilegal. Visto que a Corte não pôde encontrar tal·. concede a licença, e o proprietário doa o caminho). Esses números hipotéticos mostram
nexo, oproprietário ganhou a disputa. .. que o princípio no caso Nollan pode facilmente causar um bloqueio ineficiente de licenças
Pode-se abstrair um princípio jurídico desses fatos. Para que uma regulamentação seja para construção. Aparentemente, a Suprema Corte chegou a esse princípio por temer que
vista como proteção do público contra dano, a regulamentação precis_a mitigar o dano. O o Estado abusasse das compensações. O Estado poderia exigir compensações de donos d~
Estado pode condicionar uma licença à circunstância de que ela mitigue o dano causado. propriedade politicamente vulneráveis em vez de arrecadar impostos. Por exemplo: um
por seu exercício. Uma doação de terra para mitigar um dano é permitida. Por exemplo: prefeito eleito por locatários poderia exigir compensações sempre que os locadores neces-
a Comissão poderia ter pedido a Nollan que doasse um caminho para passar ao largo da sitem de licenças para construção. O prefeito poderia usar as compensações para financim·
casa e chegar até a praia. (Veja o "possível caminho para a praia" na figura.) Uma doação··· bens públicos em vez de impor impostos que recairiam parcialmente sobre os locatários.
de terra para uma finalidade sem relação com o dano não o mitiga. Em vez disso, uma O escopo em potencial para tais compensações abusivas é grande por duas razõe.c; Em
doação para outra finalidade contrabala1J:Ǫ o dano proporcionando alguma outra coisa · primeiro lugar, o Estado tem amplos poderes de regulamentação, muitos dos não
de valor. O caso Nollan pode ser interpretado como um caso que representa o princípio de: são usados. O Estado poderia começar a introduzir restrições desnecessárias a cons tn-1çüc:)
que o Estado não pode condicionar uma licença à circunstância de que haja uma compen-} apenas para obter compensações. Em segundo lugar, o Estado pode exigir uma compensa-
sação do dano causado pelo exercício da licença. . ção cujo valor exceda o prejuízo causado pelo exercício da licença. Na Figura 5.4, a cons-
1
Alguns números hipotéticos inspirados pelo caso Nollan mostram um problema nessa. trução traz um benefício de 1 mil ao proprietário. Assim, o Estado pode exigir até 1 mil em
proibição de licenças condic~onadas a uma compensação. De acordo com a Figura 5.4, o: compensações como condição para permitir que o proprietário construa, e o proprietfü-io
dono da propriedade fixa o valor da construção da ~asa em 1 mil, e a Comissão fixa o va- · ganha se aceitar a oferta, embora a construção só traga um prejuízo de 300 ao público.
lor da perda da vista pelo público em 300. Ao passo que a Figura 5.4 mostra a fixação dos O temor do abuso é razoável, mas a Corte deveria ter resolvido o problema de uma
valores para "construir" e "não construir", a Figura 5.5 mostra a fixação dos valores para forma diferente que evite a ineficiência. Uma solução melhor proíbe compensações a me-
"mitigar" e "contrabalançar". A mitigação exige que a casa seja reprojetada para melhorar nos que o Estado também dê ao dono da propriedade a oportunidade de mitigação. Esta
a vista, o que custa 300 ao proprietário e traz ao público um benefício de 250, segundo a abordagem implica que a Comissão deveria dar ao proprietário a licença para construir a
estimativa da Comissão. Alternativamente, a doação do caminho ao longo da praia custa casa com a condição de que o proprietário ou mitigasse ou compensasse. A relação "ou ...
250 ao proprietário e traz um benefício de 400 ao público. ou" é disjuntiva. Estamos propondo uma licença condicional disjuntiva.

Agir Não agir Não Agir e Agir e


(construir (não construir agir mitigar compensar 1
. a casa) a casa) Dono da propriedade o 700 750 I
Dono da propriedade +1000 o Comissão pública o -50 100 I
1
Comissão pública - 300 o Total o 650 850 1

Figura 5.4 Valor de construir e não construir. Figura 5.6 Valores líquidos.
198 Di rcirn e Economia Capículo 5 - Temas da Economia Direic,:i de Propriedade 199

A opção adicional pode beneficiar ambas as partes. Na Figura 5.6, a licença condf Ilustremos isso com um exemplo histórico: suponha que em l 900 a indústria se loca-
cíonal disjuntiva permite que o proprietário projete novamente a casa a um custo de 3ô' liza na orla de uma baía pouco desenvolvida na Califórnia. A localização da indústria na
(mitigação) ou doe um caminho ao longo da praia a um custo de 250 (compensação). · orla deu um acesso fácil a barcos. Por volta de-1960, entretanto, os fabricantes são abas-
proprietário escolherá esta última, que beneficiará o público muito mais do que a primef tecidos por caminhão, e não por barco. Além disso, o porto tem agora um grande apelo
rn. Em geral, permitir que o Estado tenha uma opção adicional - emitir uma licença con estético e recreativo. Tendo em vista a mudança nas circunstâncias, a eficiê'nci~ exige que,
dicionada à mitigação ou compensação - não pode deixar o Estado numa situação pior: gradativamente, transfiram-se as indústrias para o interior e se construam residências ou
Ao emitir uma licença condicional disjuntiva, o Estado dá uma opção adicional ao donq parques recreativos na área do porto.
da propriedade. O dono de propriedade na Figura 5.6 optará pela compensação. Em ger Para fazer com que as fábricas saiam e as residências entrem, as incorporadoras resi-
permitir que o dono da propriedade tenha uma opção adicional - mitigar ou compensar· denciais deveriam aumentar suas propostas de preço para terras no porto em comparação
não pode deixar o proprietário numa situação pior. Assim, permitir que Estado escolha ou com terras no interior. Há, entretanto, um obstáculo para que o mercado não regulamenta-
recuse a emissão de uma licença condicional disjuntiva é mais (Pareto) eficiente do qu~ do atinja esse objetivo. O problema é que ninguém quer morar do lado de uma fábrica, de
não o permitir. · modo que as incorporadoras residenciais não estarão dispostas a pagar muito por terras no
Pergunta 5.42: Suponha que as Figuras 5.4 e 5.5 descrevam os fatos do caso Nollan. Poi porto enquanto as indústrias estiverem presentes. Em vez de as fábricas se afastarem do
que o proprietário haveria de contestar a Comissão e optar pelo litígio em vez de aceitar a oferta' porto, poderá acontecer o contrário: à medida que a indústria se expande, as residências
da Comissão de dar uma licença em troca da doação de um passeio ao longo da praia? ·:• poderão ser empurradas para longe d' água. Se o preço relativo da terra perto d' água cai à
Pergunta 5.43: O gráfico do caso Nollan indica a "proposta de caminho ao longo da praia'' medida que as residências fogem para o interior para escapar das indústrias, o mercado
64
e um "possível caminho para a praia". A Corte não permitiu que a Comissão desse uma licençl:). não regulamentado dá, nesta situação, os sinais errados.
de construção condicionada à doação de um caminho ao longo da praia. Por que o Tribunal.
poderia ter permitido à Comissão dar uma licença de construção condicionada à doação de um;
caminho para a praia? CONCLUSÃO
Pergunta 5.44: O governo federal oferece seguro contra desastres que ajuda as pessoas a;: Nos Capítulos 4 e 5, desenvolvemos uma teoria econômica da propriedade e a aplicamos
construir casas de veraneio em lugares sujeitos a inundação, como dunas de areia, por exemplo/· a uma ampla gama de problemas jurídicos. Nossa teoria encara a propriedade como a
Suponha que o governo queira proteger o meio ambiente impedindo a construção de casas numaj instituição que dá às pessoas liberdade sobre os recursos; o direito de propriedade pode
duna específica perto do mar. Se o governo toma propriedade privada na duna desapropriando-{ incentivar o uso eficiente de recursos criando regras que facilitem a negociação e o inter-
ou impondo regulamentações que proíbam qualquer construção, a indenização deveria incluir . câmbio e que minimizem os prejuízos quando a negociação não dá certo. Organizamos
ou excluir o aumento no valor da terra causado pelo seguro contra inundação do governo? nossa exposição teórica das regras de propriedade em torno de quatro perguntas que um
sistema de direito de propriedade precisa responder. Ao responder essas perguntas, reve-
F. Zoneamento e regulamentação da incorporação lamos a lógica econômica subjacente a grande parte do direito de propriedade.
Alguns bens, chamados de complementos, deveriam ser consumidos juntos, como, por
exemplo, feijão com arroz, e outros bens, chamados de substitutos, deveriam ser consumi~,
dos separadamente, como, por exemplo, feijão e sorvete. Pode-se fazer uma categorização: SUGESTÕES DE LEITURA
semelhante em relação à separação espacial de atividades econômicas: é recomendável: CoarER, Robert D. Organization as Property: Economic Analysis of Property Law Applied to Pri-
localizar os restaurantes perto de escritórios, e é recomendável separar indústrias com.' vatization. 2 J. LEGAL EcoN. 77 (1992).
chaminés de residências. Há,' entretanto, uma diferença importante entre culinária e sepa~ EPSTEIN, RICHARD A. TAKINGS: PRIVATE PROPERTY AND THE PO\VER Of EMfNENT DOMAIN. 1985.
ração espacial: não há lei que proíba comer feijão com sorvete, mas as normas de zone~: FISCHEL, WILLIAM A. REGULATORY TAKINGS: LAW, ECONOM1CS, AND Pouncs. 1995.
amento na maioria dos municípios efetivamente proíbem a localização de indústrias em. GOL.DSTEIN, PAUL. COPYRJGHT'S HIGHWAY: THE LAW ~ND LORE Of COPYRlGHT FROM GUTENBERG TO

bairros residenciais. THE CELESTIAL JUKEBOX. 1994.


O que procuramos explicar aqui é o elemento de compulsão presente na segregação JAFFE, ADAM B. & TRAJTENBERG, MANUEL. PATENTS, CITATIONS AND INNOVATIONS: A WINDOW ON
THE KNOWLEDGE ECONOMY. 2002.
de atividades econômicas por meio de.leis de zoneamento. É possível argumentar a favor .
LUBET, STEVEN. Notes on the Bedouin Horse Trade or Why Doesn 't the 1vfarket Clear, Daddy ~ 74
do zoneamento como resposta a uma espécie importante de falha do mercado. Quando a·•·
Tox.* L. REv. 1039 (1996).
demanda por um bem aumenta, os preços sobem, e os produtores reagem oferecendo mais MTCELI, THOMAS J. & SEGERSON, MTHLEEN. COMPENSATION FOR REGULATORY TAKINGS: AN ECONO-
desse bem. O aumento de preço é um sinal para os produtores dedicarem mais recursos MIC ANALYSIS WITH APPLICAT!ONS. 1996.
à produção do bem. Este sinal geralmente é apropriado no sentido de que a sociedade Rapaczynslà, Andrzej, The Roles of the State and the 1vfarket in Establlshing Property Rights, 10 J.
está numa situação melhor quando recursos são deslocados para a produção de bens cujo ECON. PERSP. 87 (1996).
preço esteja subindo. Há, entretanto, circunstâncias especiais em que os sinais são tro-
cados. Nessas circunstâncias especiais, seria melhor para a sociedade que os produtores
reagissem a um aumento no preço fornecendo menos dele; mas, num mercado livre, eles 64
A explicação da razão pela qual o mercado dá os sinais errados nessa situa<;ão é um tanto técnica. Nosso site contém a
reagirão ao aumento no preço fornecendo mais. explicação.

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