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ARTIGO Valladares ACA, Silva MT.

A arteterapia e a promoção do desenvolvimento infantil no


ORIGINAL contexto da hospitalização. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2011 set;32(3):443-50. 443

A ARTETERAPIA E A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO


INFANTIL NO CONTEXTO DA HOSPITALIZAÇÃOa

Ana Cláudia Afonso VALLADARESb, Mariana Teixeira da SILVAc

RESUMO

O presente estudo teve como objetivos avaliar e comparar o desenvolvimento de crianças hospitalizadas, antes e
após intervenções de Arteterapia. Esta pesquisa descritiva-exploratória realizou-se por meio de estudos de caso de
fundo qualitativo, baseados na avaliação desenvolvimental de crianças. A pesquisa contou com cinco participantes
na faixa etária entre sete e dez anos, no Hospital de Doenças Tropicais (HDT) de Goiânia, Goiás, em 2006. Seus
resultados mostraram que as intervenções de Arteterapia foram eficazes na promoção do desenvolvimento infantil.
Concluiu-se, então, que a Arteterapia constitui-se num meio para canalizar, de maneira positiva, as variáveis do
desenvolvimento da criança hospitalizada e neutralizar os fatores de ordem afetiva que, naturalmente, surgem,
além de expor os potenciais mais saudáveis da criança, por vezes pouco estimulados no contexto da hospitalização.

Descritores: Terapia pela arte. Saúde mental. Criança hospitalizada. Enfermagem pediátrica.

RESUMEN

Las finalidades de este estudio fueron las de evaluar y comparar el desarrollo de niños hospitalizados, antes y después de
intervenciones de Arteterapia. Esta investigación descriptiva-exploratoria nos permitió realizar estudios de caso cualitati-
vos, basados en la evaluación del desarrollo de niños. Participaron del estudio cinco participantes con edad entre siete y diez
años, en el Hospital de Enfermedades Tropicales (HDT) de Goiânia, Goiás, Brasil, en 2006. Los resultados mostraron que
las intervenciones de Arteterapia fueron eficaces en la promoción del desarrollo infantil. Se concluye que la Arteterapia es un
recurso para canalizar, de manera positiva, las variables del desarrollo del niño hospitalizado y neutralizar los factores de
orden afectivo que, naturalmente, surgen, además de exponer los potenciales más sanos del niño, a veces poco estimulados en
el contexto de la hospitalización.

Descriptores: Terapia con arte. Salud mental. Niño hospitalizado. Enfermería pediátrica.
Título: Arteterapia y la promoción del desarrollo infantil en el contexto de la hospitalización.

ABSTRACT

This study aimed to evaluate and compare the development of hospitalized children before and after art therapy interventions.
Qualitative case studies were undertaken in this descriptive-exploratory research, based on the developmental evaluation of the
children. The study participants were five children between seven and ten years old, in the Hospital of Tropical Illnesses
(HDT) in the city of Goiânia, state of Goiás, Brazil, in 2006. Results showed that art therapy interventions efficiently pro-
moted children’s development. Art therapy is a resource for positively channeling the variables of hospitalized children’s
development and for neutralizing affective factors that naturally appear, as well as for exposing the child’s healthier poten-
tials, which sometimes receive little stimulus in the context of hospitalization.

Descriptors: Art therapy. Mental health. Child, hospitalized. Pediatric nursing.


Title: Art therapy and the promotion of child development in a hospitalization context.

a
Este estudo faz parte do projeto de pesquisa “Arteterapia com crianças hospitalizadas: uma análise interpretativa de suas produções”.
b
Arteterapeuta e Enfermeira Psiquiátrica, Professora Doutora da Faculdade de Enfermagem (FEN) da Universidade Federal de Goiás
(UFG), Goiânia, Goiás, Brasil.
c
Enfermeira graduada na FEN-UFG, Goiânia, Goiás, Brasil.
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444 contexto da hospitalização. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2011 set;32(3):443-50.

INTRODUÇÃO tante mudança, fazendo emergir terapias basea-


das na arte, música, dança e outras, como práticas
Arteterapia é uma ferramenta de auxílio ao complementares.
ser humano que almeja a produção de imagens, a Diante da preocupação com a saúde mental
autonomia criativa, o desenvolvimento da comuni- da criança hospitalizada e na busca do atendimen-
cação, a valorização da subjetividade, a liberdade to ao seu desenvolvimento, este trabalho centra seu
de expressão, o reconciliar de problemas emocio- interesse nas práticas complementares, e vê a Arte-
nais, e ainda a função catártica(1). A Arteterapia po- terapia como uma possibilidade plausível de ser
de, então, oferecer à criança hospitalizada oportu- aplicada no ambiente hospitalar pediátrico. Assim,
nidade para lidar melhor com essa situação desfa- os objetivos deste trabalho foram avaliar e compa-
vorável e com isso facilitar sua adaptação às roti- rar o desenvolvimento da criança, antes e após as
nas hospitalares, seja estimulando seu desenvolvi- intervenções da Arteterapia, na Unidade de inter-
mento saudável, seja restabelecendo o equilíbrio nação pediátrica.
emocional. No caso das crianças, o adoecimento pro-
move alterações na sua vida como um todo, que po- METODOLOGIA
dem, muitas vezes, desequilibrar seu organismo
interna e externamente, e, em consequência disso, Trata-se de uma pesquisa descritiva-explo-
bloquear seu processo de desenvolvimento saudá- ratória, com abordagem metodológica qualitativa
vel, especialmente se a doença for duradoura(2). de estudo de caso instrumental. O estudo de caso
O desenvolvimento infantil é um processo permitiu estabelecer comparação entre os dois en-
complexo que envolve as diferenças individuais e foques específicos, o que permitiu comparar a ava-
as específicas de cada período, como mudanças nas liação anterior às intervenções da Arteterapia com
características, nos comportamentos, nas possibi- a avaliação posterior, e assim analisar o desenvol-
lidades e nas limitações de cada fase da vida, indis- vimento alcançado pela criança.
tintamente. No período que compreende dos sete Elegeu-se como espaço para desenvolver o
aos dez anos, que se convencionou chamar de perío- estudo, no Hospital de Doenças Tropicais (HDT)
do escolar, ocorrem transformações significativas de Goiânia, Goiás, instituição pública e de ensino,
nos aspectos cognitivos, socioemocionais e da co- especializada em doenças infecto-contagiosas e pa-
municação plástica, pois é nessa fase que o raciocí- rasitárias. Selecionaram-se cinco crianças na faixa
nio da criança apresenta-se mais lógico e compre- etária entre sete a dez anos e de ambos os gêneros.
ende melhor os fatos. Ainda nessa fase, amplia seu Este estudo faz parte do projeto de pesquisa,
vocabulário e sua linguagem ganha mais coerên- sob o título de “Arteterapia com crianças hospi-
cia, clareza e comunicabilidade(1). talizadas: uma análise interpretativa de suas pro-
Quanto ao crescimento progressivo da arte in- duções”, que foi aprovado pelo Comitê de Ética em
fantil, este segue seu percurso paralelo ao desen- Pesquisa do Hospital de Urgências de Goiânia sob
volvimento geral das crianças. Nas expressões ar- protocolo nº 07/04.
tísticas, elas expõem a si mesmas, isto é, deixam As intervenções de Arteterapia adotadas con-
aflorar todo seu contexto social, suas percepções sistiram de acompanhamento individual durante
sobre o mundo, sua identidade e sua imaginação(2). cinco dias consecutivos, com duração variada de
A criança consegue expressar seus sentimentos por uma a três horas e meia, o que totalizou sete ses-
meio das produções de arte, o que contribui sobre- sões, sem contar a pré e pós-intervenção de Arte-
maneira para que compreenda seu processo de de- terapia. Os objetivos das sessões de Arteterapia
senvolvimento(3,4). Considerando que a hospitali- foram: permitir a exteriorização de sentimentos,
zação poderá trazer prejuízos ao desenvolvimento de tensões e angústias; trabalhar com a reorgani-
da criança, pergunta-se se a utilização dos recur- zação do meio interno da criança; reconquistar a
sos da Arteterapia não poderia atuar como elemen- própria autonomia perdida; diminuir a dor e o des-
to de apoio e promoção a esse processo. conforto físico e ainda estimular sua imaginação e
Este questionamento reflete não só a preocu- criatividade.
pação dos profissionais de enfermagem, mas tam- As intervenções consistiram de técnicas lú-
bém representa o contexto das transformações da dicas e de atividades artísticas, com condução es-
própria sociedade, nos dias atuais, que está em cons- pontânea das dinâmicas, facilitando, assim, a ex-
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teriorização da subjetividade da criança. Dentre pecíficas de cada faixa etária ou estágio desenvol-
as outras modalidades terapêuticas trabalhadas, vimental da criança, sendo composto pelos itens:
estão: brinquedos, jogos e histórias. funcionamento físico; padrão de relacionamento;
A pesquisa teve duração total de seis meses humor ou tom emocional geral; afetos; ansiedades
e as sessões gerais de Arteterapia transcorreram e medos e expressão temática. Ele permite conhe-
de forma tranqüila. A coleta de dados ocorreu por cer a complexidade, a riqueza, a profundidade e o
meio de observação direta, antes e após as sessões conteúdo da criança bem como limitações e confli-
de Arteterapia, com a finalidade de analisar os ní- tos, além de possibilitar acesso ao mundo singular
veis de desenvolvimento da criança. da mesma e suas experiências sociais.
Na avaliação pré e pós-intervenções de Arte- O mais importante nesse processo foi avaliar
terapia solicitaram-se às crianças a confecção de se houve, após as intervenções de Arteterapia,
desenho, pintura, colagem, modelagem e constru- modificações significativas no processo evolutivo
ção com sucata hospitalar, seguindo temática de desenvolvimento da criança. Assim, obter da-
dirigida e livre. Estimulou-se a criança a dar um tí- dos mediante procedimentos diversos, como obser-
tulo para a obra produzida e, caso quisesse, pode- vações direta e participante, utilizando os inúme-
ria falar sobre a mesma. E à medida que as crian- ros itens de análise desenvolvimental, e avaliação
ças iam construindo seus trabalhos artísticos, ana- das produções artísticas, foi de fundamental im-
lisava-se o seu desenvolvimento. Observou-se o de- portância para garantir a qualidade dos resulta-
sempenho dos participantes durante as avaliações dos obtidos.
iniciais e finais, elaborando um relatório a respei- A análise dos dados ocorreu com base nas
to. descrições do desenvolvimento das crianças. Levou-
O instrumento empregado para coleta dos da- se em consideração a qualidade do desempenho da
dos foi o Roteiro para Avaliação de Desenvolvi- criança, no decorrer do processo, comparando-se o
mento da Criança, cujo enfoque desenvolvimental processo anterior às intervenções de Arteterapia
se presta à observação de crianças entre sete e dez com o posterior.
anos(5). Este modelo possui um enfoque estrutura-
lista do desenvolvimento, composto por um con- RESULTADOS
junto de expectativas e comportamentos ou capa-
cidades clínicas, indicador das crianças. Avaliam- O Quadro 1 ilustra a caracterização das crian-
se, por meio dele, as capacidades adaptativas es- ças atendidas nesta pesquisa.

Identificação Gênero Escolaridade (série) Diagnóstico clínico Isolamento Residência Idade (anos)
da criança M F 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª Meningite Outra S N G IG OE 7 8 9 10
C1 X X X X X X

C2 X X X X X X

C3 X X X X X X

C4 X X X X X X

C5 X X X X X X

Quadro1 – Distribuição das crianças conforme o gênero, escolaridade, diagnóstico clínico, isolamento, residência e idade. Goiânia, GO,
2006.
Legenda: M: masculino; F: feminino; S: sim; N: não; G: Goiânia; IG: interior de Goiás; OE: outro estado.
Fonte: Hospital de Doenças Tropicais, Goiânia, GO, 2006.

A interpretação e descrição comparativa do C1


desenvolvimento dos participantes contou com a
presença de um profissional da psicologia e da Em relação ao funcionamento físico: o fun-
Arteterapia, segundo os critérios estabelecidos na cionamento motor fino melhorou, fator evidencia-
pesquisa(5), e serão descritas a seguir. do pela produção gráfica. A criança tornou-se mais
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rápida, mais dinâmica, orientada e cuidadosa com Em relação aos afetos: seu afeto ficou mais
seus trabalhos e mostrou melhor desempenho nas rico e profundo.
suas produções da pintura, colagem, modelagem e Em relação às ansiedades e medos: suas ati-
construção. tudes mostraram maior controle emocional, evi-
Em relação ao padrão de relacionamento: denciado pela não-dependência excessiva da mãe,
a criança apresentou progresso no relacionamen- fato que ocorrera no período anterior.
to e aprofundamento no vínculo; melhorou o con- Em relação à expressão temática: conseguiu
tato visual; expressou sutilmente afeto, pois mos- expressar temas de maneira mais organizada e rica.
trava-se mais sorridente e maior interesse pelo tra-
balho. C3
Em relação ao humor ou tom emocional ge-
ral: direcionou esta capacidade para o desenvolvi- Em relação ao funcionamento físico: seu
mento da relação. funcionamento motor fino melhorou, fato eviden-
Em relação aos afetos: estavam mais ricos e ciado pela sua produção gráfica, que apresentou
profundos do que na ocasião da avaliação inicial. imagens bem configuradas, com mais regularidade,
Em relação às ansiedades e medos: não mos- unidade, equilíbrio, exatidão e profundidade. Tra-
trou modificações na comparação entre as avaliações. balhou melhor o espaço no papel e, conseqüente-
Em relação à expressão temática: a criança mente, melhorou o desenvolvimento gráfico nas fa-
conseguiu ampliar e aprofundar o tema proposto, ses de aprendizagem da pintura e no desempenho
pois enriqueceu seus trabalhos com mais criativi- tridimensional (modelagem e construção). A cri-
dade, riqueza de detalhes, movimentos, variedade ança mostrou-se mais rápida e dinâmica durante a
de elementos, cores, equilíbrio, exatidão e profun- avaliação, com uma capacidade verbal excelente.
didade das imagens. Ademais, as idéias centrais Em relação ao padrão de relacionamento: a
apresentaram-se mais conectadas. criança apresentou progresso no relacionamento
com a arteterapeuta e melhor vínculo, pois estava
C2 mais comunicativa, tranqüila e envolvida com as
tarefas. Sua postura corporal estava mais voltada
Em relação ao funcionamento físico: os tra- para a arteterapeuta, havendo presença do toque e
balhos da criança estavam mais bem elaborados de proximidade pessoal. Mostrava-se muito sim-
quanto ao espaço, e melhorou também: configura- pática, calor humano e com capacidade para cati-
ção, equilíbrio, profundidade, exatidão, movimen- var a arteterapeuta.
to, regularidade, simetria e, especialmente, criati- Em relação ao humor ou tom emocional
vidade. Tornou-se mais rápida e dinâmica ao reali- geral: o humor era semelhante ao da avaliação ini-
zar a tarefa; melhorou seu foco de concentração e cial, mas já se mostrava mais sorridente, extrema-
atenção e apresentou, ainda, progresso no desen- mente amigável e mais relaxada.
volvimento gráfico, na perspectiva do desenho, na Em relação aos afetos: o afeto, na ocasião, era
pintura, na modelagem e na construção. mais rico e mais profundo do que na avaliação ini-
Em relação ao padrão de relacionamento: a cial. Demonstrou prazer, expansividade e alegria.
criança mostrou maior capacidade para a vincula- Sorria amplamente e seus trabalhos tornaram-se
ção, pois obteve melhor contato visual; seu olhar mais coloridos e expansivos; ademais, suas respos-
era mais carinhoso, sua face expressava alegria e tas verbais eram de otimismo.
sorria amplamente. Solicitava auxílio quando ne- Em relação às ansiedades e medos: eram se-
cessário, e seu contato era mais amigável. Mostrou melhantes aos da avaliação inicial, porém seu con-
envolvimento e interesse, ficando mais participa- tato já era mais terno e amigável.
tiva, tanto com o material quanto com a atividade. Em relação à expressão temática: ampliou
Embora ela continuasse tímida e com escassa ver- os temas propostos dando às produções artísticas
balização, sua gesticulação ganhou intensidade e, mais criatividade, acrescentando-lhes riqueza de
ao mesmo tempo, melhorou a qualidade de sua pro- detalhes, variedade de elementos e movimento. Seus
dução plástica. trabalhos continham elos de ligação e os temas
Em relação ao humor: ou tom emocional ge- eram mais bem organizados, isso porque trouxe
ral: mostrou-se mais amigável. à baila temas que lhe davam prazer. Foi capaz de
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elaborar uma rica fantasia na sua produção plásti- balhos artísticos mais criativos, ricos em detalhes,
ca, narrando-a, posteriormente, com profundidade. com imagens mais bem configuradas e exatas e com
noções superiores de profundidade. Melhorou, ain-
C4 da, os níveis de desenvolvimento gráfico, da mode-
lagem e da construção. Por ter trabalhado melhor
Quanto ao funcionamento físico: a criança o espaço, a criança tornou-se mais dinâmica e rápi-
apresentou progresso na produção plástica, melho- da ao executar as tarefas. Mais orientado e com me-
rando os aspectos de profundidade e imagens con- lhor foco de concentração e atenção, respondeu
figuradas. Trabalhou melhor o espaço, tornou-se prontamente às questões levantadas. Sua postura
mais rápida, dinâmica, orientada, relaxada, reflexi- era mais relaxada e, assim, pôde compreender e
va e aplicada. Sua concentração também melhorou, obedecer melhor às instruções dadas, executando-
mostrando-se diferente da avaliação inicial. De- as sem hesitação.
monstrou progresso, ainda, no desenvolvimento Em relação ao padrão de relacionamento:
gráfico, na modelagem e na construção. engajou-se de forma profunda, o que fez melhorar
No que se refere ao padrão de relacionamen- seu contato visual e sua expressão sutil de afeto.
to: progrediu no relacionamento, pois mudou sua Solicitava auxílio quando precisava e seu interesse
postura, e com isso melhorou o contato visual e a fez com que se tornasse mais participativo e per-
expressão sutil de afeto; a criança solicitava auxí- sistente nas atividades. Ficou evidente a flexibili-
lio quando necessário, e demonstrava maior inte- dade de sua personalidade, pois se tornou terno e
resse e vínculo no desenvolvimento das atividades. carinhoso, ao contrário do que demonstrava na
Ficou mais comunicativa, tranqüila, participativa, avaliação inicial, quando sua postura era rígida e
e ao mesmo tempo, mais próxima fisicamente das tensa.
pessoas, o que aprofundou o vínculo com a artetera- Em relação ao humor ou tom emocional ge-
peuta. Mais simpática, apresentava mais calor hu- ral: seu humor se estabilizou e ficou organizado,
mano e capacidade para cativar a terapeuta. Ade- pois mostrou-se amável, relaxado e seguro, fato-
mais, estava mais persistente e curiosa.
res evidenciados pela comunicação gestual e com-
Quanto ao humor ou tom emocional geral:
portamental.
mais amigável e relaxada, seu tom emocional era
Em relação aos afetos: o afeto tornou-se ri-
de alegria, expresso por sorrisos constantes e olhar
co e profundo. A criança demonstrou afetividade
mais alegre.
ao exibir sinais de expansão e alegria, expressan-
No que diz respeito aos afetos: o afeto era
do largos sorrisos. Ademais, apresentou prazer en-
perceptível, pois demonstrava alegria e prazer en-
quanto trabalhava. Seu sorriso era mais amplo, ale- quanto trabalhava, e mais comunicativo nas lingua-
gria que se refletia em seus trabalhos, os quais fi- gens gestual e plástica, uma vez que seus trabalhos
caram mais coloridos e expandidos no papel. Tam- tronaram-se amplos e coloridos.
bém demonstrou sinais de melhor conexão com o Em relação às ansiedades e medos: seu con-
ambiente e material. trole emocional mostrava-se mais regular, pois es-
Em relação às ansiedades e medos: não mos- tava mais tranqüilo, mais sossegado e independen-
trou alterações entre as avaliações. te do acompanhante.
Quanto à expressão temática: conseguiu am- Em relação à expressão temática: expressou
pliar os temas propostos, enriquecendo com mais temas mais organizados e ricos, de acordo com sua
criatividade, riqueza de detalhes, movimentos e va- idade, tornando expressivos (verbal, gestual e plás-
riedade de elementos as imagens produzias. Perce- tico) seus temas representacionais. Seus trabalhos
beu-se que essas imagens estavam inseridas den- plásticos evidenciaram maior variedade de elemen-
tro de um contexto mais aprofundado, por isso ela tos, de movimentos e riqueza de detalhes. Pareceu
conseguiu verbalizar mais o conteúdo da produção ter criado elos em sua temática, nas diferentes
plástica. modalidades plásticas.

C5 DISCUSSÃO

Em relação ao funcionamento físico: mos- As avaliações sobre o desenvolvimento in-


trou progresso, pois conseguiu confeccionar tra- fantil, realizadas antes e após as intervenções de
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Arteterapia, foram abrangentes e importantes, pois esclarecem que o poder da ludicidade é um nutri-
permitiram acompanhar com bastante clareza o ente importante contra o estresse, para integração
desdobramento tanto de processos intrapsíquicos dos dois lados do cérebro, assim como para ma-
como dos trabalhos artísticos das crianças, favo- nutenção do eixo criativo da criança, pois favorece
recendo, assim, a identificação de mudanças (com- seu bem-estar e equilíbrio, sua alegria, conforto e
portamentais, de desenvolvimento e das produções mudança de comportamento.
plásticas). Em relação aos afetos, ansiedades e medos,
Os dados mostraram que as crianças, de modo observaram-se modificações positivas após as in-
geral, registraram progresso após as intervenções tervenções de Arteterapia, pois, conforme relata a
de Arteterapia, sobretudo nas categorias de funcio- literatura vigente(1,9-11), se a Arteterapia contribui
namento físico, nos padrões de relacionamento, hu- significativamente para a humanização de cuida-
mor, afetos e expressão temática. dos à saúde, gerando maior liberdade de expressão,
Essas crianças, após as intervenções de Arte- alivio de tensão, de ansiedade e de dor, conseqüen-
terapia, desenvolveram maior autonomia, criativi- temente ela também propicia modificações nos
dade e dinamicidade, qualidades que provocaram comportamentos das crianças, evidenciadas pelo
mudanças que repercutiram tanto nas suas vidas afeto que se tornou mais rico e profundo, além de,
como em suas produções plásticas, tendo em vista maior controle emocional.
que os trabalhos plásticos são os reflexos da vida No quesito expressão temática, as crianças
psíquica que ganharam existência. A representa- também apresentaram progresso, uma vez que,
ção chamada de simbólica, decorrente deste traba- após as intervenções da Arteterapia, o padrão de
lho artístico, é percebida como uma atividade com- modificação foi superior ao anterior às interven-
plexa, elaborada e reveladora dessa interação, a qual ções, sobretudo nos aspectos relacionados à varie-
propicia inúmeras maneiras de se perceber e de se dade da produção, criatividade e riqueza de deta-
ver o mundo, quantas sejam as qualidades percep- lhes dos trabalhos. Por tudo isso é que se conside-
tíveis de cada pessoa e as conseqüentes viabilida- ra o arteterapeuta um dos profissionais mais capa-
des da expressão individual(6). citados para encorajar as expressões do imaginá-
Em relação à avaliação do funcionamento físi- rio da criança, fato comprovado pela variedade ex-
co, os dados mostraram o progresso das crianças pressiva apresentada pelas crianças em suas pro-
em relação ao desempenho bi e tridimensionais das duções.
suas produções plásticas. Observou-se que elas se Quanto à maior criatividade, isso demonstra
tornaram mais rápidas e dinâmicas; que as ima- que as crianças realizaram uma produção mais in-
gens criadas foram melhor configuradas; que tra- dependente, porque encontraram facilidade para
balharam melhor o espaço da figura no papel e ainda elaborar um trabalho mais expressivo com mais
melhoraram o foco de concentração. originalidade, flexibilidade, fluência, elaboração e
Estes achados são compatíveis com a litera- avaliação. Estes resultados são importantes, pois,
tura pesquisada, a qual cita que a Arteterapia de- pesquisas sobre a Arteterapia têm evidenciado que
senvolve a capacidade motora e os gestos, além de a criatividade é um dos maiores benefícios desse
ativar a capacidade cognitiva da criança, propici- processo(1,6,7). Já a riqueza de detalhes, ela está vin-
ando-lhe uma nova forma de aprendizagem(6,7). culada à variedade expressiva e à criatividade, pois
Ademais, a Arteterapia possibilita um processo de à medida que as crianças ampliaram seu mundo
crescimento contínuo, sempre influenciado pelas imaginativo, favorecido pela intervenção artete-
ocorrências do meio, além de ser um estímulo do rapêutica, também introduziram modificações em
próprio meio que oferece oportunidades para que suas imagens. Por exemplo, na pintura da figura
o desenvolvimento se concretize. humana de C4, após as sessões de Arteterapia, é
Quanto ao padrão de relacionamento, humor representada com mais detalhes, definiu melhor o
ou tom emocional geral, as crianças, de um modo sexo da personagem (feminino) e fez a incorpora-
geral, tornaram-se mais interessadas e partici- ção de traços diferenciados nas partes do rosto, que
pativas na realização dos trabalhos, mais sorriden- ganha outras características: inclusão do nariz;
tes, alegres, comunicativas e tranqüilas, bem como detalhamento da boca, com lábios; olhos coloridos,
mais amigáveis e relaxadas. Estes dados vão ao en- com cílios e pupilas; nos cabelos inclui a mistura
contro dos obtidos na literatura vigente(1,2,8), que de cores.
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Ademais, pelos resultados demonstrados, de- saudáveis da criança, adormecidos com a hospi-
duz-se que algumas categorias do desenvolvimen- talização. Faz, ainda, com que o enfoque negativo
to foram mais significativas do que outras, o que da hospitalização (como dor, desconforto, rigidez
confirma que cada criança tem seu ritmo próprio e e inércia) seja deixado de lado e dê lugar à alegria,
um modo particular de evoluir, ou seja, cada uma ao bem-estar, à atividade e à espontaneidade.
tem um tempo e uma maneira de internalizar ex- Trabalhar com atividades lúdicas é algo sério
periências e vivências distintas e, desse modo, o e inerente à criança, por isso é necessário respeitar
fazer arteterapêutico expressa a singularidade e a e garantir a elas o direito de brincar e de vivenciar
identidade criativa de cada um. Esta experiência o seu próprio desenvolvimento. A criança, durante
mostrou que se verificou é que as crianças são dife- o processo de desenvolvimento afetivo, psicomo-
rentes, pertencem a mundos diferentes e por isso tor, cognitivo e social, explora e interage com seu
dispõem de recursos pessoais e maturacionais meio de forma contínua, quando lhe são oferecidas
(afetivos e cognitivos) desiguais. Percebe-se que oportunidades em ambientes favoráveis.
cada indivíduo tem um tempo mais ou menos lon- No caso de uma criança hospitalizada, que se
go de adaptação ao ateliê arteterapêutico, pois ali encontra fragilizada e internamente desorganiza-
as regras de funcionamento e as relações pessoais da em função de uma doença grave, a tarefa do cui-
são diferentes de tudo aquilo que lhe é familiar. dar não é fácil, por isso cabe ao arteterapeuta, que
Além do que, a arte, como forma de expres- é um profissional de grande valia no ambiente hos-
são e comunicação, é um processo natural por meio pitalar, tornar este ambiente estimulante e não-
do qual a criança comunica o que sente, o que pen- ameaçador, auxiliando a criança a restabelecer seu
sa e a maneira como vivencia e percebe o mundo, diálogo com o mundo, contribuindo para que ela en-
processo que ocorrerá de acordo com seu desen- frente a doença e a hospitalização de forma cons-
volvimento emocional, mental, psíquico e percep- trutiva, dinâmica e saudável.
tual. O arteterapeuta, por ser um facilitador do pro- Deve-se pensar que a criança mesmo doente
cesso, não tem o poder de mudar as crianças, mas continua sendo criança, por isso deve-se dar a ela a
ele pode sugerir recursos e materiais mais adequa- garantia de uma assistência globalizada que defen-
dos às intenções criativas de cada uma delas, para da o suprimento de suas necessidades totais. Por-
que as mudanças aconteçam. A arte não é apenas tanto, a Arteterapia possibilita prestar uma assis-
um meio de auto-expressão, é também um meio de tência globalizada à criança, bem como providen-
estender o alcance da experiência à pessoa. Conse- ciar um ambiente facilitador e propício ao seu com-
qüentemente, a criança tem autonomia para aderir portamento e desenvolvimento, buscando barrar a
à intervenção proposta para ela e cabe ao meio ofe- estagnação de estímulos, porque esta pode preju-
recer-lhe recursos para esse fim. dicar estruturalmente todo seu processo de desen-
volvimento normal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a realização deste trabalho, acredita-se
que a ampliação dos espaços da Arteterapia pode-
Como se sabe, a hospitalização interrompe o rá facilitar a expressão das crianças, pois esses lo-
desenvolvimento psicossocial das crianças e assim, cais estimulam o desenvolvimento de suas potencia-
frente ao exposto, a execução de um trabalho jun- lidades expressivas. O profissional habilitado para
to às crianças hospitalizadas torna-se fundamen- atuar como arteterapeuta pode migrar de várias
tal para amenizar os efeitos negativos da doença, áreas profissionais: da saúde, da educação e das ar-
da hospitalização e do tratamento, que ameaçam o tes, e em especial da enfermagem, desde que legiti-
seu crescimento normal. Nesse sentido, a Artete- mado para exercer a profissão, ou seja, o graduado
rapia é um meio ideal para canalizar, de maneira deve receber a formação específica em Arteterapia.
positiva, as variáveis do desenvolvimento da cri- Este campo de atuação tem crescido muito na
ança hospitalizada e neutralizar os fatores de or- área da enfermagem, nos últimos anos em nível
dem afetiva que, naturalmente, surgem com a do- nacional e internacional, sendo profícua sua utili-
ença. zação no contexto da hospitalização pediátrica, pois,
Assim, a Arteterapia com seu poder de ino- nas situações em que as crianças não conseguem
var, criar, de fazer o diferente, favorece o prazer e a facilmente comunicar verbalmente seus desejos e
subjetividade, além de expor os potenciais mais necessidades, ela representa a defesa do direito de
Valladares ACA, Silva MT. A arteterapia e a promoção do desenvolvimento infantil no
450 contexto da hospitalização. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2011 set;32(3):443-50.

qualquer criança hospitalizada. Enfim, acredita-se 5 Greenspan SI, Greenspan NT. Entrevista clínica com
que este estudo venha auxiliar os profissionais da crianças. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.
enfermagem pediátrica, uma vez que pode ser am-
plamente disponibilizado às crianças no contexto 6 Valladares ACA. A Arteterapia humanizando espaços
de saúde. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2008.
hospitalar.
7 Waller D. Art therapy for children: how it leads to
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Endereço da autora / Dirección del autor / Recebido em: 27/03/2011


Author’s address: Aprovado em: 31/08/2011
Mariana Teixeira da Silva
Rua Três Marias, quadra 43, lote 05,
Setor Negrão de Lima
74650-280, Goiânia, GO
E-mail: maritds@hotmail.com

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