You are on page 1of 11
ORA AC ADE Ml A Direitos Humanos e Literatura Pete fe ANTONIO CANDIDO 1 esta série € aparentemente eitos humanos € literatu- ‘mas ndo posso comecar igumas rellexdes prévias © assanto que me foi confi meio desligado dos problemas reais ra’*. As manciras de abordi-lo sio m a falar sobre o tema especifico sem f 1 respeito dos proprios diseitos humanos. E impressionante como em nosso tempo somos contraditérios neste capitulo, Comeso observando que em comparagio a eras pase sadas chegamos a um maximo de racionalidade técnica e de domi- nio sobre @ natureza, 1850 permite imaginar a possibilidade de re- solver grande nimero de problemas materiais do homem, quem sa- ~_ be inclusive o da alimentagao. No entanto, a irrucionalidade do com- : portamento € também méxima, servida freqientemente pelos izar 08 designios da racionalida- :a podemos a0 mesmo tempo ge- ra ¢ destruir a vida pela gyerra; com o incrivel pro- mentamos 0 conforto até alcangar niveis nunca luimos dele as grandes massas que condenamos em certos paises, como Brasil, quanto mais cresce aumenta a péssima di ‘dos bens. Portanto, podemos dizer que os mesmos meios que permitem o progresso podem provocar a degradacio da maioria. \&. + quer modo, no meio da situacao atroz em que vivemos hd pers. 108 DIREITOS HUMANOS LITERATURA “s an 10 CANDIDO 109 {Nuremberg foram um sinal de tempos novos, mostrando que j4 ando € admissivel a um general vitorioso mandar fazcr insrigBes rendo que construit uma piramide com as cabecas dos inimigos nortos, ou que mandou cobrir as muralhas de Nfnive com as suas peles escorchadas. Fazem-se coisas parecidas e at€ piores, nao constituem motivo de celebragdo. Para emitir uma ‘itiva no fundo do horror, acho que isso é um sinal favoré- |, pois se 0 mal € praticado, mas néo proclamado, quer dizer “que o homem nao o acha mais io natural ” No mesmio dentido cu interpretaria certas mudangas no com- ou-se portamento cotidiano € na gia das classes dominantes. 3 ictereas mevidos uns tantos obstseulos, Hoje ndo se afirma com @ mesma tranguilidade do meu tempo de rece cae sistemas despoticos de governo, as con-, ge menino que haver pobres € a vontade de Deus, que eles nio tas, oegreisseriam canalizadas no rumo imaginado pelos "Sm ar meses necesndades dos abustados, que 08 empregads as, Porque a instrucSo, o saber e a técnica lev; ue s6 morre de forme quem Sariamente a felicidade coletiva. No enta smo onde estes Oecin, Exiae A ‘obstéculos foram removidos a barbirie cor 0s homens. lancia para todos. Mas em nosso 50, € no entanto pensamos relaivamen- re lade nega uma das linhas mais promis Fas da historia do homem ocidentl, aquela que een ee ities amadurecidas no correr dos séculos XVIIl © XIX. perucn tendo no socialismo a sua manifestacio mais coer Perspectivas que pareciam levar a solugio do s da vida em sociedade. E de fato, durante ai mesmo onde estes 10u impavida entre assim. Existe em relagéo 20 pobre uma de, val setiment dcp a © mo, faturas dos jornais e das revislas, 0 esfar rods sabemios que a nossa época € profundamente bérbara, o negro ndo so mois tems predileto das piadas, porque a socieda- Peres gee catia basbérie liga 20 maximo de civlzagzo. Ge seni que eles podem serum ftor de eompimento do estado Penso que © movimento pelos direitos humanos se entroncd al, .€ 0 temor € um dos caminhos para a compreensio. ‘i ria em que teoricamente € pos- sma complementar eu vejo na mudanga do discurso dos Wrever uma solugdo para as grandes desarmonias que geram politicos e empresérios quando aludem & sua posicdo ideolgica contra @ qual lutam os homens de boa vontade, & bus- “! Gu aos problemas sociais. Todos eles, a comesar pelo Presidente Ga, nao mais do estado ideal sonhado pelos utopistas racionais | da Repiblica, fazem afirmagbes que a6 pouco seriam considera- sque nos antecederam, mas do méximo viavel de igualdade ¢ justi-. > dag subversivas e hoje sio parte do palavreado bem-pensante. Por 2, em correlagao @ cada momento da histéria. MON 4 Resanos que nfo € mais ossivel olersr ay grandes diferengas Mas esta verificagio desalentadora deve ser compensada por econémicas, sendo necessério promover wma distribuigdo equitati- mais olimista: nés sabemos que hoje existem os meios ma- “va, E claro que ninguém se empenha para que de fato isto aconte- teriais necessarios para ‘ga, mas tais atitudes e pronunciamentos parecem mostrar que ago- ‘a imagem da injustiga social constrange, © que a insensibifida- fe em fave da miséria deve ser pelo menos disfarcada, porque po- de compromteter a dos genes tributo que a fe paga & j f vate cinge 9 sbfronentojé nio dea tao indifrente a media da lidades existem, a luta ganha maior cabimento e rangosa, apesar de tudo 0 que 0 nosso tempo Juem acredita nos direitos humanos procu: ra transformar idade te6rica em realidade, empenhandg-, ~ se em fazer coincidir uma com a outra. Inversamente, um trago sinistro do nosso tempo € saber que € possivel a solugao de tan- tos problemas ¢ no entanto nao se empenhar nela, Mas de qual- apresenta de negai ‘Do mesmo modo, 05 politicos ¢ empresérios de hoje néo se declaram conservadores, como antes, quando pectivas animadoras. f E verdade que a barbirie continua até crescendo, mas nio se vé mais 0 elogio, como se todos soubessem que set oculto € nao proclamado. Sob este aspecto, os despertar as consciéncias — criangas nordestinas rai pulagées inteiras sem casa, posseiros massacrados. dese ‘dos morando na rua, De um angulo otimist mo manifestagio infusa da conse da de que a desigualdade € insup. sideravelmente no estédio atual dos zac. Nesse se sentimento do pr de agir em consonincia, +a qut isso acontega, ou s 0 1a do problema, inclusive no plano es necessério um grande esforgo de educa Feconhecermos sinceramente este po: mais funda € achar que os nossos direi do préximo. Nesse ponto as pessoas sio frequentemente vit curiosa obnubilagao. Elas afirmam que o préximo tem di certos bens fundamentais, como casa, comida, coisas que ninguém bem formado Privilégio de minorias, como sio no Brasi divide sade | due © seu se 9s quartetos de Beethoven? Apesar talver isto ndo Ihes passe pela cabeca. Porque quendo arrolam os seus direitos semelhante. Ora, 0 esfor co de bens que re tos humanos. A este respeit Socidlogo francés, o domi dor do movimento Economia e Humanis de conviver e que 1960. Penso na sua dis _-incompressiveis", ‘direitos bumanos, we FOS HUMANOS E LITERATURA, tudo isso poderia ser encarad: iéncia cada vez mais gene Le pode ser atenuada cc vez se possa falar de um progresso 4.0 proximo, -educacao a fim de lado, Na verdade, a tendéncia tos séo mais urgentes que os 1as de uma struséo, ie hoje em dia sejam Mas seré que pensam Dostoievski ou odvir boas intengdes no outro set E no por mal, mas somente ndo estendem todos eles.20 G0 para ineluir 0 semelhante no mesmo el licamos esté na base da reflexdo sobre os di é fundamental © ponto de vista de um grande inicano Padre Louis-Joseph Lebret, funda- . com quem tive a sorte = re os anos de 1940 ¢ entre “"bens compressiveis” € "bens sda a meu ver com 0 problemia dos era de conceber a estes depende daqui- as, po- mprega- Tecursos técnicos e de organi- » mesmo sem a disposi¢ao correspondente E ai entra o problema dos que lutam pa- e}a: entra © problema dos direitos humanos, * a ANTONIO CANDIDO f incompressiv lo. que «lassifcamos como bens incom io podem ser negados a ningu sues tang o'S tos bens sio obviamente incorwpre 9 ae emessa a roupa. Outros séo compressiveis, como 8 ‘as roupas extras. Mas a fronteira entre ambos Ue fixar, mesmo quando piensamos nos que spenséveis, O primeiro Jitro de arroz de uma to &, 08 que gaca é menos importante do que o iiltimo, ¢ sabemos que com ba: 1a é menos i ftica a teo- ~ ‘em Economia Politica a te pa valor de urna coisa iva que temes dela. era, 05 da minha id ‘os empregads ni Seana fram tempo em qu via que os empregaos no inham necessidade de sobremesa nem de folga aos, comingos pore, nfo estando acostumades a isso, no sentia ° aa dos 7 ter critérios SeBUuros pata al ial, seja do , seja do ponto de bens incompressi de vist onto de vista social. Do ponto Conseizncia de cada um a respeito, sendo desde a infancia que os pobres& eriais (€ que portanto na Como a: ino tem ie a ipualdade de to de vista social € preciso haver modo de ver. is especificas garantindo este ji supde a consi- Jos direitos humanos pressupée roblean ehegando mais perto do tema eu lem- Tncompressivels ndo apenas os que asseguram fem niveis decentes, mas os que garantem a ‘ertamente a alimenta: saide, a liberdade indi- i téncia & opressio etc amparo da justiga piblica, a resist a im aeko deems 8 cpio. por abe, ce Bliteratura, fia, mesmo nest sa fruiggo da arte da literatura estaria mesmo ne Sermos responder a uma questdo prévia. isto €, elas $6 ert er rideraas bens incompressivels segundo uma organizagio esa Ga sociedade se comesponderem a necessidades profundas S HUMANOS E LITERATURA, i [ANTONIO CANDIDO cat ides que nao podem deixar de ser sati 's80 pessoal ou pelo menos de fru lo. cla pode ter importancia equivalente & das formas conscientes de inculcamento intencional, como a educagao familiar, grupal ou escolar. Cada sociedade cria as suas manifest gees ficcionais, poéticas e dramaticas de acordo com 0s seus i ulsos, as suas crengas, OS Seus 5 as suas normas, a fi Ge fortalecer em cada um a presenga m Por isso € que nas nossas sociedades a io lo bisica, portanto, é saber se a literatue ipo. $6 entéo estaremos em condi. Chamarei de literatura, da m: a , da maneira mais ampla possive dias as eriagées dé Toque podtico, fiecional ou Jramnaticg on 08 niveis de uma sociedade, em todos os tipos de © que chamamos folclore, lenda, chiste plexas e considera prejud da ficcio, da po nega, propoe e denune’ dade de vivermos a aco dram: apdia e combate, fornecendo a possibiti- ‘camente os problemas. Por isso € indis- té a8 forma: iceis da produgao escrita das grandes Vista deste modo a literat meionads quanto a literatura proscri- . fo a literatura aparece claram ° sével tanto a literatura sancionada ¢ manifestagdo universal de todos os homens em todos os tempos fa: a que os poderes sugerem © a que nasce dos movimentos de Nic hi povo.c no ha homem que possam vier sem De negacuo do estado de coisas predominante ia =m a possiblidade de entrar em conta a : "A respeito destes ura, conv Ffabulagio) Assim cor ‘© com alguma espécie de pe nas uma aventura que todos sonham todas as noites, ninguém, aque ela nfo € uma exper ay a avenlia a ; € Gapar de passar a8 Vinte @ quatro horas do dia sem alguns mo- . ‘Pode causar problemas p mentos-de-entregs-ag lt e180 Tabulado. O répria vida, da qual € ragdo.. Isto significa © Sono"x presenga thdispensa a +e ela tem papel formador da personalidade, mas nio segundo mente da nossa vontade. E di 7 ciggso Tiecional Se Gonvengdes, seria antes segundo a forsa indiscriminada © pode ‘04 poética, que € a mola da literatura em todas 08 seus hives rosa da propria realidade. Por isso, nas mos do leit o tite po, modalidades, esté presente em cada um de nos, analfabeto ouern, | —_& Se fator de perturbacio ¢ mesmo de risco, Daf a ambivaléncia dito — como anedota, causo, da sociedade em face dele, suscitando por vezes condenagées vio~ policial, cangao popular, moda samba cama + entas quando ele veicula noges ou oferece sugestdes que a visto Se manifenta desde 0 devancio amoroso ou econémico no onibus '_comvencionl gostaria de proserever. No Srmp\9 Ga gre Co, até a atengéo fixada na novela de televisao ou na leitura comds taro ivio chega a gerar conflites, porque o seu efeito transcen- eum romance: de as normas estabelecides. io d yma feita hé mais de quinze anos em reunido da : Ora. se ninguém pode passar vinte © quatro horas sem ae Bee 4 rd Me i ide Brasileira para o Progresso da Ciéncia sobre © papel ergo univers de estos postin, eats comee Societade Brasilia pan Progresso 2 Cine eo a oe eaamblo & que me referi parece corresponder a uma para os aspectos paradoxais desse papel, na medida Tam drei. 276 Poise sr saseica e uja satisfagio fem que os educadores 20 mesmo tempo preconizam ¢ temem 0 lterando um conceito de Otto Ranke sobre 0 mi mos dizer que a literatura é 0 sonho acordado das ortanto, assim como nao é possivel haver equilibrio psiqui iniciagio na vi i conho durante © sono, talvez nio haja equilibrio ee Gesejaa pelos educadores. Ela nfo corompe nem edifca, Pore, ratura, Deste modo, ela € fatorindispensdvel de humanizayio ~~‘, mas, tazendo livremente em si o que chamamos 0 Bem « €, sendo assim, confirma © homem na sua humanidide, incisi- "que ehamamos o mal, humaniza em sentido profundo, pois Fz ‘ve porque atua em grande parte no subconsciente e no inconscien. iver". izagoes, do os padrées oficiais) ¢ a sua poderosa ‘com uma variada complexidade nem sempre Silo He DIREITOS HUMANOS & LITERATURA lade da sua nae mas humani- em aprendizado, como se ela forse r se um fo € assim. O efeito das produgdes liters, antes de mais nada uma espécie de ob. Sonsiusao, enquanto construgio, " nanvoader desta fato, quando elaboram uma es au oo im om ma as a ta ~ te Guantzasdo cles exercem papel ordenador sobre a hoses nan te. Quer percebamos claramente ou nio, o cariiee zada da obra literéria toma-se um fator que nos d 2es de ordenar a nossa propria mente ¢ sentinen uencia, mais capazes de organizar a visao que temos do mundo. Por isso, um poema hermético, de entendimento diftcil, sem nenhuma alusio tangivel a realidade do espitito ou do ‘smundo, Pode funcionar neste sentido, pelo fato de ser um tipo de ondery: Gaberinds um modelo de superaséo do caos. A produgdo literisn, tira as Palavras do nada e as dispée todo articutado, Este € © primeiro nivel humanizador, ao contrério do que geralm Pensa, A organizacdo da palavra comunica-se ao nosso espitito . Primeiro, a se or; 7 i do. Isto ocorre desde as Tomas m ae ster, canes a nate © provérbio, a histéria de bichos, areduzem & sugestao, ‘norma, conselho ou te se izam a experiéncia ¢ les espetéculo mental, ANTONIO CANDIDO us Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga”. Este provérbio € uma frase solidamente construfda, com dois me bros de sete silabas cada um, estabelecendo um ritmo qi ‘© conceito, tornado mais forte pelo efeito da rima toante: “aj-U-D- A”, “madr-U-g-A"". A construgio consistiu em descobrir expres. ‘io lapidar ¢ ordend-la segundo meios técnicos que impressionam a percepgio. A mensagem & insepardvel do cédigo, mas 0 cédigo € 4 condigio que assegura o seu efeit Mas as palavras organizadas sdo mais do que a presenga de ‘um cédigo: elas comunicam sempre alguma coisa, que nos toca porque obedece a certa ordem. Quando recebemos 0 impacto de ‘uma produgio literdria, oral ou eserit ccével da mensagem com a sua organizaga ressiona, quero dizer que el lade de impressionar foi determi vem 0 produziu. Em palavras ust atva por causa da forma, e a forma traz em si, ‘apacidade de humanizar devido & coeréacia mental que pressupse © que sugere. O caos originério, isto é, 0 material brato a partir ‘do qual o produtor escolheu uma forma, se toma ordem; por isso, © meu caos interior também se ordena € a mensagem pode atvar. or um arranjo especial das palavras fazendo uma proposta de sentido, Pensamos agora num poema simples, como a lira de Gonza- ‘ndo fui nenhum vaquei- tha das Cobras e se poe na , separado da noiva. Entio come- ‘ga a pensar nela ¢ imagina a vida que teriam tido se ndo houvesse ‘ocorrido a catéstrofe que 0 jogou na prisio, De acordo com a con- venga pastoral do tempo, transfigura-se no pastor Dirceu ¢ transfi- gura a noiva na pastora Marflia, traduzindo 0 seu drama em ter- mos da vida campestre. A certa altura diz: 1e comega com 0 verso “Eu, Mi Propunha-me dormir no teu regago + As quentes horas da comprida sesta; Escrever teus louvores nos olmeiros, Toucar-te de papoulas na Mloresta. A extrema simplicidade desses versos remete neios dos namorados de todos os tempos: ficar com a cabega no colo da nam har flores pura fazer uma grinalda, escre- ‘ver as respectivas iniciais na casce das arvores. Mas na experiéncia 6 DIREITOS HUMANOS & LITERATURA de cada um de nds esses sentimentos e evocagées sio geralmen- te vagos, informulados, ¢ ndo tém consisténcia qu exemplares. Exprimindo-os no enquadramento de um 6 wente os versos de dez silabas, explorando certas sonoridades, combinando as palavras com peri transforma o informal 0 0 inexpresso em estrutura ue se pe acima do tempo e serve para cada um represen talmente as situagées amorosas deste tipo. A alternfncia regula da de sflabas t6nicas ¢ sflabas dtonas, 0 poder sugestivo da a cadéncia do ritmo — criaram uma ordem definida que de padrio para todos ¢, deste modo a todos humaniza, isto é, per- mite que os sentimentos passem do estado de mera emosao para © da forma construfda, que assegura a generalidade e a perma néncia. Note-se, por exempl ito do jogo de eertos sons ex- 19 verso, dando transcendéncia a um gesto banal de namorado: ‘Toucar-Te PaPoulas na floresTa. = Tés no comego € no fim, cercando os Pés do meio forman- do com eles uma sonoridade magica que contribui para elevar a experigncia amorfa ao nivel da expressao org: © afeto por meio de imagens que marcam com cia a transfi- Buragao do meio natural. A forma permitiu que o contetido ganhas- se maior significado ambos juntos aumentaram a nossa eapacida- de de ver e sentir. Digamos que 0 conteddo atuante gracas 4 forma co com ela um par indissolivel que redunda em certa modali de conhecimento. Este pode ser uma aquisico consciente de no- Ges, emogbes, sugestécs, inculcamentos, mas na maior parte se rocessa nas camadas do subconsciente do incon: rando-se em profundidade como enriquecimento As produgdes literdrias, de todos os fazem necessidades basicas do ser humano, sobretudo através des- sa incorporagio, que enriquece a nossa percepcio e a nossa visio do mundo. O que ilustrei por meio do provérbio ¢ dos versos de Gonzaga ocorre em todo 0 campo da literatura e explica por que ela € uma necessidade universal imperiosa, € por que frui-la é um direito das pessoas de qualquer sociedade, desde 9 it canta as suas proezas de caga ou evoca dangando a lua c! (© mais requintado erudito que procura captar com sébias redes (0 sentidos Nutuantes de um poema hermético. Em todos esses casos ANTONIO CANDIDO m ‘szagio ¢ enriquecimento, da personalidade e do gru- 1 humanizagio ¢ enriquecimento. a fo. por meio de conhecimento orundo da enpresto submetida dem redentora da confusio. sa ‘uma cretindo. aqui por humenizacéo (Ja que tenho falado tant ela) © processo que coffiema no homem aquels 1 tamos essenciais, como 0 exercicio de reflex, ft boa disposigio para com © prés ‘ wes ‘a capacidade de penetrar fos problemas da vida, 0 sen cae ieva, a percepsdo da complexidade do mundo ¢ dos sees, ttfate nu medida em que a0 fora mls compreensvos © atureza, 2 sociedade, o semelhan abertos Pare fro, deveros lembrar que além do conheeimento por ate, que provém éa organizagio das emogbes € 2 mound, ha na literatura niveis de conbecimento inte se Pe ptanejados pelo autor € conscientem ‘Reeptor. Estes niveis sio 05 que char necessidade de conhecer 105 a tomar posigao em ratura social”, na qual pensa- wamente quando se trata de uma realidade tio ria quanto 2 dos direitos humanos, que pat “verso social e procuram retificar as suas ini- aqiidades. : rodugbes lite- Falemas portato alguma coisa a respeito das prodostes Ne rfrias nas quais 0 autor deseja expressamer fem face dos problemas. Disso ur que parte de posigoes éticas, politicas conviegao ¢ dese- fee 2 manifesta raa lgrcja mostrava a verdade da ido 0 pecado. Para o regime soviético. as Tutas do pova, cantava a construgéo 32 fava a classe operiria, Sao posigdes Fal DIREITOS HUMANOS E LITERATURA iciais & verdadeira produgio liter uc ela se justfica pormelo de 0, que € 0 decisive. De Porque tém como pres- alidades alheias a0 pli ‘0, sabemos que em outas, € nfo podem ser da forma que thes dé exist las; mas a sua validade depende ‘como um certo tipo de obi v Fe lta esta ressalva, vou me demorar na modalidade de lteca- lescrever € eventualmente a tomar posi¢ao em fa. idades sociais, as mesmas que alimentam 6 combate hd pouco de Castro Al ves, exemplo bra lembramos nesses casos, A sua obra fo contra a escravidéo, iro que ge- parte um pois ele assumiu posigao de 05 pontos de ‘0s. Animado pelos mesmos senti tos € dotado de temperamentoigualmente generoso foi Beraado Guimaraes, que escreveu o romance A escrava Isaura também c . . No entanto, visto que s6 a intengio € 0 assunto nao mi qualidade ¢ no satisfaz os requi- I do texto. A paixéo abolicio- bos os autores, mas um deles ce fe qualida conjunto uma massa de significa ques hecishento € nos nossos sentimentos. Para exemplificar, vejamos 0 easo do romance humani € social do comego do século XIX, por varios aspecios uma res- osta da literatura ao impacto da industalizagto que, como se sabe, promoveu a concentracio urbana em escala nunca vista criando novas © mais terriveis formas de miséria — inclusive a da miséria posta diretamente a0 lado do bem-estar, com vendo a cada instante os produtos que nao poderia obter. Pel ANTONIO CANDIDO. us ra vez a miséria se tornou um espetéculo inevitével ¢ todos tiveram de presenciar sua terrivel realidade nas imensas concentragées Urbanas, para onde eram conduzidas ou enxotadas as massas. de s destinados a0 trabalho industrial, inclusive como exé fai da sociedade, @ miséria se instalou nos palcos da ci e foi se tomnando cada vex mais odiosa, & medida que se que ela era 0 quinhao imposto aos verdadeiros produ- tores da riqueza, 0$ operérios, aos quais foi preciso um século de Tutas para verem reconhecidos os direitos mais elementares. Nao é preciso recapitular o que todos sabem, mas apenas lembrar que Quele tempo a condigdo de vida sofreu uma deterioragdo temrivel, {ue logo alarmou as consciéncias mais sensiveis € os observadores Ticidos, gerando nfo apenas | mo o de Engels sobre a con digo da classe trabalhadora ra, mas uma série de roman- ‘ces que descrevem a nova situacao do pobre. ‘Assim, 0 pobre entra de fato ¢ de vez na ma importante, tatado com dignidade, ndo. m: gente, personagem cémico ou pitoreseo. Enguanto de um lado 0 Operdrio comegava @ se organizar para a grande luta secular na de~ fesa dos seus direitos ao minimo necessério, de outro lado os eseri- tores comegavam a perceber a fealidade desses direitos, iniciando pela narrativa da sua vida, suas quedas, seus triunfos, sua realida- fe desconhecida pelas classes bem aquinhoadas. Este fendmend € do a0 Romantismo, que, se teve aspectos fran- ‘camente tradicionalistas e conservadores, teve também outros mes- siinicos e humanitarios de grande generosidade, bastando lembrar ‘que 0 socialismo, que se configurou naquele momento, € sob mui- tos aspectos um movimento de influéneia romantica, ‘Ali pelos anos de 1820-1830 nds vemos © aparecimento de ‘um romance social, por vezes de corte humanitério © mesmo eer tos toques messianicos, focalizando 0 pobre como tema literario im- portante. Foi o caso de Eugéne Sue, escritor de segunda ordem Fras extremamente significativo de um momento histérico. Nos seus livros ele penetrou no universo da miséria, mostrou @ con ia do crime e da virtude, misturando os delingientes € os tra- descrevendo a persisténcia da pureza no meio tcomplexa e mesmo convulsa da sociedade in- DIREITOS HUMANOS E LITCRATURA [ANTONIO CANDIOO a De maneira poderosa, oderosa, apesar de declamat6ria iscuidade, da espoliagio ec Cle retrata as contradigées da sociedade do tempo e foca. da promisenidate cee asia policas. Send ele proprio iniial brutalieads pola tanning as Braves: Por exemplo, o da crianga ees +, interessado apenas em analisar objetivamente 0s 'a pela familia, o orfanato, a Fabrica, o explorador —o ersos niveis da sociedade, esta conseqléncia da sua obra nada lm ago frequente no romance do século XIX. N'Os ha a ver com suas intengoes. Mas € interessante que a forca iicravels hd hstria da pobre mde sateira Fanine, que confia ca Iatente dos seus textos zcabou por levé-lo a ago ¢ tomé- a Am par de sinistros malandros, de cujatirania brutal ela Poll dos maiores militantes na histéria da inteligéncia empenha- Iva pelo criminoso regenerado, Jean V: ium Mio ele assumiu posigdo contra a condenagio: ea JSF Hugo manifesiou da, Isto se deu quando obra a injusta dd Capitéo Alfred Dreyfus, cujo processo; gracas 20 seu maneira simbslia n"O homem que fi sondmica, 0 que fez dele um lugares da sua ado, inclusive de famoso panfleto J’accuse, entrou em fase de revisao, terminada go chegou bre ingl to, que € entregue a uma quad: ine de im pela absolvicao final. Mas pea a ee que ee 4 ados em deformar eriangas para vendé-las como objetos a ver, porgue jé morrera). Zola Oy Hour a se refugiar na Inglater- de divertimento dos grandes. No caso, o pequeno € operado nos por ofensa a0 Exércites 0 Hie ot enificado com a visio social lébios € miisculos faciais de maneira a ter um rictus permanente ra, AJ estd um exemplo de avi podusao Titerdra © militincla que © mantém como se estivesse sempre rindo. E Gwymplaine, da sua obra, que acaba por reunir produc: coja mut enta ie ; eldest . ua mu iagdo repre ta simbolicamente o estigma da socieda- “Tanto no caso da literatura messidnica e idealista dos romdn~ ial a critica assu- cos, quanto no caso da literatura realista, na qu: ico, inno de verdadeira investigagao orientada da sociedade, .os em face de exemplos de literatura empenhada numa tare- Dickens tratou do assunto em mais uma obra, como Oliver Twist onde nara a inighidade dos orfanatos © a uizasio dos ‘meninos pelos ladrées organizados, que os transformay u f asi i taro nalguns j hoje chamamos de trombadinhas. Leltor de Eugene Succ de Die, fa lignda 205 direitos humanos, No Bi Torte tal sobretode no kens, Dostoievs © problema da vio- + momentos do Naturalismo, mas ganhou forga real svete te Iencia contra dectnio de 1930, quando © homem do povo. Com fe nde. problemas psu 8 primi pane oe P de 20 tratamento literério . sida sovido sobretudo a0 fato de 0 romance de tonalids- a ¢ humanitéria daquele tempo (nao estou incluindo Dostoiewski, que é outro setor) nos parece hoje declamatria e por vezes cOmica. Mas € curioso que 0 seu 2 i ser explicta, travo amargo resiste no meio do que jé envelheceu de vez, mos- a uma espécie de ertica corrasiva, Ue Poe re is trando que @ preocupasao com o que hoje chamamos.gizeitos hy: ¢ cficiente naquele manos pode dar & literatura uma forga insuspeitada. E, reciproca- mente, que a literatura pode incutir em cada um de nés 0 senti- 3p" para incentivar os sentimentos radicais que se generalizarh : smo social, mento de urgéncia de tais problemas. Por isso, creio que a entra- no Pais Foi una verddeim onda de, esmascaramen Se da do pobre no temério do romance. no do Romantismo, : que aparece no apenas nos qoe EMP achel de Queiroz ou Erico € 0 fato de ser trat nele com a devida dignidade, € um momen- + citados € mais José Lins do Rego, st08, eee Verein, a ue, pee ino Cesar, . Ama , para ni Guilhermin ros praticamente esquecidos, as que contibuiram fara formar o ballhéo de escritores empenhados em sia de- lo dos direitos humanos através da literatura. vez mais 0 lado social, como brou em tomar como personagens centrais 0 oper : a fica, a marginalizacao; © rnés, 0 pequeno arteséo, o desvali . 0 discriminado hnunciar a miséria, a exploragéo econdmica. © Tse pelos ‘em geral. Na Franga, Emile Zola conseguiu fazer uma verdadei- ‘que os toma, como Outros, figurantes Clovis Amorim, ‘humanos. Seria o caso de Joso Cordeiro, Fa epopéia do novo oprimido € explorado, em vérios livros da sé- di i Lauro Palhano etc. rie dos Rougon-Macquart, retratando as conseqiiéncias da miséria, m2 DIREITOS HUMANOS E LITERATURA Vi Acabei de focalizar a rel : to manos de dois anguios diferentes Pr com os direitos verifiquei que a A organizaca 0 deste bem hum:

You might also like