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ESCOLA, CURRÍCULO E CULTURA

As políticas e práticas curriculares e suas urgentes demandas de


compreensão e interferência, bem como a necessidade
de um argumento competente sobre as ações que
acontecem no campo curricular, não legitimam mais
reduções, pulverizações e concepções a críticas. É
urgente, avaliamos, neste contexto da história das
perspectivas e ações curriculares, que os educadores entrem no mérito do
que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas, que
hoje definem de forma potente a qualidade e a natureza das opções formativas e educacionais. Não
temos dúvida, que hoje, pelas vias da sua capacidade de organização da educação, os atos de
currículo (MACEDO, 2007) podem contribuir, em muito, para definir destinos individuais e
Enquanto construção social, o currículo se configura na educação contemporânea, como
um dos mais poderosos dispositivos educacionais. Nestes
termos, o estudo do currículo passa a ser uma parte da
teoria formativa que ultrapassa o mero domínio de um
tema/ instrumento educacional. É, em realidade, uma
maneira de, pela formação sociopedagógica,
compreendermos como a educação do presente e suas
políticas concebem, organizam, implementam,
institucionalizam e avaliam os conhecimentos,
configurados por conteúdos técnicos, éticos, políticos,
étnico-culturais e estéticos eleitos como formativos.

Assim, as questões curriculares devem ser debatidas pela sociedade civil organizada, na
medida em que um “currículo educativo”, ideia defendida neste texto, deve estar direcionado para
o bem comum social, pleiteando e aprendendo criticamente com a diferença, envolvendo
comunidades interessadas.
Antes mesmos de pensarmos em aplicar modelos curriculares como remédios universais
para as diversas formações, ou verdades excessivas, pensemos nas pessoas e nas necessidades
educativas dos seus grupos de fato, nos contextos culturais, nas demandas e problemáticas do
mundo do trabalho e da produção, possibilitando que as práticas curriculares sejam, em realidade,
construídas por processos intercríticos, e os atos de currículo transformados, em atos de justiça
curricular.

As verdades excessivas, os silenciamentos, as exclusões, as irresponsabilidades com os


conhecimentos e aprendizados socialmente relevantes, tão presentes
na história moderna e contemporânea do currículo, precisam dar lugar
a uma concepção e ação curriculares socialmente implicadas na
construção de uma cidadania construída na participação autêntica de
toda a sociedade.
Foi neste sentido que os curriculogistas críticos, sensíveis
diante da forte função socioeducacional do currículo, perguntaram: o
que faz o currículo com as pessoas? Ao fazerem essa pergunta,
começaram uma revolução que, esperamos hoje, ultrapasse os muros dos interesses meramente
burocráticos e acadêmicos e se transforme num ato político e de trabalho árduo em favor da radical
democratização da educação de qualidade entre nós.

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ESCOLARIZAÇÃO, CURRÍCULOS E PRÁTICA PEDAGÓGICA

A FUNÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO.

A Educação está associada a procedimentos de socialização e aprendizagem que interferem


e promovem processos de desenvolvimento humano, nos quais interagem saberes, habilidades,
tecnologias, linguagens, hábitos, mitos, crenças, valores, padrões de conduta, padrões cognitivos
e padrões estéticos. As instituições escolares e as práticas de escolarização decorrem da
institucionalização dos processos educacionais que se realizavam cotidianamente e que se
expressam enquanto currículo escolar. Este processo se dá com a fixação de locais apropriados,
programas pré-definidos, metodologias de funcionamento, normas e regras para atingir os
objetivos pré-fixados de aprendizagem e formação de identidade daqueles que a frequentam.

As instituições escolares assumiram papéis muito distintos na história da humanidade: seja


o processo de iniciação em ritos religiosos (como no Egito Antigo) ou
da filosofia (como na Grécia Clássica); da formação por tutoria de
artesão (como entre os mesopotâmios e no feudalismo europeu), ou de
soldados e cavaleiros (como em Esparta, no feudalismo europeu ou das
culturas marciais dos clãs da Ásia Oriental), ou como formador de
habilidades militares (como no Império Romano); ou ainda como
transmissão de um conjunto de saberes para uma nova geração (como a dos religiosos cristãos em
mosteiros). Mas, a escolarização foi reconhecida como direito de todos há apenas dois séculos.

Nesta perspectiva, Arendt define a instituição escolar como a “[...] instituição que
interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer que seja possível a
transição, de alguma forma, da família para o mundo” ARENDT, 1992, p. 238.
A instituição escolar assim, é concebida como espaço de relação cultural entre as gerações
mais velhas com as mais novas, entre os formados (e/ou experientes) e os em formação (e/ou com
pouca experiência ou inexperientes) e ainda entre os que sabem mais e os que sabem menos (e os
que não sabem). A instituição escolar adquiriu para si a função de parte da preparação das novas
gerações: de sacerdotes, de militares, de artesãos, no capitalismo pós iluminismo, e atualmente, de
toda a sociedade (mesmo em sistemas duais de escolarização).

O CONCEITO DE CURRÍCULO: ESCOLARIZAÇÃO E REGULAÇÃO.

O termo currículo vem da palavra latina Scurrere, correr, e refere-se a curso, à carreira, a
um percurso que deve ser realizado, ou seja, significa o caminho da vida, o sentido, a rota de uma
pessoa ou grupo de pessoas. Currículo indica processo, movimento, percurso, como a etimologia
da palavra recomenda. Currículo é o ambiente do conhecimento, assim como, o espaço de
contestação das relações sociais e humanas e também o lugar da gestão, da cooperação e
participação. O currículo deve ser entendido como componente central do procedimento da
educação institucionalizada.

Inserida no campo pedagógico, o termo passou por diversas definições ao longo da história
da educação. Tradicionalmente o currículo significou uma relação de matérias/disciplinas com
seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica, com o respectivo tempo de cada
uma (grade ou matriz curricular). Esta conotação guarda estreita relação com “programa” “plano
de estudos”, tratado como o conjunto das matérias a serem ensinadas em cada curso ou série e o
tempo reservado a cada uma, mas expressa atualmente ampla diversidade semântica e
multiplicidade de usos, (Forquin,1993). Segundo o autor, o termo currículo abarcaria:
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a) uma abordagem global dos fenômenos educativos;
b) uma maneira de pensar a educação, que consiste em privilegiar a questão dos conteúdos;
c) a forma de selecionar e privilegiar determinados conteúdos;
d) a forma como estes conteúdos se organizam nos cursos;
e) experiências vividas no espaço da instituição escolar pelo aluno que implicam a
regulação de comportamento e promoção de capacidades

Para Forquin (1993), os conteúdos curriculares efetivam-se como “[...] a porção da cultura
- em termos de conteúdos e práticas (de ensino, avaliação, etc.) - que, por ser considerada relevante
num dado momento histórico, é trazida para a instituição escolar, isso é, é escolarizada.” Mas
currículo, também é um dispositivo engajado na produção de identidade, ao instituir padrões
de inteligibilidade do mundo por intermédio de parâmetros do conhecer, estabelecido em
estilos privilegiados de raciocínio e formas particulares de conceber o mundo e a si mesmo,
produzindo e criando sentidos e significações.
A escolarização, nesta perspectiva e em suas peculiaridades de processo social, constitui
elos diretos e efetivos com a produção de identidade de crianças, adolescentes, jovens e
adultos. A cultura escolar, a organização dos tempos e espaços, os dispositivos pedagógicos
e as situações de socialização e interação constituem processos de modelação e regulação na
constituição de identidade dos seres humanos que frequentam as instituições escolares,
contribuindo para definir os papéis sociais. Papéis sociais que se constituem das formas como
os indivíduos se identificam e se posicionam a si mesmos na teia complexa das relações sociais.

A instituição escolar escolhe, dentre várias possibilidades, modelos específicos que procura
impingir aos seus educandos e educandas, implicando “[...] o processo
de constituição e de posicionamento: de constituição do indivíduo
como um sujeito de um determinado tipo e de seu múltiplo
posicionamento no interior das diversas divisões sociais” [Silva,
1995, p. 5]. O currículo é expressão e também produtor do processo
de institucionalização de educação ao definir os objetivos e formas de
propiciar a formação da identidade.

A dimensão do ensinar e do aprender e concepção curricular decorrente, expressa e implica


não apenas em conhecimento desejáveis, mas regras e padrões que guiam os indivíduos ao produzir
seu conhecimento sobre o mundo, assim, “[...] aprender informações no processo de escolarização
é também aprender uma determinada maneira, assim como maneiras de conhecer, compreender e
interpretar” (Popkewitz, 1995, p. 192). Esses processos “[...] constituem formas de regulação
social, produzidas através de estilos privilegiados de raciocínios. Aquilo que está no currículo não
é apenas informação – a organização do conhecimento corporifica formas particulares de agir,
sentir, falar e «ver» o mundo e o «eu»” (POPKEWITZ, 1995, p. 175).
A organização curricular, assim, constitui campos de “[...] noções particulares sobre
conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais –
explícita ou implicitamente” (Silva, 1995a, p. 4), implicando em relações de poder que,
incorporados aos processos pedagógicos, definem o que é válido, o que de ver ser produzido, qual
e de quem é o saber a ser estudado, etc. Esses processos implicam também em dispositivos de
regulação moral, pois definem “[...] qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas
de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é
imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais
não o são” (Silva, 1995a, p. 4). O currículo, assim, é, também, dispositivo sancionador do poder
“[…] através da maneira pela qual (e as condições pelas quais) o conhecimento é selecionado,
organizado e avaliado na escola” (Popkewitz, 1995, p. 205).

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Os processos escolares também implicam fazer distinções, diferenciações e sensibilidade
que delimitam sentimentos e atitudes apropriadas, estabelecendo relações entre cognição e
emoção, através de performances e discursos que corporificam movimentos, os quais caracterizam
a forma de ser (seja andar, falar ou interagir com outras pessoas) (Popkewitz, 1995).

A organização curricular e os conteúdos selecionados e as formas de organizar as


atividades pedagógicas, presentes nas formulações curriculares, relacionando escolarização
e identidade social, promovem efeitos de subjetividade, “[...] assegurado precisamente pelas
experiências cognitivas e afetivas corporificadas no currículo” (Silva, 1995, p. 184). Assim,

[...] juntamente com a aprendizagem de conceitos e de informações sobre Ciências,


Estudos Sociais e Matemática são aprendidos métodos de solução de problemas que
fornecem parâmetros sobre a forma como as pessoas devem perguntar, pesquisar,
organizar e compreender como são o seu mundo e o seu «eu» (POPKEWITZ, 1995, p.
192.

A forma de ser de estudante, compõe uma segunda dimensão da produção de identidade,


por intermédio de estímulo a modelos idealizados, genéricos e homogêneos, das formas de
conduzir as aulas, nos objetivos fixados de aprendizagem e desempenho em atividade e avaliações,
nas condutas e vestimentas adequadas ao espaço e atividades escolares, mesmo que fora da sala
de aula. Estas “[...] posturas particulares (formas corretas de manter o corpo durante a leitura),
silêncios, gestos e sinais de demonstração de «estar presente na aula» [...] codificam formas
particulares de agir, ver, falar e sentir do estudante” (Luke apud Popkewitz, 1995, p. 193). O
currículo e a organização do trabalho pedagógico.

O currículo, nesta perspectiva, de ver ser tomado “como terreno de produção e criação
simbólica cultural [...] nos quais, os materiais existentes funcionam como
matéria prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e
transgressão” [Moreira & Silva, 1994, p. 26-28]. O currículo reúne “[...]
o conjunto de todas as experiências de conhecimento proporcionadas
aos/às estudantes” [Silva, 1995: 184], sendo que assim, representa as
intenções e efeitos que a instituições escolares e os dispositivos
pedagógicos produzem sobre os alunos e as alunas no sentido,
explícito ou não, de transmitir ou formar, de produzir um campo de disputa pela formação
de identidades nas novas gerações de crianças, adolescentes, jovens, adultos/as e/ou
profissionais [Silva, 1995]. Portanto, como um espaço de organização de saberes, valores e
sentimentos que podem ser respectivamente ensinados, formados e experienciados.

A relação entre currículo e a educação, neste sentido, não pode ser tomada como uma
mera correia de transmissão de cultura, pois “[...] são partes integrantes e ativas de um processo
de produção e criação de sentidos, de significações, de sujeitos” (Moreira & Silva, 1994, p. 27).
Assim, as relações entre currículo e educação constituem campos tanto de produção ativa da
cultura como de contestação; portanto, a preocupação nas discussões sobre o tema não deve estar
restrito no que se transmite, mas no que se faz com o que se transmite (Moreira & Silva, 1994).
Pois:

[...] é importante ver o currículo não apenas como sendo constituído de “fazer coisas”
mas também vê-lo como «fazendo coisas às pessoas». O currículo é aquilo que nós,
professores/as e estudantes, fazemos com as coisas, mas é também aquilo que as coisas
que fazemos fazem a nós. O currículo tem de ser visto em suas ações (aquilo que fazemos)
e em seus efeitos (o que ele nos faz). Nós fazemos o currículo e o currículo nos faz
(SILVA, 1995a, p. 4).

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O currículo, segundo Silva [1995], produz “[...] formas de melhor organizar
experiências de conhecimento dirigidas à produção de formas particulares de subjetividade:
seja o sujeito conformista e essencializado das pedagogias tradicionais, seja o sujeito
«emancipado» e «libertado» das pedagogias progressistas”(p. 02), referindo-se a concepções
pedagógicas e propostas curriculares que propõem-se a dirigir o processo de constituição da
autonomia, através de padrões de cognição, de condutas e linguagens que levariam à emancipação
humana, como se esta pudesse ser constituída de uma ação externa aos indivíduos. Portanto,
independente de julgamentos de valor ou de concordância com os pressupostos formativos destas
teorias, estas propostas curriculares apresentam formas concretas de regulação moral e de
produção de formas de subjetividade que, sem consulta prévia aos alunos e alunas alvos deste
processo. Os currículos e as teorias curriculares, portanto, não podem ser reconhecidas como um
instrumento neutro, pois constituem “[...] operação destinada a extrair, a fazer emergir, uma
essência humana que preexista à linguagem, ao discurso e à cultura” (Silva, 1995, p. 5).

SABERES E CULTURAS NO AMBIENTE ESCOLAR

As instituições escolares são ambientes culturais, que devem e podem promover o diálogo
com e entre culturas [Moreira, 2003], ou seja, com a:
a) cultura dos grupos de convívios dos educandos e educandas,
assim como dos saberes produzidos nestes diferentes contextos
culturais
b) cultura de massas, seus diferentes agentes e os saberes
acessados por alunos e alunas em diferentes pontos da teia das mídias;
c) cultura erudita e os saberes propostos e sancionados pela
instituição escolar, que seriam acessados conforme as necessidades e
situações de aprendizagem determinadas pelos ritmos e processos dos
coletivos de educandos.
As crianças, adolescentes, jovens e adultos que frequentam as instituições escolares em
quaisquer de suas etapas expressam a sua cultura vivida e são portadores de saberes
produzidos em seus grupos de convívios. Estes saberes, comumente, sem sistematização rigorosa
guardam em si muito da experiência vivida incorporando:

a) A tradição mítica e folclórica,


b) As diferentes mediações de saberes profissionais, experimentais e para científicos,
comumente transmitido por tradição entre gerações;
c) A assimilação e simplificação de saberes transmitidos por grupos profissionais, pelas
instituições escolares e pelas mídias.

Os educandos trazem à sala de aula produtos da indústria cultural veiculados pela cultura
de massas assim como saberes acessados em diferentes pontos das mídias. A televisão, em
particular, permite diferentes tipos de acesso em função da variedade de oferta de programas, na
qual, por exemplo, uma mesma divulgação científica pode ser relatada num telejornal, num
programa vespertino orientado para as donas de casa, num show de auditório dominical ou em
documentário de canais especializados. As mídias impressas e sites da Internet veiculam
publicações, assim como rádios e canais de televisão produzem programas focados em crianças,
adolescentes e jovens que, acessados por alguns, são transmitidos oralmente para vários outros. O
acesso à Internet possibilita toda sorte de acessos, com conteúdos para disciplinares, produzidos
sem o rigor ou com instrumentos inadequados; com reducionismos; com fundamentos impróprios;
com compilações, traduções e referências indevidas, etc.

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A escola é o espaço de encontro da cultura
popular e de massa e seus respectivos saberes com
a cultura erudita e os saberes científicos/acadêmicos
selecionados pela escola. Neste sentido, o currículo
escolar precisa ter como foco a cultura [Moreira,
2003]. Pois, o encontro de culturas pode ser um
diálogo, no qual não se exclua e nem se
desqualifique saberes e culturas.
A identidade de adolescentes, jovens e
adultos não pode ser desprezada e nem
desqualificada pela instituição escolar. Nesta
perspectiva, é importante examinar a diversidade cultural dos grupos de convívio de
adolescentes e jovens que expressam padrões de convívio, que articulam valores, conduta,
linguagem, habilidades, saberes e articuladores de suas práticas sociais. Estas se expressam
em forma de vestimentas, gostos estéticos - em particular o musical, um pensamento (mesmo que
difuso) político e social, que se expressa em locais de reunião e encontro. As culturas juvenis e
adolescentes, em particular, são polarizadas e permeadas por grupos sociais organizados,
genericamente conhecidos como tribos, que expressam elementos de identidade coletiva
Os espaços escolares e os temas de estudo precisam refletir essa realidade, pois o direito à
expressão cultural não pode ser proibido nem desqualificado pelos professores, porque o estariam
fazendo em nome de sua própria cultura ou daquelas que consideram “adequada” ou “superior”.
Assim, os espaços escolares devem exprimir as ideias, símbolos e imagens daquelas alunas e
alunos que os frequentam, pois a instituição escolar é um espaço de aprendizagem e interação num
contexto de diversidade cultural.

CURRÍCULO E SABERES ESCOLARES.

As instituições escolares selecionam no interior da cultura da


sociedade, um conjunto de saberes que consideram de aprendizagem
necessária as novas gerações, ordenando o campo dos saberes escolares. Os
saberes escolares são sempre uma seleção cultural expressa na forma de
currículos que definem o que vai ser disponibilizado - ou não - aos alunos.
Os saberes escolares são, portanto, a resultante do processo de apropriação
pedagógica do conhecimento produzido em diferentes áreas (Santos, 1995,
p. 132).
A escolarização, para Popkewitz (1995), “[...] impõe certas
definições sobre o que deve ser ensinado” (p. 192), implicando, em critérios de seleção e ordenação
dos saberes escolares, bem como na definição formas pedagógicas de apresentá-los aos educandos.
A forma de organização dos saberes selecionados como escolares - dentre uma vasta gama de
possibilidades - constitui também implicações regulativas, pois define padrões de linguagens, de
processos cognitivos, além de veicular valores e padrões de conduta. Assim, a seleção dos saberes
escolares:
[...] molda e modela a forma como os eventos sociais e pessoais são organizados para a
reflexão e a prática. Os processos de seleção atuam como «lentes» para definir problemas,
através das classificações que são sancionadas (Popkewitz, 1995, p. 192).

As concepções curriculares no Brasil, geralmente se dão de forma:

a) linear,
b) ascendente e
c) escalonado.
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Assim, podemos verificar que as propostas os organizam:

a) ordenados por grades temporais, em séries ou ciclos, e dentre destes em bimestres,


trimestres e semestres;
b) distribuídos em disciplinas
c) conteúdos pré-fixados, articulados por pré-requisitos, temas pré-ordenados e objetivos
pré-determinados; e
d) moldados por metodologias do ensino, que muitas vezes são derivadas das disciplinas.

Os saberes escolares são submetidos a hierarquizações de pré-requisitos ou


moldagens decorrentes de dispositivos pedagógicas, comumente influenciados diretamente por
teorias psicológicas, que “enquadram” os estudantes em etapas de desenvolvimento humano, mais
ou menos, rígidos e uni versais, ou idades supostamente adequadas para aquisição de certos
conteúdos ou habilidades, estabelecendo limites e potencialidades a priori para os processos
escolares. Isto decorre do modelo vigente e da cultura de escolarização seriada, diretivista,
meritocrática, individualista e massificadora.
A organização dos saberes escolares sofre, também, mediações promovidas:
a) pelas qualificações e concepções dos professores e professoras e pelo grau de autonomia
destes em relação à instituição escolar e sua mantenedora e da interação (ou não) com os colegas
com as direções e as instâncias organizativas;
b) pelos materiais didáticos disponíveis, entre os quais se incluem: os livros didáticos, os
acervos de bibliotecas escolares, os acervos e instrumentos de tecnologia educacional, tais como
arquivos em meio magnético (de textos, imagens e sons), transparências e slides, acesso à Internet
e laboratórios; e
c) pelos elementos da cultura da instituição escolar, tais como, hábitos, valores, mitos,
saberes, técnicas/práticas, tanto os prescritos como os proscritos (todos têm implicações
importantes nesse processo).

SOBRE OS SABERES CIENTÍFICOS E ACADÊMICOS.

O referencial dos saberes escolares sancionados pelas


instituições escolares, fundamentalmente e comumente, é
referenciado no conhecimento científico que, no final do século
XX, acentou a sua disponibilização na forma acadêmica,
sancionado por corporações disciplinares. Esses saberes sofrem
mediações:
a) das formas de produção e sistematização, quanto às regras de validação e reconhecimento –
desde os instrumentos e fontes de pesquisa, processo de avaliação e sancionamento, como as
bancas examinadoras da produção acadêmica;
b) das formas de exposição que respeitam regras de formas e linguagens próprias que,
por vezes, tornam-se herméticas para os “não iniciados”, sejam professores e mesmo estudantes
em busca de maior amplitude de conhecimento; e
c) das formas de acervo e divulgação que, particularmente no Brasil, dispõem de
poucos canais de publicação e ainda assim, com preço proporcionalmente alto, dificultando
e restringindo a circulação. A Internet tem cumprido um papel positivo na disponibilização de
saberes acadêmicos, mas, ainda assim, a busca de certas informações nos diferentes canais da rede
mundial, por vezes, se constitui numa verdadeira e complexa aventura.

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A instituição escolar é ainda o principal canal de acesso sistêmico e permanente
distribuição dos saberes acadêmicos, cabendo aos currículos a transposição didática desses como
saberes escolares, implicando em dois processos
distintos: o de seleção (do que vai ou não ser
transmitido) e da forma (do como vai ser a
transmissão).
Segundo Bernestein [1996], o discurso
pedagógico, em primeira instância, compõe a
formatação da prescrição curricular em que ocorre
a definição do que vai ou não ser disponibilizado ao
aluno, promovendo a seleção de saberes,
denominado de discurso instrucional. Em segunda
instância, como sendo aquela que orienta as formas
dessas transmissões, denominadas de discurso
regulativo.
Podemos identificar então as seguintes etapas:

a) a prescrição do qual conhecimento constituir e em que série;


b) a didatização dos saberes acadêmicos convertidos em escolares, na forma de
organização do trabalho pedagógico e dos materiais didáticos adotados;
c) a adoção de estratégias pedagógicas comportando uma tecnologia didática utilizada pelo
professor para implementar a transmissão e aquisição dos saberes disponibilizados;
d) a avaliação – como meta de transmissão e aquisição do conhecimento e como
instrumento regulativo da continuidade do aluno no processo escolar.

A tradição escolar brasileira está fortemente impregnada pelo diretivismo, que se expressa
na linearidade na exposição dos temas de estudo e quadros conceituais, no desenvolvimento de
procedimentos e na forma estritamente expositiva de saberes pelos educadores, educadoras e/ou
materiais didáticos. As formas de acesso aos saberes acadêmicos são, comumente, estáticas,
descoladas, tanto de seu processo de produção e dos valores com os quais se conecta, como
também distante da realidade imediata e objetiva do aluno. Portanto, as práticas pedagógicas só
muito recentemente são concebidas como processos de aprendizagem e de interação formativa
entre professores e alunos e de alunos com alunos, objetivando tanto o aprimoramento intelectual,
como a formação do caráter e a experienciação de sentimentos dos e pelos educandos e educandas
no espaço escolar (Cordiolli, 2001b).

CURRÍCULO E A CULTURA ESCOLAR

Os estudos culturais nas instituições escolares são restritos e recentes, mas já apontam os
limites (e fracassos) das políticas educacionais, ao lidar
inadequadamente com os desenhos culturais, expondo “[...] a
complexidade do iceberg e os limites das inovações (implementadas
pelas reformas educacionais] que ignoram o estabelecimento
(instituição) escolar como lugar da vida com sua cultura própria”
(Gather Thurler, 2001, p. 89]. Nesta mesma perspectiva, Forquin
(1993, p. 10), também observa que o [...] pensamento pedagógico
contemporâneo não pode se esquivar de uma reflexão sobre a questão
da cultura e dos elementos culturais dentro dos diferentes tipos de
escolhas educativas, sob pena de se cair na superficialidade.

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As propostas educacionais, em particular, as construções curriculares, deveriam pressupor
que se faz, “[...] necessário que os analistas se tornem menos «escolares» e mais «culturais»”
Moreira & Silva, (1994, p. 33).
A cultura escolar em cada instituição:

[...] estabiliza-se como um conjunto de regras do jogo que organiza a cooperação, a


comunicação, as relações de poder, a divisão do trabalho, os modos de decisão, as
maneiras de agir e interagir, a relação com o tempo, a abertura para fora, o estatuto da
diferença e da divergência. (GATHER THULER, 2001, p. 90)

O currículo, com foco na cultura, assume “[...] uma dimensão ampla que o entende em
sua função socializadora e cultural, bem como, forma de apropriação da experiência social
acumulada e trabalhada a partir do conhecimento formal que a escola escolhe, organiza e propõe
como centro das atividades escolares” Krug, (2001, p. 56). Os conteúdos, ao expressar experiência
social acumulada, devem também contemplar as experiências da diversidade de ambientes
culturais das alunas e alunos para orientar as atividades pedagógicas em sala de aula.
Nesta perspectiva, os centros das atividades escolares estarão fortemente vinculados aos
temas de formação de identidade - como valores, condutas e temas que lhe são significativos –
produzidos pelos contextos vividos dos alunos e alunas. Esta proposição implica uma inversão de
práticas curriculares, confrontando a tradição das instituições escolares, no Brasil que,
majoritariamente, possuem ações diretivistas de transmissão de bens culturais considerados
científicos, corretos e necessários às alunas e alunos.

O modelo e a cultura escolar vigente produziram formas rígidas de disciplina de


tempos e espaços escolares, em decorrência do caráter homogeneizador e massificador de
seus pressupostos. Portanto, se faz imperativo, repensar e experienciar outras formas de
organização e gestão dos espaços e tempos escolares.

Os espaços escolares para acolher estudantes em sua diversidade, precisam estar em


sintonia com seus respectivos ambientes culturais. Por isso, seria importante que os alunos e as
alunas decorassem os espaços escolares, construindo uma convergência na diversidade de suas
salas de aula; inclusive com negociações entre colegas de uma mesma turma e das outras que
utilizam o mesmo espaço em turnos distintos.

COMO SE CONSTITUI UM CURRÍCULO ESCOLAR?

Sabe-se que o currículo escolar é um dos pontos mais difíceis a serem enfrentados pela
escola. Duas questões podem ser inicialmente levantadas em relação a esse aspecto:
1) Quem define o quê, e como a escola deve ensinar? Tradicionalmente, as escolas
públicas têm a sua prática pedagógica determinada ou por orientações oriundas das
secretarias de educação ou pelos próprios livros didáticos. Isso resulta, na maioria
das vezes, em uma prática curricular muito pobre, que não leva em conta nem a
experiência trazida pelo próprio professor, nem a trazida pelo aluno, ou mesmo às
características da comunidade em que a escola está inserida. Por outro lado, isso
restringe a autonomia intelectual do professor e o exercício da sua criatividade. E
pior: não permite que a escola construa sua identidade.
2) Relacionada a isso, existe uma concepção restrita de currículo, próxima do conceito de
programa ou, pior ainda, de uma simples grade curricular, ou de mera listagem dos
conteúdos que devem ser tratados. Daí porque muitos professores se orientam apenas
pelos sumários ou índices dos livros didáticos. O currículo, entretanto, abrange tudo o que
ocorre na escola, as atividades programadas e desenvolvidas sob a sua responsabilidade e
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que envolvem a aprendizagem dos conteúdos escolares pelos alunos, na própria escola ou
fora dela, e isso precisa ser muito bem pensado na hora de elaborar um projeto político-
pedagógico.
Assim sendo, é indispensável que a escola se reúna para discutir a concepção atual de
currículo expressa tanto na LDB quanto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os diferentes
níveis de ensino e também nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s). A legislação
educacional brasileira, quanto à composição curricular, contempla dois eixos:
Uma Base Nacional Comum, com a qual se garante uma unidade nacional, para que todos
os alunos possam ter acesso aos conhecimentos mínimos necessários ao exercício da vida cidadã.
A Base Nacional Comum é, portanto, uma dimensão obrigatória dos currículos nacionais e é
definida pela União.
Uma Parte Diversificada do currículo, também obrigatória, que se compõe de conteúdos
complementares, identificados na realidade regional e local, que devem ser escolhidos em cada
sistema ou rede de ensino e em cada escola. Assim, a escola tem autonomia para incluir temas de
seu interesse.

É através da construção da proposta pedagógica da escola que a Base Nacional Comum e


a Parte Diversificada se integram. A composição curricular deve buscar a articulação entre os
vários aspectos da vida cidadã (a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social, o meio ambiente,
o trabalho, a ciência e a tecnologia, a cultura, as linguagens) e com as áreas de conhecimento
(Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia, História, Língua Estrangeira, Educação
Artística, Educação Física e Educação Religiosa).

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DISCIPLINA: FOCO E PROBLEMÁTICA

Estamos vivendo um verdadeiro ataque às lógicas disciplinares que secularmente


organizam os curricula. Já está claro o quanto a perspectiva disciplinar fragmentou o currículo,
bem como organizou nossa maneira de perspectivar o mundo, de forma predominantemente
antinômica, bipolar, portanto. Aprendemos a olhar a realidade em muito por essa lógica,
separamos muitas vezes o inseparável, porque a disciplina nos ensinou assim. Desta forma, num
mundo que experimenta tamanho processo de escolarização, nunca tivemos tão expostos às lógicas
curriculares, predominantemente fragmentárias. Essa realidade nos diz da responsabilidade do
currículo por aquilo que pensamos e fazemos nesta conjuntura histórica.

A lógica disciplinar não é fruto apenas da história do campo curricular, é necessário afirmar. A lógica da
ciência moderna criou a ideia de disciplina, a escola se apropriou dela e a fez segundo suas culturas
pedagógicas, assim como temos uma civilização ocidental pautada na cosmovisão disciplinar. Isso nos
mostra a dimensão e a complexidade da sua superação em termos de lógica da relação com o
conhecimento eleito como formativo: ou seja, o currículo.

Entre os estudiosos do currículo já existe uma compreensão de que a disciplina escolar não
é uma tradição monolítica, portanto não é única, tendo como espelho a disciplina acadêmica ou
científica. Segundo Lopes e Macedo (2002, p. 80) “não se trata de uma ‘tradução’ de um corpo de
conhecimentos para o nível escolar. Ao contrário, a disciplina escolar é construída social e
politicamente, de forma contestada, fragmentada e em constante mutação.” Esse argumento nos
diz de uma inteligibilidade da lógica disciplinar que tem muito a ver com o institucional escolar e
acadêmico, suas características materiais e ideológicas.

Conclui-se, assim, que a prática disciplinar e sua força simbólica constituem-se numa
estrutura significativa para dificultar as iniciativas não-disciplinares. Nesses termos, a nossa
hipótese é que as práticas disciplinares por muito tempo ainda guiarão as concepções e
implementações curriculares. Ou seja, o currículo oculto disciplinar dirá, durante um tempo
significativo, como devemos organizar as nossas formações, por mais que reconheçamos o
importante e construtivo movimento relacional não-disciplinar que habita hoje o argumento
epistemológico e formativo e, por consequência, as práticas curriculares.

O que nos parece ainda importante enfrentar, no que concerne à lógica disciplinar, é a ideia
positivista de que a disciplina representa a própria realidade a ser conhecida por um processo de
transmissão de verdades perenes, ou que a disciplina é a última fronteira do conhecimento a ser
veiculado sobre essa mesma realidade. É preciso destituir esse poder veiculador da disciplina, para
que possamos multirreferencializar o currículo e torná-lo lugar da solidariedade epistêmica,
face à heterogeneidade irredutível das experiências curriculares e formativas e a necessidade
histórica de constituirmos múltiplas justiças curriculares, inspirando-nos em Connell, ou seja,
formas de justiça que alcancem todos os segmentos sociais.

A perspectiva interdisciplinar

Fazendo uma leitura crítica de como a disciplina fragmentou para “conhecer de forma clara
e distinta”, essa perspectiva vem propor a superação dessa fragmentação, argumentando e criando
dispositivos, onde as disciplinas são chamadas a dialogar, a se interfecundar no intuito de melhor
compreender muitas das realidades, que hoje, pelas suas complexidades, revelam-se impossíveis
de serem explicitadas e resolvidas por visões pautadas na perspectiva monodisciplinar. Neste caso,

14
cada disciplina, a partir da sua concepção epistemológica e pedagógica, oferece a sua contribuição
e se abre à contribuição de outras disciplinas.

Assim, a noção-chave da interdisciplinaridade é a interação entre as disciplinas, que pode


ir da simples comunicação de ideias até a integração mútua dos conceitos, da terminologia, da
metodologia, dos procedimentos.

Há neste esforço o objetivo de se chegar a uma compreensão em que a unidade perdida


pela hiperespecialização das disciplinas seja recuperada em prol de uma visão que globalize os
saberes e construa unidades de conhecimento, edificadas pelo encontro interfecundante
entre as disciplinas.
Para alguns curricologistas mais voltados para uma perspectiva onde a diferença e não a
identidade aparece como fundante na constituição curricular, a interdisciplinaridade é um ideário
pedagógico que cultiva a utopia de alcançar uma certa unidade perdida, constituída na esperança
de que, na reunião dialógica de várias disciplinas, se consiga um objetivo formativo unificado. Há
que se pontuar, entretanto, que a polissemia nesta discussão é considerável. Existem perspectivas
interdisciplinares que não vão nesta direção, visam atingir compreensões mais relacionais, sem,
entretanto, vislumbrarem a constituição de unidades fixas e fundadas numa pretensa totalização
ou unificação dos conhecimentos. Temos que destacar, que a perspectiva interdisciplinar é uma
releitura crítica da lógica disciplinar que organiza a educação. Com algumas superações, a
interdisplinaridade traz consigo, dialeticamente, a necessidade de se levar em consideração, ainda,
a disciplina.

A perspectiva transdisciplinar

Em termos curriculares, da nossa perspectiva, não é necessário transformar a perspectiva


transdisciplinar numa imposição totalizante, mas reconhecer o seu potencial elucidativo e
formativo, na medida em que essa perspectiva não quer fornecer fórmulas pragmáticas de um
pensamento, mas mobilizar a cooperação e a interfecundação de saberes para compreender a partir
do que é produzido pelas interações entre eles, sem desprezar as especificidades.

Um currículo transdisciplinar trabalha com as sínteses possíveis, com as relações


possíveis, porque contextuais, históricas e políticas, sínteses essas requeridas pelas
problemáticas humanas e seus desafios.

A transdisciplinaridade busca, na realidade, aquilo que o próprio Morin chama de Unitas


Multiplex, a unidade na multiplicidade, não como uma unidade fixa, somatório perfeito, mas algo
que como um complexo contenha a singularidade e se constitua no e com o plural; com e no
movimento, realizando diferentes configurações.

A ACOMPOSIÇÃO CURRICULAR

Há várias formas de composição curricular, mas os Parâmetros Curriculares Nacionais


indicam que os modelos dominantes na escola brasileira, multidisciplinar e pluridisciplinar,
marcados por uma forte fragmentação, devem ser substituídos, na medida do possível, por uma
perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar. O que isso significa?
Interdisciplinaridade significa a interdependência, interação e comunicação entre campos
do saber, ou disciplinas, o que possibilita a integração do conhecimento em áreas significativas.

15
Transdisciplinaridade é a coordenação do conhecimento em um sistema lógico, que
permite o livre trânsito de um campo de saber para outro, ultrapassando a concepção de disciplina
e enfatizando o desenvolvimento de todas as nuances e aspectos do comportamento humano.
Com base nessas formas de composição curricular, é que os Parâmetros Curriculares
Nacionais introduzem os temas transversais que, tomando a cidadania como eixo básico, vão
tratar de questões que ultrapassam as áreas convencionais, mas permeiam a concepção, os
objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas dessas áreas. Essa transversalidade supõe uma
transdisciplinaridade, o que vai permitir tratar uma única questão a partir de uma perspectiva
plural. Isso exige o comprometimento de toda a comunidade escolar com o trabalho em torno os
grandes temas definidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, como Ética, Saúde, Meio
Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, os quais podem ser particularizados ou
especificados a partir do contexto da escola.

Como essas determinações formais do currículo vão se manifestar na escola?

A sua concretização, no espaço dinâmico que é o da escola, vai produzir, simultaneamente,


diferentes formas de expressão do currículo como:

16
 O currículo formal é entendido como o conjunto de prescrições oriundas das diretrizes
curriculares, produzidas tanto no âmbito nacional quanto nas secretarias e na própria escola
e indicado nos documentos oficiais, nas propostas pedagógicas e nos regimentos escolares.
 O currículo real é a transposição pragmática do currículo formal, é a interpretação que
professores e alunos constroem, conjuntamente, no exercício cotidiano de enfrentamento
das dificuldades, sejam conceituais, materiais, de relação entre professor e alunos e entre
os alunos. São as sínteses construídas por professores e alunos, a partir dos elementos do
currículo formal e das experiências pessoais de cada um.
 O currículo oculto é aquele que escapa das prescrições, sejam elas originárias do currículo
formal ou do real. Diz respeito àquelas aprendizagens que fogem ao controle da própria
escola e do professore passam quase despercebidas, mas que têm uma força formadora
muito intensa. São as relações de poder entre grupos diferenciados dentro da escola que
produzem aceitação ou rejeição de certos comportamentos, em prejuízo de outros, são os
comportamentos de discriminação dissimulada das diferenças e, até mesmo, a existência
de uma profecia auto realizadora dos professores que classifica, de antemão, certos alunos
como bons e outros como maus. O currículo oculto também vai se manifestar, entre outras
formas, na maneira como os funcionários tratam os alunos e seus pais, no modo de
organização das salas de aula, no tipo de cartaz pendurado nas paredes, nas condições de
higiene e conservação dos sanitários, no próprio espaço físico da escola.

Ao lado do currículo formal, determinado legalmente e colocado nas diretrizes


curriculares, nas propostas pedagógicas e nos planos de trabalho, há um currículo em ação,
considerado o currículo real que é aquilo que de fato acontece na escola, e o currículo oculto,
que é aquilo que não está formalmente explicitado, mas que perpassa, o tempo todo, as atividades
escolares.
Essas expressões do currículo vão constituir o conjunto das aprendizagens realizadas pelos
alunos, e o reconhecimento dessa trama, presente na vida escolar, vai dar à equipe da escola
melhores condições para identificar as áreas problemáticas da sua prática pedagógica.No processo
de elaboração da proposta pedagógica – ao definir o que ensinar, para que ensinar, como
ensinar –, a equipe gestora e a comunidade escolar devem estudar a legislação educacional, bem
como a documentação oficial da Secretaria de Educação e do Conselho Estadual e ou Municipal
de Educação, produzida com o objetivo de orientar a implantação desses dispositivos legais no
que se refere ao currículo, com isso deve- se identificar que ações precisam ser planejadas e
realizadas pela escola para colocar em prática um currículo que contemple os objetivos da
educação básica.
A direção da escola, ou a equipe gestora como um todo, tem, nesse contexto, um papel
fundamental. Além de liderar a construção permanente da proposta pedagógica, deve estar todo o
tempo viabilizando as condições para sua execução, e uma delas é a formação contínua de seus
professores para que eles possam desenvolver, com competência, o currículo expresso na proposta
pedagógica.

Diante disso, há algumas questões básicas que toda a escola deveria analisar: Que
mensagens não explícitas a escola vem passando para seus alunos? Que conteúdos vêm
privilegiando? Que currículo está sendo construído – o que enfatiza o sucesso escolar, ou o
que, implicitamente, se conforma com o fracasso?

17
O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A origem do pensamento curricular no Brasil teve início a partir dos anos 1920 e 1930 do
século XX, tendo como parâmetro diferentes teorias, principalmente a
dos Estados Unidos, sob influência das ideias de John Dewey e
Kilpatrick, que criticavam o currículo tradicional, elitista e defendiam
ideias progressivistas.
É necessário ressaltar que os conteúdos escolares no Brasil até então,
tinham uma forte ligação com a concepção jesuítica do período colonial
em relação à educação, dessa forma, reinava absolutamente o currículo
tradicional na primeira metade do século XX.

A partir da Primeira Guerra Mundial e das grandes crises econômicas do começo do século XX a
educação passa a ser proposta como o mais poderoso instrumento de reconstrução social, política
e moral responsável pela melhoria social e bem estar coletivo.
Segundo Barricelli (2007) do mesmo modo que em outros níveis, a elaboração de um
currículo para educação infantil envolve a definição de diferentes aspectos como: organização do
tempo e espaço, seleção e utilização de material, agrupamento das crianças, definição dos
conteúdos selecionados, metodologia condizente à teoria adotada e, finalmente, forma de avaliação
do processo avaliativo.

A questão pedagógica é tratada pensando que, se a Educação Infantil é parte integrante da


Educação Básica, como diz a Lei nº 9.394/96 em seu artigo 22, cujas finalidades são desenvolver
o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, essas finalidades devem
ser adequadamente interpretadas em relação às crianças pequenas. O currículo da Educação
Infantil - como o conjunto sistematizado de práticas pedagógicas no qual se articulam as
experiências e saberes das crianças, famílias, profissionais e comunidades de pertencimento e os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico
historicamente construído pela humanidade - é meio para angariarmos os objetivos de formar
integralmente bebês e crianças pequenas e colaborarmos para a transformação social.

A definição de currículo defendida nas Diretrizes põe o foco na ação mediadora da


instituição de Educação infantil como articuladora das experiências e saberes das crianças e os
conhecimentos que circulam na cultura mais ampla e que despertam o interesse das crianças. Tal
definição inaugura então um importante período na área, que pode de modo inovador avaliar e
aperfeiçoar as práticas vividas pelas crianças nas unidades de Educação Infantil.
O cotidiano dessas unidades, enquanto contextos de vivência, aprendizagem e
desenvolvimento, requer a organização de diversos aspectos: os tempos de realização das
atividades (ocasião, frequência, duração), os espaços em que essas atividades transcorrem (o que
inclui a estruturação dos espaços internos, externos, de modo a favorecer as interações
infantis na exploração que fazem do mundo), os materiais disponíveis e, em especial, as
maneiras do professor exercer seu papel (organizando o ambiente, ouvindo as crianças,
respondendo-lhes de determinada maneira, oferecendo-lhes materiais, sugestões, apoio emocional,
ou promovendo condições para a ocorrência de valiosas interações e brincadeiras criadas pelas
crianças etc.). Tal organização necessita seguir alguns princípios e condições apresentados pelas
Diretrizes.

18
Para orientar as unidades de Educação Infantil a planejar seu cotidiano, as Diretrizes
apontam um conjunto de princípios defendidos pelos diversos segmentos ouvidos no processo de
sua elaboração e que devem orientar o trabalho nas instituições de Educação Infantil. São eles:

 Princípios éticos – valorização da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do


respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e
singularidades.
 Princípios políticos – garantia dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do
respeito à ordem democrática.
 Princípios estéticos – valorização da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da
diversidade de manifestações artísticas e culturais.

Entre outras questões, quando se constrói o currículo para


a educação infantil é preciso considerar a criança como um sujeito
social e histórico que se constitui na interação com outros sujeitos
da cultura, compreendendo as instituições de Educação Infantil
como espaço de cuidado e educação das crianças de 0 a 6 anos, e
estas, por sua vez, possibilite a integração entre os diferentes
aspectos do desenvolvimento humano.

A instituição educacional deve ser sinônimo de situação de aprendizagem e desenvolvimento. Isto


porque situ (remete a lugar/espaço) + ação (refere-se a tempo/movimento) significa
mudança/transformação. A instituição tem a função social de proporcionar o incremento do capital
cultural do bebê e da criança pequena, trazendo o novo, o instigante, o desafio em seu processo de
humanização
O ideal é que as experiências vividas na sala de aula contribuam para a geração e um
processo permanente de revisão das programações dos ciclos da Educação Infantil e do Projeto
Curricular. Mediante a apresentação deste projeto curricular voltado para a Educação Infantil,
seriam elaboradas propostas pelos professores que, neste caso, se tornam responsáveis pelas
programações curriculares
Os princípios necessitam ser trabalhados de forma integrada, de modo que uma situação didática
apresente, desenvolva e mobilize mais de um princípio. - Os princípios devem nortear a forma
como os adultos (profissionais e família) interagem com as crianças. - Os princípios materializam-
se pelas escolhas das atividades, estruturação dos espaços e tempos, seleção dos materiais etc.

Reflexões sobre o currículo na Educação Infantil:

 Um currículo deve proporcionar experiências para que as crianças interajam e transitem


com confiança e autonomia num mundo complexo como este que vivemos;
 Um currículo deve levar em consideração as necessidades das crianças pequenas, portanto,
deve-se ficar atento aos tempos de espera e qualificar mais os tempos das atividades;
 Um currículo deve proporcionar equilíbrio entre atividades onde as crianças se envolvam
por conta própria e atividades em que se envolvam em algo coletivo. Que proporcione
tempos para que as crianças se envolvam equilibradamente em atividades mais espontâneas
e atividades mais dirigidas pelos professores;
 Um currículo deve proporcionar momentos coletivos em que todas as crianças participam
de uma mesma vivência, momentos de trabalhos diversificados, realizados em pequenos
19
grupos em que as elejam segundo suas motivações e momentos de privacidade e
relaxamento;
 Na elaboração do currículo, ou planejamento flexível, entram também elementos do
contexto da instituição, ou seja, deve-se levar em consideração o Projeto Político
Pedagógico.

O currículo é o movimento. E a proposta pedagógica, é o convite ao movimento, onde


expressam valores, os caminhos, as intenções e está ligada a realidade, mas não se efetiva sem que
os profissionais estejam engajados a ela. É preciso que o currículo esteja amarrado no projeto
político pedagógico da escola, no espaço físico, na formação do professor e nos conteúdos.

ATIVIDADES

1-Complete o Quadro:

Composição Curricular Características


Multidisciplinaridade

Pluridisciplinaridade

Interdisciplinaridade

Transdisciplinaridade

O CURRÍCULO NO CENÁRIO EDUCACIONAL CONTEMPORÂNEO

Nunca se constatou na história da educação uma tamanha


importância atribuída às políticas e propostas curriculares, diria
mesmo, um tamanho empoderamento do currículo enquanto
definidor dos processos formativos e educacionais e suas
concepções. No Brasil não é diferente. Parâmetros, Parâmetros em
ação, Diretrizes Curriculares, leis específicas sobre conteúdos
curriculares, fazem parte do cenário contemporâneo de decisões
educacionais em nosso país.
Se levarmos em conta o contexto de importância que o currículo assume no mundo, em
termos da concepção e da construção contemporânea das formações, o seu empoderamento
político-pedagógico, assim como a complexidade que emerge dessas configurações, a explicitação
reflexiva do campo curricular e da noção de currículo, no sentido de distinguir histórica e
conceitualmente as perspectivas e as práticas, se torna uma responsabilidade formativa social e

20
pedagógica incontestável. Junto com esse compromisso, faz-se necessário trazer para esse cenário
discursivo e elucidativo o lugar do debate e da diversidade das concepções, sem com isso aceitar
os prejuízos conceituais e político-pedagógicos causados pelas perspectivas que acolhem posições
do tipo: “você deve dominar e aplicar essa concepção de currículo porque é científica”, ou mesmo,
“não é preciso conceituar algo que é extremamente complexo”.

Diríamos que as práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e


interferência político-pedagógica, bem como a necessidade do argumento competente sobre o
instituído e o instituinte desse campo, não mais legitimam reduções, pulverizações e concepções
a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história das perspectivas e práticas
curriculares, que os educadores entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam
lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas de ação, sob pena de deixarem que os
burocratas da educação continuem tomando de assalto um âmbito das políticas e práticas
educacionais que hoje define, em muito, a qualidade e a natureza das na medida em que trabalha,
fundamentalmente, nas organizações educacionais, com o conjunto dos conhecimentos e
atividades eleitas como formativas. Este é o campo do currículo, que desejamos refletir profunda
e democraticamente.

Numa primeira aproximação ao conceito de currículo, podemos dizer que o currículo se


caracteriza nas organizações educacionais como o conjunto de conhecimentos escolhidos
como formativos. A centralidade está, portanto, no conhecimento legitimado como formativo.
Aqui começa sua importância e complexidade política e pedagógica.

Os tecnocratas do currículo, em geral, não sabem e pouco se sensibilizam por aquilo que
podemos denominar de um currículo educativo, formativo. Ou seja, um currículo em que as
intenções formativas sejam explicitadas e se desenvolva, elucidando e compromissando-se com
uma educação cidadã. “Pensam” sempre na arquitetura curricular, no seu desenho expresso nas
antigas “grades”, hoje matrizes curriculares, fixadas num documento.

É preciso, portanto, que a sociedade, seus grupos de


fato e os movimentos sociais implicados nos cenários e ações
educacionais tenham a oportunidade de compreender e
debater bem o currículo, num processo de democratização
radical da sua discussão conceitual e da elucidação das
práticas e, a partir daí, se apropriem e construam percepções
e ações de descolonização nos âmbitos das propostas
curriculares correntes.

Quando chegamos às nossas escolas, predominantemente, os currículos já estão prontos


para serem oferecidos como um banquete a ser consumido, alguns com sabores e adornos
extremamente sofisticados.
A necessidade de distinguir e de relacionar de forma pertinente, são lógicas necessárias
para que se possa trabalhar em prol da lucidez sempre necessária nos âmbitos do currículo, da
formação e da atividade político-educacional.
Dizer que “currículo é a vida da escola”, “tudo que acontece no convívio escolar”,
“currículo é também o grau de limpeza dos corredores da escola”, ou mesmo reduzi-lo ao
argumento da mercadorização da educação, como num escrito de uma prova de seleção de
mestrado onde se dizia: “currículo é o segredo e a alma do negócio promissor da educação”, é
aceitar perspectivas equivocadas, niilistas ou mercantilistas. Neste cenário de equívocos, vieses

21
não elucidativos e reduções, em muitos momentos, currículo é tudo e nada. O prejuízo ético,
político e formativo desses equívoco são fáceis de ser anunciado.
O cultivo de compreensões como essas, e da aceitação fácil de inovações apenas só
favorecem as elaborações modelizadas de intelectuais delirantes e descomprometidos com as
consequências sociais da educação, ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às
compreensões tecnicistas de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar e prescrever
através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”.
Estamos ainda vivendo numa

No caso da formação dos educadores, saber conceituar currículo faz parte de


uma das atividades importantes para se inserir de forma competente nas
significativas e tensas discussões sobre as políticas, práticas e opções
curriculares formativas discutidas na nossa sociedade contemporânea.

percepção sociopedagógica de currículo que dá preferência ao modelo


e ao sistema pré-montado, em detrimento das pessoas, de suas
demandas formativas, referências culturais e históricas; em detrimento
dos contextos e seus interesses ligados ao complexo mundo do trabalho
e da produção; e em detrimento, por consequência, do debate de
sentidos que deve ser formulado no coletivo social.
Podemos dizer que o currículo, como um dispositivo educacional, é, predominantemente, uma
das mais autoritárias invenções da história da pedagogia, em face da sua concepção e
implementação até hoje pouco ou nada democrática.

CURRÍCULO, CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES

Segundo Macedo(2002), o currículo tem um campo historicamente construído, onde se


desenvolve o seu argumento e o seu jogo de compreensões mediadoras. Há uma especificidade
histórica que caracteriza este campo.
Existem os substantivos cursus (carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o
plural curricula. Significa “carreira”, em forma figurada. Daí derivam expressões como cursus
forenses, carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades funcionais
públicas, sucessiva e progressivamente ocupadas.
O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos séculos XIV e
XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e outras, como linguagem universitária. A
palavra curriculum é de uso mais tardio, nessas línguas. Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra
curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta mesma língua, se utiliza, a partir de 1824, o termo
curriculum com o sentido de um curso de aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido
também pela palavra course. Somente no século XX, a palavra curriculum migra da Europa para
os Estados Unidos.

Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo tardou a se configurar.


Segundo considerações de Jean-Claude Forquin (1966), os teóricos da reprodução, na elaboração
da crítica da cultura escolar, tratam das questões curriculares de forma apenas indireta.

22
Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir de 1920, já se tenha
orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da Segunda Guerra Mundial que
vão aparecer às primeiras formulações.Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um
terreno prático, socialmente construído, historicamente formado, que não se reduz a problemas de
aplicação de saberes especializado desenvolvido por outras disciplinas, mas que possui um corpo
disciplinar próprio”, no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que o conhecimento
curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio – aqui designado por ‘Teoria e
Desenvolvimento Curricular’ - que se situa nos âmbitos teórico e prático do conhecimento
educativo.”

A propósito, o lexema currículo, proveniente do étimo latino currere, significa


caminho, jornada, trajetória, percurso a seguir e encerra, por isso, duas ideias
principais: uma de sequência ordenada, outra de noção de totalidade de estudos
(PACHECO,1996, p. 16)

O currículo segundo (GOODSON, 1998) é definido como: um artefato socioeducacional


que se configura nas ações de conceber/ selecionar/produzir, organizar, institucionalizar,
implementar/dinamizar saberes, conhecimentos, atividades, competências e valores, visando uma
“dada” formação, configurada por processos e construções constituídos na relação com
conhecimento eleito como educativo. Enquanto uma construção social, e articulado de perto com
outros processos e procedimentos pedagógico-educacionais, o currículo, como qualquer artefato
educacional, atualiza-se – os atos de currículo - de forma ideológica e, neste sentido, veicula “uma”
formação ética, política, estética e cultural, nem sempre explícita (âmbito do c ambivalências, dos
paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito das derivas, das transgressões), nem sempre sólida
(âmbito dos vazamentos, das brechas). É, nestes termos, que vive cotidianamente enquanto
concepção e prática, a reprodução das ideologias, bem como permite, de alguma forma, a
construção de resistências, bifurcações e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como
um produto das relações e das dinâmicas interativas, vivendo instituindo poderes.
Neste movimento, cultiva “uma” ética e “uma” política, ao fazer e realizar opções
epistemológicas, pedagógicas, ao orientar-se por determinados valores. Essas realidades estarão
sempre presentes nas políticas de sentido dos curricula, emanam das práticas que os constituem e
das práticas constituídas por eles; afinal, o currículo é, para nós, o principal artefato de concepção
e atualização das formações e seus interesses socioeducacionais.
Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como um documento (a grade)
onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo, o desenho organizativo dos
conhecimentos, métodos e atividade em disciplinas, matérias ou áreas, competências etc.; como
um artefato burocrático pré-escrito. Não perspectivam o fato de que o currículo se dinamiza na
prática todo e nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do documento por si só
não permite elucidar. O fato é que professores e educadores em geral, nos seus cenários formativos,
atualizam, constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, relacionalmente, tendo como seu
principal objetivo a formação e seus processos de interpretação e veiculação, daí sua inerente
complexidade. Há uma costura, uma forma de tecer a formação, cuja compreensão não é
possibilitada por um documento apenas, a matriz curricular, por mais que os documentos
educacionais, não só a proposta curricular, digam muito sobre o currículo, sua concepção e prática.
É nestes termos que o currículo se atualiza como um fenômeno complexo. Sabemos que o currículo
se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios, nos estudos dos alunos e dos professores,
sua vida não se encerra nas mãos e na cabeça daqueles que concebem a matriz curricular, que
também é um ato de currículo, mas não-absoluto.
23
Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear que a perspectiva “dura” de
currículo cultiva, que argumentamos quanto este artefato concebido como trajetória e itinerário,
se transforma numa forma de poda das possibilidades criativas das experiências aprendentes que
emergem dos “sítios de pertencimento simbólico” (ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação.
Neste mesmo argumento, elaboramos a ideia de currículo como itinerância e errância, onde
mostramos a necessidade de se vivenciar também nas experiências formativas as interações
bifurcantes, os devaneios e as errâncias criativas (MACEDO, 2002).

Dessa forma, uns dos subsídios fundamentais para a construção do currículo é o


conhecimento e os valores orientados para uma determinada formação. A sistematização dessa
formação por esses componentes é o currículo.

Para Macedo(2002) o currículo, como um complexo cultural tecido por relações


ideologicamente organizadas e orientadas.
É fato que a prática introduz elementos e problema significativos sobre e a partir dos quais
se faz necessário refletir em termos coletivos. Faz-se necessário perceber que o currículo indica
caminhos, travessias e chegadas, que são constantemente realimentados e reorientados pela ação
dos atores/autores da cena curricular. Neste mesmo veio, é necessário dizer que tal atitude vai de
encontro a qualquer processo de homogeneização curricular, que tende a criar certa névoa de
generalização, sacrificando a visão das situações curriculares específicas e suas singularidades. As
políticas e ações curriculares precisam nutrir-se de uma mirada clínica, ou seja, um olhar focado
nos movimentos singulares dos cenários socioeducacionais.
Neste aspecto, necessário se faz tomar a cultura e o currículo como relações de poder.
Mais precisamente: é necessário entender que as relações de poder configuram os processos de
significação, e é aqui que o currículo tem um papel político de extremo compromisso com uma
outra ética, com uma outra política que não seja a do alijamento, tampouco do corporativismo
disciplinar.

É assim que as lutas por significado não se resolvem no terreno epistemológico-


formativo apenas, mas em muito no terreno político, ou seja, no terreno das relações de
poder. Luta por significado é luta por recursos de poder. Um poder que, da nossa
perspectiva, levando em conta a compreensão do que seja o campo do currículo, requer do
educador a capacidade de nocionar bem, de explicitar bem, para saber lidar. Um
compromisso sociopedagógica eliminável da formação e dos formadores de educadores.

Como prática potente de significação, o currículo é, sobretudo, uma prática que bifurca.
Neste sentido, não se pode conceber o currículo como prática de significação sem realçar seu
caráter generativo, inventivo. Como tal, no seio do currículo, constituindo-o, os significados, os
sentidos trabalhados, a matéria significante, o subsídio cultural, são sempre e continuamente
retrabalhados. “São traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados, redefinidos,
sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo de transformação” (SILVA, 1999, p. 13).

O currículo hoje é um dos temas educacionais mais importantes para as políticas públicas em
educação. Na medida em que fundamentalmente lida com o conhecimento escolhido como formativo,
passa a ter um poder considerável, porquanto o conhecimento define como devemos ver o mundo, a
sociedade e a nós mesmos. Nestes termos, é fundamental que saibamos compreender bem o que seja
currículo e como o conhecimento e as atividades nele contidos estão dirigidos para a formação dos
diversos segmentos sociais.

Compreendido como a concepção, organização, implementação e avaliação de


conhecimento eleitos como formativos, é preciso que seja percebido como uma invenção
24
pedagógica onde todos possam compreender bem sua ação e sua qualidade, afinal, o currículo
existe porque a educação de qualidade via o conhecimento formativamente organizado é
socialmente necessário.

ATIVIDADES
1. Caracterize, a partir da leitura do texto e das discussões públicas sobre currículo, sua importância
no contexto educacional atual.
2. Reconstrua, a partir de debates com grupos de colegas, a concepção de currículo assumida pelo
texto.
3. Indique o que pode distinguir e caracterizar o currículo, em meio a outros temas educacionais.
Ou seja, de que trata o currículo como tema e como prática educacional?
4. O que você entendeu quando se sintetiza no texto a ideia de que o currículo tem a ver com o
conhecimento escolhido como formativo?

HISTÓRIA DO CURRÍCULO

Preocupados em discutir a perspectiva disciplinar


A disciplinarização e sua
como orientação curricular, historiadores do currículo proliferação vão se constituir na
argumentam que já no período clássico grego podemos opção da modernidade científica e
perceber indicativos dessa perspectiva. Nesse período, pedagógica, no que concerne à
havia uma preocupação evidente em construir a formação organização dos currículos
através da organização dos conteúdos por áreas distintas. escolares e de outras formações
Gallo argumenta, enquanto filósofo do currículo que, em A institucionalizadas.
República e As Leis, Platão concebia a construção do homem
da Grécia Clássica nessa perspectiva.

Assim procedeu Platão em A República e nas Leis, ao idealizar o Vê-se que currículo se
extenso e demorado plano de estudos em que deveria se basear a define como um plano
formação dos guardiães, fornecendo uma base comum a todos os de estudos, mas não
cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos; sucedendo-se: a deixa de conter a
educação infantil, dos três aos cinco anos, composta de jogos, inspiração que motivou
a perspectiva
cantos e fábulas; seguida, entre os sete e os dez anos, pela disciplinar, ou seja, a
aprendizagem das letras – a leitura e a escrita – e pela introdução organização da
da aritmética e a geografia, cujo estudo se prolonga até os 16 anos, formação pela distinção
acrescido da poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, das áreas de
que, como educação do corpo, estão presentes desde o início, são conhecimento.
complementadas por exercícios militares e pelas artes marciais. A esse ciclo – com o qual se
completa a formação geral ou básica da maioria - sucede, para os se que revelaram mais aptos,
uma propedêutica matemática centrada na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na
astronomia e na harmonia (PINHAÇOS DE BIANCHI, 2001, p.146-147, apud GALLO, 2004, p.
39).
25
Vê-se também, na antiguidade grega e romana, que essa inspiração vai sofrer uma dupla
reorganização: com a denominação de trivium, organizam-se as áreas da gramática, da retórica e
da filosofia; com a denominação de quadrivium, organizam-se as áreas da aritmética, da
geometria, da astronomia e da música.
Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média, juntamente com a imposição
de um conhecimento mediado predominantemente pela fé e se prolonga no iluminismo.
Convencidos de que o mundo não poderia ser abarcado na sua totalidade pela compreensão
humana, para os educadores clássicos a saída era dividir o conhecimento em áreas.

A CRÍTICA ENTRA NA HISTÓRIA DO CURRÍCULO

Quanto às teorias críticas do currículo, corporificadas na segunda metade do século


passado, Tomaz Tadeu da Silva (1999), na sua relevante e formativa obra introdutória sobre o
movimento teórico do campo do currículo, argumenta que essas teorias efetuam uma completa
inversão nos “fundamentos das teorias tradicionais” desse campo de reflexão das problemáticas
educacionais.
Para Silva, os modelos como o de Ralph Tyler – que percebe o currículo como um artefato
neutro, inocente e desinteressado – não estavam preocupados em fazer qualquer tipo de
questionamento mais radical aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de
conhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante. É neste contexto que a concepção
formalista de currículo, que Tomaz Tadeu da Silva chama de “tradicional”, vai tomar o status quo
como referência; privilegiando, acima de tudo, o fazer técnico no âmbito das práticas e reflexões
curriculares da lógica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica capitalista como
uma cultura que se reproduz na escola. Os quais o conceito de hegemonia e resistência dinamiza
o entendimento de que são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta no
campo contraditório das relações de poder no currículo.

É aí que o ângulo muda e se reconfigura, e a atenção da teoria crítica volta-se para compreender o
que o currículo faz com as pessoas e as instituições e não apenas como se faz o currículo.

Outrossim, o que costumamos chamar de teoria crítica em currículo carrega um movimento


que vai desde as reflexões que vinculam as concepções e os atos de currículo à dinâmica de
produção da lógica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica capitalista como uma
cultura que se reproduz na escola. Os quais o conceito de hegemonia e resistênci dinamiza o
entendimento de que são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta no campo
contraditório das relações de poder no currículo.
É justamente Henri Giroux, emérito teórico crítico do currículo, quem primeiro vai refletir
essas influências, de forma mais densa, nos seus trabalhos em currículo, falando de uma
“pedagogia das possibilidades”. Tomando de empréstimo a noção de “esfera pública” em
Habermas, Giroux vai argumentar em favor de um currículo como “esfera pública democrática”.
Fora do contexto marxista, que toma categorias objetivas de classe como forma de
compreender a dinâmica reprodutivista da educação pelas relações de produção e culturais surgem
os ditos “reconceptualistas”, nos Estados Unidos - William Pinar, principalmente, acompanhado
de Joel Martins no Brasil - que, utilizando-se da fenomenologia e dos instrumentos de uma
hermenêutica crítica, passam a denunciar o aspecto burocrático-administrativo do currículo como
meio de controle pelas noções de eficiência e controle.

Faz-se necessário pontuar que esses autores vão tratar o currículo, acima de tudo, como uma
construção social, a partir da influência forte das ideias de Luckmann e Berger, na obra “A
Construção Social da Realidade” (1983). Vão forjar a denominação de “currículo oculto”

26
preocupados que estavam em desnaturalizar e problematizar os mecanismos encobertos de poder
que no currículo, acabam por influenciar visões de mundo, de sociedade, de homem e de educação
pelos atos de currículo.

Os “reconceptualistas” reivindicam, por via das influências de filósofos como Dilthey,


Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty, uma visão de currículo pautada no reconhecimento de que
somos seres de subjetividade e que construímos o conhecimento de forma intersubjetiva, trazendo
para a cena da compreensão do currículo a importância da linguagem e da intersubjetividade.
Neste sentido, o ator/autor aprendente não deve ser olhado como um “idiota cultural” (H.
Garfinkel), ou seja, um ser sem capacidade de sistematizar e compreender bem as realidades em
que vive, encerrado nas burocracias que concebem e instituem o currículo
O intercâmbio entre “reconceptualistas” e neomarxistas, nos Estados Unidos, passa a ser
dificultado pela não possibilidade de praticarem uma certa visão epistemológica multirreferencial
de suas compreensões. Faz-se necessário dizer que todas as duas correntes, mesmo que nascidas
de pressupostos diferentes, guardem uma intenção clara de desreificar a burocracia e as formas
de relação estabelecidas pelos atos de currículo nas sociedades capitalistas, bem como
exercem uma clara atitude de inconformismo com as consequências desse tipo de
organização para os segmentos sociais não hegemônicos.

É entre os denominados “Novos Sociólogos da Educação” na Inglaterra que vai se tentar


uma articulação entre as teorias de base sociointeracionista e de inspiração neomarxista. Madam
Sarup, Peter Woods, Nell Keddie, Geoffrey Esland e Basil, Berstein são os principais nomes. O
principal arquiteto dessa corrente, Michael Young, toma uma orientação mais estruturalista,
centrando-se na preocupação em refletir as conexões entre currículo e poder, entre a
organização do conhecimento e a distribuição do poder. É central para a analítica de Young
a pergunta: por que a algumas disciplinas se atribui mais prestígio do que a outras? No
momento, um dos projetos de Young tem sido o de construir o que ele denomina de uma
“teoria crítica do aprendizado”, expresso na sua obra “O Currículo do Futuro. ‘Da nova
sociologia da educação’ a uma teoria crítica do aprendizado (YOUNG, 2000).

Em termos contemporâneos, também nos encontramos discutindo as potencialidades


educativas e políticas do que se está chamando abordagens pós-formais, pós-críticas e pós-
estruturalistas em currículo, as quais, articuladas a uma perspectiva crítica ampliada, e ligadas às
pautas teóricas e agendas propositivas multiculturais e desconstrucionistas que hoje circulam no
mundo, essas visões vão possibilitar uma maior ampliação participativa no que concerne à reflexão
do campo curricular; desestabilizam a linearidade de análise e propostas e tentam colocar uma
última pá de cal nas perspectivas hierarquizantes e prometeicas que configuram historicamente as
compreensões e práticas do currículo.
Polêmicas, algumas dessas abordagens são muitas vezes acusadas de serem por demais
textualistas, localistas e a-políticas, porquanto, em geral, desprezam as análises que valorizam os
processos sociais de totalização que estruturam a sociedade e configuram o currículo e sua
dinâmica. Entretanto há de se afirmar a pluralidade dessas posições, onde habitam também, por
exemplo abordagens neomarxistas.

O CURRÍCULO NO BRASIL

No caso da história do pensamento curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002, p. 13)


explicitam que as primeiras preocupações com o currículo no Brasil datam dos anos 20
Apenas na década de 80, com o início da democratização do Brasil e o
enfraquecimento da Guerra fria, a hegemonia do referencial funcionalista
norteamericano foi abalada. Nesse momento ganharam força no pensamento
27
curricular brasileiro as vertentes marxistas. Enquanto dois grupos nacionais –
pedagogia histórico-crítica e pedagogia do oprimido – disputavam hegemonia
nos discursos educacionais e na capacidade de intervenção política, a influência
da produção da língua inglesa se diversificava, incluindo autores ligados à Nova
Sociologia da Educação inglesa e à tradução de textos de Michael Apple e Henri
Giroux. Essa influência não mais se fazia por processos oficiais de transferência,
mas sim subsidiados pelos trabalhos de pesquisadores brasileiros que passavam
a buscar referências no pensamento crítico. Esse processo menos direcionado de
integração entre o pensamento curricular brasileiro e a produção internacional
permitia o aparecimento de outras influências, tanto da literatura de língua
francesa quanto de teóricos do marxismo europeu (LOPES; MACEDO, 2002, p.
13-14)

Conforme Lopes e Macedo (2002, p. 16):

No fim da primeira metade da década de 1980, a tentativa de compreensão da


sociedade pós-industrial como produtora de bens simbólicos, mais do que bens
materiais, começa a alterar as ênfases até então existentes. O pensamento
curricular começa a incorporar enfoques pós-modernos e pós-estruturais, que
convivem com as discussões modernas. A teorização curricular passa a
incorporar o pensamento e Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Esses
enfoques constituem uma forte influência na década de 1990, no e como um
direcionamento único do campo. As teorizações de cunho globalizante, seja das
vertentes funcionalistas, seja da teorização crítica marxista, vêm se contrapondo
a multiplicidade característica da contemporaneidade. Tal multiplicidade não
vem se configurando apenas como diferentes tendências

Crítica, cotidiano e processo são categorias que vão compor os estudos do currículo entre
nós, num caminhar de superações das perspectivas pautadas nas visões reprodutivistas, por muito
tempo predominantes neste campo. A partir dos anos 1990, o pensamento curricular brasileiro
vai optar por uma análise predominantemente sociológica e antropológica, acrescidas de um
interesse marcante em desvelar a função do poder na realidade curricular. O currículo passa a ser
considerado um texto político, ético, estético e cultural, vivido na tensão das relações de interesse
educativo protagonizado pelos diversos grupos sociais.

Segundo Lopes e Macedo (2002), recentemente, o grupo liderado por Moreira tem buscado
analisar como a temática do multiculturalismo tem penetrado na produção brasileira de currículo,
trabalhando fundamentalmente com o conceito de hibridismo e introduzindo preocupações com a
discussão sobre identidade.
Por concluir, entendemos que esse argumento histórico elucidativo deságua num presente
que nos autoriza a dizer que os estudos curriculares se constituem num campo de atividades
educacionais, por sua densidade, complexidade e pelo poder que emana, como configurador
sociopedagógico significativo da educação e das formações, demandando um processo de
aprofundamento e debate equivalente a sua importância política e socioeducacional na
contemporaneidade.

RESIVANDO
Vimos que, desde a Grécia clássica, o tema currículo já estava presente visto como um
plano de estudo. A partir da idade média percebe-se mais claramente a necessidade de se subdividir
o conhecimento para que a formação fosse dirigida para alguns segmentos sociais, de acordo com
a valorização que a sociedade construía a respeito desses segmentos.

28
É também a partir dessa lógica que o currículo chega à modernidade, como uma
apropriação que os americanos fazem da forma como protestantes europeus organizam o
conhecimento nas escolas, com objetivo de oferecer uma educação calvinista aos jovens.
Vimos que, já nesta descrição histórica, o currículo sofre influências das crenças e
ideologias da sociedade onde se organiza a educação. Aqui, como na idade média, é a religião que
define o currículo.
Mas é no contexto americano do norte que o currículo pedagógico e cientificamente
concebido vai tomar a forma predominante que hoje conhecemos. Herdando a lógica das
disciplinas científicas forjadas pela ciência moderna e a reconfigurando de acordo com a
organização escolar da época, o currículo será concebido, organizado e implementado
predominantemente com a lógica de funcionamento a indústria americana. A aprendizagem
mediada pelo currículo teoria que ser expressa com eficiência e produtividade de acordo com o
que se ensinava. É assim que a disciplina se impõe como a maneira mais eficaz de se organizar
os conhecimentos curriculares. Fragmentação e aprofundamento, tomando como referência única
os saberes livrescos dominam a forma como os currículos são concebidos até hoje.
Entretanto, a partir da metade do século passado, movido pelas correntes críticas do
marxismo, que nos mostram o quanto os currículos legitimam a divisão injusta da sociedade
capitalista em classes, bem como pelos movimentos sociais em favor de mais liberdade e
autonomia dos cidadãos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, atingem os estudos
curriculares; forjando, neste contexto histórico, as teorias críticas do currículo.
Neste momento, não bastava mais se perguntar como se deveria fazer pedagogicamente
um currículo, se perguntava com veemência: o que é que os currículos fazem com as pessoas?
Reconhece-se, neste momento, o poder agindo no currículo e suas configurações, como algo
fundamental para se compreender e se intervir nele.
A este movimento se agrega outras abordagens críticas, ditas pós-críticas. Nesta
abordagem, a própria teoria crítica vai ser reavaliada, principalmente naquilo que expressa como
verdades excessivas, assim como as questões culturais entram no currículo como questões
importantes para se discutir o conhecimento e suas formas plurais na formação. Percebe-se, a partir
daqui, uma forte tendência para democratização curricular.

ATIVIDADES

1. Por que o currículo não é um tema educacional novo?


2. Quais as características trabalhadas pelo texto do currículo moderno?
3. Discuta com seus colegas as características da disciplina como principal organizadora do
currículo moderno.
4. Elenque e discuta com seus colegas as necessidades de superação da disciplina como única
possibilidade de constituição dos currículos contemporâneos.
5. Caracterize o movimento crítico do currículo e suas principais características.

TEORIAS DO CURRÍCULO

Algumas teorias sobre o currículo apresentam-se como teorias tradicionais, que pretendem
ser neutras, científicas e objetivas, enquanto outras, chamadas teorias críticas e pós-críticas,
argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que implica relações
de poder e demonstra a preocupação com as conexões entre saber, identidade e poder.

29
Teoria a crítica (tradicional)

A teoria tradicional procura ser neutra, tendo como principal foco


identificar os objetivos da educação escolarizada, formar o trabalhador
especializado ou proporcionar uma educação geral e acadêmica à
população.
Silva (2003) explica que essa teoria teve como principal
representante Bobbit, que escreveu sobre o currículo em um momento no
qual diversas forças políticas, econômicas e culturais procuravam
envolver a educação de massa para garantir que sua ideologia fosse garantida. Sua proposta era
que a escola funcionasse como uma empresa comercial ou industrial.

Segundo Silva (2003, p.23),


[...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma
precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame
daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida
adulta.
O modelo que Bobbit propunha era baseado na teoria de administração econômica de
Taylor e tinha como palavra-chave a eficiência. O currículo era uma questão de organização e
ocorria de forma mecânica e burocrática. A tarefa dos especialistas em currículo consistia em fazer
um levantamento das habilidades, em desenvolver currículos que permitissem que essas
habilidades fossem desenvolvidas e, finalmente, em planejar e elaborar instrumentos de medição
para dizer com precisão se elas foram aprendidas. Estas ideias influenciaram muito a educação nos
EUA até os anos de 1980 e em muitos países, inclusive no Brasil.
De acordo com Silva (2003 p.25),
Ralph Tyler consolidou a teoria de Bobbit quando propõe que o desenvolvimento do
currículo deve responder a quatro principais questões:

 que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir;


 que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de
alcançar esses propósitos;
 como organiza eficientemente essas experiências educacionais
 como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados.

Tyler também determinou como identificar ou onde encontrar as respostas às perguntas por
ele propostas para elaborar o currículo. Para Tyler, deveriam ser feitos estudos sobre os próprios
aprendizes, sobre a vida contemporânea fora da educação, bem como obter sugestões dos
especialistas das diversas disciplinas. (SILVA, 2003).
Mas, para fazer esse levantamento, as pessoas envolvidas deveriam respeitar a filosofia social e
educacional com a qual a escola estivesse comprometida, e a psicologia da aprendizagem. Numa
linha mais progressista, mas também tradicional, apresenta-se a teoria de Dewey, na qual aparecia
mais a preocupação com a democracia do que com o funcionamento da economia. (SILVA, 2003).
Essa teoria dava, também, importância aos interesses e às experiências das crianças e
jovens. Seu ponto de vista estava mais direcionado à prática de princípios democráticos, sendo
a escola um local para estas vivências. Em sua teoria, Dewey não demonstrava tanta preocupação
com a preparação para a vida ocupacional adulta. A questão principal das teorias
tradicionais pode ser assim resumida: conteúdos, objetivos e ensino destes conteúdos de
forma eficaz para ter a eficiência nos resultados

30
O CURRÍCULO MODERNO

O currículo como nós conhecemos e experimentamos


predominantemente, na sua versão moderna, portanto, consolidou-
se na virada do século XIX para o século XX, em torno de um
círculo coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática
para sua transmissão, desaguando no conceito de enciclopédia,
como uma certa “educação geral”. Para o professor António
Nóvoa, por exemplo, apesar de todas as inovações que ocorreram
ao longo do século XX, esse círculo e essa estrutura mantiveram-
se relativamente estáveis e se revelam incapazes de responder às novas necessidades educativas.

Goodson (1998) nos diz, ademais, que o termo currículo, como uma maneira de organizar
e controlar os ideários da formação vai surgir a partir da escola calvinista entre escoceses e
holandeses.
No contexto educacional dos Estados Unidos do início do século passado, os estudiosos do
currículo ligados a uma concepção tecnicista de currículo, queriam ver o currículo ser concebido
e praticado tal qual se organiza a empresa e a fábrica, orientadas pelas ideias da administração
científica da época. Precisar os objetivos e obter, pelas ações minuciosamente conhecidas e
fragmentadas, a eficiência e a eficácia transformou-se no método eleito e no caminho aceito
científica e academicamente, para se obter a formação relevante para o contexto americano
emergente. O currículo passou a ser gerenciado como uma mecânica, tamanha era a força das
ideias deterministas de causa e efeito que operavam a concepção da formação e do próprio
currículo como seu mais importante mediador.
As experiências da psicologia experimental da época, pautadas no valor da eficiência das
aprendizagens por procedimentos e processos condicionantes, forjam a intenção de um certo
gerenciamento do aprendizado no seio do currículo, onde o controle dos conteúdos e objetivos
pré-fixados, orientavam toda a organização pedagógica.
Essa hegemonia se consolida, apesar de as ideias fincadas nos ideários democráticos já
fazerem parte do contexto das discussões estadunidenses sobre a organização das formações.
É assim que a aliança do econômico com o técnico-científico predomina sobre os ideários
de uma educação pautada em princípios da democracia liberal, concebida naquela época e naquele
contexto. O currículo vai refletir isso até hoje, apesar de as contradições estarem muito mais
presentes no desenvolvimento do próprio campo e das práticas

AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO

Em meio aos muitos movimentos sociais e culturais que caracterizaram os anos de 1960
em todo o mundo, surgiram as primeiras teorizações questionando o pensamento e a estrutura
educacional tradicionais, em específico, aqui, as concepções sobre o currículo. As teorias críticas
preocuparam-se em desenvolver conceitos que permitissem compreender, com base em uma
análise marxista, o que o currículo faz. No desenvolvimento desses conceitos, existiu uma ligação
entre educação e ideologia. Além disso, vários pensadores elaboraram teorias que foram
identificadas como críticas e, embora tivessem uma linha semelhante de pensamento,
apresentavam suas individualidades.
Ao fazerem a crítica às visões tecnicista e classista de currículo, veiculadas por Bobbitt
e Tyler, os teóricos críticos liderados, principalmente, por Michael Apple e Henri Giroux,
curricologistas americanos, vão indagar sobre o que é que o currículo faz com as pessoas, antes
mesmo de se interessarem sobre como se faz o currículo. Essa mudança ideológica faz com que
31
a crítica implemente a construção de uma outra concepção de currículo, agora desvinculada de
qualquer perspectiva neutral, ou seja, vinculada a ideias de que os curricula são opções formativas
que trazem consigo ideologias e formas instituintes de poder pautadas na opção de formar para
legitimar e perpetuar as relações de classe estabelecidas pelas sociedades capitalistas, sem que
isso, muitas vezes, esteja explicitado.

Assimilando a ideia de que o currículo reproduz a sociedade, sua estrutura e


dinâmica, seja em níveis classistas, seja em níveis de outras formas de hierarquização, como
as exclusões étnicoraciais, por exemplo, a crítica curricular denuncia também o processo de
homogeneização veiculado pelo currículo, em favor dos grupos hegemônicos e suas
cosmovisões. Reivindica enfaticamente que as formações assumam a preparação para uma
competência política capaz de desvelar as injustiças e, via o ato educativo, afirmar políticas
justas, tomando como referência a heterogeneidade da sociedade. Formação socialmente
justa e aprendizagem com e pela diferença constituem as pautas que sintetizam a proposta
curricular crítica. Aqui a formação é, em muito, a construção de um senso crítico construído
a partir de uma compreensão radical do que seja histórica e socialmente as ideologias das
sociedades capitalistas e suas políticas de configuração.

Esse conjunto de argumentos tem sua inspiração inaugurada, podemos dizer, pelos
trabalhos de Apple, nos Estados Unidos. Apple toma como ponto de partida os elementos centrais
da crítica marxista da sociedade. A dinâmica da sociedade capitalista gira em torno da dominação
de classe, da dominação dos que detêm o controle da propriedade dos recursos materiais sobre
aqueles que possuem apenas sua força de trabalho. Para este raciocínio há uma clara conexão entre
a forma como a economia está organizada e a forma como o currículo está organizado. Em Apple,
por outro lado, essa ligação não é uma ligação de determinação simples e direta. A preocupação
em evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vínculos entre produção e educação segue
o seu pensamento desde seus primeiros escritos. Para esse curricologista, não é suficiente postular
um vínculo entre, de um lado, as estruturas econômicas, de outro, a educação e o currículo. Esse
vínculo é mediado por processos que ocorrem no campo da educação e do currículo e que são aí
ativamente produzidos; é mediado pela ação humana, enfim.
Nas elaborações críticas de Apple, o importante é se perguntar por que se elegem
determinados conhecimentos como importantes e outros não. Trata-se de saber: quais interesses
orientaram a seleção desses conhecimentos e a concepção do currículo? Quais são as relações de
poder envolvidas nesse processo que resultou nesse currículo particular?

Para Apple, as ideologias presentes no que ele chamou de conhecimento oficial,


distribuído pela escola, é o interesse central de uma teoria crítica do currículo. Para tanto, se
apropria de forma densa, dos argumentos sobre o poder nas relações educativas, assim como do
conceito de hegemonia tal como formulado por Antonio Gramsci, de onde se pode fazer uma
leitura da dinâmica da reprodução social e da resistência nos cenários curriculares.

32
Um outro pensamento do campo curricular crítico se configura a partir das obras de
Henri Giroux. Tratando o currículo como política cultural, inspirado pelos filósofos da Escola
de Frankfurt com Ardorno, Horkheimer e Marcuse, Giroux critica em toda a sua obra a
racionalidade técnica e utilitária curricular, assim como o habitus positivista do currículo
moderno. Reivindica que o campo do currículo não pode deixar de tentar compreender as
práticas curriculares via uma análise histórica, ética e política. Segundo Silva (1999, p. 53),
“é no conceito de resistência [...] que Giroux vai buscar as bases para desenvolver uma
teorização crítica, mas alternativa, sobre a pedagogia e o currículo”.

Influenciado de perto pelas ideias de Paulo Freire, a partir das noções de libertação e ação
cultural, Giroux vai atrelar a pedagogia e o currículo ao campo da cultura, mais precisamente
campo de uma política cultural, diria mesmo da cultura politizada, mostrando que a
emergência do currículo se configura num campo de disputa de significados. Nasce, desse
veio argumentativo, a ideia dos “professores como intelectuais transformadores” e de uma
“pedagogia de possibilidades emancipatórias”.

Necessário pontuar que Apple e Giroux mantêm um diálogo contemporâneo teórica e


politicamente importante com as pautas do argumento pós-moderno em currículo, naquilo que,
aceitando a crítica das metanarrativas vindas dessa perspectiva, apontam também as dificuldades
de uma análise histórica, ausente nesses aportes teóricos, e o excessivo textualismo que configura
suas interpretações da realidade.
Nos Estados Unidos, com Peter McLaren, e no Brasil, com Antônio Flávio Moreira, a
perspectiva crítica vai se conjugar com um aporte multicultural que, sem abrir mão de uma
leitura inconformada, face às injustiças vividas pela educação forjada pelo ideário
demonstra a necessidade de uma análise cultural do currículo, na medida em que entendem
com Giroux, por exemplo, que a luta por significados é uma luta por recursos no campo
político-educacional.

Na medida em que a teoria crítica do currículo identificou no conhecimento um poder


considerável, vinculado às ações ideológicas de quem o concebe, seja através dos interesses de
classe social e das culturas a que fazem parte, a disciplina também se tornou alvo dessas críticas,
ao se mostrar o quanto um currículo concebido de forma disciplinar dificulta uma visão mais
abrangente, mais conectiva e ideologicamente mais profundo dos conteúdos educacionais e as
atividades ligadas a ele. Surgem, neste contexto, as propostas interdisciplinares, transdisciplinares
e multirreferenciais, motivadas por esta crítica, bem como por entender que a disciplina, em si e
por si, como organizadora do currículo, não consegue proporcionar as compreensões demandas
por um mundo cada vez mais globalizado e seus problemas fundados na diversidade das suas
características.

Neste veio, descobre-se que, se o currículo não trabalhar com a heterogeneidade


articulada a uma educação em prol do bem comum socialmente referenciado, estará fadado
ao fracasso. Neste caso, disciplinas terão que se articular, se conjugar, inclusive com saberes
não-disciplinares, nos diz a abordagem multirreferencial. É por este argumento que se
entende que nenhum saber por si só é capaz de compreender ua realidade na sua
complexidade.

A CRÍTICA DA CRÍTICA

33
No seio do que se está denominando, no campo do currículo, de teorias pós-críticas,
encontra-se o multiculturalismo como um movimento que toma a diferença como sua característica
fundante.

É fato que o movimento multicultural tem várias matizes. Vai desde um multiculturalismo,
onde não se prioriza a análise das forças que imprimem legitimações e oficialidades culturais,
tomando a cultura como algo fora da dinâmica política das relações de poder, como algumas
correntes americanas que se inspiram na visão liberal ou humanista, até perspectivas que, ao
politizarem o debate sobre a diversidade cultural, preferem não desatrelar a análise da emergência
dessa diversidade das dinâmicas das relações de poder. É assim que entram no campo curricular,
argumentando a favor do estudo e das práticas curriculares, nas quais a cultura aparece como um
movimento de relações, levando em consideração a luta por significados como algo presente e
determinante do tipo de educação “distribuída” é legitimada. Percebem que a referência do
multiculturalismo liberal a uma humanidade comum deve ser rejeitada por fazer apelo a uma
essência, a um elemento transcendente, a uma característica fora da sociedade e da história
(SILVA, 1999, p. 86).

Vale salientar, que a perspectiva crítica do multiculturalismo cultiva duas vertentes: uma
concepção denominada de pós-estruturalista e outra que poderia ser chamada de
“materialista”. Na visão pós-estruturalista, o fundante é a análise da diferença enquanto
expressão do ser-no-mundo, do ser-com-o-outro. Neste sentido, a diferença é sempre uma
relação. Minha diferença existe na medida em que o outro existe; assim, não se pode ver a
diferença como coisa absoluta, é um conceito eminentemente relacional, portanto. Ademais,
a diferença, nesta perspectiva se configura a partir de relações de poder.

Para os multiculturalistas críticos, em termos curriculares, é preciso perceber que o


currículo pode estar legitimando através da seleção dos seus conteúdos, atividades e valores,
determinadas visões de mundo e de cultural, em detrimento de outras. Historicamente, isso é
fácil de perceber entre nós, quando se constata uma verdadeira negação perversa das histórias do
negro, do índio, das mulheres, das pessoas advindas de culturas não-oficiais. Muitas vezes, são
identificados por uma história secundária, subvalorizada, ou uma cultura “menor”, meros
protagonistas epifenomenais do processo histórico e cultural da sociedade.
Para Silva (1999, p. 88),

[...] um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois, a ensinar a tolerância
e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa
análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de
assimetria e desigualdade.

Como esta abordagem coloca o discurso no âmbito da produção da própria realidade


cultural e suas dinâmicas de relação de poder, é acusada de um excessivo textualismo, na medida
em que põe o discurso no centro da produção da diferença.

Na perspectiva multicultural crítica, implicada com uma visão materialista e inspirada no


marxismo, os determinantes econômicoestruturais são vistos como mediadores potentes da
produção da diferença e da desigualdade social, e por consequência das relações culturais.
Para os multiculturalistas críticos, em termos curriculares, é preciso perceber que o
currículo pode estar legitimando através da seleção dos seus conteúdos, atividades e valores,
determinadas visões de mundo e de cultural, em detrimento de outras. Historicamente, isso é fácil
de perceber entre nós, quando se constata uma verdadeira negação perversa das histórias do negro,
34
do índio, das mulheres, das pessoas advindas de culturas não-oficiais. Muitas vezes, são
identificados por uma história secundária, subvalorizada, ou uma cultura “menor”, meros
protagonistas epifenomenais do processo histórico e cultural da sociedade.
Não temos dúvidas de que o currículo moderno é recheado de grandes narrativas teóricas,
ou mesmo, que o currículo, em geral, é uma metanarrativa com marcantes características de um
artefato educacional não-problematizado. É neste veio que o argumento pós-moderno entra no
campo curricular de forma significativa. Estamos longe de vivenciar um currículo problematizado
desde a sua origem. Em geral, o currículo é a expressão de uma imposição de especialistas,
burocratas ou acadêmicos, que terminam por impor modelos e concepções, com uma grande má
vontade de radicalizar democraticamente a experiência da concepção, da organização e da
implementação dos curricula. É aqui que a perspectiva pós-moderna acha a sua brecha
interpretativa e crítico-propositiva em termos das políticas e práticas curriculares.
Em realidade, o pós-modernismo é um conjunto de perspectivas que abrange os campos
estético, político e epistemológico que começa nos meados do século XX, e tem sua configuração
no questionamento dos princípios e pressupostos do pensamento social e político estabelecidos a
partir do iluminismo. Trata-se de um movimento antiessencialista.
Nessa esteira de argumentos, o pós-modernismo analisa pautas educacionais como o
currículo, a pedagogia, a didática como saberes fincados solidamente na perspectiva moderna.
Na visão pós-moderna, existem heranças da modernidade que não mais respondem aos
desafios que a contemporaneidade nos oferece. Antiiluminista, o movimento pós-moderno destitui
os essencialismos presentes nas interpretações da modernidade, expressos, por exemplo, a partir
do conceito de razão, de ciência, de racionalidade, de progresso e até mesmo de democracia.
Para o pensamento pós-moderno o currículo, enquanto uma invenção moderna, baseado
em certezas estáveis, com características lineares, sequencial, estática, binária, onde se valoriza
fundamentalmente a estabilidade e a ordem das coisas e das pessoas, é um exemplo emblemático
de um artefato moderno. Diz-se, portanto, que o movimento pós-moderno vem desestabilizar a
teoria crítica, propondo a inauguração de uma pedagogia pós-crítica.

O que caracteriza de forma marcante as análises pós estruturalistas é a ideia de que o


significado é socialmente construído e vive de forma ineliminável, a incerteza e a opacidade. O
significado, portanto, não é pré-existente, mas culturalmente edificado, bem como se dinamiza nas
relações de poder ao qual está implicado ou implica. Afirma-se, assim, que o significado é
socialmente definido. Foucault e Derrida são chamados a inspirar a ideia da inseparabilidade da
conexão poder e saber. Assim, onde há saber, há poder, inspiração foucaultiana.

Avesso aos binarismos, esse movimento questiona e desconfia justamente dos binarismos
de que é feito o currículo: branco/preto; masculino/feminino; velho/novo; teoria/prática;
heterossexual/ homossexual; mente/corpo; objetividade/subjetividade etc.
Poderíamos dizer que o pós-estruturalismo é uma perspectiva nitidamente desreificadora do
currículo que temos, tanto em termos de forma quanto de conteúdo. Numa outra construção
pautada na rebeldia face ao processo de colonização opressor que

No que concerne às práticas curriculares, o que será questionado é a sua relação com a
verdade. Enquanto um arauto das verdades pré-digeridas, o currículo vai ser abalado,
assim como a escola das certezas pretensamente absolutas, na medida em que o
movimento pós-estruturalista não apenas questiona as verdades, mas o lidar com a própria
verdade. Nestes termos, quer questionar o processo pelo qual algo se tornou verdade. Ou
seja, como foi produzida uma determinada verdade

subjuga as
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culturas não-europeias, a teoria pós-colonial lança seu olhar para currículo, reivindicando a
inclusão das formas culturais que refletem a experiência de segmentos cujas identidades culturais
e sociais são marginalizados pela identidade ocidental hegemônica. Para o póscolonialismo há um
“cânon ocidental” que atravessa os curricula e que acabam por legitimar a história dominante dos
europeus.

QUAL É O SEU MODELO CURRICULAR?

Os modelos de currículo refletem, ou são a expressão de duas concepções de ensino: uma


concepção mais conservadora, ou tradicional, que encara o ensino como uma atividade de
transmissão de conhecimentos e, portanto, como uma atividade inerente à condição de se ser
professor, isto é, nos fins educacionais. Uma concepção mais moderna, que encara o ensino como
uma atividade interativa promotora de estilos pessoais e individualizados de aprendizagens, e em
que o professor é o responsável pela criação de condições otimizadas para essas aprendizagens,
isto é, nos meios.
A escola tradicional pretende preparar as crianças e jovens para a inserção nas estruturas
sociais, através de conhecimentos básicos e de valores morais e culturais que são assumidos como
suporte das instituições e da organização social de uma sociedade.
Assim, a aprendizagem consiste na transferência de informações e os alunos são
estimulados para a submissão, imitação e adoção acrítica dos bons modelos. O currículo é
apresentado como a organização de saberes pré-definidos e estruturados de forma lógica e rígida,
centrando-se no que é objetivo na cultura, nos valores da moral heterônimos e no conhecimento,
que cresce por acumulação aditiva, fragmentado, sendo a informação recebida pelos alunos da
mesma natureza da informação transmitida, não deixando espaço para o que é pessoal e subjetivo
no aluno, receptáculo passivo de concepções intactas, obrigado a ajustar-se aos saberes e aos
valores instituídos.
Os objetivos de instrução têm prioridade sobre os da educação. Recusa-se a
experimentação e a descoberta como forma de apropriação do conhecimento e favorece-se a
abstração, através do trabalho, quase sempre individual, prevalecendo a ideia da formação
progressiva da inteligência através da sobreposição de conhecimentos.
O desempenho do aluno é avaliado pela quantidade de saber retido e a adesão a esquemas
de conduta e sistema de valores. As dificuldades são inerentes aos próprios alunos, pela sua falta
de capacidade, de esforço e desatenção. O ensino é verbal, centrado nas atividades essencialmente
intelectuais, esquecendo e ignorando as fases de desenvolvimento psicológico e a dimensão afetiva
da aprendizagem, desinteressando-se pela cultura de origem dos alunos.

Os modelos de escola construtiva dão uma grande importância à construção gradual


da moral autônoma, partindo da valorização das iniciativas pessoais, sendo a educação escolar
entendida como um processo que consiste na criação de condições institucionais adequadas que
permitem a passagem do estado de dependência para o estado de autonomia. É dado grande valor
às experiências práticas, organizadas com recurso a métodos ativos.

Assim, o aluno tem capacidades para desenvolver processos criativos na construção de


conhecimentos, de atitudes e valores, desde que se coloquem à sua disposição recursos para tal. O
ato de ensinar organiza-se a partir do ato de aprender, refletindo, enriquecendo,
desenvolvendo e prolongando as experiências do aluno, decorrendo daqui a necessidade de a
escola se organizar de forma a promover interações com as diversas formas de vida social e
cultural, integrando-se na comunidade a que pertence.

36
A seleção e planificação das atividades e conteúdos são feitas enquanto recursos de
desenvolvimento. Aos objetivos educacionais de tipo cognitivo ou instrumental são associados
outros objetivos dos domínios afetivo, social e moral.

Na escola tradicional, o aluno é representado como imaturo e incapaz de ser ator


construtivo do conhecimento e do seu processo de desenvolvimento, sendo a criatividade
reservada para a imitação e reprodução de conhecimentos valores e atitudes, constituindo condição
da sua aprendizagem, o seu grau de dependência, submissão e recepção passiva da informação.
A escola tradicional organiza-se fora ou à margem das outras estruturas sociais, embora
seja a elas que os alunos são devolvidos depois de ensinados. Deste modo, está isolada da
comunidade envolvente e da família, que são representados como totalmente exteriores à escola,
no que respeita quer à gestão escolar, quer à sua participação em atividades escolares ou de
animação pedagógica.
Os professores são encarados, nos modelos transmissivos, como mediadores entre o saber,
personalidade dos alunos, as condutas, valores e os próprios alunos, sendo a relação educativa
vertical e a maior preocupação dos professores é a transmissão de conhecimentos, em detrimento
dos aspectos psicopedagógicos do ensino.
Na escola construtiva é dado um espaço às iniciativas do aluno, na planificação,
organização e avaliação das atividades e aprendizagens. Neste sentido é a escola que se deve
adaptar às necessidades e diferenças individuais e à especificidade de cada grupo, pois é neste que
o aluno se integra, assume e partilha responsabilidades, toma decisões e desenvolve elos de
solidariedade com os colegas e com o professor. Esta escola promove a troca interativa com a
família e a comunidade envolvente, sendo os pais vistos como agentes ativos do processo
educativo, enquanto educadores naturais, co-educadores e compartilhando decisões no plano da
gestão escolar.
Nos modelos construtivos, cabe aos professores a organização dos meios educativos e do
processo de ajuda aos alunos, com base no diagnóstico das necessidades destes, agindo na
transformação das relações humanas, sendo mediador entre a criança e a realidade social.

Em relação à avaliação (formativa) existem também perspectivas diferentes, embora se


aceitem as três etapas: Recolha de informação, Interpretação dos dados e adaptação das
atividades pedagógicas

Assim, nos modelos(tradicional) transmissivos, a recolha de informação incide nos


resultados da aprendizagem, acentuando-se a importância dos instrumentos de medida
quantitativos (fidelidade, validade e objetividade). Nos modelos construtivos, interessa
compreender o funcionamento cognitivo dos alunos face às tarefas propostas.
Os dados prioritários têm a ver com as representações da tarefa e as estratégias ou processos
utilizados, sendo os “erros” encarados como reveladores da natureza dessas estratégias. O
recolhimento de informações incide sobre os processos de aprendizagem, podendo ser utilizados,
a entrevista, observação de comportamentos enquanto os alunos efetuam ou realizam a tarefa.
Na interpretação dos dados, os modelos transmissivos tendem a utilizar perspectivas de
referência criteriosa, comparando as realizações dos alunos com critérios pré-estabelecidos,
identificando-se quais os objetivos não atingidos e respectivos fatores causais, principalmente
relacionados com condições externas.
Nos modelos construtivos, a interpretação dos dados incide mais sobre a natureza da
estratégia ou processos utilizados. Os fatores causais das dificuldades são encontrados a partir das
hipóteses relativas às interações entre as características do aluno e as características da tarefa.

Em relação à adaptação das atividades pedagógicas, os modelos transmissivos procuram


um maior controle sobre as atividades de aprendizagem, sendo a tendência, oferecer ao aluno em
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dificuldades uma orientação mais direta na progressão das tarefas, na estruturação da
aprendizagem e na qualidade do “feedback”.

Para os construtivos, a finalidade da adaptação pedagógica é a de ajudar o aluno a descobrir


aspectos pertinentes da tarefa e a comprometer-se na construção de uma estratégia mais adequada,
tendo em conta a diversificação dos meios.

VOCE SABIA?

As crianças são sujeitos de direitos. Entre eles, os que se seguem. E que, na instituição
educacional, podem ser vivenciados nas práticas sociais e nas múltiplas linguagens.

Os Direitos Naturais da Criança:

1.Direito ao ócio: Toda criança tem o direito de viver momentos de tempo não programado pelos
adultos.
2. Direito a sujar-se: Toda criança tem o direito de brincar com a terra, a areia, a água, a lama, as
pedras.
3. Direito aos sentidos: Toda criança tem o direito de sentir os gostos e os perfumes oferecidos
pela natureza.
4. Direito ao diálogo: Toda criança tem o direito de falar sem ser interrompida, de ser levada a
sério nas suas ideias, de ter explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem gritos.
5. Direito ao uso das mãos: Toda criança tem o direito de lidar com madeira, de lixar, colar,
amarrar, modelar.
6. Direito a um bom início: Toda criança tem o direito de comer alimentos sadios desde o
nascimento, de beber água limpa e respirar ar puro.
7. Direito à rua: Toda criança tem o direito de brincar na rua e na praça e de andar livremente pelos
caminhos, sem medo de ser atropelada por motoristas que pensam que as vias lhes pertencem.
8. Direito à natureza: Toda criança tem o direito de construir uma cabana nos bosques, de ter um
arbusto onde se esconder e árvores nas quais subir.
9. Direito ao silêncio: Toda criança tem o direito de escutar o rumor do vento, o canto dos pássaros,
o murmúrio das águas.
10. Direito à poesia: Toda criança tem o direito de ver o sol nascer e se pôr e de ver as estrelas e a
lua.

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ATIVIDADES

1- Revisitando para compreender mais, revisite o texto e encontre as diferenças entre


modelos construtivistas e tradicionais, na sequencia preencha a tabela a seguir de acordo com o
que você compreendeu sobre currículo escolar.

Características Escola Tradicional Escola Construtivista

Finalidades

Aprendizagem e
Ensino

Currículo

Papel do aluno

Papel do Professor

Seleção e
Planificação

Relação com a
Comunidade

Dificuldades dos
alunos

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REFERÊNCIAS

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Petrópolis: vozes, 1996.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB


02/98. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de abril de 1998. Seção 1, p. Fundamental. [1998].

CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 1995.

CORDIOLLI, Marcos. A transversalidade na formação de valores e padrões de conduta: algumas


problematizações a partir e para além dos PCNs. I Jornada Internacional de
Educação da Bahia. Livro da Jornada. Curitiba: Futuro, 2001.

FERRAZ, Marilia Fanucchi. Educação para o ambiente: uma experiência no Ensino Médio. São
Carlos (SP): Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, 2002.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: As bases sociais e epistemologia do conhecimento


escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

RENDT, Hanna. Entre o passado e o futuro. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.

MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. (orgs.). Currículo, cultura e sociedade. 5.
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SOUZA, Rosa Fátima de. A PRODUÇÃO INTELECTUAL BRASILEIRA SOBRE


CURRÍCULO A PARTIR DOS ANOS 80. Em Aberto. Brasília, ano 12. n.58. abr./jun. 1993.

TYLER, R. Princípios Básicos de Currículo e Ensino. Porto Alegre: Globo, 1974.


YUDICE, G. Entrevista feita por Heloisa Buarque de Hollanda, em 17 ago. 2005.

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