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As viagens de Alexandre Magno

A carreta vermelha pesa lá atrás cheia de carga, com o peso é melhor para manobrar. Em meio a
paisagem fixa das diversas árvores e pequenas construções, o caminhoneiro transita. Para ele,
aquelas casinhas no meio do nada que enxergamos da janela do ônibus são familiares. A estrada não
é um vazio interminável como pode ser para nós em uma viagem, ela tem vida e sentido.

Alexandre Magno Soares guarda na cabeça os mapas e tenta, assim como um personagem de Júlio
Verne, vencer o espaço geográfico sob todos os contratempos que possam surgir. A chuva, o frio, os
ladrões, o calor e também os pernilongos. Assim como o personagem de “Volta ao Mundo em 80
dias”, Phileas Fogg, Alexandre tem que percorrer todos os obstáculos para que, como em uma
aposta, chegue ao destino a tempo.

No caminhão carrega tudo o que precisa para sobreviver na estrada; de um lado, uma caixa de
ferramentas e, do outro, uma pequena cozinha. As refeições são feitas com receita de família, já
que, nas viagens que fazia com o pai, aprendeu a cozinhar para economizar e comer com mais
qualidade. Com o pai, além de ter aprendido os macetes da profissão, também aprendeu o tamanho
do Brasil.

O percurso é longo, observa um posto cheio e para o caminhão para passar a noite de sono. No lixo
pendurado ao banco de motorista, uma latinha de energético já foi amassada para aguentar o
cansaço. O posto cheio faz com que a noite de sono seja mais tranquila e diminui a possibilidade de
assalto, pois em uma comunidade, um protege o outro.

Alexandre lembra do dia em que acordou com um ladrão dentro da cabine da carreta e também do
dia em que foi parado na estrada e sequestrado por ladrões de carga, que prometeram devolver seu
caminhão, que após dias de desespero foi encontrado abandonado em uma fazenda. O resultado do
episódio foi seu rádio roubado, que faz com que ele passe a viagem ouvindo só seus pensamentos,
“no seco”, como ele diz.

Mal amanhece o dia e liga o caminhão, aguarda alguns minutos para que fique cheio de ar e possa
partir. Essa é só uma das tarefas que tem de ser realizadas para que o caminhão funcione. Ele parte
em meio a diversos botões e fusíveis.

Na fila para descarregar, ele abre a pequena estante em cima do volante e retira os livros. Lê
filosofia, sociologia e diz que só é possível filosofar em alemão. É por isso que carrega também um
guia turístico da Europa, onde aprende as frases do idioma e sonha em viajar para outros países.
Com modéstia, diz que, com base nas coisas que leu, o socialismo é uma das teorias sociais que
mais se identifica. Com os livros, também aprendeu o que foi a ditadura, que, segundo ele, não
afetou sua família porque seus pais não se interessavam tanto pela política.

Também nos intervalos escreve suas poesias, onde relata a vida de estradeiro e registra as sensações
de viver com a saudade como passageira de viagem. Desde 2004 em determinados momentos
alguma ideia surge e, sem explicação, como ele diz, tem de escrever para não perder.

Se tivesse rádio, escutaria um de seus rocks, que são o combustível para passar o tempo. Gosta dos
clássicos e também dos punks. Em meio a uma frase e outra lamenta que um amigo pintor não lhe
venda nunca um quadro de dois metros da cantora Janis Joplin, uma de suas favoritas.

Madrugada. Estaciona a carreta vermelha logo na entrada da cidade, agenda a lavagem do veículo
para o dia que começa. Volta para a casa, revê a família e mergulha nas tarefas cotidianas até que
alguma carga o chame novamente. Agora é a vez de descarregar. A saudade.

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