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DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura afro-brasileira: um conceito em construção.

Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, nº. 31. Brasília, janeiro-junho de 2008,


pp. 11-23.

Janete de Sousa da Silva*

Gemido de negro

Não é poema é revolta é xingamento

É abismar-se

Gemido de negro é pedrada na fronte de


quem espia e ri

É pau de guatambu no lombo de quem


mandou Dar

Gemido de negro é insulto é palavrão


ecoado na senzala

É o motim a morte do capitão

Gemido de negro...

Quem tá gemendo?

Alves, 1996: 30

O escritor, professor e pesquisador Eduardo de Assis Duarte, conhecedor exímio


da Literatura e História afro-brasileira, com larga experiência em nossas Letras
e Coordenador o grupo de pesquisa Afrodescendências na Literatura Brasileira
(CNPq) e o literafro,propõem no artigo intitulado “Literatura afro-brasileira: um
conceito em construção” uma análise e reflexão sobre o conceito
O foco principal do artigo contempla as interfaces entre a produção
literária de afrodescendentes e seu enquadramento dentro da literatura
afrodescendente. Em sua primeira parte, o artigo começa por trata da falsa ideia
de que não existe uma literatura negra propriamente dita, e o questionamento de
muitos acerca da existência de uma literatura afro-brasileira, no que o
pesquisador responde: “Enquanto muitos na academia ainda indagam se a
literatura afro-brasileira realmente existe – e assinalemos aqui até mesmo a
perversidade de uma pergunta que às vezes não deseja ouvir resposta –, a cada
dia a pesquisa nos aponta para o vigor dessa escrita”. O estudioso segue citando
vários escritores de origem africana como Firmina dos Reis (1825-1917) que foi
a primeira mulher e única mulher afro-brasileira a publica um romance com o
tema abolicionista e o negro como personagem principal em pleno século XIX.
Úrsula (1859) tem sido abordado como o primeiro e único romance abolicionista
em que a personagem negra não é retratado com estereótipos depreciativos ou
negativo. No fim diz: Enfim, essa literatura não só existe como se faz presente
nos tempos e espaços históricos de nossa constituição enquanto povo; não só
existe como é múltipla e diversa.
Em seguida o autor indaga: o que torna a escrita afro-brasileira distinta do
conjunto das letras nacionais? Que elementos diferenciam e conferem
especificidade à produção literária dos brasileiros descendentes de africanos?
O pesquisador aponta 5 critérios de enquadramento dessa literatura quais
sejam:
 A temática
 A autoria
 O ponto de vista
 A linguagem
 Público leitor
Explica que esse critério não deve ser analisado isoladamente. Mas sim em
relação uns com os outros numa perspectiva dialética. Eis os fatores: “ temática:
“o negro é o tema principal da literatura negra”, afirma Octavio Ianni, que vê o
sujeito afrodescendente não apenas no plano do indivíduo, mas como “universo
humano, social, cultural e artístico de que se nutre essa literatura”1. Em segundo
lugar, a autoria. Ou seja, uma escrita proveniente de autor afro-brasileiro, e,
neste caso, há que se atentar para a abertura implícita ao sentido da expressão,
a fim de abarcar as individualidades muitas vezes fraturadas oriundas do
processo miscigenador. Complementando esse segundo elemento, logo se
impõe um terceiro, qual seja, o ponto de vista. Com efeito, não basta ser
afrodescendente ou simplesmente utilizar-se do tema. É necessária a assunção
de uma perspectiva e, mesmo, de uma visão de mundo identificada à história, à
cultura, logo a toda problemática inerente à vida desse importante segmento da
população.
Nas palavras de Zilá Bernd2, essa literatura apresenta um sujeito de enunciação
que se afirma e se quer negro. Um quarto componente situa-se no âmbito da
linguagem, fundado na constituição de uma discursividade específica, marcada
pela expressão de ritmos e significados novos e, mesmo, de um vocabulário
pertencente às práticas linguísticas oriundas de África e inseridas no processo
transculturador em curso no Brasil. E um quinto componente aponta para a
formação de um público leitor afrodescendente como fator de intencionalidade
próprio a essa literatura e, portanto, ausente do projeto que nortearia a literatura
brasileira em geral. Impõe-se destacar, todavia, que nenhum desses elementos
isolados propicia o pertencimento à Literatura Afro-brasileira, mas sim a sua
interação. Isoladamente, tanto o tema, como a linguagem e, mesmo, a autoria,
o ponto de vista, e até o direcionamento recepcional são insuficientes.
Lembramos aqui as reflexões de Edimilson de Almeida Pereira, que aponta o
risco de os critérios étnico e temático funcionarem até como “censura prévia” aos
autores negros e não-negros. Em seguida, o ensaísta defende a adoção de 1
Ianni, “Literatura e consciência”, p. 54. 2 Bernd, Introdução à literatura negra.
Literatura afro-brasileira 13 um “critério pluralista”, a partir de uma “orientação
dialética”, que “possa demonstrar a Literatura Afro-brasileira como uma das
faces da Literatura Brasileira – esta mesma sendo percebida como uma unidade
constituída de diversidades .
O crítico inverte a conhecida postulação de Afrânio Coutinho e considera a
Literatura Brasileira como constituinte de uma “tradição fraturada” típica de
países que passaram pelo processo de colonização. É, portanto, no contexto
dessa expressão historicamente múltipla que se abre o espaço para a
configuração do discurso literário afrodescendente em seus diversos matize”.
O pesquisador finaliza seu artigo nos reafirmando que A partir do encontro e
cotejo desses cinco fatores (temática, autoria, ponto de vista, linguagem e
público) pode-se atestar a existência da literatura afro-brasileira em toda sua
riqueza e perfeição. Esses fatores atuam como pressupostos teóricos e críticos
a operacionalizar uma obra diferente da literatura brasileira tout court também
essa abordagem, baseada nestes critérios ou fatores, nos leva a identificar as
nuances e diferenças entre o que de fato é literatura tour cout e o que é Literatura
afro-brasileira, nos instiga a tentar discernir a partir das leituras das obras os
limites entre uma e a outra.

* Graduada em Letras Espanhol pela Faculdade Santa Fé(2016) e aluna da Pós-graduação em


Língua Portuguesa e Literatura.

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