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ATIVIDADES DE PRODUÇÃO TEXTUAL EM LIVROS DIDÁTICOS DE

LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO MÉDIO

Rebeca Rannieli Alves Ribeiro (UEPB)


rebecarannieli@gmail.com

1. Introdução

Os gêneros sempre foram alvo de pesquisas, questionamentos e discordâncias


entre teóricos que abordaram esse tema. Desde que a humanidade passou a existir, os
gêneros permeiam a comunicação escrita, uma vez que se realizam no texto.
Já na Antiguidade, na Grécia Clássica, Aristóteles dividiu os textos literários
em três gêneros, que representavam as manifestações literárias da época, são eles: o
gênero épico, o gênero lírico e o gênero dramático. Esta divisão do filósofo grego indica
que, no início das abordagens, os gêneros correspondiam a categorias de literatura.
Hoje, a noção de gênero ampliou-se e toda produção textual representa um gênero.
O marco teórico sobre gêneros no ocidente foi os estudos de Bakhtin ([1979]
2000), em que ele apresenta, a partir da análise de um romance, noções teóricas sobre
gêneros discursivos. Aquelas sempre norteiam as discussões sobre gêneros. Essas
discussões representam duas noções de gênero, a discursiva e a textual, as quais serão
abordadas no próximo item.
A teoria dos gêneros, então, desperta em muitos pesquisadores o desejo de
investigar, em diversos corpus, sobre a produção e os usos dos textos. No entanto,
observa-se um interesse maior em pesquisar sobre a produção dos gêneros na escola,
uma vez que esta se configura como a principal agência de letramento, sendo assim
responsável por trabalhar a produção textual, especialmente, nas aulas de língua
portuguesa.
Para a condução destas aulas, a grande maioria dos professores utiliza apenas o
livro didático (doravante LD) como sendo o único recurso didático e metodológico, por
não dispor de outros recursos ou por só se sentirem “seguros” para lecionar se estiverem
com um LD em mãos; além de ser o LD presença obrigatória em quase todas as salas de
aulas brasileiras. Sendo desta forma o LD um protagonista ou coadjuvante (quando o
professor assume o seu papel) no processo de ensino e de aprendizagem, torna-se
importante verificar como estão sendo trabalhadas as propostas de produção textual nos
LDs, uma vez que os documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), também orientam
um ensino pautado na produção dos gêneros.
Nos anos de 2009, 2010 e 2011, algumas escolas do cariri paraibano adotaram
os três volumes do LD Português: língua, literatura e produção de texto1, para as aulas
do Ensino Médio. Sendo, pois, o item que trata da produção de texto o corpus da
presente pesquisa, uma vez que fora observada, em algumas propostas deste material
didático, a indistinção entre gêneros e tipos textuais.
Mediante este cenário, os objetivos desta pesquisa centram-se em analisar as
propostas de produção textual dos LDs de língua portuguesa do Ensino Médio, os quais
são adotados em escolas da rede pública do cariri paraibano; a fim de verificar a teoria
sobre gêneros e tipos textuais apresentada nestes LDs e quais gêneros são solicitados.
Para o desenvolvimento da análise, a metodologia utilizada centrou-se em
1
ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela Nogueira; FADEL, Tatiana. Português: língua, literatura
e produção de texto. 1. ed. Volumes. 1, 2, 3. São Paulo: Editora Moderna, 2005.
catalogar as propostas, numa perspectiva quantitativa, para em seguida avaliá-las
qualitativamente. Os critérios de análise foram estabelecidos, portanto, a partir de uma
comparação entre o que o livro didático apresenta de teoria sobre gêneros e tipos
textuais e o que os enunciados de produção textual solicitam.

2. A teoria dos gêneros

A depender da corrente teórica que se segue, tem-se apresentado teorias sobre


os gêneros denominando-os como discursivos ou textuais. Sendo assim, os próximos
dois subitens apresentam noções teóricas sobre cada uma dessas perspectivas, definindo
qual seria mais adequada para o presente trabalho.

2. 1. Sobre os gêneros discursivos

Desde que Bakhtin iniciou os estudos sobre os gêneros, muitas são as pesquisas
que abordam esse tema e muitos são os pesquisadores que buscam nesses estudos
embasamento teórico. A obra Estética da Criação Verbal ([1979]2000) apresenta uma
abordagem a respeito dos gêneros discursos os quais receberam esse nome por questão
de tradução, mas são assim conhecidos os gêneros estudados por Bakhtin.
Todas as atividades humanas são mediadas por algum tipo comunicação que
utiliza a língua em suas mais variadas formas de interação. Os modos de utilização da
língua são tão variados assim como são as atividades humanas, ou seja, cada atividade
possui uma realização específica da língua.
Essa realização específica da língua, de acordo com Bakhtin ([1979]2000),
efetua-se por meio de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que são
formulados pelos integrantes de cada esfera da atividade humana. O enunciado reflete
as especificidades e intenções de cada uma dessas esferas, por meio de três elementos: o
conteúdo (temático), o estilo verbal e a construção composicional.
Esses três elementos, além de construírem o todo enunciativo, indicam
especificidades de cada enunciado produzido em dada situação. Estas especificidades
constroem enunciados relativamente estáveis que se repetem sempre que usados em
atividades humanas semelhantes.
Bakhtin ([1979]2000, p.279) define que “qualquer enunciado considerado
isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus
tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos de gêneros de
discurso2”.
Rodrigues (2005), discorrendo sobre a noção bakhtiniana de gêneros, diz que

Os gêneros, com seus propósitos discursivos, não são indiferentes às


características da sua esfera, ou melhor, eles as ‘mostram’. Todo
gênero tem um conteúdo temático determinado: seu objeto discursivo
e finalidade discursiva, sua orientação de sentido específica para com
ele e os outros participantes da interação [...] Os próprios gêneros
‘modulam’ a maior ou menor possibilidade de tratamento exaustivo
do objeto e do sentido na interação. (p.167)

Os gêneros de discurso são infinitamente variados, uma vez que as atividades


humanas também são infinitas. Deste modo, uma série de gêneros do discurso são

2
Grifos do autor.
produzidos em cada esfera da atividade humana, com isso surge uma imensa
heterogeneidade destes gêneros, no âmbito do oral e escrito. A título de exemplo, tem-se
a curta réplica, o relato familiar, a carta, os documentos militares, as variadas formas de
exposição científica, todos os modos literários.
Devido à imensa heterogeneidade, Bakhtin diferencia os gêneros em primários
e secundários. Estes últimos aparecem em situações que envolvem um certo grau de
complexidade, principalmente as que são mediadas pela escrita, por exemplo, as
científicas, ideológicas, sociopolíticas, culturais, etc. Enquanto que os gêneros primários
compreendem uma realidade mais imediata; normalmente compõem enunciados mais
“simples”, como os usados no cotidiano, em uma comunicação verbal espontânea, por
exemplo, a conversa familiar. Sendo que muitos outros gêneros surgem com a
hibridização dos gêneros primários e secundários.
Furlanetto (2005) apresenta a visão teórica de Dominique Maingueneau sobre
os gêneros discursivos. Não muito diferente da noção divulgada por Bakhtin,
Maingueneau estuda os gêneros inseridos em situações sociais concretas e apresenta o
termo competência comunicativa que compreende o domínio que os membros da
sociedade devem possuir dos gêneros. No entanto, isso não significa o conhecimento de
todos os gêneros, uma vez que, em muitos casos, precisa-se de uma formação especifica
para dominar determinar gênero. Porém isso não isenta os indivíduos, segundo o
teórico, de conhecerem como certos gêneros são produzidos, principalmente aqueles
que fazem parte de seu cotidiano.
Como dito anteriormente, discussões teóricas apresentam duas noções de
gêneros, a discursiva e a textual. Diante disso, Rojo (2005) se propôs a analisar essas
duas noções, e questiona se ambas podem ser consideradas como sinônimas e se não,
quais as diferenças entre elas. Em seu artigo, a autora se fundamenta, principalmente, na
teoria dos gêneros de discurso de Bakhtin, e chega a conclusão de que essas noções
trabalham com objetos diferentes.
Rojo (2005) afirma que a noção teórica de gêneros textuais se preocupa com a
descrição mais propriamente textual e com a materialidade linguística do texto, não
sobrando espaço para abordar a significação. Enquanto que a noção teórica de gêneros
discursivos se preocupa em analisar enunciações em situações concretas de
comunicação.
Segundo esta autora

aqueles que adotam a perspectiva dos gêneros do discurso partirão


sempre de uma análise em detalhe dos aspectos sócio-históricos da
situação enunciativa, privilegiando, sobretudo, a vontade enunciativa
do locutor [...] e, a partir desta análise, buscarão as marcas lingüísticas
(formas do texto/ enunciado e da língua – composição e estilo) que
refletem, no enunciado/texto, esses aspectos da situação. (p.199)

Visto que os professores tendem a fazer, em suas aulas, exaustivas análises


estruturais, Rojo (2005) defende que a noção teórica sobre gêneros discursivos é a que
deve ser adotada no ensino de língua portuguesa, uma vez que parece

ser mais útil e necessário explorar com eles as características das


situações de enunciação – relacionadas às marcas lingüísticas que
deixam como traços nos textos – que fazermos análises completas e
exaustivas dos textos, introduzindo uma nova metalinguagem. (p. 207)
Os documentos oficiais orientam o trabalho com os gêneros discursivos em
sala de aula, nas OCEM (2006), por exemplo, ressalta-se que “a ênfase que tem sido
dada ao trabalho com as múltiplas linguagens e com os gêneros discursivos merece ser
compreendida como uma tentativa de não fragmentar, no processo de formação do
aluno, as diferentes dimensões implicadas na produção de sentidos” (p. 28). Isto porque
o ensino de língua portuguesa, muitas vezes, é dividido em língua, literatura e produção
de textos, assim como o fazem os LDs.

2. 2. Sobre os gêneros textuais

A escrita na concepção interacionista sócio-discursiva (doravante ISD)


perpassa às teorias dos gêneros e letramentos, não sendo possível desarraigar estas três
abordagens teóricas – concepção ISD, gêneros e letramentos –, visto que representam
perspectivas de ações sociais, pois o letramento requer práticas sociais de escrita que se
configuram nos gêneros.
As práticas sociais, que são formas culturais pelos quais os indivíduos
organizam, administram e realizam suas ações, mudam de acordo com o evento em que
estão inseridas. Isto ocorre, por exemplo, quando os sujeitos estão em contato com as
diversas possibilidades de interação presente no cotidiano como a ministração de uma
aula, uma sessão jurídica, uma conversa informal, a exposição de um relatório.
Segundo Xavier (2005)

As práticas sociais e os eventos em geral (não só os de letramento) são


mediados e efetivados por gêneros orais, escritos e, agora também, os
digitais. Esses assumem um caráter essencial dentro das atividades
específicas de letramento, já que estudar os tipos de letramento é uma
parte do estudo dos gêneros de texto, para se saber como eles são
produzidos, utilizados e adaptados a cada situação vivida pelo
indivíduo pertencente a uma dada comunidade que está em processo
constante de interação entre seus membros. (p.6)

De acordo com o autor, as práticas sociais e os eventos em geral são mediados


pelos gêneros. Então, saber usar adequadamente os gêneros quando se vivencia um
evento é importante para que se tenha um bom desempenho no campo em que se está
atuando, seja ele cultural, econômico, político, empregatício, escolar, de entretenimento.
Quando em determinadas situações se recorre a textos típicos e padronizados
àquele momento, fica mais fácil a interação, uma vez que está se usando um texto
familiar ao momento, e as pessoas envolvidas no evento compreendem facilmente o que
está se dizendo e o que se pretende realizar. Deste modo, podem-se antecipar as reações
das pessoas se seguir essas formas padronizadas e reconhecíveis. “As formas de
comunicação reconhecíveis e auto-reforçadoras emergem como gêneros”, de acordo
com Bazerman (2005, p.29).
Os meios de comunicação quando são criados geram novas necessidades para o
seu uso, assim ocorreu com o advento da escrita. Segundo Marcuschi (2005):

todas as tecnologias comunicacionais novas geram ambientes e meios


novos. Assim, foi a invenção da escrita que gerou um sem-números de
ambientes e necessidades para seu uso, desde a placa de barro,
passando pelo pergaminho, o papel, até a invenção da imprensa com
os tipos móveis. (p.26)
Esses ambientes abrigam os gêneros textuais, que “são fenômenos históricos,
profundamente vinculados à vida cultural e social” (MARCUSCHI, 2002, p. 19). São
eles: as cartas, os telegramas, as receitas culinárias, as leis, os anúncios, os folhetos, os
artigos científicos.
Ainda, de acordo com Marcuschi (2002, p. 19): “os gêneros contribuem para
ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-
discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa”.
Os gêneros traduzem as necessidade e ações humanas, no âmbito linguístico,
oral e escrito, exercendo funções comunicativas, cognitivas e institucionais. Deste
modo, “caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e
plásticos” (MARCUSCHI, 2002, p. 16).
Marcuschi (2005, p. 27) também ressalta o fato de um gênero textual ser
composto por uma heterogeneidade tipológica e justifica isso dizendo que “entre as
características básicas dos tipos textuais está o fato de eles serem definidos por seus
traços lingüísticos predominantes”.
A história mostra que os gêneros surgem de acordo com as necessidades e
atividades sócio-culturais. No período em que a oralidade predominava, eles eram
mínimos. Com o alfabeto, surgem os gêneros típicos da escrita. Com o advento da
cultura impressa, ocorre a expansão dos gêneros, pois com a industrialização é possível
a publicação em massa de textos, como os jornais e os livros. Desde então, os gêneros
não pararam de se multiplicar.
Os gêneros constituem atividades mais amplas do que a relação interpessoal,
envolvendo um número maior de atividades e sujeitos. Para caracterizar como os
gêneros se configuram e se enquadram em organizações, são propostos vários conceitos
que se sobrepõem. O primeiro conceito corresponde ao conjunto de gêneros que é a
coleção de tipos de textos que uma pessoa num determinado papel tende a produzir; o
segundo, sistema de gêneros, compreende os diversos conjuntos de gêneros utilizados
por pessoas que trabalham juntas de uma forma organizada; e o terceiro, sistema de
atividades que compreende sistema de gêneros, observa as realizações das pessoas e
como os textos as ajudam a executarem suas atividades (BAZERMAN, 2005).
Sobre o termo gênero, Bronckart (1999) tece algumas considerações sobre a
noção apresentada por Bakhtin e afirma serem sinônimos os termos gêneros do texto e
gêneros do discurso. Para o teórico, a terminologia bakhtiniana é muito oscilante,
devido à evolução interna de sua obra e a problemas de tradução, na maioria das vezes
os gêneros são considerados como gêneros do discurso, mas também pode ser lido o
termo gênero do texto. Bronckart (1999) propõe a seguinte equivalência para os termos:

os gêneros do discurso, gêneros do texto e/ou formas estáveis de


enunciados de Bakhtin podem ser chamados de gêneros de textos; os
enunciados, enunciações e/ou textos bakhtinianos podem ser
chamados de textos, quando se trata de produções verbais acabadas,
associadas a uma mesma e única ação de linguagem ou de
enunciados, quando se trata de segmentos de produções verbais do
nível da frase.3 (p.143)

Marcuschi (2006) também considera equivalentes os termos gêneros textuais e


gêneros discursivos. Para o linguista, muitos têm sido os esforços para categorizar a
noção de gênero e as suas classificações, mas hoje já se sabe que estas classificações são

3
Grifos do autor.
falhas e não aparece mais prioritário classificar e sim determinar os critérios da
categoria gênero textual ou gênero discursivo. Marcuschi (2006) escreve
O certo é que as dimensões geralmente adotadas para a identificação e
análise dos gêneros são sócio-comunicativas e referem-se à função e
organização, ao conteúdo e meio de circulação, aos atores sociais envolvidos
e atividades discursivas implicadas, ao enquadre sócio-histórico e atos
retóricos praticados e assim por diante. (p. 26)
Percebe-se então que esses teóricos consideram sinônimos os termos gênero do
texto e gênero do discurso, sendo que o uso de qualquer um desses termos não mudaria
o olhar sobre o objeto a ser analisado, pois os pressupostos para identificação e análise
dos gêneros são da ordem sócio-comunicativa.
Mediante a oscilação da terminologia de gênero, e considerando os dados em
questão, adota-se como termo o gênero textual, por considerar que este abriga as formas
estáveis de enunciados presentes nas práticas e eventos sociais, sem desconsiderar, é
claro, a importância dada às discussões sobre a perspectiva discursiva.
Em relação ao processo de ensino e aprendizagem, os estudos sobre gêneros
contribuem significativamente para que se perceba o ambiente de sala de aula como o
local adequado para as discussões e aprendizado sobre aquilo que acontece na
sociedade. Defende-se, então, que as aulas de Língua, aliadas ao estudo dos gêneros
textuais ou discursivos, podem viabilizar processos de socialização e de sociabilidade de
indivíduos, contribuindo para a formação de sujeitos reflexivos e conscientes de suas
ações.

3. A produção textual nos livros didáticos

Os três volumes analisados da coleção para o Ensino Médio – Português:


língua, literatura e produção de texto – priorizam em seus capítulos as noções teóricas
sobre tipologia textual, podendo isto ser observado a partir dos seus títulos, a saber, “o
texto”, “procedimentos de leitura” e “a narrativa” (Vol. 1); “a exposição”, “a elaboração
da dissertação” e “argumentação e persuasão” (Vol. 2); “a articulação textual”, “o texto
persuasivo” e “dissertação: revisão geral” (Vol. 3). Em cada um desses volumes, os
gêneros textuais são abordados por meio de charges, tirinhas, propagandas, mas sem
nenhum aprofundamento, quer seja teórico quer seja na produção de texto.
O volume 1 apresenta noções de texto e textualidade, e 08 (oito) propostas de
produção de texto. No entanto, o seu foco está em apresentar a narração, sem dar muita
importância aos gêneros que apresentam esta tipologia, sendo trabalhada apenas a
crônica. Gênero este mais complexo de ser elaborado se comparado a um relato ou
notícia.
O volume 2 apresenta 12 (doze) propostas de produção de texto, sendo o seu
conteúdo referente ao texto expositivo, com destaque para o texto instrucional; ao texto
descritivo e ao dissertativo, no qual há ênfase na argumentação e persuasão.
O volume 3, por sua vez, apresenta 10 (dez) propostas de produção de texto,
detendo-se estas apenas ao texto dissertativo. No capítulo sobre “o texto persuasivo”,
trabalha-se com o texto publicitário e a carta argumentativa, sendo solicitada a produção
desta por três vezes.
Percebe-se, portanto, nestes LDs uma abordagem sobre os gêneros, porém uma
preferência pela noção de tipologia textual, a qual fica evidente a partir das propostas de
produção textual apresentadas resumidamente logo acima. A título de aprofundamento
da análise, selecionou-se o volume 2 por este apresentar uma incoerência com relação
ao texto dissertativo, ora apresentado-o como gênero ora como tipo.
O fragmento abaixo transcrito do LD em análise apresenta a definição teórica
sobre dissertação:

[...]
Os usos sociais da linguagem vão sendo alterados nas sociedades complexas.
Em lugar e apenas contar histórias, relatar acontecimentos importantes, os seres
humanos passaram a sentir a necessidade de, em determinadas circunstâncias, falar de
modo a convencer seus companheiros. Em outras ocasiões era preciso explicar algo,
ensinar um procedimento ou uma técnica nova.
A estrutura narrativa não se mostrava a mais eficiente para desempenhar tais
funções [...]
Na escrita, o gênero textual correspondente a essa maneira de olhar e enfrentar
de modo mais objetivo e direto determinadas questões é o dissertativo4. (p. 206)
Fragmento 1 – Definição do gênero dissertativo

Nesta definição fica clara a noção de que o texto dissertativo seria um gênero
textual, apesar de alguns autores o considerarem como tipologia, assim como também a
preferência por esta perspectiva de gênero a qual contraria a orientação dos PCNs para
trabalhar com os gêneros discursivos.
No entanto, uma proposta de produção textual solicitada 14 páginas após esta
definição contradiz o que fora apresentado:

[...]
Com base na leitura da charge, do artigo da Constituição, do depoimento de A.J. e
do trecho do livro O cidadão de papel, redija um texto em prosa, do tipo dissertativo-
argumentativo, sobre o tema: Direitos da criança e do adolescente: como enfrentar esse
desafio nacional?
Ao desenvolver o tema proposto, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e
as reflexões feitas ao longo e sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões para defender o seu
ponto de vista, elaborando propostas para a solução do problema discutindo em seu texto5.
(p.220)
Fragmento 2 – Proposta de produção de textual: tipo dissertativo-argumentativo

Após a definição de gênero dissertativo, observa-se a solicitação de um tipo


dissertativo-argumentativo, o que se configura numa contradição teórica que vai de
encontro ao que os documentos oficiais e os estudos sobre a teoria dos gêneros
apregoam, que todo texto se realiza por meio dos gêneros, que os sujeitos produzem e se
comunicam por meio dos gêneros, não de tipos textuais.
Por outro lado, pode-se pensar que definir dissertação como gênero ou como
tipo textual não tem muita importância, que o importante é produzir um texto coerente,
mas se assim o for não seria preciso discorrer e investigar sobre os gêneros. Ou seria
simplesmente rever a forma como está elaborado este enunciado da proposta de
produção textual (Cf. Frag. 2), excluindo qualquer dubiedade teórica.
Uma outra proposta de produção textual solicita a elaboração de gênero
dissertativo. Veja:

[...]
Como se observa nos textos apresentados, a oposição entre verdade e mentira

4
Grifo do autor. Trecho extraído do Volume 2, página 206.
5
Grifo do autor. Trecho extraído do Volume 2, página 220.
tem sido um dos temas mais discutidos em todos os tempos e constitui uma das maiores
preocupações da humanidade.
Partindo da leitura dos textos e considerando sua formação religiosa, familiar e
escolar, bem como a sua personalidade e suas projeções para a futura vida particular e
profissional, faça uma redação de gênero dissertativo sobre o tema: A verdade ou a
mentira: uma questão de convivência?6 (p. 228)
Fragmento 3 – Proposta de produção de textual: gênero dissertativo

No fragmento acima, observa-se uma proposta de produção textual semelhante


a que está representada no Frag. 2, por utilizar-se de textos para contextualizar o tema
indicado, assim como por estimular o uso dos conhecimentos de mundo que o aluno
detenha. A única diferença está ao propor a produção de um gênero dissertativo.
Tal proposta leva a outra reflexão, a saber, aquela concorda com a teoria
apresentada no próprio LD e com as diretrizes curriculares, apenas por usar em seu
enunciado o termo “gênero”, porque não há o desenvolvimento de um projeto ou de
uma sequência didática que aborde este gênero. Além disso, percebe-se nos Volumes 2 e
3 a solicitação de aproximadamente 20 propostas de produção de dissertação, as quais
variam a terminologia entre tipos e gêneros.
A partir da análise destas propostas não é possível depreender o efeito causado
nos alunos, se estes percebem a diferença entre os enunciados, se têm consciência do
que seja produção de um gênero textual, se apesar das incoerências entre teoria e
enunciados de propostas de produção textual os textos elaborados pelos alunos
cumprem o papel comunicativo. No entanto, independente de qualquer um desses
resultados, não se pode compreender um LD atual (2005) que priorize o ensino dos
tipos em detrimento dos gêneros textuais e que apresente, em um único volume, uma
duplicidade terminológica.

4. Considerações finais

Os LDs que foram analisados representam uma realidade atual e recorrente nas
salas de aulas brasileiras, especialmente nas aulas de língua portuguesa/produção
textual/redação, em que, independente de como se intitulam, permanecem pautadas no
ensino da tipologia textual ou da estrutura dos gêneros, sem a preocupação de
desenvolver nos alunos a capacidade de comunicação clara, coerente, objetiva e
consciente.
Além de se verificar os livros didáticos, precisa-se rever a formação de muitos
professores que saem da academia sem dominar, eles próprios, a produção de gêneros
escolares e acadêmicos, gerando assim um círculo vicioso entre aluno-professor-aluno.
O professor consciente dos princípios que regem o ensino de língua portuguesa poderá,
aos poucos, mudar essa realidade, inclusive a dos materiais didáticos que dispõe.

5. Referências

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literatura e produção de texto. 1. ed. Volumes. 1, 2, 3. São Paulo: Editora Moderna, 2005.
BAKHTIN, Mikhail Milkhailovitch. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,
[1979] 2000.
BAZERMAN, Charles; DIONÍSIO, Angela Paiva, HOFFNAGEL, Judith Chambliss (orgs.);
tradução e adaptação de Judith Chambliss Hoffnagel; revisão técnica Ana Regina Vieira...[et

6
Grifo do autor. Trecho extraído do Volume 2, página 228.
al.]. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Volume 2. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2006.
BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio: Linguagens, códigos e suas
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