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1. Introdução
Desde que Bakhtin iniciou os estudos sobre os gêneros, muitas são as pesquisas
que abordam esse tema e muitos são os pesquisadores que buscam nesses estudos
embasamento teórico. A obra Estética da Criação Verbal ([1979]2000) apresenta uma
abordagem a respeito dos gêneros discursos os quais receberam esse nome por questão
de tradução, mas são assim conhecidos os gêneros estudados por Bakhtin.
Todas as atividades humanas são mediadas por algum tipo comunicação que
utiliza a língua em suas mais variadas formas de interação. Os modos de utilização da
língua são tão variados assim como são as atividades humanas, ou seja, cada atividade
possui uma realização específica da língua.
Essa realização específica da língua, de acordo com Bakhtin ([1979]2000),
efetua-se por meio de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que são
formulados pelos integrantes de cada esfera da atividade humana. O enunciado reflete
as especificidades e intenções de cada uma dessas esferas, por meio de três elementos: o
conteúdo (temático), o estilo verbal e a construção composicional.
Esses três elementos, além de construírem o todo enunciativo, indicam
especificidades de cada enunciado produzido em dada situação. Estas especificidades
constroem enunciados relativamente estáveis que se repetem sempre que usados em
atividades humanas semelhantes.
Bakhtin ([1979]2000, p.279) define que “qualquer enunciado considerado
isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus
tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos de gêneros de
discurso2”.
Rodrigues (2005), discorrendo sobre a noção bakhtiniana de gêneros, diz que
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Grifos do autor.
produzidos em cada esfera da atividade humana, com isso surge uma imensa
heterogeneidade destes gêneros, no âmbito do oral e escrito. A título de exemplo, tem-se
a curta réplica, o relato familiar, a carta, os documentos militares, as variadas formas de
exposição científica, todos os modos literários.
Devido à imensa heterogeneidade, Bakhtin diferencia os gêneros em primários
e secundários. Estes últimos aparecem em situações que envolvem um certo grau de
complexidade, principalmente as que são mediadas pela escrita, por exemplo, as
científicas, ideológicas, sociopolíticas, culturais, etc. Enquanto que os gêneros primários
compreendem uma realidade mais imediata; normalmente compõem enunciados mais
“simples”, como os usados no cotidiano, em uma comunicação verbal espontânea, por
exemplo, a conversa familiar. Sendo que muitos outros gêneros surgem com a
hibridização dos gêneros primários e secundários.
Furlanetto (2005) apresenta a visão teórica de Dominique Maingueneau sobre
os gêneros discursivos. Não muito diferente da noção divulgada por Bakhtin,
Maingueneau estuda os gêneros inseridos em situações sociais concretas e apresenta o
termo competência comunicativa que compreende o domínio que os membros da
sociedade devem possuir dos gêneros. No entanto, isso não significa o conhecimento de
todos os gêneros, uma vez que, em muitos casos, precisa-se de uma formação especifica
para dominar determinar gênero. Porém isso não isenta os indivíduos, segundo o
teórico, de conhecerem como certos gêneros são produzidos, principalmente aqueles
que fazem parte de seu cotidiano.
Como dito anteriormente, discussões teóricas apresentam duas noções de
gêneros, a discursiva e a textual. Diante disso, Rojo (2005) se propôs a analisar essas
duas noções, e questiona se ambas podem ser consideradas como sinônimas e se não,
quais as diferenças entre elas. Em seu artigo, a autora se fundamenta, principalmente, na
teoria dos gêneros de discurso de Bakhtin, e chega a conclusão de que essas noções
trabalham com objetos diferentes.
Rojo (2005) afirma que a noção teórica de gêneros textuais se preocupa com a
descrição mais propriamente textual e com a materialidade linguística do texto, não
sobrando espaço para abordar a significação. Enquanto que a noção teórica de gêneros
discursivos se preocupa em analisar enunciações em situações concretas de
comunicação.
Segundo esta autora
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Grifos do autor.
falhas e não aparece mais prioritário classificar e sim determinar os critérios da
categoria gênero textual ou gênero discursivo. Marcuschi (2006) escreve
O certo é que as dimensões geralmente adotadas para a identificação e
análise dos gêneros são sócio-comunicativas e referem-se à função e
organização, ao conteúdo e meio de circulação, aos atores sociais envolvidos
e atividades discursivas implicadas, ao enquadre sócio-histórico e atos
retóricos praticados e assim por diante. (p. 26)
Percebe-se então que esses teóricos consideram sinônimos os termos gênero do
texto e gênero do discurso, sendo que o uso de qualquer um desses termos não mudaria
o olhar sobre o objeto a ser analisado, pois os pressupostos para identificação e análise
dos gêneros são da ordem sócio-comunicativa.
Mediante a oscilação da terminologia de gênero, e considerando os dados em
questão, adota-se como termo o gênero textual, por considerar que este abriga as formas
estáveis de enunciados presentes nas práticas e eventos sociais, sem desconsiderar, é
claro, a importância dada às discussões sobre a perspectiva discursiva.
Em relação ao processo de ensino e aprendizagem, os estudos sobre gêneros
contribuem significativamente para que se perceba o ambiente de sala de aula como o
local adequado para as discussões e aprendizado sobre aquilo que acontece na
sociedade. Defende-se, então, que as aulas de Língua, aliadas ao estudo dos gêneros
textuais ou discursivos, podem viabilizar processos de socialização e de sociabilidade de
indivíduos, contribuindo para a formação de sujeitos reflexivos e conscientes de suas
ações.
[...]
Os usos sociais da linguagem vão sendo alterados nas sociedades complexas.
Em lugar e apenas contar histórias, relatar acontecimentos importantes, os seres
humanos passaram a sentir a necessidade de, em determinadas circunstâncias, falar de
modo a convencer seus companheiros. Em outras ocasiões era preciso explicar algo,
ensinar um procedimento ou uma técnica nova.
A estrutura narrativa não se mostrava a mais eficiente para desempenhar tais
funções [...]
Na escrita, o gênero textual correspondente a essa maneira de olhar e enfrentar
de modo mais objetivo e direto determinadas questões é o dissertativo4. (p. 206)
Fragmento 1 – Definição do gênero dissertativo
Nesta definição fica clara a noção de que o texto dissertativo seria um gênero
textual, apesar de alguns autores o considerarem como tipologia, assim como também a
preferência por esta perspectiva de gênero a qual contraria a orientação dos PCNs para
trabalhar com os gêneros discursivos.
No entanto, uma proposta de produção textual solicitada 14 páginas após esta
definição contradiz o que fora apresentado:
[...]
Com base na leitura da charge, do artigo da Constituição, do depoimento de A.J. e
do trecho do livro O cidadão de papel, redija um texto em prosa, do tipo dissertativo-
argumentativo, sobre o tema: Direitos da criança e do adolescente: como enfrentar esse
desafio nacional?
Ao desenvolver o tema proposto, procure utilizar os conhecimentos adquiridos e
as reflexões feitas ao longo e sua formação.
Selecione, organize e relacione argumentos, fatos e opiniões para defender o seu
ponto de vista, elaborando propostas para a solução do problema discutindo em seu texto5.
(p.220)
Fragmento 2 – Proposta de produção de textual: tipo dissertativo-argumentativo
[...]
Como se observa nos textos apresentados, a oposição entre verdade e mentira
4
Grifo do autor. Trecho extraído do Volume 2, página 206.
5
Grifo do autor. Trecho extraído do Volume 2, página 220.
tem sido um dos temas mais discutidos em todos os tempos e constitui uma das maiores
preocupações da humanidade.
Partindo da leitura dos textos e considerando sua formação religiosa, familiar e
escolar, bem como a sua personalidade e suas projeções para a futura vida particular e
profissional, faça uma redação de gênero dissertativo sobre o tema: A verdade ou a
mentira: uma questão de convivência?6 (p. 228)
Fragmento 3 – Proposta de produção de textual: gênero dissertativo
4. Considerações finais
Os LDs que foram analisados representam uma realidade atual e recorrente nas
salas de aulas brasileiras, especialmente nas aulas de língua portuguesa/produção
textual/redação, em que, independente de como se intitulam, permanecem pautadas no
ensino da tipologia textual ou da estrutura dos gêneros, sem a preocupação de
desenvolver nos alunos a capacidade de comunicação clara, coerente, objetiva e
consciente.
Além de se verificar os livros didáticos, precisa-se rever a formação de muitos
professores que saem da academia sem dominar, eles próprios, a produção de gêneros
escolares e acadêmicos, gerando assim um círculo vicioso entre aluno-professor-aluno.
O professor consciente dos princípios que regem o ensino de língua portuguesa poderá,
aos poucos, mudar essa realidade, inclusive a dos materiais didáticos que dispõe.
5. Referências
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literatura e produção de texto. 1. ed. Volumes. 1, 2, 3. São Paulo: Editora Moderna, 2005.
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[1979] 2000.
BAZERMAN, Charles; DIONÍSIO, Angela Paiva, HOFFNAGEL, Judith Chambliss (orgs.);
tradução e adaptação de Judith Chambliss Hoffnagel; revisão técnica Ana Regina Vieira...[et
6
Grifo do autor. Trecho extraído do Volume 2, página 228.
al.]. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005.
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