Professional Documents
Culture Documents
Orientadora:
Banca Examinadora:
Brasília, 2006
1
RESUMO
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................................................ 01
1. APRESENTAÇÃO....................................................................................................... 05
cognitivista ...................................................................................................... 18
3. METODOLOGIA........................................................................................................ 46
3.2. Objetivos............................................................................................................ 47
3.3. Participantes....................................................................................................... 47
3.4. Instrumentos....................................................................................................... 48
4. RESULTADOS............................................................................................................. 51
4
5. DISCUSSÃO................................................................................................................. 64
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 82
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 84
APÊNDICES....................................................................................................................... 88
bariátrica 91
1. APRESENTAÇÃO
principalmente no que diz respeito à manutenção da perda peso, ocasiona grande sofrimento
aos obesos mórbidos, levando muitos a optar por um procedimento mais radical: a redução de
corte no corpo e conseqüente perda significativa de peso nos questionamos sobre o que
também muda na subjetividade desse paciente, o qual passa a ser um ex-obeso mórbido.
Questionamo-nos, então, sobre as estratégias encontradas por esse sujeito para privilegiar
exigirá de todos que tenham uma postura ativa no pós-cirúrgico, até o final de suas vidas.
O interesse por esse tema se deu em decorrência do aumento dos casos de obesidade
mórbida e da opção muito freqüente, nos dias atuais, pelas cirurgias bariátricas, além da
muito sofrimento pela paciente, e ainda, pela convivência com pessoas obesas e ex-obesas
primeiramente expôs-se a pesquisa bibliográfica que norteou as discussões dos dados obtidos
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. OBESIDADE
definições médicas contemporâneas sobre a obesidade, e que essas definições mudem de uma
cultura para outra com o passar do tempo, ela é mais que um índice de massa corpórea
(peso/altura2). O excesso de peso corporal é uma condição que sempre acompanhou a história
da humanidade e foi avaliado diferentemente de acordo com cada período histórico e cultural.
Durante muito tempo o ganho de peso, acúmulo de gordura representou saúde e prosperidade.
Contrariamente hoje é considerado uma doença crônica que afeta todas as faixas etárias, sem
distinção de nível sócio-econômico e, como apontado por Almeida et al (2005), tem sido
negativas e preconceituosas.
Wajner (2000 apud PÍCOLLI, 2005, p.11), levanta a possibilidade de que a obesidade
seja a enfermidade metabólica mais antiga que se conhece. Segundo a autora, “pinturas e
estatuas em pedra com mais de 20 mil anos já representavam figuras de mulheres obesas. As
era pré-cristã [...]”. Ainda ressalta que a primeira monografia médica sobre o tema obesidade
destacou ser esta uma doença relacionada a distúrbios de caráter e foi escrita no século XVII.
Doença crônica, como já foi dito, multifatorial que de um modo geral pode ser caracterizada
e idade. O IMC é calculado dividindo-se o peso do individuo por sua altura ao quadrado
classificada, como já descrito acima, por um IMC maior ou igual a 40Kg/m2, considerada por
vários autores uma doença multifatorial com conseqüências nefastas para saúde e qualidade
metabólicos, hormonais e psicológicos. Numa linha mais biológica, Halpern (2004), admite
que a fisiopatologia da obesidade não está ainda totalmente esclarecida, mas sugere que as
principais razões para um indivíduo tornar-se obeso sejam: 1) Comer mais (particularmente
gorduras); 2) Queimar menos calorias; 3) Fazer gorduras mais facilmente; e 4) Oxidar menos
gorduras.
Ainda que seja clássica a noção de que os obesos ingerem mais calorias do que os não
obesos, não há consenso entre os diversos autores que pesquisam o assunto. Halpern (2004)
aponta duas razões básicas para essa discordância: “a heterogeneidade dos grupos estudados
(a obesidade é síndrome) e a dúvida quanto aos métodos utilizados para investigar a ingestão
calórica”. Contudo, acredita-se que existe uma tendência a uma maior ingestão de alimentos
gordurosos pela população de obesos em relação aos não obesos. O autor aponta também que
esta ingestão pode estar associada há um aumento no consumo de doces e álcool formando
uma tríade – gordura, açúcar e álcool, colaboradora decisiva para o crescente aumento da
obesidade no mundo.
compulsivo, pode estar intimamente associado à tendência de ganhar peso. E tal hábito poderá
ser determinado tanto por fatores psíquicos quanto por questões neuroendócrinas, visto que,
como ressalta Morley (1987 apud HALPERN, 2004) a regulação da fome e da saciedade é
conclui que há uma diferença da atividade física de indivíduo para indivíduo, como também
há uma variabilidade genética no processo de queima calórica. No que diz respeito à formação
10
que pode ocorrer é a elevação dos níveis desta enzima em alguns obesos, justificando até os
casos em que indivíduos emagrecidos voltam a engordar. Outro fator importante para
muito complexa, na qual múltiplos fatores etiológicos, inclusive genéticos, podem atuar
endógenos são responsáveis por apenas 1% da obesidade. Em grande parte ela está
relacionada diretamente ao estilo de vida do indivíduo, com a sua inatividade física, com a
que acometem os obesos são: hipertensão arterial, diabetes, doenças cardiovasculares, apnéia
depressão, problemas sociais, sexuais entre outras (CAMPAGNOLO et al., 2005, CAPITÃO;
de saúde pública que tende a aumentar nos países industrializados. É uma doença que atinge
2005). Segundo Russo (1997 apud CAMPAGNOLO et al., 2005), a obesidade atualmente
aproximadamente 300.000 mortes por ano. Ades e Kerbauy (2002) assinalam que na
deixou de ser exclusividade dos paises desenvolvidos ou do mundo ocidental. Hoje, em paises
mostrou que os brasileiros não estão se alimentando corretamente. Segundo a pesquisa, são
38,8 milhões de pessoas com 20 anos ou mais de idade que estão acima do peso, o que
significa 40,6% da população total do país. E, dentro deste grupo, 10,5 milhões são obesos.
Ades e Kerbauy (2002) relatam que no Brasil cinco em cada cem crianças de até 14 anos têm
peso excessivo.
determinação e controle dos impulsos, o que acarreta aos obesos ou aos indivíduos com
sobrepeso um grande sofrimento. A maioria dos indivíduos obesos mórbidos traz uma
história de inúmeras tentativas de redução do peso, orientadas ou não por técnicos de saúde,
em grande parte trata-se de dietas e/ou uso de fármacos. Mesmo havendo inicialmente uma
perda de peso, na maioria dos casos, esta não é mantida e os pacientes recuperam em pouco
tempo o peso perdido. Essa é uma realidade vivenciada por quase todos os obesos mórbidos.
principalmente à obesidade mórbida (Grau III) fica explicita a necessidade de uma abordagem
clínica completa no tratamento desses pacientes. Como ressalta Coutinho e Benchimol (2004,
associadas”, ou seja, ela é fator de risco para patologias mais graves. Segundo Malheiros e
12
Apesar dos inúmeros tratamentos existentes para obesidade, bem como as várias dietas
mórbida, a indicarem a cirurgia bariátrica como único tratamento eficaz em longo prazo,
Esta é quase impossível nos casos de indivíduos obesos mórbidos, ou grandes obesos como
denominado pela autora. A recuperação do peso é um dos grandes temores do paciente obeso.
manutenção de uma perda superior a 5% a 10% do peso seja muitas vezes improvável no
As dificuldades em fazer um tratamento clínico que seja efetivo levam, muitas vezes,
os pacientes a perderem a motivação de viver, pois, como descrevem Nasser e Elias (2004)
trata-se, quase sempre, de indivíduos obesos desde a infância, que são desde cedo obrigados a
adolescência e na vida adulta e o problema persiste. E esse histórico de vários anos lidando
13
com a obesidade, com emagrecimentos conseguidos, mas não mantidos, geram muitas
Além da dificuldade de emagrecer e manter o peso, o paciente obeso ainda tem que
lidar com as várias comorbidades que surgem em decorrência da obesidade, além de todas as
questões sociais, estéticas e culturais. Convive ainda com o alto risco de mortalidade, que de
acordo com Nasser e Elias (2004), é 12 vezes maior nessa população do que na população em
geral.
de 50, e ambos ressaltam que dessa época até os dias atuais as técnicas foram sendo
aperfeiçoadas e, devido aos bons resultados, as chamadas “cirurgias bariátricas” estão sendo
Entretanto, vem acontecendo que muitos pacientes, segundo alguns autores, estão
encarando a cirurgia bariátrica como uma “tábua de salvação”. Nela e no cirurgião são
“milagre cirúrgico”. Desta forma, os pacientes assumem uma posição passiva diante do
tratamento. Quando isso acontece, podem até colocar em risco o êxito do tratamento, pois,
(FRANQUES, 2004; MATIELLI et al., 2004; NASSER; ELLIAS, 2004; TRAVADO et al.,
2004).
Segundo Nasser e Elias (2004), vem ocorrendo também grande procura pelo
tratamento cirúrgico por pacientes com sobrepeso e graus moderados de obesidade, com
objetivo de aliviar dificuldades existenciais. Tal fato é assinalado por esses autores como uma
condição insuficiente e até descabida para realização de um procedimento cirúrgico, visto que
Diante deste quadro, surgiu à necessidade de elaborar diretrizes para indicação correta
as diretrizes utilizadas no Brasil partiram de consensos elaborados nos Estados Unidos sobre a
Obesidade (IFSO) e pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica (SBCB) e inclui, entre
Quanto ao risco cirúrgico, deve-se ponderar a gravidade de cada caso, devido ao ato
2004).
muito importante e indispensável. Rasera Jr. e Shiraga (2004, p. 47) afirmam que o dever de
informar o paciente “é imperativo como requisito prévio para o seu consentimento”. Nasser e
Elias (2004) ressaltam que as informações sobre tratamento e decisões do paciente relativas à
Informado, ou seja, um documento escrito, funciona como uma forma de orientar os pacientes
15
sobre o procedimento aos quais serão submetidos e as mudanças no estilo de vida, de forma
objetiva e direta.
Único de Saúde – SUS (BRASIL, 2000). E, por meio da Portaria 196/2000 – MS, apontou os
obesidade mórbida podem ser divididas da seguinte forma, baseando-se nos seus princípios de
Cirurgias restritivas são técnicas que reduzem o volume de alimento sólido que o
paciente conseguirá ingerir nas refeições. E, ao comer menos alimentos sólidos e pastosos, se
colaboração do paciente, já que alimentos líquidos poderão ser ingeridos quase no mesmo
volume que antes da operação. Contudo, se estes alimentos líquidos forem altamente calóricos
Ajustável.
16
normalmente, no entanto desviam uma boa parte do caminho que os alimentos têm que
percorrer, fazendo um “curto circuito” levando a uma absorção menor dos nutrientes (SBCB,
2006). Tais cirurgias (Payne ou Bypass jejuno-jejunal) estão proscritas, de acordo com a
1.766/05) com maior componente restritivo são: Cirurgia de Fobi; Cirurgia de Capella;
Cirurgia de Wittgrove e Clark. Estas cirurgias, além da restrição mecânica representada pela
hipercalóricos) e, ainda, pela exclusão da maior parte do estômago do trânsito alimentar. Com
isso, o hormônio ghrelina, que aumenta o apetite e é produzido no estômago sob estímulo da
chegada do alimento, tem sua produção minimizada. Pode-se acrescentar um anel estreitando
a passagem pelo reservatório antes da saída da bolsa para a alça jejunal – o que retarda o
haver deficiência de vitamina B12, cálcio, e ferro; maior chance de haver desmineralização
diárias, com fezes e flatos muito fétidos (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2005).
SUS, a portaria 196/2000 no seu artigo 3º-d também garante ao paciente um tratamento mais
Em 2003, foram realizadas 1.813 cirurgias bariátricas pelo SUS, em 2004 o número
chegou a 2.014 e até abril de 2005 foram realizados quase mil procedimentos (SBCB, 2006).
OBESIDADE
prevalência de psicopatologias, mesmo em obesos graus I e II. Pacientes obesos, grau III,
Cordás (2004) discute, no entanto, que diante das evidências atuais não há razões para
que a obesidade seja colocada como resultado direto de distúrbios psicológicos. Esse autor
com o preconceito, e ainda, afirma que quanto maior o IMC mais problemas psicológicos.
existe uma certa concordância quanto à presença desses aspectos na obesidade e a necessidade
Travado et al. (2004, p.534), por sua vez, ao mencionarem vários estudos, apontam as
como um ser bio-psicossocial e espiritual, e que essas dimensões não são independentes, isto
é, elas se entrelaçam e se refletem mutuamente. Sendo assim, é importante não reduzir essas
no avanço das neurociências. Equivale os processos psíquicos aos processos neurais e exclui,
Marchesini (2004, p.25), dentro de uma concepção cognitivista, alerta que dentre as
perspectivas propostas para compreender a obesidade e outras doenças que deixam no corpo
sua manifestação máxima, haveria a exigência de um novo conceito do que seria o psiquismo.
Essa autora apresenta um novo conceito de psiquismo que está correlacionado com uma
19
perspectiva biológica, ou como ela mesma descreve “com o funcionamento complexo e sutil
De acordo com essa visão, o psiquismo seria produto das “circuitarias neurais” do
seu produto, que poder ser: “sentimentos, pensamentos, desejos, capacidade de atenção e
neurotransmissores pode resultar em estados cerebrais e mentais alterados (DEL NERO, 1997
bariátricas. Assim, fica evidente que não basta agir sobre o órgão responsivo, ou seja, o
estômago, para mudar o padrão alimentar, antes é preciso alterar a química do cérebro.
responsabilidades pelos nossos comportamentos, negamos algo que é inerente ao ser humano
que é a sua capacidade adaptativa. A espécie humana conta com programações específicas e
organizações internas para adaptar-se ao meio e suas variações. Desta forma, ao problematizar
o ato de comer aponta que este é afetado pelas mesmas substâncias químicas no cérebro que
Nessa visão, nosso cérebro é sábio. Os comedores compulsivos tentam com episódios
reforçando “um ciclo já instalado de deprimir e comer”. Esse seria um tipo de comportamento
esvaziamento gástrico o individuo recomeça a ciclo, até que já não tenha mais sentimento de
Desse modo, alguns indivíduos obesos ficam sem comer com grande facilidade, mas
não conseguem comer com moderação. Segundo Marchesini (2004, p. 26), o mecanismo é
alimentar descontrolada e voraz que só pára quando a pessoa esta empanzinada ou passando
Esse autor ainda chama atenção para o fato que os pacientes com o Transtorno do
Comer Compulsivo (TCC) têm maior freqüência de recaídas após tratamentos para perder
controle.
por esses indivíduos quando submetidos à cirurgia bariátrica: nos primeiros oito a dez meses
após a cirurgia, em que o paciente está numa perda progressiva de peso, há um certo controle
por vários componentes, que vai desde o temor da ruptura dos pontos cirúrgicos ao medo de
Esse quadro de funcionamento só vai ser revisto quando o paciente se assusta com a queda de
Ressalta a autora, que a ingestão alimentar compulsiva pode estar mascarando uma
depressão, ou seja, em alguns indivíduos ela pode se apresentar dentre os sintomas todos da
chamada por eles próprios, e que funciona como fator determinante para comer enquanto se
está ocioso, suscita “a hipótese de que além da depressão, essas pessoas apresentem um
1
“Hipomania é um estado semelhante à mania, porém mais leve, com uma breve duração, menos de
uma semana. Caracterizado pela mudança no humor habitual do paciente para euforia ou irritabilidade,
reconhecida por outros, além de hiperatividade, tagarelice, diminuição da necessidade de sono,
aumento da sociabilidade, atividade física, iniciativa, atividades prazerosas, libido e sexo, e
impaciência.” (MORENO; MORENO; RATZKE, 2005).
22
“humor irritável e explosivo, comportamento compulsivo fazendo com que o ato anteceda o
pensamento, como ocorre na ingestão alimentar exagerada, bem como nos demais
A conclusão apresentada pela autora, é que a grande maioria dos pacientes tem um
Marchesini (2004, p. 30) relata também que, nas suas experiências com obesos
mórbidos em preparação para cirurgia, foi possível observar características apresentadas por
alguns estudiosos da obesidade. Como a seletividade na escolha dos alimentos, tanto no que
diz respeito a uma questão de gênero, em que mulheres preferem o doce e o público
masculino a bebida alcoólica com alimentos ricos em gorduras. Quanto à questão de ser o
“pode-se evitar o primeiro gole, mas não a primeira garfada”; e o próprio prazer envolvido no
ato de comer, que implicam na sua repetição. A autora chama atenção para o fato de que esses
drogas com potencial de abuso, como a nicotina, a cocaína e os opiáceos.” (NETTO, 1998
Todos esses esclarecimentos são importantes tanto para o paciente, como para os
outros profissionais da equipe multidisplinar que atuam junto aos cirurgiões bariátricos,
psicofarmacoterapia, na busca de um novo equilíbrio: “Que não mais a comida seja o teu
remédio, mas que o teu remédio seja o teu remédio!” (MARCHESINI, 2004, p. 31).
Outro padrão alimentar seria o do chamado “roedor perpétuo” que dá preferência para
alimentos mais acessíveis, do tipo industrializado e que contenha mais gordura e carboidrato,
visto com preconceito pelo próprio obeso, por muitos profissionais da saúde, educadores e por
obesidade, o que lhes acarretam, em uma sociedade que supervaloriza a magreza, julgamentos
sociais negativos em relação ao seu estado: feios, relaxados, preguiçosos, incompetentes e etc.
Contudo, longe de ser uma fraqueza de caráter a obesidade é uma doença que afeta o homem
fatores psicológicos e emocionais. Os pacientes obesos mórbidos que chegam para cirurgia
bariátrica, em sua imensa maioria trazem alterações emocionais que “podem estar presentes
ou desequilíbrios emocionais, tendo cada aspecto um significado particular para cada caso
(FRANQUES, 2004, p. 76). Segundo essa autora são pessoas com grandes dificuldades de
equilíbrio interno”.
Nesse sentido, a cirurgia bariátrica impediria essa estratégia de aliviar tensões internas
e por mais que alguns indivíduos relatem que deixaram de sentir a ansiedade e compulsão que
mencionada acima ressalta que se essas dificuldades não forem tratadas adequadamente a
tendência é que outras estratégias sejam encontradas e provavelmente que outro círculo
alimento. Seu emocional é abalado pelas dificuldades, limitações e sofrimento de ser obeso.”
cirurgia bariátrica podem e devem incluir os seguintes aspectos: avaliação psicológica inicial;
de apoio e reunião com os pacientes. Ainda salienta que, para oferecer esse suporte
psicológico de qualidade, é necessário que o psicólogo trabalhe lado a lado com a equipe
multidisciplinar e dedique uma boa parte da sua prática clínica ao atendimento de pacientes
bariátricos.
persistência, contudo, do seu ponto de vista, o papel da psicoterapia vem sendo aplicado de
[...] psicoterapia não emagrece e isso deve ficar claro para aqueles que nos
procuram. A psicoterapia não muda qualquer característica genética [...]. O
papel do psicoterapeuta junto a questão da obesidade é muito mais artístico
que cientifico [...] pois, em última instancia, cabe a ele transformar opinião e,
de certo modo, isto é uma forma de criar”.
25
Nesta perspectiva, destaca que faz-se necessário uma mudança de visão do mundo via
informação que produzirá a aceitação de um novo paradigma que possibilite ousar um novo
praticamente todos os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. Essa autora levanta alguns
aspectos que surgem após a cirurgia e que necessitam de um adequado tratamento psicológico
para o bom êxito do tratamento cirúrgico. Esses aspectos serão apresentados de forma
Quadro 2 – Aspectos que se apresentam após a cirurgia que devem ser considerados no
tratamento psicológico
PSICANALÍTICA.
Numa visão psicanalítica o sujeito não tem uma origem, ele se constitui como tal.
Segundo Lajonquière (1993) ele se constitui graças a duas “encruzilhadas estruturais” que, na
teoria lacaniana, são chamadas de estádio do espelho e complexo de Édipo. Esses mesmos
conduzem a formas diferentes de lidar com os objetos da cultura. Nesse sentido, discutiremos
esse processo para aprofundarmos os mecanismos subjetivos que estão envolvidos nos
quadros de obesidade.
Para Dolto (1984, p. 64) o ser humano é uma fonte de desejo desde a sua concepção e
a mudança do desejo se dá por meio das castrações simboligênicas. Tais castrações são
implantadoras do humano, ou seja, tem efeitos humanizantes, mas podem conduzir tanto à
neurótica”.
Inicialmente será demonstrado o itinerário que vai da falta às escolhas objetais, se discutirá
como a subjetividade se constitui a partir do outro. Seguido pela apresentação das castrações
sujeito. Depois, segue-se, uma exposição das encruzilhadas estruturais: do estádio do espelho
corporal.
28
pais, que também são, segundo Lajonquière (1993), assujeitados às “estruturas lingüísticas, e
histórico-sociais”. Sendo assim, ressalta-se que embora a concepção seja a união entre um
desenvolvimento que se inicia na vida intra-uterina. Contudo, a mãe desse individuo não
funciona como uma “tábula rasa”, pelo contrário “ela está habitada pela lei, pelo desejo, pela
mulher pode esperar um filho “ansiosa, desejante, enlouquecida” por motivações diversas,
1993, p. 153). Ao nascer ou, mesmo antes disso, a criança “já é objeto do desejo do Outro”.
Outro com letra maiúscula para representar, de acordo com a psicanálise, àquele que tem a
função de introduzir a criança no contexto simbólico. “A criança nasce à vida, mas para
sustentar-se nela deve ser ratificada como vivo, como um sujeito, pelos outros, pelo desejo
experimenta uma necessidade. Tal necessidade coloca o organismo num estado de tensão, que
29
pode ameaçar sua integridade. Nesse momento, o até então organismo grita, e a mãe (ou
numa demanda de alimento. Ao ser atendida a criança passa de um estado de inanição a uma
“satisfação completa”, o grito se faz demanda e o gesto do adulto é significante, pois, “põem
ordem” onde só havia indiferenciação. “Aí onde nada havia, a primeira experiência ou vivência de
satisfação inscreve a diferença entre o ‘nada’ e o ‘tudo’. A marca deixada toma forma de um traço
mnêmico que faz às vezes de pedra fundacional de todo aparelho psíquico.” (LAJONQUIÈRE, 1993,
p.155).
diferença, o grito da criança é agora o significante de uma demanda de alimento que exige a
não responde na mesma medida da vez anterior, ou seja, demora, exagera, oferece menos,
etc., não é bem o que se lhe demanda. Dessa forma entre uma e outra reposta a demanda da
criança,
[...] cai um resto, uma diferença, que deixa para sempre o sujeito com uma
FALTA. O fato de ‘estar em falta’ chama-se DESEJO (Wunsch) e o objeto
que o causa com sua falta chama-se em Freud, a coisa (das Ding) e, em Lacan,
objeto “a” (l’objet petit a). Reencontrá-lo não seria outra coisa que usufruir
uma satisfação equivalente a originária [...]. (LAJONQUIÈRE, 1993, p.156).
caráter mítico e não factual. Ou seja, o adulto nunca responde ao pedido da criança dessa
forma completa, incondicionalmente, pois, não lhe é possível, porque, o que o organismo
necessita, o objeto da necessidade perdeu-se “na origem”. De acordo com Lajonquière (1993,
p. 157), “nunca temos na origem uma Necessidade a partir da qual surja o desejo, mas, pelo
objeto”.
30
Assim, o bebê ao nascer, como já foi dito acima tem um lugar demarcado, desde não
se sabe quando, pelo discurso, pelo desejo e pelas fantasias dos outros, dos seus genitores.
Dolto (1984) assinala que o nascimento de uma criança se deve ao encontro de três
desejos: desejo de uma mãe, desejo de um pai, desejo de um sujeito de se encarnar num
corpo. Sendo assim, o desejo do recém-nascido não é um desejo de um objeto natural passível
de ser encontrado, mas sim, o objeto do desejo é o desejo do outro ou poderíamos dizer que o
Na verdade, o termo desejo remete ao fato de que o sujeito está em falta ou que ao
perdido. Seja qual for o objeto que lhe ofereçam, ou que ele produza com suas mãos ou com
suas palavras sempre estará marcado por um menos, há sempre algo ainda para se conquistar.
foram denominadas por Dolto (1984) de castrações simboligênicas. A autora apresenta uma
noção de castração como uma proibição que se opõe a uma satisfação antes conhecida, mas
da criança será mais suportável para a mesma, se ela souber que o adulto também é marcado,
tanto quanto ela, por esta proibição. Trata-se de uma proibição que impulsiona o sujeito
desejante na potência de seu desejo, pois este fará laço social por estar submetido à Lei
(DOLTO, 1984).
Ledoux (1995) ao comentar o conceito de castração concebido por Dolto, diz que a
castração ao interditar certas realizações do desejo, obriga e libera as pulsões para outros
31
funciona como uma verdadeira castração. No nascimento há uma grande mudança. Essa
mudança é marcada pela saída do sujeito de um meio liquido, onde tudo era recebido de
forma “passiva”, para um meio aéreo, no qual o sujeito experimenta a separação do corpo da
força da gravidade, etc. Trata-se de uma saída difícil, pois, “[...] deixar a placenta, deixar o
segurança do corpo inteiro é realmente sair de um estado vital, o único estado conhecido – é
Explica Dolto (1984, p. 72) que estas são transformações fundamentais, pois:
[...] a cesura umbilical origina o esquema corporal nos limite do invólucro que
é a pele. A imagem do corpo, oriunda parcialmente nos ritmos, calor,
sonoridade, percepções fetais, se vê modificada pela variação brusca dessas
percepções.
marcar a audição do bebê “[...] como o efeito de seu ser no impacto emocional de seus pais,
ao nível das sílabas sonoras, das modulações e dos afetos que ele percebe de maneira
(DOLTO, 1984, p. 76) Por exemplo, a morte ou morbidez da mãe, decepção dos pais com o
sexo ou aparência da criança, que a marca e liga o seu viver a uma culpa. A segunda fonte
seria a do “impacto afetivo que a viabilidade da criança traz, com mais ou menos narcisismo,
a cada um dos dois genitores” (DOLTO, 1984, p. 76). Esse segundo impacto poderá conduzir
introduzirão na vida como portadora do sentido que ela teve para eles naquele momento.
falar, na descoberta de novos meios de se comunicar, em prazeres diferentes, mas isso implica
também que a mãe aceite a separação do corpo a corpo com o bebê e que ela seja capaz de se
comunicar com seu filho de outra forma que não lhe dando alimento. É importante, que essa
mãe também permita que a criança seja tão feliz nos braços de outros quanto no seu, que a
criança possa entrar na expressão “linguageira” com outros e não só com ela (DOLTO, 1984).
Desse modo, a criança se separa do objeto parcial que é o seio da mãe, se separa do
seu primeiro alimento láctil, para assim, se abrir para uma alimentação variada e sólida. Nesse
mão e levá-los até a boca, nessas circunstâncias a mãe deve nomear para a criança esses
objetos, ou seja, dar-lhe palavras que significam o que ela sente no tato. É assim que a
linguagem se torna simbólica da relação corpo a corpo. Por isso, deve–se cuidar para que esse
“desmame não intervenha numa relação vazia de palavras.” (LEDOUX, 1995, p. 218).
33
Em relação à castração anal, Dolto (1984) distingue duas acepções para esse termo.A
primeira seria como um segundo desmame, ou seja, separação da criança que agora se tornou
capaz de motricidade voluntária e ágil, da ajuda materna para tudo. É conquistar autonomia
a proibição expressa a criança de qualquer agir prejudicial a outrem. Mas é importante que os
pais não façam essa proibição como adestramento, mas, como pessoas que também estão
castradas analmente em relação à criança, ou seja, que não a prejudicam, que não a tratam
sujeito se faz a partir de cortes que lhe possibilitam a se ver como UM. Na teoria lacaniana
Lajonquière (1193, p. 194), é o encontro do sujeito com a ordem simbólica. Nesse encontro, o
sujeito funcionar como um num sistema de intercâmbios com a mãe, o pai, ou, simplesmente
os outros”.
Essa experiência, de acordo com Lajonquière (1993, p. 165) é marcada por três
momentos: no primeiro a criança “brinca com o ser sorridente que vê ante seus olhos, brinca a
olhá-lo e a ser olhada por esses olhos abertos na superfície espelhada [...] reina uma total
confusão um-outro”. No segundo momento, a criança “descobre que o outro do espelho não é
um ser real, mas só uma imagem: não tenta agarrá-lo. Agora distingue entre ‘imagem do
repentinamente que não só se trata de uma imagem, mas que essa imagem é precisamente a
sua. [...] marca a ‘transformação produzida no sujeito quando assume uma imagem.’”
Assim, o espelho instala uma tensão entre a imagem unificada e a, ainda insuficiência
Lajonquière (1993) é o adulto que dirá ao bebê que aquela gestalt que aparece no espelho e
Desse modo, essa imagem refletida no espelho que representará o sujeito frente aos
outros, e a si mesmo, não chega a ser uma síntese de seu ser, mas ao outorgar ao sujeito uma
sujeito um nome que o salva da dispersão, mas, por outro lado, o aliena num nome que o
De acordo com Lajonquière (1993, p. 173) a função do corte que se articula no estádio
do espelho implica pôr em inter(jogo) aquilo que Lacan chamou de três registros: real,
simbólico e imaginário. O real seria uma pura indiferenciação, impossível de ser apreendida,
aquilo que não tem fissuras, não está marcado, simplesmente é. O simbólico é o que fura,
recorta o real devido a uma ordem e graças a seus cortantes elementos constitutivos (os
significantes). Ou seja, ele demarca e assim, possibilita que o real possa ser apreendido por
partes, possa ser conhecido. “O simbólico é autônomo no sentido de que podemos e devemos
que o simbólico realiza sobre o real. “O real está além dos sentidos, enquanto que o
inicialmente uma relação onde dois desejos se preenchem reciprocamente, ou seja, “todos
desejam o desejo do outro como desejante”. Mas, segundo o autor, tudo que se oferece de fato
a outro que também está imerso na ordem do discurso e que também tem uma falta
irreparável, acaba se revelando pouco. E é justamente isso que o sujeito descobre no primeiro
tempo do Édipo, “já que a castração diz à criança que ela não obtura, como imaginariamente
priva a mãe do falo-filho, e frustra a criança indicando-a que não pode dispor
36
seus direitos de posse sobre a mãe. Ou seja, “o pai (ou um outro que assuma a função paterna)
passa a rivalizar com o filho pelo desejo materno.” (LAJONQUIÈRE, 1993, p. 208).
essencial que estrutura o desejo: o desejo de cada um está submetido à lei do desejo do outro”.
Assim, essa mãe ao não esgotar seu desejo no desejo de filho e ao olhar para o pai e desejá-lo,
“investe a palavra do pai em valor de lei” e que o filho, ao procurar a mãe, “dá de cara com o
pai, com a lei do pai” e experimenta não ser tudo para essa mãe.
No terceiro e último tempo do Édipo, “[...] a outrora rivalidade fálica, que havia se
instalado entre o pai e o filho chega a seu fim, já que este reconhece ao primeiro os atributos
fálicos com os quais a mãe o investe, ainda que não sejam propriamente o falo.”
A criança reconhece que não é o falo da mãe e que o pai, aquele que ela pensava ser o
detentor do falo, pois, atraía a mãe, também não o tem, mas apenas seus atributos. Nesse
castração do pai,
É interessante ressaltar que nesse tempo do Édipo a criança deduz que o pai está
castrado e que outras coisas além do pai podem prender o desejo da mãe e, portanto,
credenciar-se para “preencher” sua falta. É o Falo (a falta) que faz com que esses outros
objetos “da psicopatológica vida cotidiana venham a ocupar o lugar, no limite sempre
37
Depois de passar pelo Édipo o sujeito começa a vagar entre esses objetos, à procura do
objeto que a “bem / dita castração levou consigo, quando pôs fim à célula narcisismo / mãe-
fálica”. Concluímos com o autor que o que possibilita ao sujeito, a partir da articulação do
drama do Édipo, encontrar uma posição subjetiva particular que o define como tal, é a
identificações:
O menino bem como a menina renunciam a ser o falo, mas, ao passo que o
primeiro identifica-se com o pai para passar a deter um pênis, que usará como
seu pai, a menina aliena-se na dialética do Ter não-tendo, ou seja, identifica-se
com a mãe que, embora não-tem, sabe procurá-lo na forma de substitutos.
(LAJONQUIÈRE, 1993, p. 216).
De acordo com Dolto (1984, p. 15) a imagem do corpo é peculiar a cada um, pois está
humanas, repetitivamente vividas através das sensações erógenas eletivas, arcaicas ou atuais”.
com o outro, sobretudo a mãe, e é deste fato que a imagem do corpo é testemunha.” (DOLTO,
1984, p. 21). Segundo a autora não há nenhuma solidão humana que não seja acompanhada de
conclui que é na imagem do corpo, suporte do narcisismo, “que o tempo se cruza com o
espaço, e que o passado inconsciente ressoa na relação presente” (DOLTO, 1984, p. 15).
38
São essas relações que levará a criança a se estruturar como ser humano. E na vida
adulta são as introjeções dessas relações humanas que permitirão uma relação positiva
narcísica consigo mesma, ou seja, uma relação na qual o sujeito se coloca aberto para travar
Dolto (1984) define três aspectos dinâmicos de uma mesma imagem do corpo:
A imagem de base é definida por essa autora como aquilo que permite ao sujeito
imagem de base é constitutiva daquilo que Dolto (1984, p. 38) chama de “narcisismo
primordial”, que pode ser entendido, como “o narcisismo do sujeito enquanto sujeito do
fantasma, que ameaça a própria vida e a reação a tal perigo “por um fantasma de perseguição
visceral, umbilical, respiratório, oral, anal – rebentar, explodir também, conforme o momento
Sendo assim, cada estágio vem a modificar as representações que a criança pode ter de
sujeito que visa à realização de seu desejo. O que passa pela mediação de uma demanda
39
localizada no esquema corporal, em um lugar erógeno, onde se faz sentir a falta específica”. A
autora chama atenção para se compreender que “a elaboração da imagem funcional realiza,
ligada ao lugar onde se focaliza o prazer ou o desprazer erótico na relação com o outro. “Sua
representação é referida a círculos, formas ovais, côncavas, bolas, palpos, traços e buracos,
imaginados como dotados de intenções emissoras ativas ou receptoras passivas, com fins
Por fim, é importante descrever como estes três componentes da imagem do corpo se
sujeito e as limitações que ele encontra, principalmente sob a forma das castrações
simboligênicas que lhe são impostas, assegurando sua coesão narcísica. Para isto seria
necessário:
três imagens do corpo, ligadas entre si através das pulsões de vida. A imagem dinâmica do
corpo seria o “desejo de ser e de perseverar em um advir [...] a imagem que expressa em cada
um o Sendo, o sujeito em desejância” (DOLTO, 1984, p. 44). Por ser essa imagem sempre um
ele apenas serviria para encobrir a ausência do objeto real adequado ao desejo. Por exemplo, a
Podemos pensar também essa questão quando o sujeito elege e privilegia um objeto de
Com certeza se pode afirmar que dependendo de como o sujeito se estruture como tal,
como foi visto acima, no percurso da constituição de sua subjetividade, isso determinará sua
forma de estar no mundo e de estabelecer uma posição frente à falta do Outro. Ou segundo
possibilidades de ser “arrancado da célula narcisismo / mãe fálica” ao mesmo tempo em que o
corte não deve lhe impossibilitar levar consigo a quantidade de energia necessária para
investir nas coisas que o rodeiam, nos objetos. Quando isso se faz pela via do impossível tem-
se intuir que muitos casos de obesidade mórbida sejam respostas aos dramas da constituição
desse sujeito. Dramas estes que se iniciaram talvez antes do seu nascimento, não se sabe ao
certo quando.
É nesse sentido, que a psicanálise se interessa pelas doenças, como a obesidade, numa
formidável” a “fuga nas doenças impossíveis” (Zucchi, 2002, p. 03). Truque que seria absurdo
numa perspectiva médica, pois se pensaria “em fugir das e não nas doenças”. A autora
“pressupõem um corpo para o qual o adoecer advenha como função, e não como disfunção tal
A autora alerta que é precipitado tentar incluir numa concepção estrutural, na qual
depressões e pânicos” (ZUCCHI, 2002, p. 15). Esses sintomas são considerados por essa
paterna, temos o gozo como pólo de orientação para essas questões clínicas atuais, que
Contudo, não se trata de sintomas novos, pois sempre estiveram presentes na literatura
psicanalítica. O que há de novo é a sua dimensão na cultura – “seu caráter quase epidêmico”,
infância. Recalcati (2002, p. 65) sugere que isso acontece devido a um “Outro que sufoca todo
apelo do sujeito através da oferta de objetos”. Sendo assim, a obesidade indicaria uma posição
Outro contemporâneo deixou cair seu poder histórico de interdição, fato que sustenta hoje a
lei perversa do gozo ao alcance das mãos. Acrescenta ainda que, o discurso capitalista se
sustenta no fato de não suprir apenas a falta, mas continuamente gerar novas “pseudo-faltas”
descontrolado anseio por objetos. Tudo isso só reforça a idéia da obesidade como produto da
sociedade contemporânea e o obeso sente-se como aquele que não tem que lidar com a falta,
já que o objeto compensatório está sempre à mão. “Na época do discurso capitalista o que
mais conta não é a ligação com o Outro – a espera do signo da sua fala – mas, antes, a inveja
do gozo do Outro, o sofrimento do ser excluído do gozo, não do signo.” (RECALCATI, 2002,
p. 63).
só pelo peso do próprio corpo, pois se trata de uma angústia decorrente de uma presença em
excesso do objeto, “é angustia do demasiado cheio, [...] uma vez que nesse excesso de
presença, nesse excesso de objeto, o sujeito acaba por se sentir engolido.” (RECALCATI,
2002, p. 64).
43
Nessa visão, talvez o mais grave seja o fato do sujeito contemporâneo, que sofre com a
obesidade, identificar literalmente o vazio da sua vida como o vazio do estômago, tornando-
limite que diferencie a fome humana da fome animal: “Quando esse limite se escreve, ele
afirma que são experiências pulsionais semelhantes, no entanto, elas se diferenciam no eixo
Todas essas questões tornariam o corpo obeso em um “corpo sem fala”. É como se a
[...] alguma coisa que não se pode mentalizar porque não é, de fato, um evento
de linguagem, mas sim um evento somático que investe o real do corpo. Essa
dificuldade de acesso ao metabolismo simbólico precede fundamentalmente a
dificuldade do metabolismo fisiológico. (RECALCATI, 2002, p. 55).
passa no corpo devido à falta de recursos simbólicos suficientes. Um recurso defensivo nesses
casos é a percepção do sujeito obeso que descreve seu corpo como “algo de fora”, separado
dele mesmo.
Essa estranheza é reforçada, pelo fato de ser difícil para o obeso mover-se, de alcançar
algumas zonas do seu corpo, de perceber os extensos confins da própria imagem corporal.
Essa separação pode produzir uma fantasia de um corpo “virtual, narcisista, idealizado, uma
44
Em alguns casos, o sujeito obeso demanda não o desejo do Outro, mas exibi-se,
capturando o olhar do outro e lhe causando angústia. Nesse sentido, se revela um “traço
perverso: o sujeito se torna objeto que causa angústia no Outro.” (RECALCATI, 2002, p. 54).
corpo gordo pode ser usado subjetivamente como uma modalidade de interrogação histérica
do desejo do outro. Por exemplo, uma postura radical que leva uma mulher a um ganho de
peso progressivo, como conseqüência da “decisão de não querer reduzir o próprio ser a um
ser reportada ao “caráter enigmático da perda do objeto, tal como Freud a especifica: o sujeito
melancólico vive dramaticamente a experiência da perda do objeto sem saber qual objeto está
verdadeiramente em jogo.” (RECALCATI, 2002, p. 67). Sendo assim, é que o objeto alimento
condições de tratar daquela espécie de nostalgia melancólica indeterminada que pode afligir o
desmame. O sujeito obeso evita “a angustia relativa ao encontro com o desejo do Outro,
construindo um verdadeiro e próprio universo no qual todo o gozo fica concentrado no objeto-
Desse modo, não sendo possível a recusa ao individuo obeso, seu corpo se transforma
dever de dizer sempre ‘sim!’. Nesse sentido, a obesidade lembra uma posição de passividade,
em que o sujeito obeso não consegue promover um desmame “da oferta ilimitada e asfixiante
3. METODOLOGIA
de indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica, por meio de uma escuta atenta e da análise de
sentidos de seus discursos. Aponta Lo Bianco (2003, p. 121) a necessidade de fazer valer, nos
autora que é “na referência ao material clínico que a pesquisa ganha seu colorido, sua
De acordo com Legnani (2003) sob a ótica da psicanálise, as falas, os relatos dos
intersubjetiva com um outro, daquilo que foi vivido pelo sujeito e pôde ser ali mediatizado
pela linguagem.
profissionais de várias áreas que atendem esse segmento que busca no procedimento cirúrgico
outras questões, suas percepções quanto à relação dos pacientes obesos mórbidos com a
cirúrgico.
3.2. Objetivos
bariátrica.
2 – Identificar e analisar qual a queixa psicológica mais recorrente dos sujeitos após a
cirurgia;
3.3. Participantes
bariátrica e três profissionais que atendem esse público, sendo uma psicóloga, um cirurgião e
uma nutricionista.
48
e seis meses a quatro anos e seis meses. Com idades entre 27 e 44 anos. Sendo quatro homens
participante tinha mestrado. Com relação ao estado civil dos pacientes entrevistados, cinco
3.4. Instrumentos
Visando acessar a subjetividade dos participantes, foi utilizada uma entrevista clínica
semi-estruturada, de acordo com roteiros em anexo (Anexos D e E). Esta entrevista foi
aplicada tanto aos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, quanto aos profissionais
Os recursos instrumentais utilizados foram um gravador portátil, fitas K7, fichas para
coleta dos dados pessoais (Anexo C), o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (Anexos
A e B).
Os locais utilizados para as entrevistas foram bem variados: locais de trabalho dos
Foi solicitado a uma das clínicas que realiza cirurgia bariátrica a indicação de contatos
pesquisa.
O primeiro contato com o participante foi feito por telefone, nessa ocasião foi
em seguida.
O procedimento utilizado para análise dos dados foi a técnica Análise de Conteúdo
Temático como concebida por Turato (2003, p. 442), a saber: “procurar nas expressões
verbais, os temas gerais recorrentes que fazem a sua aparição no interior de vários conteúdos
mais concretos”. Desta forma, seguiu-se como indicado pelo autor um percurso bastante
intuitivo e foram realizadas também algumas adaptações pela pesquisadora à técnica. Após a
consistiu, como sugere Turato (2003) nas chamadas leituras flutuantes. Tal atenção
50
flutuante deve ser entendida como um modo psicanalítico de escutar, o qual não
4. RESULTADOS
corpórea - IMC que variava de 38 kg/m2 a 64 kg/m2, como apresentados no Figura 1. Apenas
um participante estava com IMC abaixo de 40 kg/m2, mas apresentava mais de cinco
40
30
20
10
0
P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
Participantes
Figura 1 – Índice de massa corpórea – IMC (kg/m2) dos participantes à época da cirurgia.
Pacientes P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
da
Apnéia Coluna Alteração Alteração Diabetes
cirurgia sono sono
Pancreatite
Pacientes P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7 P8
Apnéia Anemia de
depois
Leve Ferro
da
Desnutrição Desnutrição Desnutrição
cirurgia
Os dados obtidos a partir das entrevistas estão apresentados nos quadros abaixo,
P1 “[...] era uma criança um “Começou na adolescência “casos graves como o meu
pouco fofinha [...]” e não parou mais [...]” eu não me recordo [...]
minha irmã operou [...]”
P2 “Sempre fui uma criança “Alcancei obesidade “Tem pessoas gordinhas,
gordinha [...]” mórbida na adolescência mas não tem casos tão
[...]” graves quanto o meu [...]”
P3 “[...] fui um bebê “[...] .esse excesso de peso
maisena [...]” foi durante a gravidez,
quando tive gêmeos e fiz
diabetes gestacional [...]”
P4 “Eu acho que já nasci “ Não pude ter filhos... fiz
obesa, já nasci gorda esterectomia (26 anos), fui
[...]” engordando [...] chegou um
ponto que já eu não tinha
mais nem vontade de viver
[...]”
P5 “Sempre fui gordinho Desde a adolescência. “A minha mãe é obesa, o
desde pequeno.” meu pai não é, mas a
família dele é, na verdade
eu tenho a genética dos dois
[...]”
P6 “Eu nunca fui uma “[...] depois dos 23 anos “Tenho uma família que
criança magra.” voltei a ter um ganho tem um histórico de
acentuado de peso até obesidade mesmo.”
chegar aos 32 anos com
140kg.”
P7 “Eu fui uma criança “[...] .engravidei ganhei “Tenho familiares com pré-
redondinha, mas, não neném engordei 22kg, disposição [...] agora a
chegava a ser obesa.” tinha perdido 10kg família do meu pai é obesa.
engravidei de novo e aí Tenho uma irmã com
pronto acabou [...]” obesidade grau II [...]”
P8 “[...] desde pequenininha “[...] começou na minha “A família do meu pai tem
eu fui gordinha [...]” gravidez, na minha problemas de obesidade.”
primeira gravidez, tem 14
anos.”
54
2. SIGNIFICADO DA OBESIDADE
“[...] é uma doença “[...] como foi uma vida “A obesidade é uma desgraça
incontrolável [...]” (P2). inteira, ela virou uma parte [...]” (P2).
de mim, parte da imagem
corporal, parte da minha “Não é um processo fácil (...) você
preocupação diária é uma sofre restrição de toda natureza,
“[...] é uma doença, coisa que faz parte de mim questões de relacionamento,
como é o alcoolismo, e que é ao mesmo tempo restrições físicas mesmo de querer
como outras doenças uma parte de mim que fazer as coisas e não ter condições
compulsivas, a gente não fosse como um tumor [...]” de fazer... Sempre tive vontade de
consegue é muito triste.” (P1) . praticar esportes radicais.” (P6).
(P3).
“[...] ela (como se a “Depois que eu emagreci que eu
obesidade fosse algo fora) fui vendo: - Nossa! Eu deixava de
me deixou muito fazer tal coisa porque eu estava
“[...] O problema deprimida, muito gorda! Não sei o que eu fiz se eu
começou a me preocupar angustiada porque também neguei se eu bloqueei, o que eu fiz,
quando começou a afetar ela atingiu a minha saúde eu convivia bem com minha
minha saúde, minha [...]” (P3). obesidade.” (P7).
pressão tava alta, meu
joelho tava com “Até a cirurgia a obesidade não
problemas já, aí eu tomei significava nada. Eu achava que
atitude né [...]” (P5). era feliz... antes da minha segunda
gravidez eu comecei a ter
problemas de saúde... eu fiquei
diabética, não conseguia tomar
banho sozinha, não conseguia
caminhar [...]” (P8).
55
“[...] minha mãe “[...] na adolescência “[...] acho que “[...] minha mãe depois de
falava, minha vó tem gozação, aquela as pessoas que uma certa idade começou
falava que eu coisa toda, de certa eram amigas uma briga comigo por
precisava me forma eu administrei foram se causa do ganho de peso
cuidar, minha bem apesar de ter acostumando [...]” (P2).
sogra, meu tio, ficado chateado comigo e acaram
todo mundo falava, várias vezes. Mas diluindo o “Lá em casa assim a coisa
mas ele (esposo) administrei bem problema [...]” sempre foi muito regrada,
nunca nem porque nunca entrei (P1). minha mãe evita fazer
demonstrava e numa depressão, coisas muito calóricas,
também depois que ficar doente, ficar “[...] outros tudo light [...] desde de
eu emagreci, nem mal, sempre fui muito aprenderam a pequeno, desde que eu me
fala, pra ele é caseiro, talvez, por conviver comigo entendo por gente[...]”
indiferente, tanto causa da obesidade dessa forma, não (P5).
como era, como [...]” (P1). me cobravam
está agora [...]” nada [...]” (P4).“Minha mãe se
(P3). “O gordo sempre incomodava muito, quando
cria duas pessoas, “Tinha aquelas eu falei pra ela que eu ia
uma engraçada, que gracinhas de fazer a cirurgia acho que
conta história e faz menino assim, ela ficou mais feliz do que
todo mundo rir, para meu apelido era eu, porque minha mãe é
mascarar a gordinho, mas uma pessoa extremamente
obesidade dele. Todo assim, normal na vaidosa... e a filha não era
gordo sempre tem um verdade. Como eu dentro desse padrão, isso
apelido... Quando o convivia bem com incomodava muito a ela
chamam pelo apelido a questão da [...] ela estava mais
estão se referindo ao obesidade a eufórica do que eu, mas,
cara engraçado, que comunidade buscando essa filha
diverte todo mundo. também aceitava magra.” (P7).
Na convivência com numa boa.
os amigos tudo bem, Sempre saí, o “Quando eu era mais
mas, quando você problema é que a jovem minha mãe brigava
chega num lugar maioria das muito tal, mas, depois não,
estranho você pessoas tem por que ela viu que não
começa a ficar problema de se tinha jeito eu falava, eu
constrangido [...]” mostrar.” (P5). gosto de comer, eu vou
(P2). comer e ninguém tem nada
com isso [...]” (P8).
56
OBESO
“O obeso não é bem aceito [...] não está “[...] não tem lugar pro gordo [...] fui
no estereotipo da boa aparência, que as selecionado para um emprego e me dispensaram
pessoas exigem até no emprego, a visão porque eu era gordo [...] a gente não cabe na
que as pessoas tem do obeso é que ele é poltrona do avião [...]” (P2).
uma pessoa descontrolada, desregrada,
insana em relação ao alimento, “A sociedade é muito cruel [...] a gente não
compulsiva, louca, que se mata, comete cabe na cadeira, na poltrona do avião, tem medo
orgias alimentares, que quer comer até de entalar na roleta do ônibus, entra numa loja e
morrer [...]” (P1). a vendedora já pergunta: é pra você?. Sapato
você vai experimentar, a moça já fica: aí meu
deus! Vai alargar, vai arrebentar o sapato!”
(P3).
“O mundo não é feito, os móveis, os
carros, os aviões, os ônibus nada é feito “As pessoas acham que o gordo é gordo porque
para contemplar esse tipo de gente, são é preguiçoso”. (P6).
feitos para contemplar um padrão.
Qualquer coisa que não cabe nesse “Ainda tem muito da idéia de que a obesidade é
padrão está fora. O obeso está fora do falta de vergonha, falta de esforço, preguiça,
padrão do momento atual dessa ainda tem muito isso, acho que pouca gente vê a
sociedade, se o padrão dessa sociedade obesidade como doença [...] tem mudado, mas
está certo ou errado é outra questão, mas ainda tem muito preconceito, muita
que o obeso da fora desse, está.” (P6). discriminação, e a gente vê pelo ambiente físico
[...] de uma forma muito velada, aquela coisa
assim de seu rosto é bonito, né, sua mulher tem
um rosto bonito [...] então, fica sempre no não
dito [...]”(P7).
57
ANTES DA CIRURGIA
“[...] sou aquele ansioso que “[...] infelizmente a “[...] a comida era minha
fica pensando, remoendo as cirurgia não opera a fuga, minha namorada [...]”
coisas, e na comida de certa cabeça só opera o (P2).
forma eu desconto, eu como, estomago, é difícil você
tem gente que se droga, tem administrar isso [...] antes “Eu era comedora de volume.
gente faz outra coisa, eu era assim, eu era comedor Eu comia sempre, adorava
como [...] o tempo todo de volume, a comida pra beliscar. Eu comia muito,
estava ansioso porque estava mim sempre foi uma coisa toda hora, eu sentia aquele
gordo, aí comia porque meio inconsciente, eu nem prazer em come [...] Eu
estava ansioso e era um ciclo via, quando já via, já tinha sempre gostei muito de
[...] A comida sempre foi comido [...]” (P1). cozinhar [...] minha mesa é
também uma fuga, um sempre cheia nunca tem
mecanismo perigoso.” (P1). “Antes da cirurgia eu só pouca coisa é muita coisa.”
pensava em comer [...]” (P4).
“Sempre fui muito ansiosa e (P2).
a gente acaba jogando isso “[...] era uma relação de
pra alguma coisa e eu jogava “Eu sou comedora de quantidade, me agradava, me
pra a comida [...]” (P4). volume noturna e até hoje trazia prazer, aquela
sou comedora de volume sensação, então quando
“[...] talvez a questão da noturna. De dia eu não comia, comia bem, comia
freqüência fosse um pouco como nada, mas de 7 horas bastante mesmo. [...] nunca
maior, mas mesmo assim, da noite até 4:30 da tive distúrbios alimentares do
[...] é mais uma questão manhã, eu tenho muita tipo: ah, eu comi fiquei
genética mesmo. Eu não era insônia, eu sou uma arrependido fui lá e vomitei
comedor de volume comedora noturna, [...] comia por que era bom
diariamente não.” (P5). principalmente hoje mais comer.” (P6).
de doce e sou uma fumante
“Não me percebia comedora inveterada.” (P8). “[...] tudo nosso (família)
de volume [...] talvez, talvez sempre teve muita comida eu
essa coisa de ficar ansiosa, acho que isso favoreceu
eu acho que muito mais num muito não estar buscando
momento de estar ociosa.” outras fontes prazerosas de
(P7). estar junto dessa família, e
ainda hoje é dessa forma,
né?” (P7).
58
DEPOIS DA CIRURGIA
“[...] hoje é uma coisa sazonal, “[...] eu perdi aquele “Hoje eu tenho medo de
eu sinto, eu sei que tem épocas prazer. Perdi aquela comer [...] se senão souber
que eu estou comendo porque vontade [...] Parece assim, comer dói, dói, dói demais. É
eu tô ansiosa, tem épocas que que eu desliguei um botão uma dor que se ela durar 10
eu tô comendo besteira direto, na cabeça, aquela coisa minutos ela me mata [...]
eu sei isso, e eu tento gerenciar que eu tinha com a comida, isso quando não tem o
isso. Então é muito [...] mas em de vontade de comer, dumping [...]” (P4).
geral eu consigo um controle depois que eu fiz a cirurgia
razoável [...] Hoje quando eu parece que eu desliguei “Hoje, lido mal com a
estou ociosa minha tendência é aquilo, eu como [...]” (P3). comida, eu estou tentando
ir buscar a comida, eu acho que trabalhar isso, eu não sei se
sempre foi assim.” (P7). eu tenho medo de comer e
“[...] eu perdi uma engordar, mas a comida não
“São fases também, tem épocas referência, fiquei assim me faz bem, eu como e passo
que eu não vomito e tem épocas sem pai e sem mãe depois mal. Talvez pelo fato de eu
que eu vomito todo dia. Eu que eu operei [...] o social comer e passar tão mal eu
estou numa fase que eu vomito da gente sempre está não gosto de comer. Eu
tudo, até água eu estou atrelado a comida [...] A passo o meu dia procurando
vomitando. Eu achei que eu nossa vida gira em torno o alimento que não vai me
estava com um problema de de comida [...]” (P3). fazer mal.” (P8).
cabeça com medo de engordar
[...] aí fiz uma endoscopia
descobri que estava com uma
ulcera grande”. (P8).
59
“[...] um acontecimento que foi “[...] procurei um “Eu troquei algumas coisas
decisivo para cirurgia foi ficar cirurgião plástico [...] ele por vários anos de vida, eu
preso numa roleta de ônibus e disse: pois é, tenta troquei excesso de comida
ter que ir para empresa de emagrecer [...] E a partir por vários anos de vida, eu
ônibus para retirarem a roleta daí é que eu comecei troquei a bebida por vários
[...] perder a oportunidade de pensar na cirurgia como anos de vida... vários
um emprego devido ao meu uma alternativa [...] Se eu excessos por vários anos de
tamanho [...]” (P2). tivesse que desistir eu teria vida”. (P6).
desistido, mas eu estava
“[...] eu fui com a cara e a bem convicta [...] Não
coragem, eu passei por cima sabia o tanto que eu sei
como um trator, eu estava hoje.” (P7).
decidida, a cirurgia era uma
obsessão[...]” (P4).
“[...] melhora na saúde, “[...] foi uma escolha acertada “[...] foi um marco na
melhora na locomoção, em e essa é minha recomendação minha vida [...] foi tudo
vários aspectos, foi importante para quem vem me perguntar de bom [...] mais
porque significou viver mais se deve fazer [...] mas, com um expectativa de vida
tempo [...] ganhei sobrevida profissional responsável [...] [...].Existe um “P” antes
[...].” (P1). tem que ter cabeça para da cirurgia e um “P”
suportar o pós-cirúrgico. [...] depois [...]” (P2).
“. A questão da minha saúde no pós fiz um quadro
está 100%, minha pressão (depressivo) porque não sabia “A cirurgia foi algo
nunca mais subiu, meu joelho que no pós eu ia passar cinco muito importante em
eu não sinto mais [...]” (P5). dias sem ingerir nada, minha vida, um divisor
nenhuma gota de água.” (P3). antes e depois dela. Ela
“O principal [...] muitos anos correspondeu às
de vida mais mesmo, por que do “[...] eu falo assim: Poxa! O expectativas, com
jeito que eu estava com certeza pessoal reclama do resultado exceção ao fato de
eu morreria cedo mesmo, eu da cirurgia e mesmo com a comer, a minha comida
não chegaria aos 50 anos de anemia [...] eu faço muito, se hoje é pouquinha e bem
idade [...]” (P6). eu não tivesse eu não sei como pastosa ou liquida e com
é que ia ser, eu me sinto isso estou tendo
“Minha saúde está muito bem. bastante produtiva. Eu não problema de anemia
Eu tenho bastante disposição, tinha uma expectativa estética, [...]” (P4).
eu faço coisas demais [...]” eu estou satisfeita [...]” (P 7).
(P7).
60
P2 2 anos e 8 9 vida social; 9 não ser 9 trabalhar sem 9 viver tudo que eu
meses 9 ser aceito; reconhecido (só no depender de deixei de viver.
9 facilidade de começo que dar alguém,
conquistar as susto nas pessoas é 9 conseguir fazer
coisas; bom...); coisas simples:
9 mais disposição 9 separação da sentar no chão,
para o trabalho; esposa; secar o pé, cortar a
unha do pé...
9 deixar de
mendigar carinho e
afeto.
PROFISSIONAIS
Do material colhido a partir das entrevistas com os profissionais foi feito um recorte
ATENDIMENTO NO PRÉ-CIRURGICO:
“A gente procura “[...] no começo, como “[...] na maioria das vezes, eles já vêm para
antes da cirurgia pela redução gástrica psicologia só para ter a avaliação, porque é
conscientizar as muitas pessoas perdem uma condição pré-operatória. Então, assim,
pessoas que peso mesmo, criou se não tem, na verdade, uma demanda interna
querem ser esse mito de que a para essa busca, buscam porque é
operados o quão cirurgia ia resolver a obrigatório e sem isso eles não vão fazer a
é importante obesidade sem nenhum, cirurgia [...] eu sou um pouco terrorista
fazer esse nenhuma contribuição do porque eu acho que essa fase da avaliação
acompanhamento paciente e o que a gente ela é também um pouco didática, então as
pós-operatório viu que na prática não é pessoas, muitas vêm com uma expectativa
[...] assim. O paciente tem muita grande – ‘Ah! Então eu vou fazer a
Principalmente o que contribuir, é papel cirurgia, vou ficar magro e vou ficar lindo!’
acompanhamento dele, ele não é vitima da O que não é real. Então, muita gente vem com
com a equipe da obesidade, ele é uma essa expectativa muito grande de que vou
nutrição é pessoa que tem uma resolver minha vida e o que vai mudar é que
fundamental. A doença, que tem um eu vou comer pouco, não é isso. Isso é o que
pessoa tem que tratamento e que o muda menos, a quantidade de comida, porque
vir no mínimo, tratamento exige dele um aos poucos, com um determinado tempo, você
depois de dois empenho para ele ter um aprende, estabiliza uma quantidade e vive
anos de cirurgia, resultado [...] Já no bem com aquilo. O que eu tento estar
quatro vezes por começo eu desmistifico, mostrando muito para as pessoas é isso que
ano ao meu papel atualmente é outras mudanças podem surgir com essa
consultório da desmistificar. Que é a decisão, com o tirar essa coisa da obesidade
nutricionista. E hora que o paciente está da vida dela [...] muita gente vem ainda com
tem que ser mais receptivo, porque muitos mitos, muita fantasia, assim a luz no
nutricionista que ele encontrou uma saída fim do túnel. Aí a gente tenta ‘baixar a bola’,
esteja [...] É sempre é uma ’ botar o pé no chão’ para que essa opção
acostumado com coisa fácil, eles vêm seja de fato, a opção para a vida toda. E tenta
acompanhamento buscando essa pílula da estar sensibilizando da necessidade de um
de cirurgia beleza, da felicidade. acompanhamento no pós.”
bariátrica [...]” Não é bem assim não, é
um instrumento, tem o
seu custo.”
63
Perda de peso Fome – “[...]é que Insatisfação com a nova imagem – “[...] imagem que
insuficiente – “[...] a quando ele avança um não é bonita ainda porque é flácida [...], então ‘eu me
gente orienta que pouco ou come mais olho no espelho eu estou feia’, [...] geralmente dizem
normalmente o resultado rápido, extrapola ele ‘quando eu era gorda eu era gordinha socadinha [...]”
dessa cirurgia, em longo vomita, então tem
prazo, a pessoa perde em paciente que realmente se Ficar abaixo do peso ideal – “[...] fiquei muito magra
torno de 70% do excesso queixa de fome [...] o meu e estou feia, eu não queria ter ficado tão magra, isso
de peso. Então, tem papel diante desse gera uma angustia [...] ter que fazer uma dieta
aqueles pacientes que se problema: eu estudei a hipercalórica. E você imagina o conflito na cabeça
queixam de ter perdido melhor maneira de comer, dessa pessoa que a vida inteira lutou para emagrecer
uma quantidade quanto tempo o paciente [...]”
insuficiente de pesos [...] deveria gastar, como
esses pacientes eles picar carnes, como picar Medo de voltar a engordar – “[...] eu vou fazer essa
podem resolver esse o alimento, então na dieta hipercalórica e se eu não conseguir frear [...] se
problema através de uma verdade é um trabalho da isso descambar de novo, é uma angustia estar magro
mudança de postura com formiguinha, incansável.” para o operado.”
relação a hábitos
alimentares, práticas de Vômito – “nessa cirurgia Não perder peso suficiente – “[...] continuam gordos,
atividade física, eles é a queixa mais apesar de não ter um IMC de 40, mas estão numa
respondem freqüente.” obesidade grau 2, e que algumas pessoas perguntam:
universalmente quando Você não vai fazer cirurgia? Você já fez a cirurgia? E
seguem essas Dumping – “convivem que aí vai no médico e o médico diz: -‘ Não sei o que
orientações, claro que a bem, tem uns que sentem está acontecendo. Você está comendo errado’. E, aí
gente não pode obrigar e vão levando.” vem toda aquela coisa da culpa do gordo.”
todo mundo a fazer
isso.” Dificuldade de parar de Relações interpessoais – “[...] e aí emagreceu, já fez
beliscar – “eu substituo plástica, está gatinha, e [...] não consigo me
Perda exagerada de peso essas beliscadas por relacionar”, “meu casamento continua horrível”,
“O paciente que perdeu coisas protéicas que dão casos extra-conjugais que geram muitos problemas e
peso demais, que quer e mais saciedade, mas, às aí percebe que a obesidade não era o que gerava o
tem necessidade de vezes, o paciente tem problema desse casamento.”
ganhar algum peso, ou o aquela, que é dele, não é
paciente que perdeu da cirurgia, é dele, aquela Baixa de libido - “é uma queixa que está ficando
muita massa muscular, fuga naquele alimento, freqüente e o esperado é o contrário.”
esse paciente também naquela coisa, que às
através da orientação vezes é um biscoito, Alimentação –“ voltando a comer de novo e
nutricional e atividade então, ele tem dificuldade desenfreado que “o que é que eu faço? [...] “eu acho
física pode ganhar peso, de parar.” que estou ficando ansioso de novo?”
ganhar massa
muscular.” Cirurgia plástica – “eles Lidar com as mudanças – “[...] as pessoas apesar de
ficam muito angustiado, dizerem que fariam de novo porque ficou curado de
Carências nutricionais – em geral o paciente só se uma outra doença, muitos falam assim: ‘se eu soubesse
“As mais comuns são: sente satisfeito, a grande que tinha essa coisa emocional eu não sei se eu tinha
falta de proteína e perda maioria depois da feito’, ‘eu não sabia que isso ia doer tanto’, ‘eu não
de muita massa primeira plástica. Ter um sabia que o emocional era tanto na minha história’,
muscular, isso se corrige excesso de pele, às vezes, ‘eu nunca tive contato com ele’ [...] tem uma mudança
suplementando a atrapalha a parte sexual intrínseca nesse sujeito, que é um sujeito que aprende
alimentação [...] Ou [...] Então, muitas vezes, a se descobrir depois de 30 anos, e que é um
então, o paciente que tem eu tenho que segurar, às descobrimento mais sofrido porque tem toda uma
anemia, ou deficiência vezes, ele ainda não está história de vida por trás disso aí. Têm alguns que
de ferro, alguns preparado [...]” conseguem elaborar e serem felizes.”
problemas de déficits de
vitaminas do Complexo “o ciúme” do
B.” companheiro;
64
6. DISCUSSÃO
Diante dos dados obtidos e visando compreender as mudanças na dinâmica subjetiva dos
indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica a discussão dos referidos dados se dará dentro de
três eixos:
corpo e no psiquismo.
Antes, porém, é importante relembrar que os dados serão analisados a partir dos
conhecimentos da psicanálise.
cognitivista haveria um indivíduo em desequilíbrio, mas, por ser portador de uma capacidade
interna adaptativa, conta com programações específicas e internas para adaptar-se ao meio e
as suas variações. Nesse sentido, como vimos, o indivíduo ao comer em excesso poderia estar
equilíbrio emocional.
subjetividade. Nesse sentido, acreditamos que tal visão reduz muito todas as questões que
Sob uma ótica psicanalista, questiona-se, portanto, acerca do que gerou esse tipo de
funcionamento subjetivo. Ou seja, o que levou o sujeito a essa estratégia de buscar o alimento
como se fosse uma adicção. Legnani ( 2003) destaca que o corpo em psicanálise é sempre
65
atravessado pela linguagem, pelo simbólico e que, dessa forma, pode - se inferir que as
sinapses também são atravessadas pela cultura, pelas castrações simbólicas. Rompe-se,
portanto, com a noção de causalidade sem que haja a exclusão do biológico, este é pensado
como uma esfera que também faz parte do humano. Poderíamos afirmar, então, que o ato de
comer em excesso não seria apenas uma questão adaptativa do cérebro, mas estaria marcado,
Todos os participantes foram unânimes em dizer que desde a infância foram crianças
acima do peso. É interessante observar as expressões utilizadas pelos pacientes para ilustrar
tal situação: “sempre fui uma criança fofinha”, “gordinha”, “bebê maisena”, “redondinha”.
Expressões que parecem denotar uma marca do discurso dos outros próximos. Ou seja, os
sujeitos foram cunhados nesse lugar dentro da dinâmica da família e a partir daí começaram a
alertado por Recalcati (2002), em que a obesidade indica uma posição de passividade do
sujeito que se encontra sem condições de promover qualquer forma de desmame da oferta
ilimitada e asfixiante do Outro. Trata-se de uma postura em que não é possível recusar. Existe
principalmente uma impossibilidade de recusar “o objeto alimento”, como foi visto na teoria,
seria o dever de dizer sempre sim. O que fica claro no fala de um paciente pós-cirúrgico,
“[...] as pessoas estranham meu modo de ser porque hoje eu já não sou
A relação dos pacientes com o objeto alimento, a forma como lidavam com ele antes e
até depois da cirurgia, denuncia algo mais que uma fome constante e intensa, fala-se de uma
tentar suprir sempre todas as faltas, como pode se observar na fala dos pacientes:
“[...] é difícil você administrar isso [...] antes era assim, eu era
comedor de volume, a comida pra mim sempre foi uma coisa meio
“[...] quando você viu você já comeu, você não consegue se controlar é
A relação com o objeto alimento se caracteriza também na fala dos pacientes como
[...] Até hoje eu tô assim sem outra fonte, procurando uma outra fonte
Essa relação parece indicar que o objeto real compensa o que o indivíduo não teve
como acessar no nível simbólico. Ou seja, trata-se de uma posição subjetiva, na qual o sujeito
ao receber as castrações simbólicas, não conseguiu redimensionar sua frustração e por isso se
Muitos dos participantes significaram a obesidade como restrição, outros como doença
geradora de doenças, outros como algo fora deles, virtual, mas que mata. Podemos inferir que
o indivíduo obeso experimenta uma sensação de sufocamento pelo peso do próprio corpo,
lidar, complicadíssima de lidar [...] ela virou uma parte de mim, parte
que faz parte de mim e que é ao mesmo tempo uma parte de mim que
fosse como um tumor, faz parte de você, mas está te matando aos
poucos [...] mas, ainda é uma coisa pulsante em mim [...]” (P1).
68
E esse estado gera uma angústia, que não da falta do objeto, mas, pelo contrário, é
“É tão difícil de falar isso, porque é tão ruim, tão ruim, eu sentia tudo,
sabe não tinha prazer, aquele prazer de sair, de viver, ela (obesidade)
ter um AVC, podia ter um enfarto, meu marido não dormia com medo
vida em sociedade, os pacientes participantes desse estudo, de uma forma geral, fazem alusão
à angústia gerada no outro pelo seu corpo, que se manifestava ora sob a forma de um controle
externo:
pessoas do que a mim, tipo assim: Nossa! Você não tem vontade de
emagrecer; Ah! Eu conheço não sei quem, não sei aonde que faz dieta
“[...] ficavam com umas brincadeiras bobinhas que chateiam [...] até
mesmo o marido de vez em quando jogava uma piadinha, por mais que
convivência com a obesidade. A mãe foi apontada algumas vezes como aquela que se sente
responsável pela obesidade do filho, que quer ajudar, que deseja mais do que o filho a seu
emagrecimento. Uma mãe que se coloca como co-dependente da problemática e parece ver
“[...] a minha mãe acabou criando uma paranóia por causa disso
(minha obesidade), ela perseguia [...] levava num médico, levava num
Ela não tem sobrepeso porque ela se cuida muito, ela tem uma
rígido e qualquer coisa que fuja disso é muito mal visto. Então hoje em
preguiçoso, é o que não emagrece porque não quer, não tem força de
“[...] o pior preconceito não é o racial é com o gordo, porque você não
pessoas na rua não falam olha o preto na fila, não, é o gordo na fila,
olha aquele gordo, olha que ridículo. Aí você se fecha numa mentira
Geralmente a cirurgia é encarada como “a solução”, “a luz no fim do túnel”, marcada com
uma esperança meio mágica. No grupo de pacientes entrevistados observou-se uma espécie de
esperança no tratamento, mas nada fantasioso, a maioria estava bem informada quanto aos
reconhecem, com a experiência pessoal de mal estar que enfrentam no pós-cirúrgico. Apenas
duas pacientes, que passaram por uma técnica de vídeo-cirurgia, se queixaram de não terem
sido suficientemente informadas e preparadas para enfrentar o pós-cirúrgico. Uma delas relata
ter entrado num quadro depressivo devido a tantas mudanças de uma só vez, e mudanças que
geravam sofrimento.
anos da cirurgia, no papel. Mas aquilo não foi cumprido, pelo menos
no meu caso, conheço pessoas em situação pior que a minha, que não
porque não sabia que eu ia passar 5 dias sem ingerir nada, nenhuma
tratamento cirúrgico. Um dos pacientes reconheceu que não perdeu mais peso porque não se
não está ideal tenho que emagrecer mais. Mas eu posso falar que esses
por onde perder. Se eu tivesse feito mais já teria perdido mais.” (P1).
Como pôde ser observado nas duas tabelas que mostram as doenças apresentadas
pelos participantes, antes e depois da cirurgia, eles se encontravam com a saúde bastante
frustradas. Nesse contexto, para alguns a opção pela cirurgia apareceu como única saída, em
“Eu não tinha mais vida, os meus filhos não tinham mais vida e eu
“[...] chegou um ponto que eu comecei a perceber assim que era uma
Para outros a cirurgia surgiu como uma alternativa a mais, diante de tantas outras, já
“(a opção pela cirurgia) surgiu depois de tentar várias coisas antes,
dieta com remédio, dieta sem remédio, acho que eu tomei 80% dos
relação à cirurgia:
Que é a hora que o paciente está mais receptivo, porque ele encontrou
uma saída [...] E sempre é uma coisa fácil, eles vêm buscando essa
“[...] muita gente vem com essa expectativa muito grande de que vou
resolver minha vida e o que vai mudar é que eu vou comer pouco, não é
isso [...] muita gente vem ainda com muitos mitos, muita fantasia, assim
chão’ para que essa opção seja de fato, a opção para a vida toda. E
pós.” (Psicóloga).
seis meses à quatro anos e seis meses de cirurgia foram unânimes em dizer que a cirurgia
representou sobrevida, saúde, uma escolha acertada, um marco na vida. Eles ressaltaram
muitos benefícios com a cirurgia, como está apresentado no item 8 dos resultados.
todos os problemas de saúde que tinham antes, que vinham convivendo a anos, e relatam que
aprendem a lidar bem com isso, são disciplinados. Para outros, talvez até devido à falta de
desagradável novidade.
“[...] uma anemia que eu não tinha; o medo se vão surgir novas
alimentação, por mais que já tivessem ouvido sobre as mudanças relativas a alimentação por
parte dos profissionais, dos colegas operados, foi e está sendo para esses pacientes algo difícil
de lidar, ainda mais que, quase todos relataram que comer era um dos seus interesses, quando
não o único antes da cirurgia. Ou seja, não foi possível identificar, a partir das respostas dos
“Perdi o prazer [...] não é assim que o prazer da vida fosse comer, mas
ficou uma coisa faltando, no começo era pior [...]” (P3); “minha única
alimento.” (P6).
psiquismo.
opõe a uma satisfação antes conhecida, mas que teve que ser ultrapassada, deslocada,
podemos supor que a cirurgia de redução do estômago não funciona como uma castração
simbólica, mas sim uma que é feita no real do corpo do paciente. Mesmo assim, verificamos
junto aos entrevistados, que este corte pode encaminhar o sujeito para um processo de
sublimação, de troca de objeto, mas esse não será um caminho fácil, será tortuoso e dependerá
Como foi visto, na obesidade existe “a falta da falta”, há um corpo sem fala, “devido
proporcionados ao sujeito, ocasiona ao mesmo “freqüentar” uma nova posição, na qual algo
falta. Esta posição pode vir a desembocar numa posição desejante que possibilite ao sujeito
transitar entre vários objetos e abandonar o objeto privilegiado que era o alimento em
excesso:
“[...] hoje eu como, mas não é a mesma coisa, hoje eu tenho outros
“[...] não vejo o não poder comer como perda simplesmente é até
“Tem outras coisas que são mais graves você troca a compulsão da
comida, você tem que trocar por alguma outra coisa, eu troquei por
“[...] adotei um filho [...] ele preenche tudo na minha vida, [...], eu
estou sempre com ele, tudo que eu vejo é pra ele, é uma criatura que
tudo”. (P4).
em um ser humano, quando outro ser humano lhe significa que a realização de seu desejo, sob
a forma que gostaria de lhe conceder, é proibida por uma Lei que irá lhe possibilitar uma vida
humana cheia de “altos e baixos”, mas uma vida em que se têm escolhas.
comparamos com a mais radical de todas elas que o ser humano terá que vivenciar: a
castração umbilical, na qual, ocorre também um corte no real do corpo, que corresponde a
deverá marcar repetidamente a audição do bebê e lhe mostrará o efeito que o seu ser causa no
campo desejante dos pais. Ou seja, é a linguagem que simboliza também essa castração e
consumo excessivo de alimento. O que coloca o sujeito operado numa situação que “exige” o
abandono daquela forma de satisfação até ali conhecida, possibilitando-lhe que ele possa
78
passar a um tipo de gozo mais elaborado, com outros e variados objetos da cultura. Mas,
como nas outras castrações essa interdição só será positiva se for simbolizada. Ou seja,
quando for possibilitado ao sujeito significar sua experiência, o que sente, o que se passa com
ele:
realmente uma coisa milagrosa, porém, tem que ser uma coisa bastante
caro, porque tem que pagar, porque é bobagem, porque agora eu estou
magra, estou feliz, não tem mais problema, mas, se você não tem o
primeiro que ele não consegue fazer ser o objeto primordial perdido:
“[...] não é assim que o prazer da vida fosse comer, mas ficou uma
comprar. Eu perdi assim [...] não tenho vontade de comer nada, não sei
desliguei aquilo, eu como [...] mas, não tenho mais prazer [...]” (P3).
“falta alguma coisa que você não sabe o que è.” (P8).
Numa visão psicanalítica não se trata só de informar, mas dar palavras, ajudar a
nomear as sensações do antes, do vazio, de agora, respeitar e valorizar o desejo. Esse sujeito
terá que fazer um luto. Há uma melhora da saúde, da auto-estima, da vida social, da qualidade
de vida, mas não se pode negar que houve também uma perda que precisa ser significada.
Foi possível perceber, talvez até devido à diferença do tempo de operado de uns
pacientes para outros, que alguns estão num processo de busca de significação, simbolização
dessa vivência, dessa castração. Como os casos dos que estão em psicoterapia individual ou
em grupo.
Têm alguns que buscam simbolizar esse acontecimento colocando-se como agentes de
que envolvem pessoas operadas, falando incansavelmente a outros de suas experiências, das
“Tem muita gente que você fala eu não acredito que você está falando
isso. Hoje conseguem sentar e falar das suas angustias, falarem dos
Antes não sentiam segurança ou firmeza para estar fazendo isso. Assim,
80
estranham meu modo de ser porque hoje eu já não sou tão passivo,
vida. Mas ainda assim existem algumas queixas importantes apontadas pelos pacientes e pelos
alimentos, questão da quantidade de comida, voltar a comer muito, beliscar, a fome, dumping,
troca da comida por outros hábitos, questões psicológicas, problemas nas relações
interpessoais, ciúmes, separação conjugal, não vir acompanhada da mudança de hábitos, falta
Tais queixas, tão diversas, vêm direcionadas a uma equipe interdisciplinar, e não a um
pretensioso e ineficaz recorrer a apenas uma disciplina quando se trata de lidar com o ser
humano.
As queixas apresentadas pelos pacientes parecem indicar que eles estão em processos
obesidade não era o problema, mas apenas parte dele, conseqüência dele, ou mesmo uma
defesa contra determinado conflito e tem aquelas queixas que denunciam uma acomodação.
81
Na verdade, não se trata de uma situação fácil de ser enfrentada, ela vem carregada de
muitas mudanças, boas e ruins, o que não significa como discutimos anteriormente, que seja
impossível uma elaboração de outra forma. Nesse sentido, ressaltamos mais uma vez a
cirúrgico.
82
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada pessoa tem uma história, que se iniciou, não se sabe quando no desejo de
outros... E, desde esse “não se sabe quando” começou a se constituir como sujeito. É
importante ressaltar que não se está falando aqui de um sujeito passivo, mas de um sujeito que
de um hoje, mas de uma história, na qual a doença, o sintoma adveio como defesa, como
refúgio, como melhor estratégia possível. Dessa forma, focar o sintoma, ou até paralisá-lo não
É importante ressaltar, que nesse estudo, não se está negando a presença das questões
orgânicas. A visão que se têm é de que o psíquico e o orgânico não são campos separados,
uma espécie de adicção, insistimos que ela seja significada, simbolizada. Para não se correr o
risco de que o sintoma encontre outra forma de vir à tona, outra adicção.
alimentação excessiva, e ao ficar numa posição de falta, têm uma nova possibilidade de dirigir
a energia que era investida nesse objeto para outros meios, outros encontros. Mas essa
capacidade de novos investimentos pode tomar uma forma tanto construtiva como destrutiva.
cirurgia.
auxiliando os sujeitos que passaram pela cirurgia, num processo de simbolização, ou seja, de
83
sentido de conscientizar o paciente de que o tratamento será para o resto da sua vida, bem
avaliação para cirurgia seria o de gerar demanda, respaldado pela equipe, para um
Por ser a obesidade uma doença que está tomando caráter epidêmico não só em países
infância, e devido a grande procura das cirurgias bariátricas acredita-se que sejam relevantes
maiores discussões interdisciplinares em torno desse assunto, por meio, de fóruns, simpósios,
etc., em que a problemática da obesidade possa ser tratada, tendo em vista o resgate da
procedimento, que é a cirurgia bariátrica, que pode vir a trazer, sem dúvidas, muitos
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Graziela Aparecida Nogueira de; LOUREIRO, Sonia Regina; SANTOS, José
Ernesto dos. A imagem corporal de mulheres morbidamente obesas avaliada através do
desenho da figura humana. Psicologia: Reflexão e Crítica, São Paulo, v.15, n. 2, p. 283-292,
2002.
CABRAL, Mônica Dias. Tratamento Clínico da Obesidade Mórbida. In: GARRIDO JR.,
Arthur et al. Cirurgia da Obesidade. São Paulo: Atheneu, 2004. p. 35-44.
GILMAN, Sander L. Obesidade como deficiência: o caso dos judeus. Cadernos Pagu, v. 23,
p. 329-353, jul./dez., 2004.
HALPERN, Alfredo. Fisiopatologia da Obesidade. In.: GARRIDO JR., Arthur et al. Cirurgia
da Obesidade. São Paulo: Atheneu, 2004. p. 9-12.
JORGE, Marco Antônio Coutinho, FERREIRA, Nadiá Paulo. Lacan, o grande freudiano.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
MALHEIROS, Carlos Alberto, FREITAS JR., Wilson Rodrigues de. Obesidade no Brasil e
no mundo. In: GARRIDO JR., Arthur et al. Cirurgia da Obesidade. São Paulo: Atheneu,
2004. p.19-23.
86
MATIELI, Josefina D. et al. Rotina Pré-operatória: exames clínicos e preparo. In: GARRIDO
JR., Arthur et al. Cirurgia da Obesidade. São Paulo: Atheneu, 2004. p.53-60.
LEUDOX, Michel H. Introdução à obra de Françoise Dolto. In: NASIO, Juan David (org.)
Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
O senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa na área de
Psicologia intitulada “Cirurgia Bariátrica – como a psique significa esse corte no corpo?”.
Este estudo está sendo conduzido pela graduanda em psicologia da Universidade Católica de
Brasília Adriana Aparecida de Andrade e Silva, orientada pela Profa. Dra. Viviane Legnani.
Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender as mudanças na dinâmica
subjetiva dos sujeitos que se submeteram a uma cirurgia bariátrica.
Solicitamos sua contribuição, no sentido de falar sobre sua experiência profissional
junto a pacientes obesos mórbidos em processo de preparação e pós-cirurgia bariátrica, por
meio de uma entrevista. Cabe salientar que, se o senhor (a) autorizar, a entrevista será gravada
e o que disser será registrado para posterior estudo do material. Sua participação é voluntária
e se o senhor (a) concordar em participar da pesquisa, seu nome e identidade serão mantidos
em sigilo.
Ao assinar este termo de consentimento livre e esclarecido, o senhor (a) estará
também autorizando a pesquisadora a publicar os seus resultados, por meio de veículos
impressos, apresentação em eventos acadêmicos ou outros meios de divulgação científica,
garantindo a sua privacidade em todo o processo.
Eu,_____________________________________________, declaro que li e entendi
este termo de consentimento no dia ____ de ________________ de 2006.
_____________________________________
Assinatura do(a) participante
_____________________________________
Adriana Ap. de Andrade e Silva
Graduanda em Psicologia (dri_ph@yahoo.com.br)
89
O senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa na área de
Psicologia intitulada “Cirurgia Bariátrica – como a psique significa esse corte no corpo?”.
Este estudo está sendo conduzido pela graduanda em psicologia da Universidade Católica de
Brasília Adriana Aparecida de Andrade e Silva, orientada pela Profa. Dra. Viviane Legnani.
Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender as mudanças na dinâmica
subjetiva dos sujeitos que se submeteram a uma cirurgia bariátrica.
Solicitamos sua contribuição, no sentido de falar sobre sua convivência com a
obesidade, sua experiência referente ao processo de preparação e sobre sua situação após a
cirurgia bariátrica, por meio de uma entrevista.
Cabe salientar que, se o senhor (a) autorizar, a entrevista será gravada e o que disser
será registrado para posterior estudo do material. Sua participação é voluntária e se o senhor
(a) concordar em participar da pesquisa, seu nome e identidade serão mantidos em sigilo.
Ao assinar este termo de consentimento livre e esclarecido, o senhor (a) estará
também autorizando a pesquisadora a publicar os seus resultados, por meio de veículos
impressos, apresentação em eventos acadêmicos ou outros meios de divulgação científica,
garantindo a sua privacidade em todo o processo.
Eu,_____________________________________________, declaro que li e entendi
este termo de consentimento no dia ____ de ________________ de 2006.
__________________________________________
Assinatura do(a) participante
__________________________________________
Adriana Ap. de Andrade e Silva
Graduanda em Psicologia (dri_ph@yahoo.com.br)
90
DADOS PESSOAIS
Entrevistado:____
Idade: ______
Tempo de Cirurgia:___________
Estado Civil:________________________
Escolaridade:___________________________________
Profissão:______________________________________
Problemas de saúde:
Antes:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Depois:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Interesses:
Anteriores:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Atuais:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
91
9 Significado da obesidade;
9 Cirurgia Bariátrica;