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PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL: UMA ANÁLISE DA


TRAJETÓRIA NO BRASIL

Graziela Zocal1

RESUMO

O presente texto tem como principal objetivo realizar uma análise bibliográfica sobre a
questão do Trabalho Infantil no Brasil com enfoque no surgimento e efetivação do Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). A fim de apresentar um panorama sobre a
legislação em torno da questão do trabalho infantil em nosso país, partiu-se de um
levantamento do aparato legal a partir das Constituições, Código de Menores, até o
surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Posteriormente o PETI é
abordado através de uma análise sobre sua trajetória, incluindo a integração do PETI ao
Programa Bolsa Família, a partir da avaliação realizada pelo Fórum Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

Palavras-chave: trabalho infantil, Estatuto da Criança e do Adolescente, Programa de


Erradicação do Trabalho Infantil.

1
Graduada em Serviço Social, pela Associação Educacional de Ensino Superior União das Faculdades dos
Grandes Lagos – UNILAGO, no ano de 2003. Pós Graduada no curso de Extensão Universitária na modalidade
de Especialização, pela Universidade de São Paulo, XIX Telecurso de Especialização na Área de Violência
Doméstica Contra Crianças e Adolescentes, concluído no ano de 2008. Pela Faculdade Católica de Uberlândia,
concluiu em 2012, o curso de Pós Graduação “Lato Sensu”, Trabalho Social com Famílias. Assistente Social do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desde o ano de 2006, desenvolve suas atividades profissionais nas áreas de
Família e Criminal.
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INTRODUÇÃO

O trabalho infantil como fator de geração pessoal de renda, complementação da


renda familiar ou como uma suposta forma de educação esteve por muito tempo enraizado
historicamente na cultura brasileira, sendo considerado natural nas camadas populares da
sociedade.

Neste sentido, Carvalho (2000) considera que:

As elites brasileiras pouco colaboraram na modificação deste valor cultural. Ao


contrário, pouco valorizou a educação dos pobres. Numa perspectiva tutelar,
prescindindo de trabalhadores mais qualificados – num cenário de pouca
competitividade – não se comprometeram, nem investiram num projeto nacional
da cidadania pela via da educação. É assim que, para os pobres, o trabalho precoce
virou sina justificada como modo privilegiado de formação e inclusão social das
camadas populares (CARVALHO, 2000, p. 14).

Para sobreviver, muitas famílias pobres brasileiras, necessitam inserir todos os seus
membros em atividades que gerem alguma renda, que ajude no orçamento familiar. As
crianças e adolescentes desde cedo trabalham, alguns na agricultura quando são da zona
rural, e em diversas atividades na zona urbana. Neste contexto, crianças e adolescentes
deixam de frequentar a escola, situação geradora de graves problemas sociais.

No Brasil, com a Constituição Federal de 1988, que procura, em seu artigo 227,
garantir proteção integral à criança e ao adolescente, inclusive responsabilizando a família e
toda a sociedade neste sentido; e com a promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) – Lei 8.089 de 13 de julho de 1990, muitas ações e reflexões passaram a
ocorrer em torno dos direitos das crianças e adolescentes.

A discussão pela erradicação do trabalho infantil ganhou maior densidade a partir dos
anos de 1992/1994, quando o Brasil começou a fazer parte do Programa Internacional de
Erradicação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e criou o
Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. (CARVALHO, 2008).

Especificamente sobre a questão do trabalho infantil, no ano de 1996, o Governo


Federal lançou o Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (PETI), política social voltada
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de fato para a erradicação do trabalho infantil, que surge como uma proposta de política
pública para resolutividade da questão, e tem como principal objetivo retirar crianças e
adolescentes de 07 a 14 anos de idade da situação de trabalho, com ações que envolvem a
jornada ampliada e incentivo financeiro para manutenção da criança na escola.

Com este propósito, o programa foi iniciado nos Estados Mato Grosso do Sul, onde
muitas crianças trabalham em carvoarias e viviam condições de extrema periculosidade.
Posteriormente o programa foi estendido para os Estados de Pernambuco, Bahia, Amazonas
e Goiás, e outros Estados aderiram posteriormente a esse processo. (CARVALHO, 2008).

Entretanto, mesmo com a implantação do programa, o trabalho infantil ainda


decresce lentamente no Brasil, sendo uma das expressões da questão social de difícil
erradicação.

Frente a esta problemática, o objetivo deste artigo é fazer uma análise bibliográfica
em torno do trabalho infantil no Brasil e dos eventos que levaram ao surgimento e efetivação
do PETI. Para isso, pretende-se partir de um levantamento dos aspectos legais em torno da
questão até a promulgação do ECA e seus benefícios; e da análise da trajetória do PETI,
situando os eventos que possibilitaram seu surgimento, os objetivos iniciais do programa,
sua unificação ao Bolsa Família e seus resultados a partir da avaliação do Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

ASPECTOS LEGAIS INERENTES À QUESTÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

O tratamento jurídico para a infância começa com o Código de Menores, de 1927,


mas somente sete anos depois chega ao direito constitucional. A Constituição de 1934
proibia o trabalho infantil para menores de 14 anos sem permissão judicial; trabalho
noturno aos menores de 16 anos; e, nas indústrias insalubres, os menores de 18 anos,
conforme previsto em seu 121º artigo. Já em 1946, a Constituição ampliou para 18 anos a
aptidão para o trabalho noturno, além de proibir a discriminação salarial por idade.
Em um retrocesso aos diretos já conquistados anteriormente, a constituição de
1967, durante o regime militar, rebaixou a idade legal para o trabalho, até então fixado em
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14 anos para 12 anos. No art. 158, inciso X temos descrito: “proibição de trabalho a
menores de doze anos e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, em indústrias
insalubres a estes e às mulheres”; e retirou a proibição da diferenciação de salário por
idade que constava na Constituição de 1946. Assim, a Constituição dos militares amplia a
faixa etária do trabalhador menor de idade e abre a possibilidade legal de salário inferior
ao mínimo ou estipulado por lei para o adulto.
Em 1969, uma Emenda Constitucional mantém as proibições das Constituições
anteriores: proíbe o trabalho aos menores de 12 anos e coloca a obrigatoriedade do
ensino público às crianças de 7 a 14 anos de idade. De acordo com Nogueira (1987, p.
150), a emenda Constitucional nº.1 de 17 de outubro de 1969, no seu art. 165, inciso X
autoriza o trabalho do menor a partir dos 12 anos (anteriormente vigorava a idade
mínima de 14 anos). Também a Consolidação das Leis de Trabalho, no capítulo IV trata da
proteção do menor, prevendo no art. 402 que se considera menor, para os efeitos dessa
lei, o trabalhador de 12 a 18 anos. Assim, a partir dos 12 anos de idade, o menor pode
vincular-se ao empregador mediante contrato de trabalho.
Historicamente, a criança e o adolescente no Brasil só apareciam na esfera pública
como o menor que cometeu uma transgressão à moral ou ao patrimônio. É interessante
perceber a dificuldade que muitos têm em superar a denominação de menores pelas de
criança e adolescente, ao se referir a problemas ou a soluções para essa faixa etária de zero
a dezoito anos.
O novo Código de Menores de 1979 surgiu com grandes promessas de melhor
proteção a criança e ao adolescente carente, abandonado e infrator, problemática
melindrosa, séria e prioritária que gerou muitas discussões, porém, entre os governantes
nunca foi enfrentada com a devida seriedade. A legislação não enfocava direitos e, baseada
no princípio da filantropia, deixava as crianças e adolescentes à mercê da boa vontade da
sociedade. Este novo Código manteve, portanto, o ideário segregacionista e culpabilizador da
criança.
A partir do movimento em torno da constituinte, é articulada a luta nacional pelos
direitos da criança, que foram garantidos no artigo 227 da Constituição de 1988, onde
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descreve várias determinações visando garantir melhor qualidade de vida e atenção para
a questão da infância e adolescência.
Esta conquista, somada à Convenção sobre o Direito da Criança da ONU, de
novembro de 1989, criaram as pré-condições para que o Brasil pudesse dispor de um
Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. Estas medidas romperam com a estrutura
do Código de Menores de 1979, e, a partir de julho de 1990, através da lei 8.069 de 13 de
julho de 1990, foi permitido que o ordenamento jurídico brasileiro rompesse com a
doutrina da situação irregular e publicasse os direitos da criança e do adolescente.
Posteriormente, o ECA mudou as práticas de atendimento á infância e à juventude
no Brasil. A legislação promoveu a transição do modelo assistencialista, voltado apenas
para os jovens em conflito com a lei, para o de proteção integral, ao garantir a crianças e
adolescentes, sem qualquer tipo de discriminação, todos os direitos inerentes à pessoa
humana.
Conforme Campos (1990, p. 12), o ECA é resultado de uma luta de muitos anos da
sociedade civil organizada. A Convenção Internacional pelos Direitos da Criança e do
Adolescente - realizada em 20 de novembro de 1989, pela ONU, as Regras do Bejin, as Regras
Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade e a Convenção 138 da OIT
foram alguns dos dispositivos que tiveram o conteúdo assimilado pelo referido Estatuto,
como o direito a educação, liberdade de expressão, cultura, direito inerente à vida, dentro
outros.
Aprovado em 13 de julho de 1990, e em vigor desde 12 de outubro do mesmo ano,
o ECA inspirou e impulsionou diversas ações que garantiram uma melhoria na qualidade
de vida das crianças e adolescentes, inclusive para o surgimento do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil, o PETI.

PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL - PETI

Os determinantes da participação de crianças e adolescentes na força de trabalho


indicam algumas principais evidências: os índices de trabalho infantil crescem quando se trata
de crianças acima de seis anos de idade; é maior entre os meninos do que entre as meninas;
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a participação neste tipo de trabalho é maior entre crianças e adolescentes negros ou pardos;
a participação das crianças decresce com o nível de renda das famílias onde estão inseridas; a
taxa de trabalho infantil é mais elevada na área rural do que na urbana; e no caso do Brasil
urbano-metropolitano, as taxas de participação são mais elevadas no Sul e no Sudeste do que
no Norte e no Nordeste (NOGUEIRA, 2001).
De acordo com Nogueira (2001, p. 102), esses são fatos evidenciados pelas taxas de
participação deste segmento na força de trabalho, distribuídos por idade, sexo, cor, domicilio
rural/urbano e nível de renda.
As causas que levam diversas crianças e adolescentes a iniciarem uma atividade de
trabalho precocemente são diversas, incluindo a baixa renda do núcleo familiar no qual estão
inseridos; a precariedade do sistema de ensino; as desigualdades impostas pelo sistema
econômico do país; além dos aspectos culturais e geográficos.
Não há dúvida que o grande problema consiste no fortalecimento e auxílio à própria
família, que é o fundamento primeiro da formação humana. A situação de vulnerabilidade e
risco social da família, na maioria das vezes permeada por conflitos e pobreza, gera a
condição da criança em situação de trabalho infantil, não sendo, entretanto, fator necessário
para esta situação.
Em nosso país, as ações que possibilitaram uma política pública específica para a
tentativa de erradicação do trabalho infantil foi inicialmente a inserção do Brasil no Programa
Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil da OIT em 1992, e a criação do FNPETI em
1994.
Segundo Carvalho (2008, p.554), no segundo semestre de 1996, o FNPETI lançou um
conjunto de ações integradas, que traçou a implementação do PETI, orientado para o
combate às chamadas “piores formas” desse trabalho, ou seja, àquelas consideradas
perigosas, penosas, insalubres ou degradantes.
Iniciado no ano de 1996, o PETI começou a combater o trabalho infantil nas
carvoarias do Mato Grosso do Sul, onde, segundo um relatório do FNPETI, foram atendidas
1.500 crianças e adolescentes, que trabalhavam em fornos de carvão e na colheita de erva-
mate. Posteriormente, o programa foi estendido aos canaviais de Pernambuco, na região
sisaleira da Bahia, e ampliando-se para Amazonas e Goiás.
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O PETI destina-se, prioritariamente, às famílias atingidas pela pobreza e pela exclusão


social, com renda per capita de até ½ salário mínimo e com filhos na faixa etária de 7 a 14
anos, que trabalham em atividades consideradas insalubres ou perigosas.
Nesse sentido, seus principais objetivos são possibilitar o acesso, a permanência e o
sucesso dessas crianças e adolescentes na escola, mediante a concessão às famílias de uma
complementação de renda no valor de R$25,00 (vinte e cinco reais) para área rural e R$40,00
(quarenta reais) para áreas urbanas nos municípios com população de 250 mil habitantes ou
mais. O município, que implementa o programa, recebe do Governo Federal um valor de
R$20,00 (vinte reais) por criança incluída, sendo que na área urbana e em municípios com
mais de 250 mil habitantes o valor é de R$10,00 (dez reais) por criança. Este recurso é para
que o município contrate monitores capacitados para desenvolver atividades da Jornada
Ampliada, que de acordo com Cipola (2001), devem contemplar ações sócioeducativas;
fomentar e incentivar a ampliação do universo de conhecimentos da criança e do
adolescente, por intermédio de atividades culturais, desportivas e de lazer no período
complementar ao do ensino regular Jornada Ampliada; estimular a mudança de hábitos e
atitudes, buscando a melhoria da qualidade de vida das famílias, numa estreita relação com a
escola e a comunidade; estabelecer parcerias com agentes públicos que garantam ações de
diversos setores, principalmente no que diz respeito à oferta de programas e projetos de
geração de trabalho e renda, com formação e qualificação profissional de adultos, assessoria
técnica e crédito popular. (CIPOLA, 2001, p. 61).
Secundariamente, os objetivos do programa são a realização de pesquisa sobre o
trabalho infantil, a programação de eventos para a sensibilização da sociedade sobre a
questão e a edição de publicações institucionais sobre o tema.
A participação da sociedade concretiza-se por meio dos Conselhos, sejam eles de
Assistência Social, Tutelares, da Criança e do Adolescente; do Fórum Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil; e das Comissões Estaduais e Municipais de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil.
No ano de 1999, o programa teve sua abrangência ampliada tanto nas regiões de
implementação, como em relação às atividades de trabalho, que anteriormente atendiam
somente as crianças e adolescentes que realizavam as piores formas de trabalho e passou a
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abranger atividades de comércio ambulante, catadores de reciclagem dentre outras; o tempo


de permanência, que anteriormente era ilimitado, passou a ser de no máximo quatro anos
por criança e adolescente.
Conforme Carvalho (2004, p.51), em 2000, o programa já atendia cerca de 140 mil
crianças e adolescentes, chegando ao número de 810.769 e beneficiando 2.590 municípios
no ano de 2002.
A fim de cumprir a meta de incluir as famílias em atividades de geração de renda, o
programa passou a ser vinculado ao Pronager, que priorizaria a inclusão de famílias do PETI.
Em Carvalho, 2004, encontra-se a seguinte definição:

O Pronager é um programa que visa gerar ocupação e renda para os chamados


‘excluídos’ sociais, potencializando todos os recursos e vocações econômicas da
comunidade. O Pronager parte da capacitação de pessoas desempregadas ou
subempregadas, para sua organização em empresas, associações e cooperativas de
bens e/ou serviços com competitividade no mercado. (CARVALHO, 2004, p.51).

Entretanto, a viabilidade da vinculação dos programas esteve longe de obter


resultados positivos, “reconhecendo a insuficiência de sua estratégia a própria Secretaria de
Estado de Assistência Social passou a estimular os Estados a buscarem alternativas para a
melhoria das condições das famílias assistidas pelo PETI, disponibilizando alguns recursos
para esse fim” (Carvalho, 2004, p.51).
Os estudos realizados por Carvalho apontam que, em 2003, os rumos do PETI ficaram
incertos, o governo chegou a cortar 80 % de suas verbas, alegando pretensão de desviar os
recursos ao Programa Bolsa Família, tendo voltado atrás na decisão devido à pressão da OIT.
No ano seguinte, com a unificação dos programas de distribuição de renda do
Governo Federal, como Bolsa Escola, Vale-Gás, dentre outros, para comporem o Programa
Bolsa Família, cogitou-se, também a integração do PETI ao programa, no entanto, por mais
algum tempo o programa foi mantido por se considerar que possuía um caráter específico.
Mais tarde, a referida integração foi concluída, sendo que por meio da Portaria 666,
de 28 de dezembro de 2005, do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
houve a integração do PETI ao Programa Bolsa Família2 (PBF), com os objetivos de:
racionalizar e aprimorar os processos de gestão dos dois programas; incluir todas as famílias
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em um cadastro nacional único, chamado CadÚnico; ampliar o atendimento das crianças e


adolescentes do PETI, com a inclusão dos menores de seis anos; estender as ações
sócioeducativas e de convivência do PETI, para as crianças do PBF em situação de trabalho; e
Universalizar o PBF para as famílias que atendem seus critérios e elegibilidade3. (FNPETI,
2007, p.22).
A integração dos programas se apresentou favorável somente para algumas famílias,
isto, no que tange ao caráter de distribuição de renda do programa. Além disso, a avaliação
do FNPETI sobre este processo, realizada em 2007, apresenta mais aspectos negativos do que
positivos.
Assim, de acordo com a referida avaliação, no que tange à questão financeira
somente obtiveram vantagem as famílias com renda per capta até R$60,00 (sessenta reais)4
caso fosse residente em área rural ou em municípios com menos de 250 mil habitantes; ou
se recebesse a soma do benefício fixo mais o variável e tivesse até três crianças em situação
de trabalho.No caso das famílias residentes em área urbana com mais de 250 mil habitantes
com renda, a transferência seria vantajosa somente se a família tivesse somente uma criança
em situação de trabalho.
Para as famílias com renda per capta até R$120,00 (cento e vinte reais)5, a integração
não trouxe consequências consideráveis. Entretanto, no caso da inclusão de novas famílias
com renda per capta acima de R$120,00 (cento e vinte reais) o benefício passou a ser
condicionado à existência de verba, passando a ser uma categoria residual e com
possibilidade de extinção.
Além disso, a integração eliminou o incentivo ao afastamento da situação de trabalho
infantil, uma vez que não há tratamento diferenciado para famílias com crianças e
adolescentes em situação de trabalho, no caso de nova inclusão no PBF.
No que se refere ao CadÚnico, os prejuízos quanto ao registro da existência de
trabalho infantil nas famílias foram diversos, sendo a falta deste registro um dos obstáculos
para sua erradicação, talvez este seja um dos principais pontos a serem melhorados em
relação a integração.
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A omissão da informação do trabalho infantil foi detectada quando as famílias que


pertenciam ao PETI foram se cadastrarem ao PBF e não preencheram corretamente um
campo fundamental do formulário (campo 270). A avaliação preparada pelo FNPETI
considera que o registro da informação talvez seja um dos problemas mais preocupantes do
processo de integração via CadÚnico, especialmente quando se tem em vista que o
cadastramento é realizado pelos municípios, por meio de um entrevistador, sendo que o
caderno de entrevista é formado por três blocos de questionário, porém em nenhum destes
existe uma pergunta específica relacionada a questão do trabalho infantil, aos agricultores
familiar se questiona a contratação de mão de obra externa ao núcleo familiar, no entanto,
não há indagações sobre a idade destes contratados. No referido campo 270, o entrevistado
deve informar se já participa de algum programa de transferência de renda, dentre os quais,
se encontra listado o PETI, sendo que os gestores do cadastro acreditam que os entrevistados
irão informar se participam de outro programa e que apenas esta informação permitiria
identificar as situações de trabalho infantil (FNPETI, 2007, p.27).
Percebe-se que as falhas no cadastro, no que se refere à questão do trabalho infantil
eram diversas, os questionários apresentavam um campo específico para detectar a questão
e nem a inclusão de informações que poderiam indicar a ocorrência do trabalho infantil,
como no caso da idade dos contratados pelos agricultores familiares ou mesmo qual a idade
dos membros da família que estão inseridos nesta força de trabalho.
A partir de 2011 o formulário antigo foi substituído por uma nova versão (Versão7.0),
sendo que nesta o campo 270 foi substituído pelo campo 8 e 10, que são para a identificação
do trabalho infantil, sendo que o campo 8 serve para a família declarar situação de trabalho
infantil para a faixa etária dos 10 a 16 anos ou em situação de aprendizagem ou estágio para
a faixa estaria dos 14 a 16 anos. No campo 10 o próprio entrevistador deve apontar suas
observações em relação à existência de trabalho infantil no núcleo familiar entrevistado.
Tal modificação provavelmente trouxe melhora em relação a ampliação das
informações no que tange a existência de trabalho infantil, entretanto, sobre a informação
da atividade que era exercida pela criança (quando já cadastrada) este campo não existe no
formulário, devendo ser informada no aplicativo “off line” do CadÚnico.
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Conforme informações do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome


(MDS), as atividades exercidas pelas crianças e adolescentes, em sua maioria, não estão
listadas no referido aplicativo, entretanto, o entrevistador deve escolher uma opção que se
aproxime ou marcar a opção “outros”. (2012).
A situação supracitada já aponta para uma continuidade de falha no cadastramento,
uma vez que, provavelmente fica falha a informação de qual atividade a criança ou o
adolescente exercia, sendo esta de muita importância para a criação de ações preventivas,
por exemplo.
Sobre as atividades sócioeducativas e de convivência, antes chamadas de “Jornada
Ampliada”, o estudo aponta que os recursos destinados a sua continuidade foram
drasticamente diminuídos, chegando a um corte de 85% (oitenta e cinco por cento).
Conforme a portaria que integrou os programas, as ações socioeducativas deveriam ser
estendidas às crianças e adolescentes do PBF, ou seja, ampliadas, entretanto, o valor pago
em 2006 foi de somente 65% (sessenta e cinco por cento) do valor aprovado. Além disso, a
falta de diretrizes para o desenvolvimento das atividades também é um problema.
No ano de 2007, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome criou o
Sistema de Acompanhamento do Serviço Socioeducativo do Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (SISPETI), um programa informatizado que permite acompanhar a
frequência mínima de 85% nas atividades sócioeducativas das crianças e adolescentes
inseridas no PETI, sendo que tal frequência é uma das exigências para a permanência da
família no programa e também no PBF, para as famílias em que ocorre situação de trabalho
infantil. O SISPET é alimentado pelos municípios, que devem informar o cumprimento da
frequência e as atividades oferecidas, e pela Secretaria Nacional de Renda e Cidadania
(SENARC/MDS), que fica responsável por informar quanto às crianças e adolescentes
beneficiados.
Entretanto, a avaliação do FNPETI aponta que inicialmente os municípios não
chegavam a cadastrar a totalidade da frequência havendo defasagem de 30 (trinta) a 60 %
(sessenta por cento). O problema referente ao SISPET começou a ser solucionado com envio
de recursos para que os municípios adquiram equipamentos de informática para realizarem a
atualização dos dados, bem como por ações específicas da Secretaria Nacional de Renda e
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Cidadania, como a contratação de recurso humano específico e capacitação a distância deste.


Além disto, no ano de 2010 o SISPETI passou por alterações e aprimorou as funcionalidades
do sistema, que passou a permitir um aprofundamento das informações.
Outro ponto avaliado pelo FNPETI que merece consideração é referente às
oportunidades de trabalho e de renda para as famílias beneficiadas pelo PETI, sendo
praticamente nula na concepção do PBF, a preocupação em assegurar, às famílias
beneficiadas pelo PETI, a possibilidade de sustento autônomo. Apesar das famílias inseridas
no PETI frequentarem atividades nos Centros de Referência CRAS e CREAS as ações não são
no âmbito específico do combate ao trabalho infantil.
Assim, a avaliação realizada pelo FNPETI aponta que a “integração não resolveu os
principais problemas do PETI e colocou área de controle com um desenho mais precário”
(Rua, 2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo que foi apontado no presente texto, percebe-se que o PETI, atualmente
necessita de uma reestruturação a fim de que volte a atender as especificidades relacionadas
à questão do trabalho infantil. O próprio estudo realizado pelo FNPETI aponta algumas
recomendações a fim de contribuir na melhoria dos problemas apresentados na avaliação
sobre a integração do PETI ao PBF, como: introduzir o efetivo registro e a fiscalização do
trabalho infantil como condição de concessão de subsídios e financiamentos no âmbito da
agricultura familiar; priorização para definição de parâmetros pedagógicos para as ações
sócioeducativas e de convivência; apoiar fortemente as ações de fiscalização do trabalho
infantil; propor aperfeiçoamento na coleta de dados do CádÚnico; sendo que destas algumas
já foram iniciadas.
O FNPETI indica estas recomendações a fim de promover uma melhora na política de
erradicação do trabalho infantil, entretanto, não se pode deixar de apontar que as dimensões
do Brasil, que em suas diversas regiões apresenta diferenças culturais, também são um
dificultador para, por exemplo, a criação de diretrizes, talvez a política deva ser pensada em
âmbitos regionais, para que atenda as especificidades de cada região.
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É claro que é reconhecida a contribuição do PETI para um efetivo início da


erradicação do trabalho infantil no Brasil. Neste sentido, Carvalho, 2008, aponta que apesar
das dificuldades detectadas nos estudos como os de Souza e Souza (2003) e Carvalho (2004),
não se podem desconhecer a relevância e as contribuições do PETI. Ele propiciou a retirada
de milhares de crianças e adolescentes das ruas e de ocupações penosas e degradantes, sua
permanência na escola e uma melhoria em suas condições de subsistência (ainda que
reduzida e temporária), resgatando sua dignidade e infância. (CARVALHO, p.554, 2008).
A questão do trabalho infantil é complexa. O problema está associado, embora não
esteja restrito, à pobreza, à desigualdade e à exclusão social existentes no Brasil, mas outros
fatores de natureza cultural, econômica e de organização social da produção respondem
também pelo seu agravamento. Há, de forma regionalmente diferenciada no país, uma
cultura de valorização do trabalho que insere crianças na força de trabalho com o objetivo de
retirá-las do ócio e da possível delinquência. Por outro lado, existem fatores vinculados a
formas tradicionais e familiares de organização econômica, em especial na pequena produção
agrícola, que mobilizam o trabalho infantil. Ademais, as oportunidades oferecidas pelo
mercado de trabalho urbano influenciam sobremodo a participação das crianças na força de
trabalho que, a despeito dos direitos que lhes asseguram o ordenamento jurídico, elas
continuam à margem da rede de proteção, quer na esfera dos direitos humanos, quer na
esfera social e trabalhista.
Apesar dos índices do PNAD dos últimos anos indicarem uma redução do trabalho
infantil: 11,5% em 2006, 10,2 em 2008 e 9,8% em 2009, conclui-se que esta é muito lenta e
que aparentemente o Brasil não consiga cumprir com a meta, estabelecida junto a ONU, de
erradicar as piores formas de trabalho infantil até o ano de 2016.
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REFERÊNCIAS

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MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME- MDS. Gestor - PETI -


Manual Operacional. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-
frequentes/assistencia-social/peti-programa-de-erradicacao-do-trabalho-
infantil/gestor/gestor-peti-manual-operacional#barra-brasil>. Acesso em: 18 jul. 2012.
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NOTAS

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Os objetivos do Bolsa Família são promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde,
educação e assistência social; combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; estimular a
emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e estrema pobreza; combater a
pobreza; promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do Poder Público
(FNPETI, 2007).
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De acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil no ano de 2006 o PETI
apresentava as seguintes características: O valor da bolsa passou a ser pago conforme o número de habitantes
do município, sendo que para aqueles com menos de 250 mil habitantes o valor é de R$25,00 para áreas rurais
e urbanas e R$40,00 reais para áreas urbanas com mais de 250 mil habitantes; Além da bolsa, a Secretaria
Nacional de Assistência Social repassava aos municípios um valor de R$20,00 por criança incluída na Jornada
Ampliada; A faixa etária das crianças e adolescentes atendidos passou a ser até 15 anos, além da inclusão de
crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual comercial; Para ser incluídos no PETI, os municípios e
estados deveriam assinar uma Termo de Adesão, ter suas Comissões de Erradicação do Trabalho Infantil
formalmente criadas, instaladas e apresentar um Plano de Ação; As principais etapas eram: inscrição da família
no CádÚnico; matricula ou retorno nas crianças e adolescentes às aulas; seleção, capacitação e contratação de
monitores para trabalhar na Jornada Ampliada; estruturação do espaço físico para a execução da Jornada
Ampliada; encaminhamento do plano de ação, preenchido e assinado pelo gestor municipal; envio da
declaração emitida pela Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil, atestando o cumprimento de
todas as etapas.
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Atualmente a renda percapta é de R$ 70,00 (Setenta Reais).
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Atualmente a renda percapta é de R$ 140,00 (Cento e Quarenta Reais).

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