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TEOGONIA Eia!

pelas Musas comecemos, elas a Zeus pai


A Origem dos Deuses hineando alegram o grande espírito no Olimpo
dizendo o presente, o futuro e o passado
Proêmio: hino às Musas vozes aliando. Infatigável flui o som
das bocas, suave. Brilha o palácio do pai 40
Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar. Zeus troante quando a voz lirial das Deusas
Elas têrn grande e divino o monte Hélicon, espalha-se, ecoa a cabeça do Olimpo nevado
em volta da fonte violácea com pés suaves e o palácio dos imortais. Lançando voz imperecível
dançam e do altar do bem forte filho de Crono. o ser venerando dos Deuses primeiro gloriam no canto
Banharam a tenra pele no Permesso 5 dês o começo: os que a Terra o Céu amplo geraram 45
ou na fonte do Cavalo ou no Olmio divino e os deles nascidos Deuses doadores de bens,
e irrompendo com os pés fizeram coros depois Zeus pai dos Deuses dos homens,
belos ardentes no ápice do Hélicon. no começo e fim do canto hineiam as Deusas
Daí precipitando-se ocultas por muita névoa o mais forte dos Deuses e o maior em poder,
vão em renques noturnos lançando belíssima voz, 10 e ainda o ser de homens e de poderosos Gigantes. 50
hineando Zeus porta-égide, a soberana Hera Hineando alegram o espírito de Zeus no Olimpo
de Argos calçada de áureas sandálias, Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide.
Atena de olhos glaucos virgem de Zeus porta-égide,
o luminoso Apolo, ÁrTêmis verte-flechas, Na Piéria gerou-as, da união do pai Cronida,
Posídon que sustém e treme a terra, 15 Memória rainha nas colinas de Eleutera,
Têmis veneranda, Afrodite de olhos ágeis, para oblívio de males e pausa de aflições. 55
Hebe de áurea coroa, a bela Dione, Nove noites teve uniões com ela o sábio Zeus
Aurora, o grande Sol, a Lua brilhante, longe dos imortais subindo ao sagrado leito.
Leto, Jápeto, Crono de curvo pensar,
Terra, o grande Oceano, a Noite negra 20 Quando girou o ano e retornaram as estações
e o sagrado ser dos outros imortais sempre vivos. com as mínguas das luas e muitos dias findaram,
ela pariu nove moças concordes que dos cantares 60
Elas um dia a Hesíodo ensinaram belo canto têm o desvelo no peito e não-triste ânimo,
quando pastoreava ovelhas ao pé do Hélicon divino. perto do ápice altíssimo do nevoso Olimpo,
Esta palavra primeiro disseram-me as Deusas aí os seus coros luzentes e belo palácio.
Musas olimpíades, virgens de Zeus porta-égide: 25 Junto a elas as Graças e o Desejo têm morada
"Pastores agrestes, vis infâmias e ventres só, nas festas, pelas bocas amável voz lançando 65
sabemos muitas mentiras dizer símeis aos fatos dançam e gloriam a partilha e hábitos nobres
e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações". de todos os imortais, voz bem amável lançando.
Assim falaram as virgens do grande Zeus verídicas,
por cetro deram-me um ramo, a um loureiro viçoso 30 Elas iam ao Olimpo exultantes com a bela voz,
colhendo-o admirável, e inspiraram-me um canto imperecível dança. Em torno gritava a terra negra
divino para que eu glorie o futuro e o passado, ao hinearem, dos pés amável ruído erguia-se 70
impeliram-me a hinear o ser dos venturosos sempre vivos ao irem a seu pai. Ele reina no céu
e a elas primeiro e por último sempre cantar. tendo consigo o trovão e o raio flamante,
Mas por que me vem isto de carvalho e de pedra? 35 venceu no poder o pai Crono, e aos imortais
bem distribuiu e indicou cada honra;
isto as Musas cantavam, tendo o palácio olímpio, 75

nove filhas nascidas do grande Zeus: Os Deuses primordiais


Glória, Alegria, Festa, Dançarina,
Alegra-coro, Amorosa, Hinária, Celeste Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também
e Belavoz, que dentre todas vem à frente. Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,
Ela é que acompanha os reis venerandos. 80 dos imortais que têrn a cabeça do Olimpo nevado,
A quern honram as virgens do grande Zeus e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,
e dentre reis sustentados por Zeus vêem nascer, e Eros: o mais belo entre Deuses imortais, 120
elas lhe vertem sobre a língua o doce orvalho solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos
e palavras de mel fluem de sua boca. Todas ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.
as gentes o olham decidir as sentenças 85
com reta justiça e ele firme falando na ágora Do Caos Érebos e noite negra nasceram.
logo à grande discórdia cônscio põe fim, Da Noite aliás Éter e Dia nasceram,
pois os reis têrn prudência quando às gentes gerou-os fecundada unida a Érebos em amor. 125
violadas na ágora perfazem as reparações
facilmente, a persuadir com brandas palavras. 90 Terra primeiro pariu igual a si mesma
Indo à assembléia, como a um Deus o propiciam Céu constelado, para cercá-la toda ao redor
pelo doce honor e nas reuniões se distingue. e ser aos Deuses venturosos sede irresvalável sempre.
Tal das Musas o sagrado dom aos homens. Pariu altas Montanhas, belos abrigos das Deusas
ninfas que moram nas montanhas frondosas. 130
Pelas Musas e pelo golpeante Apolo E pariu a infecunda planície impetuosa de ondas
há cantores e citaristas sobre a terra, 95 o Mar, sem o desejoso amor. Depois pariu
e por Zeus, reis. Feliz é quem as Musas do coito com Céu: Oceano de fundos remoinhos
amam, doce de sua boca flui a voz. e Coios e Crios e Hipérion e Jépeto
Se com angústia no ânimo recém-ferido e Téia e Réia e Têmis e Memória 135
alguém aflito mirra o coração e se o cantor e Febe de áurea coroa e Tétis amorosa.
servo das Musas hineia a glória dos antigos 100 E após com ótimas armas Crono de curvo pensar,
e os venturosos Deuses que têrn o Olimpo, filho o mais terrível: detestou o florescente pai.
logo esquece os pesares e de nenhuma aflição
se lembra, já os desviaram os dons das Deusas. Pariu ainda os Ciclopes de soberbo coração:
Trovão, Relâmpago e Arges de violento ânimo 140
Alegrai, filhas de Zeus, dai ardente canto, que a Zeus deram o trovão e forjaram o raio.
gloriai o sagrado ser dos imortais sempre vivos, 105 Eles no mais eram comparáveis aos Deuses,
os que nasceram da Terra e do Céu constelado, único olho bem no meio repousava na fronte.
os da Noite trevosa, os que o salgado Mar criou. Ciclopes denominava-os o nome, porque neles
Dizei como no começo Deuses e Terra nasceram, circular olho sozinho repousava na fronte. 145
os Rios, o Mar infinito impetuoso de ondas, Vigor, violência e engenho possuíam na ação.
os Astros brilhantes e o Céu amplo em cima. 110
Os deles nascidos Deuses doadores de bens Outros ainda da Terra e do Céu nasceram,
como dividiram a opulência e repartiram as honras três filhos enormes, violentos, não nomeáveis.
e como no começo tiveram o rugoso Olimpo. Cotos, Briareu e Giges, assombrosos filhos.
Dizei-me isto, Musas que tendes o palácio olímpio, Deles, eram cem braços que saltavam dos ombros, 150
dês o começo e quem dentre eles primeiro nasceu. 115 improximáveis; cabeças de cada um cinqüenta
brotavam dos ombros, sobre os grossos membros.
Vigor sem limite, poderoso na enorme forma
História do Céu e de Crono crescia sob esbeltos pés. A ela, Afrodite 195
Deusa nascida de espuma e bem-coroada Citeréia
Quantos da Terra e do Céu nasceram,
filhos os mais temíveis, detestava-os o pai 155 apelidam homens e Deuses, porque da espuma
dês o começo: tão logo cada um deles nascia criou-se e Citeréia porque tocou Citera,
a todos ocultava, à luz não os permitindo, Cípria porque nasceu na undosa Chipre,
na cova da Terra. Alegrava-se na maligna obra e Amor-do-pênis porque saiu do pênis à luz. 200
o Ceu. Por dentro gemia a Terra prodigiosa Eros acompanhou-a, Desejo seguiu-a belo,
atulhada, e urdiu dolosa e maligna arte. 160 tão logo nasceu e foi para a grei dos Deuses.
Rápida criou o gênero do grisalho aço, Esta honra tem dês o começo e na partilha
forjou grande podão e indicou aos filhos. coube-lhe entre homens e Deuses imortais
Disse com ousadia, ofendida no coração: as conversas de moças, os sorrisos, os enganos, 205
"Filhos meus e do pai estólido, se quiserdes o doce gozo, o amor e a meiguice.
ter-me fé, puniremos o maligno ultraje de vosso 165
pai, pois ele tramou antes obras indignas". O pai com o apelido de Titãs apelidou-os:
Assim falou e a todos reteve o terror, ninguém o grande Céu vituperando filhos que gerou
vozeou. Ousado o grande Crono de curvo pensar dizia terem feito, na altiva estultícia,
devolveu logo as palavras à mãe cuidadosa: grã obra de que castigo teriam no porvir. 210
"Mãe, isto eu prometo e cumprirei 170
a obra, porque nefando não me importa o nosso Os filhos da Noite
pai, pois ele tramou antes obras indignas".
Noite pariu hediondo Lote, Sorte negra
Assim falou. Exultou nas entranhas Terra prodigiosa, e Morte, pariu Sono e pariu a grei de Sonhos.
colocou-o oculto em tocaia, pôs-lhe nas mãos A seguir Escárnio e Miséria cheia de dor.
a foice dentada e inculcou-lhe todo o ardil. 175 Com nenhum conúbio divina pariu-os Noite trevosa.
Veio com a noite o grande Céu, ao redor da Terra As Hespérides que vigiam além do ínclito Oceano 215
desejando amor sobrepairou e estendeu-se belas maçãs de ouro e as árvores frutiferantes
a tudo. Da tocaia o filho alcançou com a mão pariu e as Partes e as Sortes que punem sem dó:
esquerda, com a destra pegou a prodigiosa foice Fiandeira, Distributriz e Inflexível que aos mortais
longa e dentada. E do pai o pênis 180 tão logo nascidos dão os haveres de bem e de mal,
ceifou com ímpeto e lançou-o a esmo elas perseguem transgressões de homens e Deuses 220
para trás. Mas nada inerte escapou da mão: e jamais repousam as Deusas da terrível cólera
quantos salpicos respingaram sanguíneos até que dêem com o olho maligno naquele que erra.
a todos recebeu-os a Terra; com o girar do ano Pariu ainda Nêmesis ruína dos perecíveis mortais
gerou as Erínias duras, os grandes Gigantes 185 a Noite funérea. Depois pariu Engano e Amor
rútilos nas armas, com longas lanças nas mãos, e Velhice funesta e pariu Éris de ânimo cruel. 225
e Ninfas chamadas Freixos sobre a terra infinita.
O pênis, tão logo cortando-o com o aço Éris hedionda pariu Fadiga cheia de dor,
atirou do continente no undoso mar, Olvido, Fome e Dores cheias de lágrimas,
aí muito boiou na planície, ao redor branca 190 Batalhas, Combates, Massacres e Homicídios,
espuma da imortal carne ejaculava-se, dela Litígios, Mentiras, Falas e Disputas,
uma virgem criou-se. Primeiro Citera divina Desordem e Derrota conviventes uma da outra, 230
atingiu, depois foi a circunfluída Chipre e Juramento, que aos sobreterrâneos homens
e saiu veneranda bela Deusa, ao redor relva muito arruína quando alguém adrede perjura.

A linhagem do Mar De Fórcis, Ceto gerou as Velhas de belas faces, 270


grisalhas de nascença, apelidam-nas Velhas
O Mar gerou Nereu sem mentira nem olvido, Deuses imortais e homens caminhantes da terra:
filho o mais velho, também o chamam Ancião Penfredo de véu perfeito e Ênio de véu açafrão.
porque infalível e bom, nem os preceitos 235 Gerou Górgonas que habitam além do ínclito Oceano
olvida mas justos e bons desígnios conhece. os confins da noite (onde as Hespérides cantoras): 275
Amante da Terra gerou também o grande Espanto Esteno, Euríale e Medusa que sofreu o funesto,
e o viril Fórcis e Ceto de belas faces era mortal, as outras imortais e sem velhice
e Euríbia que nas entranhas tern ânimo de aço. ambas, mas com ela deitou-se o Crina-preta
no macio prado entre flores de primavera.
De Nereu nasceram filhas rivais de Deusas 240 Dela, quando Perseu lhe decapitou o pescoço, 280
no mar infecundo. Dádiva de belos cabelos surgiram o grande Aurigládio e o cavalo Pégaso;
virgem do Oceano, rio circular, gerou-as: tern este nome porque ao pé das águas do Oceano
Primeira, Eficácia, Salvante, Anfitrite, nasceu, o outro com o gládio de ouro nas mãos,
Doadora, Tétis, Bonança, Glauca, voando ele abandonou a terra mãe de rebanhos
Ondaveloz, Gruta, Veloz, Marina amável, 245 e foi aos imortais e habita o palácio de Zeus, 285
Onidéia, Amorosa, Vitória de róseos braços, portador de trovão e relâmpago de Zeus sábio.
Melita graciosa, Portuária, Esplendente, Aurigládio gerou Gerioneu de três cabeça
Dadivosa, Primeira, Portadora, Potente, unindo-se a Belaflui virgem do ínclito Oceano.
Ilhéia, Recife, Rainhaprima, E a Gerioneu matou-o a força de Heracles
Dádiva, Onividente, formosa Galatéia, 250 perto dos bois sinuosos na circunfluída Eritéia 290
Eguaveloz amável, Égua-sagaz de róseos braços, no dia em que tangeria os bois de ampla testa
Pega-onda que apazigua no mar cor de névoa para Tirinto sagrada após atravessar o Oceano
facilmente a onda e o sopro de fortes ventos após matar Ortro e o vaqueiro Eurítion
com Aplana-onda e Anfitrite de belos tornozelos, no nevoento estábulo além do ínclito Oceano.
Ondeia, Praia, a bem-coroada Rainhamarina, 255
Glaucapartilha sorridente, Travessia, Ela pariu outro incombatível prodígio nem par 295
Reúne-gente, Reúne-bem, Rainha-das-gentes, a homens mortais nem a Deuses imortais
Multi-sagaz, Sagacidade, Rainha-solvente, numa gruta cava: divina Víbora de ânimo cruel,
Pastora de amável talhe e perfeita beleza, semininfa de olhos vivos e belas faces
Arenosa de gracioso corpo, divina Eqüestre, 260 e prodigiosa semi-serpente terrível e enorme,
llhoa, Escolta, Preceitora, Previdência cambiante carnívoro sob covil na divina terra 300
e Infalível que do pai imortal tern o espírito. Aí sua gruta lá embaixo está sob côncava pedra
Estas nasceram do irrepreensível Nereu, longe dos Deuses imortais e dos homens mortais,
cinqüenta virgens, sábias de ações irrepreensíveis. aí lhe deram os Deuses habitar ínclito palácio.
Em Árimos sob o chão reteve-se a lúgubre Víbora
Espanto a filha do Oceano de profundo fluir 265 ninfa imortal e sem velhice para sempre. 305
desposou, Ambarina. Ela pariu ligeira Íris É fama que com ela Tífon uniu-se em amor,
e Harpias de belos cabelos: Procela e Alígera terrível soberbo sem lei com a virgem de olhos vivos.
que a pássaros e rajadas de vento acompanham Ela fecundada pariu crias de ânimo cruel.
com asas ligeiras, pois no abismo do ar se lançam. Gerou primeiro Ortro, cão de Gerioneu.
Depois pariu o incombatível e não nomeável 310
Cérbero carnívoro, cão de brônzea voz do Hades,
de cinqüenta cabeças, impudente e cruel. Persuasiva, Virgínea, Violeta, Ambarina
A seguir gerou Hidra, sábia do que é funesto, Dádiva, Popa, Celeste de divina aparência, 350
e em Lerna nutriu-a a Deusa de alvos braços Hera Eqüina, Clímene, Rosea, Belaflui,
por imenso rancor contra a força de Heracles; 315 Núpcia, Clítia, Sábia, Persuasora,
matou-a o filho de Zeus com não piedoso bronze, Plexaura, Galaxaura, amável Dione,
Heracles Anfitrionida, com o dileto de Ares Pecuária, Veloz, formosa Polidora,
Iolau, por desígnios de Atena apresadora. Tecelã de amável talhe, Riqueza de olhos bovinos, 355
Perseida, Ianeira, Acaste, Loira
Ela pariu a Cabra que sopra irrepelível fogo, Pétrea amorosa, Resistência, Europa,
a terrível e grande e de pés ligeiros e cruel, 320 Astúcia, Eurinome, Concludente de véu açafrão,
tinha três cabeças: uma de leão de olhos rútilos, Áurea, Ásia, amorosa Calipso,
outra de cabra, outra de víbora, cruel serpente. Doadora, Acaso, Circunflui, Velozflui 360
Na frente leão, atrás serpente, no meio cabra, e Estige que dentre todas vem à frente.
expirando o terrível furor do fogo aceso. Estas nasceram de Oceano e de Tétis
Agarrou-a Pégaso e o bravo Belerofonte. 325 filhas mais velhas: há muitas outras ainda,
há três mil Oceaninas de finos tornozelos
E ela pariu a funesta Fix, ruína dos cadmeus, que dispersas percorrem terra e águas profundas 365
emprenhada por Ortro, pariu o Leão de Neméia por igual e de todo, crias magníficas entre Deusas.
que Hera a ínclita esposa de Zeus nutriu Outros rios que fluem fragorosos são tantos
e abrigou nas colinas de Neméia, pena dos homens: filhos de Oceano, gerou-os Tétis soberana.
aí residindo destruía greis de homens 330 De todos é difícil a urn mortal dizer o nome,
senhor de Treto e Apesanta em Neméia, a cada um conhece quern habita à sua beira. 370
mas sucumbiu ao vigor da força de Heracles.
Téia gerou o grande Sol, a Lua brilhante
Unida a Fórcis em amor, Ceto gerou por fim e Aurora que brilha a todos ós sobreterrâneos
terrível Serpente que no covil da terra trevosa e aos Deuses imortais que têrn o céu amplo,
nas grandes fronteiras guarda maçãs de ouro. 335 gerou-os submetida a Hipérion em amor.
Esta é a geração de Ceto e de Fórcis.
Euríbia unida a Crios em amor gerou 375
A linhagem do Céu divina entre Deusas: o grande Astreu, Palas
e Perses distinto de todos pela sabedoria.
Tétis gerou de Oceano os rios rodopiantes:
Nilo, Alfeu, Erídano de rodopios profundos, Aurora gerou de Astreu ventos de ânimo violento,
Estrímon, Meandro, Istro de belo fluir, Zéfiro clareante, Bóreas de veloz caminhada
Fase, Reso, Aquelôo de rodopios de prata, 340 e Notos, no coito amoroso a Deusa com o Deus, 380
Nesso, Ródio, Haliácmon, Sete-bocas, e após aurorante pariu a Estrela da Manhã
Granico, Esepo, Simoente divino, e os astros brilhantes de que o céu se coroa.
Peneu, Hermo, Caico bem-fluente,
Sangário grande, Ládon, Partênio, Estige filha do Oceano unida a Palas
Eveno, Ardesco e Escamandro divino. 345 no palácio pariu Zelo e Vitória de belos tornozelos
e pariu Poder e Violência, insignes filhos. 385
E pariu a sagrada geração de filhas Longe deles não há morada de Zeus nem pouso
que pela terra adolescem homens com Apolo rei nem percurso por onde o Deus não os guie
e com os Rios e que têrn de Zeus esta honra: mas sempre perto de Zeus gravitroante repousam.

Assim decidiu Estige imperecível Oceanina


no dia em que o Olímpio relampeante a todos 390 Diligente quando os homens lutam nos jogos 435
os imortais conclamou ao alto Olimpo, aí também a Deusa Ihe dá auxílio e ajuda,
e disse quern dos Deuses combatesse com ele os Titãs e vencendo pela força e vigor, leva belo prêmio
ele não o privaria dos prêmios e cada honra facilmente, com alegria, e aos pais dá a glória.
manteria como antes entre os Deuses imortais, Diligente entre os cavaleiros assiste a quem quer,
e que o não-honrado sob Crono e sem-prêmios 395 e aos que lavram o mar de ínvios caminhos 440
honra e prêmio alcançaria, como é justiça.
E veio primeiro Estige imperecível ao Olimpo e suplicam a Hécate e ao troante Treme-terra,
com os filhos, por desígnios de seu pai; fácil a gloriosa Deusa concede muita pesca
honrou-a Zeus e supremos dons lhe deu: ou surge e arranca-a, se o quer no seu ânimo.
fez dela própria o grande juramento dos Deuses 400 Diligente no estábulo com Hermes aumenta
e seus filhos para sempre residirem com ele. o rebanho de bois e a larga tropa de cabras 445
Assim para todos inteiramente como prometeu e a de ovelhas lanosas, se o quer no seu ânimo,
cumpriu, ele próprio tern grande poder e reina. de poucos avoluma-os e de muitos faz menores.
Assim, apesar de ser a única filha de sua mãe,
Hino a Hécate entre imortais é honrada com todos os privilégios.
O Cronida a fez nutriz de jovens que depois dela 450
Febe entrou no amoroso leito de Coios com os olhos viram a luz da multividente Aurora.
e fecundou a Deusa o Deus em amor, 405 Assim dês o começo é nutriz de jovens e estas as honras.
ela gerou Leto de negro véu, a sempre doce,
boa aos homens e aos Deuses imortais, O nascimento de Zeus
doce dês o começo, a mais suave no Olimpo.
Gerou Astéria de propício nome, que Perses Réia submetida a Crono pariu brilhantes filhos:
conduziu um dia a seu palácio e desposou, 410 Héstia, Deméter e Hera de áureas sandálias,
e fecundada pariu Hécate a quem mais o forte Hades que sob o chão habita um palácio 455
Zeus Cronida honrou e concedeu esplêndidos dons, com impiedoso coração, o troante Treme-terra
ter parte na terra e no mar infecundo. e o sábio Zeus, pai dos Deuses e dos homens,
Ela também do Céu constelado partilhou a honra sob cujo trovão até a ampla terra se abala.
e é muito honrada entre os Deuses imortais. 415
Hoje ainda, se algum homem sobre a terra E engolia-os o grande Crono tão logo cada um
com belos sacrifícios conforme os ritos propicia do ventre sagrado da mãe descia aos joelhos, 460
e invoca Hécate, muita honra o acompanha tramando-o para que outro dos magníficos Uranidas
facilmente, a quem a Deusa propensa acolhe a prece; não tivesse entre os imortais a honra de rei.
e torna-o opulento, porque ela tem força. 420 Pois soube da Terra e do Céu constelado
De quantos nasceram da Terra e do Céu que lhe era destino por um filho ser submetido
e receberam honra, de todos obteve um lote; apesar de poderoso, por desígnios do grande Zeus. 465
nem o Cronida violou nem a despojou E não mantinha vigilância de cego, mas à espreita
do que recebeu entre os antigos Deuses Titãs engolia os filhos. Réia agarrou-a longa aflição.
e ela tem como primeiro no começo houve a partilha. 425 Mas quando a Zeus pai dos Deuses e dos homens
Nem porque filha única menos partilhou de honra ela devia parir, suplicou-lhe então aos pais queridos,
e de privilégio na terra e no céu e no mar aos seus, à Terra e ao Céu constelado, 470
mas ainda mais, porque honra-a Zeus. comporem um ardil para que oculta parisse
A quem quer, grandemente dá auxílio e ajuda, o filho, e fosse punido pelas Erínias do pai
no tribunal senta-se junto aos reis venerandos, e filhos engolidos o grande Crono de curvo pensar.
na assembléia entre o povo distingue a quem quer, 430 Eles escutaram e atenderam à filha querida
e quando se armam para o combate homicida
os homens, aí a Deusa assiste a quem quer e indicaram quanto era destino ocorrer 475
e propícia concede vitória e oferece-lhe glória. ao rei Crono e ao filho de violento ânimo.
Enviaram-na a Licto, gorda região de Creta, cadeias dolorosas passadas ao meio duma coluna,
quando ela devia parir o filho de ótimas armas, e sobre ele incitou uma águia de longas asas,
o grande Zeus, e recebeu-o Terra prodigiosa ela comia o fígado imortal, ele crescia à noite
na vasta Creta para nutri-lo e criá-lo. 480 todo igual o comera de dia a ave de longas asas. 525
Aí levando-o através da veloz noite negra atingiu O filho de Alcmena de belos tornozelos valente
primeiro Licto, e com ele nas mãos escondeu-o Heracles matou-a, da maligna doença defendeu
em gruta íngreme sob o covil da terra divina o filho de Jápeto e libertou-o dos tormentos,
no monte das Cabras denso de árvores. não discordando Zeus Olímpio o sublime soberano
Encueirou grande pedra e entregou-a 485 para que de Heracles Tebano fosse a glória 530
ao soberano Uranida rei dos antigos Deuses. maior que antes sobre a terra multinutriz.
Tomando-a nas mãos meteu-a ventre abaixo Reverente ele honrou ao insigne filho,
o coitado, nem pensou nas entranhas que deixava apesar da cólera pôs fim ao rancor que retinha
em vez da pedra o seu filho invicto e seguro de quem desafiou os desígnios do pujante Cronida.
ao porvir. Este com violência e mãos dominando-o 490 Quando se discerniam Deuses e homens mortais 535
logo o expulsaria da honra e reinaria entre imortais. em Mecona, com ânimo atento dividindo ofertou
Rápido o vigor e os brilhantes membros grande boi, a trapacear o espírito de Zeus:
do príncipe cresciam. E com o girar do ano, aqui pôs carnes e gordas vísceras com a banha
enganado por repetidas instigações da Terra, sobre a pele e cobriu-as com o ventre do boi,
soltou a prole o grande Crono de curvo pensar, 495 ali os alvos ossos do boi com dolosa arte 540
vencido pelas artes e violência do filho. dispôs e cobriu-os com a brilhante banha.
Primeiro vomitou a pedra por último engolida. Disse-lhe o pai dos homens e dos Deuses:
Zeus cravou-a sobre a terra de amplas vias "Filho de Jápeto, insigne dentre todos os reis,
em Delfos divino, nos vales ao pé do Parnaso, ó doce, dividiste as partes zeloso de um só!".
signo ao porvir e espanto aos perecíveis mortais. 500 Assim falou a zombar Zeus de imperecíveis desígnios. 545
E livrou das perdidas prisões os tios paternos E disse-lhe Prometeu de curvo pensar
Trovão, Relâmpago e Arges de violento ânimo, sorrindo leve, não esqueceu a dolosa arte:
filhos de Céu a quem o pai em desvario prendeu; "Zeus, o de maior glória e poder dos Deuses perenes,
e eles lembrados da graça benéfica toma qual dos dois nas entranhas te exorta o ânimo".
deram-lhe o trovão e o raio flamante Falou por astúcia. Zeus de imperecíveis desígnios 550
e o relâmpago que antes Terra prodigiosa recobria. 505 soube, não ignorou a astúcia; nas entranhas previu
Neles confiante reina sobre mortais e imortais. males que aos homens mortais deviam cumprir-se.
Com as duas mãos ergueu a alva gordura,
Historia de Prometeu raivou nas entranhas, o rancor veio ao seu ânimo,
quando viu alvos ossos do boi sob dolosa arte. 555
Jápeto desposou Clímene de belos tornozelos Por isso aos imortais sobre a terra a grei humana
virgem Oceanina e entraram no mesmo leito. queima os alvos ossos em altares turiais.
Ela gerou o filho Atlas de violento ânimo, E colérico disse-lhe Zeus agrega-nuvens:
pariu o sobreglorioso Menécio e Prometeu 510 "Filho de Jápeto, o mais hábil em seus desígnios,
astuto de iriado pensar e o sem-acerto Epimeteu ó doce, ainda não esqueceste a dolosa arte!". 560
que foi um mal dês o começo aos homens come-pão, Assim falou irado Zeus de imperecíveis desígnios,
pois primeiro aceitou de Zeus moldada a mulher depois sempre deste ardil lembrado
virgem. Ao soberbo Menécio, Zeus longividente negou nos freixos a força do fogo infatigável
lançou-o Érebos abaixo golpeando com fúmeo raio 515 aos homens mortais que sobre a terra habitam.
por sua estultícia e bravura bem-armada. Porém o enganou o bravo filho de Jápeto: 565
Atlas sustém o amplo céu sob cruel coerção furtou o brilho longevisível do infatigável fogo
nos confins da Terra ante as Hespérides cantoras, em oca férula; mordeu fundo o ânimo
de pé, com a cabeça e infatigáveis braços: a Zeus tonítruo e enraivou seu coração
este destino o sábio Zeus atribuiu-lhe. 520 ver entre homens o brilho longevisível do fogo.
E prendeu com infrágeis peias Prometeu astuciador, E criou já ao invés do fogo um mal aos homens: 570
descendo-lhe da cabeça, prodígio aos olhos, 575 plasmou-o da terra o ínclito Pés-tortos
ao redor coroas de flores novas da relva como virgem pudente, por desígnios do Cronida;
sedutoras Ihe pôs na fronte Palas Atena cingiu e adornou-a a Deusa Atena de olhos glaucos
e ao redor da cabeça pôs uma coroa de ouro, com vestes alvas, compôs um véu laborioso
quem a fabricou: o ínclito Pés-tortos e tamanho, e meteu-os sob a terra de amplas vias. 620
lavrando-a nas mãos, agradando a Zeus pai, 580 Aí, doloridos sob a terra habitando
e muitos lavores nela gravou, prodígio aos olhos, jaziam nos confins e fronteiras da grande terra
das feras que a terra e o mar nutrem muitas com longas angústias e grande mágoa no coração.
ele pôs muitas ali (esplendia muita a graça) Mas o Cronida e os outros Deuses imortais
prodigiosas iguais às que vivas têm voz. que Réia de belos cabelos pariu amada por Crono 625
Após ter criado belo o mal em vez de um bem 585 restituíram-nos à luz por conselhos da Terra.
levou-a lá onde eram outros Deuses e homens Ela lhes revelou clara e plenamente:
adornada pela dos olhos glaucos e do pai forte. teriam com eles vitória e renome esplêndido.
O espanto reteve Deuses imortais e homens mortais Há muito combatiam com dolorosas fadigas
ao virem íngreme incombátivel ardil aos homens. uns contra outros em violentas batalhas
Dela descende a geração das femininas mulheres. 590 os Deuses Titãs e quantos nasceram de Crono: 630
Dela é a funesta geração e grei das mulheres, uns no alto Ótris — os Titãs magníficos —.
grande pena que habita entre homens mortais, outros no Olimpo — os Deuses doadores de bens
parceiras não da penúria cruel, porém do luxo. que Réia de belos cabelos pariu amada por Crono.
Tal quando na colméia recoberta abelhas Davam uns aos outros doloroso combate 635
nutrem zangões, emparelhados de malefício, 595 em batalhas contínuas há dez anos cheios.
elas todo o dia até o mergulho do sol Nenhum final nem solução da áspera discórdia
diurnas fadigam-se e fazem os brancos favos, de nenhum lado, ambíguo pairava o termo da guerra.
eles ficam no abrigo do enxame à espera Mas quando àqueles ofereceu todo o sustento,
e amontoam no seu ventre o esforço alheio, néctar e ambrosia que só os Deuses comem 640
assim um mal igual fez aos homens mortais 600 no peito de todos cresceu o ânimo viril.
Zeus tonítruo: as mulheres, parelhas de obras Após sorverem o néctar e a amável ambrosia
ásperas, e em vez de um bem deu oposto mal. disse-lhes o pai dos homens e dos Deuses:
Quem fugindo a núpcias e a obrigações com mulheres "Ouvi-me, filhos magníficos da Terra e do Céu,
não quer casar-se, atinge a velhice funesta que eu diga o que no peito o ânimo me ordena: 645
sem quem o segure: não de víveres carente 605 já há muitos anos, uns contra os outros,
vive, mas ao morrer dividem-lhe as posses todo dia combatemos pela vitória e poder
parentes longes. A quem vem o destino de núpcias os Deuses Titãs e quantos nascemos de Crono.
e cabe cuidosa esposa Concorde consigo, Vós com grande violência e braços intocáveis
para este desde cedo ao bem contrapesa o mal surgi contra os Titãs na lúgubre batalha, 650
constante. E quem acolhe uma de raça perversa 610 lembrai a doce lealdade e quanto sofrestes
vive com uma aflição sem fim nas entranhas, na prisão cruel antes de voltar à luz
no ânimo, no coração, e incurável é o mal. por nossos desígnios, de sob a treva nevoenta".
Assim falou. Respondeu o irrepreensível Cotos:
Não se pode furtar nem superar o espírito de Zeus "Ó, portento, não o não sabido revelas: nós 655
pois nem o filho de Jápeto o benéfico Prometeu sabemos que tens supremo cor e supremo espírito,
escapou-lhe à pesada cólera, mas sob coerção 615 e repeliste dos imortais o mal horrendo;
apesar de multissábio a grande cadeia o retém. por tua sabedoria, de sob a treva nevoenta
das prisões sem-mel, nós já sem esperanças
A Titanomaquia de volta viemos, ó rei filho de Crono. 660
Agora com rijo espírito e prudente vontade
Tão logo o pai lhes teve ódio no ânimo defenderemos vosso poder na luta terrível
prendeu em poderosa prisão Briareu, Cotos e Giges combatendo os Titãs na violenta batalha".
admirado da bem-armada bravura, aspecto
Assim falou. Aprovaram os Deuses doadores de bens Na frente despertaram áspero combate
a palavra ouvida. Ávido de guerra o ânimo 665 Cotos, Briareu e Giges insaciável de guerra.
ainda mais, e despertaram o triste combate Trezentas pedras dos grossos braços 715
todos — Deusas e Deuses — naquele dia: Iançavam seguidas e cobriram de golpes
os Deuses Titãs, quantos nasceram de Crono, os Titãs. E sob a terra de amplas vias
os que Zeus do Érebos sob a terra lançou à luz, Iançaram-nos e prenderam em prisões dolorosas
terríveis, poderosos, com bem-armada violência. 670 vencidos pelos braços apesar de soberbos,
Deles eram cem braços que saltavam dos ombros tão longe sob a terra quanta é da terra o céu, 720
de cada um, cabeças de cada um cinqüenta pois tanto o é da terra o Tártaro nevoento.
brotavam dos ombros sobre grossos membros.
Eles impuseram aos Titãs lúgubre batalha Descrição do Tártaro
agarrando Íngremes pedras com os grossos braços. 675
Os Titãs defronte fortificavam as fileiras Nove noites e dias uma bigorna de bronze
com ardor. Ambos os lados mostravam obras cai do céu e só no décimo atinge a terra
braçais violentas. Terrível mugia o mar infinito, e, caindo da terra, o Tártaro nevoento.
retumbava forte a terra, o vasto céu gemia E nove noites e dias uma bigorna de bronze
sacudido, no solo estremecia o alto Olimpo 680 cai da terra e só no décimo atinge o Tártaro. 725
sob golpes dos imortais, o abalo pesado atingia
o Tártaro nevoento, e o surdo estrondo de pés Cerca-o um muro de bronze. A noite em torno
de indizíveis assaltos e ataques brutais. verte-se três vezes ao redor do gargalo. Por cima
E uns contra outros lançavam dardos gemidosos, as raízes da terra plantam-se e do mar infecundo.
vinda de ambos atinge o céu constelado 685
a voz exortante, e batiam-se com grande grito. Aí os Deuses Titãs sob a treva nevoenta
estão ocultos por desígnios de Zeus agrega-nuvens, 730
Não mais Zeus continha seu furor e deste região bolorenta nos confins da terra prodigiosa.
furor logo encheram-se suas vísceras e toda Não têm saída. Impôs-lhes Posídon portas
violência ele mostrava. Do céu e do Olimpo de bronze e lado a lado percorre a muralha.
relampejando avançava sempre, os raios 690 Aí Giges, Cotos e Briareu magnânimo
com trovões e relâmpagos juntos voavam habitam, guardas fiéis de Zeus porta-égide. 735
do grosso braço, rodopiando a chama sagrada
densos. A terra nutriz retumbava ao redor Aí, da terra trevosa e do Tártaro nevoento
queimando-se, crepitou ao fogo vasta floresta, e do mar infecundo e do Céu constelado,
fervia o chão todo e as correntes do Oceano de todos, estão contíguos as fontes e confins,
e o mar infecundo, o sopro quente atava torturantes e bolorentos, odeiam-nos os Deuses.
os Titãs terrestres, a chama atingia vasta Vasto abismo, nem ao termo de um ano 740
o ar divino, apesar de fortes cegava-os nos olhos atingiria o solo quem por suas portas entrasse
o brilhar fulgurante de raio e relâmpago. mas de cá para lá o levaria tufão após tufão
O calor prodigioso traspassou o Caos. Parecia, 700 torturante, terrível até para os Deuses imortais
a ver-se com olhos e ouvir-se com ouvidos a voz, este prodígio. A casa terrível da Noite trevosa
quando Terra e o Céu amplo lá em cima eleva-se aí oculta por escuras nuvens. 745
tocavam-se, tão grande clangor erguia-se
dela desabada e dele desabando-se por cima, Defronte, o filho de Jápeto sustém o Céu amplo
tal o clangor dos Deuses batendo-se na luta. 705 de pé, com a cabeça e infatigáveis braços
Os ventos revolviam o tremor de terra, a poeira, inabalável, onde Noite e Dia se aproximam
o trovão, o relâmpago e o raio flamante, e saúdam-se cruzando o grande umbral
dardos de Zeus grande, e levavam alarido e voz de bronze. Um desce dentro, outro vai 750
ao meio das frentes, estrondo imenso erguia-se fora, nunca o palácio fecha a ambos,
da discórdia atroz. Mostrava-se o poder dos braços. 710 mas sempre um deles está fora do palácio
e percorre a terra, o outro está dentro
e espera vir a sua hora de caminhar, nove anos afasta-se dos Deuses sempre vivos,
ele tem aos sobreterrâneos a luz multividente, 755 nem freqüenta conselho nem banquetes
ela nos braços o Sono, irmão da Morte, nove anos a fio. No décimo freqüenta de novo
a Noite funesta oculta por nuvens cor de névoa. reuniões dos imortais que têm o palácio Olímpio.
Tal juramento os Deuses fizeram de Estige imperecível 805
Aí os filhos da Noite sombria têm morada, água ogígia que brota de abrupta região.
Sono e Morte, terríveis Deuses, nunca
o Sol fulgente olha-os com seus raios 760 Aí, da terra trevosa e do Tártaro nevoento
ao subir ao céu nem ao descer o céu. e do mar infecundo e do céu constelado,
Um deles, tranqüilo e doce aos homens, de todos, estão contíguos as fontes e confins,
percorre a terra e o largo dorso do mar, torturantes e bolorentos, odeiam-nos os Deuses. 810
o outro, de coração de ferro e alma de bronze
não piedoso no peito, retém quem dos homens 765 Aí resplandentes portas e umbral de bronze
agarra, odioso até aos Deuses imortais. inabalável, embutidos em raízes contínuas
nascido de si mesmo. Defronte, longe dos Deuses,
Defronte, o palácio ecoante do Deus subterrâneo os Titãs habitam além do Caos sombrio.
o forte Hades e da temível Perséfone Os ínclitos aliados de Zeus estrondante 815
eleva-se. Terrível cão guarda-lhe a frente habitam um palácio no alicerce do Oceano,
não piedoso, tem maligna arte: aos que entram 770 Cotos e Giges, a Briareu por sua bravura
faz festas com o rabo e ambas as orelhas, o gravitroante Treme-terra fez seu genro,
sair de novo não deixa: à espreita deu-lhe por esposa sua filha Anda-onda
devora quem surpreende a sair das portas.
A luta contra Tifeu
Aí habita a Deusa detestada dos imortais 775
terrível Estige, filha do Oceano refluente E quando Zeus expulsou do céu os Titãs, 820
a mais velha, longe dos Deuses em ilustre palácio Terra prodigiosa pariu com ótimas armas Tifeu
coberto de altas pedras, todo ao redor amada por Tártaro graças à áurea Afrodite.
com as colunas de prata se apóia no céu. Ele tem braços dispostos a ações violentas
Pouco a filha de Espanto Íris de agéis pés 780 e infatigáveis pés de Deus poderoso.Dos ombros
aí vem mensageira sobre o largo dorso do mar: cem cabeças de serpente, de víbora terrível, 825
quando briga e discórdia surgem entre imortais expeliam línguas trevosas. Dos olhos
e se um dos que têm o palácio Olímpio mente sob cílios nas cabeças divinas faiscava fogo
Zeus faz Iris trazer o grande juramento dos Deuses e das cabeças todas fogo queimava no olhar.
num jarro de ouro a longe água de muitos nomes 785
fria. Ela precipita-se da íngreme pedra Vozes havia em todas as terríveis cabeças
alta. E abundante sob a terra de amplas vias a Iançar vário som nefasto: ora falavam 830
do rio sagrado flui pela noite negra,
como para Deuses entender, ora como
braço do Oceano, décima parte ela constitui:
touro mugindo de indômito furor e possante voz,
nove envolvem a terra e o largo dorso do mar 790 ora como leão de ânimo impudente,
com rodopios de prata e depois caem no sal, ora símil a cadelas, prodígio de ouvir-se,
ela só proflui da pedra, grande pena aos Deuses. ora assobiava a ecoar sob altas montanhas. 835
Dos imortais que têm a cabeça nivosa do Olimpo Naquele dia suas obras seriam incombatíveis
quem espargindo-a jura um perjúrio e ele sobre mortais e imortais teria reinado
jaz sem fôlego por um ano inteiro, 795 se não o visse súbito o pai de homens e Deuses
nem da ambrosia e do néctar se aproxima e trovejou grave e duro. A terra em torno
para comer, jaz porém sem alento nem voz retumbou tremenda, o céu amplo lá em cima, 840
num estendido leito e mau torpor o cobre.
o mar, as correntezas do Oceano e o Tártaro.
Quando a doença perfaz um grande ano,
Sob os pés imortais estremece o alto Olimpo
passa de uma a outra prova mais áspera: 800 com o ímpeto do rei e geme a terra.
Penetrava o mar violáceo o calor de ambos. Zeus rei dos Deuses primeiro desposou Astúcia
de trovão, relâmpago, fogo vindo do prodigioso ser, 845 mais sábia que os Deuses e os homens mortais.
de furacões, ventos e do raio flamante. Mas quando ia parir a Deusa de olhos glaucos Atena,
Fer via toda a terra, céu e mar, ele enganou suas entranhas com ardil,
saltavam em volta dos cabos altas ondas com palavras sedutoras, e engoliu-a ventre abaixo, 890
sob golpes dos imortais, irreprimível abalo cresce, por conselhos da Terra e do Céu constelado.
tremem Hades lá embaixo rei dos mortos 850 Estes Iho indicaram para que a honra de rei
e Titãs no Tártaro em torno de Crono
não tivesse em vez de Zeus outro dos Deuses perenes:
pelo irreprimível clangor e pavorosa luta.
era destino que ela gerasse filhos prudentes,
primeiro a virgem de olhos glaucos Tritogênia 895
Zeus encrista seu furor, agarra as armas, igual ao pai no furor e na prudente vontade,
o trovão, o relâmpago e o raio flamante, e depois um filho rei dos Deuses e homens
e fere-o saltando do Olimpo. Fulmina em torno 855 ela devia parir dotado de soberbo coração.
todas as cabeças divinas do terrível prodígio. Mas Zeus engoliu-a antes ventre abaixo
E ao dominá-lo açoitando com os golpes para que a Deusa Ihe indicasse o bem e o mal. 900
mutila e abate-o, e geme a terra prodigiosa.
Do rei fulminado a chama jorra Após desposou Têmis luzente que gerou as Horas,
nos vales não visíveis rugosos das montanhas, 860
Eqüidade, Justiça e a Paz viçosa
golpeando. E vasta queima-se a terra prodigiosa
que cuidam dos campos dos perecíveis mortais,
com bafo divino e fundia-se com o estanho e as Partes a quem mais deu honra o sábio Zeus,
pela arte de homens em perfurado crisol Fiandeira Distributriz e Inflexível que atribuem 905
aquecido, ou o ferro que é mais possante aos homens mortais os haveres de bem e de mal.
nos vales dominado pelo fogo ardente 865
Eurínome de amável beleza virgem de Oceano
funde-se no chão divino por obra de Hefesto, terceira esposa gerou-lhe Graças de belas faces:
assim fundia-se a terra ao brilhar do fogo aceso. Esplendente, Agradábil e Festa amorosa,
Com afligente ânimo atirou-o ao largo Tártaro. de seus olhos brilhantes esparge-se o amor 910
solta-membros, belo brilha sob os cílios o olhar.
De Tifeu vem o furor dos ventos que sopram úmidos,
não Notos, Bóreas e Zéfiro clareante, 870 Também foi ao leito de Deméter nutriz
estes vêm de Deuses, grande valia dos mortais, que pariu Perséfone de alvos braços. Edoneu
os outros sopram às cegas sobre o mar raptou-a de sua mãe, por dádiva do sábio Zeus.
e, ao caírem no alto-mar cor de névoa,
impetuam ruim procela, grande ruína dos mortais.
Amou ainda Memória de belos cabelos, 915
Eles sopram diversos, dispersam os navios. 875
dela nasceram as Musas de áureos bandôs.
perdem os nautas, e não têm resistência ao mal
nove, a quem aprazem festas e o prazer da canção.
os homens que os encontram pelo mar,
e pela terra sem-fim e florida eles perdem
os campos amáveis dos homens nascidos no chão Leto gerou Apolo e Ártemis verte-flechas,
atulhando-os de pó e de doloroso turbilhão. 880 prole admirável acima de toda a raça do Céu,
gerou unida em amor a Zeus porta-égide. 920
Os Deuses Olímpios
Por último tomou Hera por florescente esposa,
ela pariu Hebe, Ares e Ilitiia
Quando os venturosos completaram a fadiga
unida em amor ao rei dos Deuses e dos homens.
e decidiram pela força as honras dos Titãs,
por conselhos da Terra exortavam o Olímpio
longividente Zeus a tomar o poder e ser rei Ele da própria cabeça gerou a de olhos glaucos
dos imortais. E bem dividiu entre eles as honras. 885 Atena terrível estrondante guerreira infatigável 925
soberana a quem apraz fragor combate e batalha.
Hera por raiva e por desafio a seu esposo
não unida em amor gerou o ínclito Hefesto
quantas deitando-se com homens mortais
nas artes brilho à parte de toda a raça do Céu.
imortais pariram filhos símeis aos Deuses.
De Anfitrite e do troante Treme-terra 930
Deméter divina entre Deusas gerou Riqueza,
nasceu Tritão violento e grande que habita
unida em amores ao herói Jasão sobre a terra 970
no fundo do mar com sua mãe e régio pai
um palácio de ouro. E de Ares rompe-escudo três vezes lavrada na gorda região de Creta.
Citeréia pariu Pavor e Temor terríveis Boa Riqueza por terra e largo dorso do mar
anda e a quem encontra e chega às mãos
que tumultuam os densos renques de guerreiros 935
ela torna próspero e dá muita opulência.
com Ares destrói-fortes no horrendo combate,
e Harmonia que o soberbo Cadmo desposou.
De Cadmo, Harmonia filha de áurea Afrodite 975
gerou Ino, Sêmele, Agave de belas faces,
Maia filha de Atlas após subir no leito sagrado
Sagacidade esposa de Aristeu de crina profunda,
de Zeus pariu o ínclito Hermes arauto dos imortais.
e Polidoro na bem-coroada Tebas.
Sêmele filha de Cadmo unida a Zeus em amor 940
gerou o esplêndido fllho Dioniso multialegre Virgem de Oceano, pela multiáurea Afrodite
unida em amor a Aurigládio de violento ânimo, 980
imortal, ela mortal. Agora ambos são Deuses.
Belaflui pariu o mais poderoso dos mortais,
Gerioneu, a quem matou a força de Heracles
Alcmena gerou a força de Heracles pelos bois sinuosos na circunfluida Eritéia.
unida em amor a Zeus agrega-nuvens.
De.Titono, Aurora pariu Mênon de brônzeo elmo
Esplendente a mais jovem Graça, Hefesto 945 rei dos etíopes e o príncipe Emátion. 985
o ínclito Pés-tortos desposou-a florescente. De Céfalo, deu a luz um esplêndido filho,
o forte Fulgêncio, homem símil aos Deuses:
Dioniso de áureos cabelos a loira Ariadne na tenra flor de gloriosa juventude
virgem de Minos tomou por esposa florescente a Sorridente Afrodite arrebatou-o e levou-o
e imortal e sem-velhice tornou-a o Cronida. ainda criança e dele no sagrado templo 990
fez o guardião interior, nume divino.
A Hebe, o filho de Alcmena de belos tornozelos 950
valente Heracles após cumprir gemidosas provas Virgem do rei Eetes sustentado por Zeus,
no Olimpo nevado tomou por esposa veneranda, o Esonida por desígnios dos Deuses perenes
filha de Zeus grande e Hera de áureas sandálias; levou-a de Eetes após cumprir gemidosas provas,
feliz ele, feita a sua grande obra, entre imortais as muitas impostas pelo grande rei soberbo 995
habita sem sofrimento e sem velhice para sempre. 955 o insolente Pélias estulto e de obras brutais.
Cumpriu-as, e chegou a Iolcos após muito penar
Do Sol incansável a ínclita Oceanina o Esonida, levando em seu navio veloz
Perseida gerou Circe e o rei Eetes. a virgem de olhos vivos, e desposou-a florescente.
Eetes, filho do Sol ilumina-mortais, Ela, submetida a Jasão pastor de homens, 1000
desposou a virgem do Oceano rio circular pariu Medéio, criou-o nas montanhas Quíron
Filirida, e cumpriu-se o intuito do Grande Zeus.
Sábia de belas faces, por desígnios dos Deuses. 960
Ela pariu Medéia de belos tornozelos, E as virgens de Nereu, o Ancião marino:
subjugada em amor graças a áurea Afrodite. Arenosa divina entre as deusas gerou Eoco
amada por Éaco graças à áurea Afrodite; 1005
Alegrai agora, habitantes do palácio Olimpio, submetida a Peleu a Deusa Tétis de pés de prata
ilhas e continentes e o salgado mar no meio. gerou Aquiles rompe-falange e de leonino ânimo.
Cantai agora a grei de Deusas, vós de doce voz 965
Musas olimpíades virgens de Zeus porta-égide: Gerou Enéias a bem-coroada Afrodite
unida ao herói Anquises em amores
nos cimos do Ida enrugado e ventoso. 1010 Tífon: Meio humano e monstro terrível. Muitíssimo alto, quando abria
os braços tocava o oriente e o ocidente. Em vez de dedos tinha cem
Circe, filha de Sol Hiperionida,
amada por Odisseu de sofrida prudência, gerou
cabeças de dragões. Da cintura para baixo tinha o corpo recamado de
Ágrio, Latino irrepreensível e poderoso, víboras. Seus olhos lançavam línguas de fogo. Zeus o matou
e pariu Telégono, graças à áurea Afrodite. esmagando-o com o monte Etna que até hoje vomita suas chamas.
Bem longe, no interior de ilhas sagradas, 1015
E eles reinam sobre os ínclitos tirrenos.

Calipso divina entre as Deusas em amores


unida a Odisseu gerou Nausítoo e Nausínoo.
Estas deitando-se com homens mortais
imortais pariram filhos símeis aos Deuses. 1020
Cantai agora a grei de mulheres, vós de doce voz
Musas olimpíades virgens de Zeus porta-égide.

Calipso: Ninfa que vive na ilha de Ogígia. Sua gruta simbolizaria o


Hades.
Dione: mãe de Afrodite.
Érebos: símbolo das trevas inferiores, centro do Hades.
Erínias: Deusas violentas, perturbadoras da razão. Monstros alados com
os cabelos entremeados de serpentes prontas para castigar os infratores
de certos preceitos morais.
Eris: disputa.
Éter: camada superior do cosmos. Personifica o céu superior.
Hebe: filha de Zeus e Hera, deusa olímpica, personificação da juventude.
Íris: Personificação da ponte entre os deuses e o os homens.
Nêmesis: mãe de Helena, deusa da vingança.
Perses: irmão de Hesíodo.
Réia: irmã e esposa de Cronos, mãe de Zeus.
Téia: titã, mãe de Hélio (Sol), Eos (Aurora) e Selene (Lua).
Têmis: titã, deusa da justiça divina.

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