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Fichamento

FALCON, Francisco. História e Poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS,


Ronaldo (orgs.). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Ed.
Campus. 1997.

INTRODUÇÃO

“História e poder são como irmãos siameses — separá-los é difícil; olhar para um sem
perceber a presença do outro é quase impossível. A história da humanidade deve neste caso
ter presentes estas duas maneiras de ver a questão das relações entre a história e o poder: há
um olhar que busca detectar e analisar as muitas formas que revelam a presença do poder na
própria história; mas existe um outro olhar que indaga dos inúmeros mecanismos e
artimanhas através dos quais o poder se manifesta na produção do conhecimento histórico. Na
verdade, porém, a historiografia costuma ser muito clara quando se trata do primeiro olhar
mas é quase sempre imprecisa ou cega quanto ao segundo. O tema deste capítulo admite
assim duas leituras opostas mas complementares: o poder visto como objeto da
investigação/produção histórica e o poder enquanto agente instrumentalizador da própria
oficina da história, com o que o conhecimento histórico se converte em seu objeto.” (p.97)

“Já o termo poder não é só mais problemático do ponto de vista conceitual como carrega
consigo, na historiografia, um outro complicador — a freqüência com que os historiadores se
referem à política ou ao político como equivalentes (sinônimos) de poder. [...] No primeiro
tópico observar-se-á a passagem bastante lenta do poder como algo inerente a certos
indivíduos e instituições — a começar pelo Estado — ao conceito de poder como um tipo de
relação social concebida eventualmente como de natureza plural — os poderes. Tratar-se-á aí
da historiografia tradicional e de sua tendência multissecular de abordar apenas a política
como se fosse esta a única forma/lugar do poder. No segundo tópico, a partir da crise da
história política tradicional, tentaremos situar as características do que se convencionou
chamar de nova história política.” (p.97-98)
NASCIMENTO DA HISTÓRIA E SUA RELAÇÃO COM A POLÍTICA

“Poder e política na historiografia ocidental — ou ascensão, apogeu e declínio da história


política Se de fato a história começou com Heródoto ou não pouco importa agora. Nasceu,
sim, com os gregos uma certa concepção de história: uma narrativa de certo tipo de ações
heróicas ou humanas dignas de serem lembradas. A cidade-estado, os impérios, monarquias,
ou, num plano mais abstrato, a República e/ou Estado, foram os centros ou núcleos que
polarizaram as narrativas históricas, e, nestas, o papel dos políticos e/ou homens de Estado, as
teorias filosóficas, jurídicas e teológicas acerca das origens, instituições e fins da República.
Surgiu e consolidou-se assim, ao longo de muitos séculos, “a história dos historiadores” ou,
apenas, a história. Bem mais tarde, esta história foi identificada como um tipo de história: a
história política tradicional. Prisioneira da visão centralizada e institucionalizada do poder, a
história política tradicional foi definindo progressivamente temas, objetos, princípios e
métodos. Ligada intimamente ao poder, essa história pretendeu ser também memória. Coube-
lhe então, durante séculos, lembrar e ensinar pelos exemplos reais e ilustres de que era a única
depositária. Esta história magistra vitae pôde então servir com equanimidade aos políticos,
filósofos, juristas e pedagogos.” (p.99)

HISTORIOGRAFIA MEDIEVAL

“Da história praticada por gregos e romanos àquela dos eclesiásticos e escribas leigos da
Idade Média, há continuidades e diferenças evidentes, a começar pela transformação da
natureza do próprio discurso histórico. Sua essência no entanto — a retenção de certos
eventos e a continuidade narrativa — manteve-se quase intacta. Tratava-se sempre de
múltiplas histórias, sobre assuntos eclesiásticos ou seculares.” (p.99)

HISTORIOGRAFIA RENASCENTISTA

“A historiografia humanista e renascentista não introduziu modificações sensíveis nessa


tradicional orientação política da história, mas iniciou duas tendências fundamentais: a da
crítica erudita das fontes e a eliminação de lendas, milagres, “fantasias”, em busca dos fatos
verdadeiros ou, pelo menos, verossímeis. Na verdade, porém, do século XVI ao XVIII, ao
lado desta tendência erudita dos chamados antiquários, ganhou novo alento a dos
historiadores oficiais a serviço de príncipes e repúblicas urbanas, habitantes das primeiras
academias de história. Paralelamente, sobretudo nos séculos XVI e XVII, as disputas
teológico-políticas resultantes da Reforma reforçaram a tendência presente nas histórias
oficiais: produzir, por intermédio da história política ou religiosa, conforme o caso, os
elementos históricos favoráveis à causa defendida pelo historiador. Caberia então à história
proporcionar provas e argumentos às partes em litígio. Ao contrário dos polemistas católicos e
protestantes que, empenhados na comprovação de suas próprias teses, propiciaram uma
investigação e crítica rigorosas das fontes textuais cristãs, a começar pela Bíblia, encontrando-
se conseqüentemente com a corrente erudita ou antiquária, os historiadores a serviço dos
poderosos do momento mostraram-se em geral pouco ou nada exigentes em matéria de crítica
de fontes; suas histórias de príncipes, dinastias e reinos são basicamente políticas e
pragmáticas. Neste período, correspondendo à chamada Idade Moderna, a História, como
história política, apresenta ainda três peculiaridades interessantes: (1) ela continua a ter sua
velha função de mestra da vida, mas os humanistas a utilizam também no ensino da retórica;
(2) a sombra de Maquiavel faz pairar sobre ela uma desconfiança terrível: talvez, na verdade,
a história não seja capaz de ensinar senão política e nada tenha a ver com a moral e a ética; (3)
trata-se de “histórias” que se referem cada vez mais aos Estados territoriais ou dinásticos, as
conhecidas monarquias nacionais dos Estados absolutistas dos tempos modernos,
constituindo-se em precursoras das futuras histórias nacionais centradas na idéia de Estado-
nação.” (p.100-101)

HISTORIOGRAFIA DA ILUSTRAÇÃO

“A historiografia da Ilustração abrange na realidade dois tipos de histórias e historiadores — a


história interpretada pelos filósofos e as histórias produzidas por historiadores eruditos — os
antiquários. Enquanto os filósofos criticaram a natureza meramente descritiva, factual e
essencialmente política das histórias eruditas, propondo como alternativa uma história
filosófica — uma história racional e explicativa da totalidade do devir histórico — cujo
núcleo seria dado por valores universais expressos através de conceitos como cultura,
civilização, liberdade, os historiadores eruditos, analisados por Gusdorf,1 apesar de serem
quase todos eles hoje ilustres desconhecidos, aperfeiçoaram o instrumental da crítica das
fontes documentais, além de revelarem novos acervos à investigação histórica.” (p.101)
ROMANTISMO

“O romantismo associou as idéias de povo e nação como constitutivas de uma mesma


entidade coletiva manifesta na língua, na história e na cultura comuns. Entificada como alma
ou espírito nacional, a realidade intrínseca de cada povo-nação representa uma
individualidade histórica irredutível. A história será sempre, então, a história dessas realidades
únicas que têm no Estado sua expressão política. Caberá então ao Estado-nação o lugar de
honra no campo da historiografia do Oitocentos. Os pressupostos historicistas românticos
articularam-se com exigências metódicas quase sempre rigoristas, em particular na Alemanha.
A erudição, a crítica documental rigorosa, a incessante busca de novas fontes, o conhecimento
filológico, constituem componentes fundamentais da escola histórica alemã. Este era na
verdade o território comum a românticos e positivistas. A promoção do Estado à condição de
“objeto por excelência da produção histórica”5 significou a hegemonia da história política.
Daí porque, no século XIX, poder é sempre poder do Estado — instituições, aparelhos,
dirigentes; os “acontecimentos” são sempre eventos políticos, pois são estes os temas nobres e
dignos da atenção dos historiadores.” (p.103)

HISTORIOGRAFIA METÓDICA E POSITIVISMO

“Mais ou menos a partir de 1870, com o eclipse do romantismo, afirmou-se rapidamente uma
historiografia imbuída dos valores do cientismo. Habituamo-nos a denominá-la positivista,
porém, como ainda recentemente foi argüido por Bourdé,6 trata-se de uma designação
equivocada uma vez que são raros os historiadores propriamente positivistas. A rigor, dever-
seia chamá-la de historiografia metódica, já que era no método histórico que seus adeptos
faziam repousar as garantias de cientificidade julgadas por eles indispensáveis ao verdadeiro
conhecimento histórico. Seja como for, o fato mais importante para nós é o de que essa
historiografia levou a supremacia da história política — narrativa, factual, linear — ao seu
apogeu nos meios acadêmicos em geral. A historiografia metódica instituiu, a partir de seus
pressupostos cientistas, um tipo de discurso histórico próprio e destinado a demonstrar,
através de marcas específicas, as suas diferenças em face do discurso literário. Tratava-se de
distinguir a verdade histórica da ficção literária a partir da separação entre dois tipos de fatos
— os verdadeiros, que podem ser comprovados, e os falsos, de comprovação impossível.
Logo, a história — história política, como vimos — é ciência e não arte, consistindo a tarefa
do historiador não em evocar ou reviver o passado, como desejavam os românticos, mas sim
em narrar/descrever os acontecimentos desse passado tal como eles realmente se passaram.
Este trecho de uma frase de Ranke tornou-se, a posteriori, a própria expressão do horizonte
historiográfico chamado de positivista, o que não deixa de ser bastante curioso se tivermos em
vista que sua significação para o mesmo Ranke e seus colegas era completamente diversa.”
(p.104)

“Ao longo das três primeiras décadas do século XX manteve-se quase inalterada a hegemonia
da escola metódica ou positivista. Foram, no entanto, décadas de críticas e ataques partidos de
inúmeras posições intelectuais, às quais Hughes7 chamou, em conjunto, de revolta
antipositivista. Se esta revolta como um todo não diz respeito ao nosso tema, convém no
entanto mencionar-lhe dois elementos constitutivos importantes para o nosso ponto de vista:
os antecedentes dos Annales e o neo-historicismo.” (p.105)

TENDÊCIAS E EXCEÇÕES NO SÉCULO XIX

“Tendências historiográficas românticas e positivistas não esgotam todas as possibilidades


interpretativas do Oitocentos. As exceções foram não apenas honrosas mas destinadas a
futuros dos mais brilhantes, não importando neste caso a idéia dos contemporâneos a respeito
do caráter histórico ou não dos textos de Marx e Engels, Tocqueville, Burckhardt, Dilthey,
entre outros. O mais importante em todos eles, do nosso ponto de vista, é o fato de que, apesar
de estarem presentes, os acontecimentos políticos não se auto-explicam; longe de excluírem,
eles impõem a análise de outras dimensões da realidade histórica. De formas distintas,
abordam a sociedade, a economia e a cultura, quase sempre em busca de determinações ou
fatores não-políticos importantes ou essenciais para a compreensão/explicação dos processos
políticos. A própria história política vê-se então enriquecida pela inclusão de questões que,
além de políticas, são também, ou antes de mais nada, sociais e ideológicas: lutas e
movimentos sociais, com destaque para as revoluções e a revolução.” (p.104-105)

SÉCULO XX – ANNALES

“A partir de 1929/30 é possível dizer-se que começou de fato o declínio da história política.
Cada vez mais essa história será conhecida como tradicional. Todavia, não exageremos muito
as coisas a partir da nossa própria visão retrospectiva. Na verdade, de 1929/30 aos anos pós-
45, a história política, cada vez mais tradicional, precisa ser encarada em termos de duas
trajetórias paralelas e bem distintas: a trajetória de seu processo e condenação pelos Annales e
a outra, da sua sobrevivência e lenta recuperação. Vejamos inicialmente a primeira trajetória.
Em 1929, quando da publicação do primeiro número dos Annales d’Histoire Économique et
Sociale, sob a direção de Marc Bloch e Lucien Febvre, existiam dois adversários principais a
enfrentar — uma certa concepção acerca da natureza do conhecimento histórico e o primado
da história política no campo da historiografia. Quanto ao primeiro, os Annales propuseram a
ampliação do domínio historiográfico, ou seja, a história como estudo do homem no tempo,
ou a totalidade social em última análise, com a conseqüente redefinição de conceitos
fundamentais como documento, fato histórico e tempo. Com relação à história política
tradicional, as críticas foram incisivas e definitivas: événementielle, recitativo interminável de
eventos políticos e batalhas, ou, como escreveu Febvre: “a História historizante exige pouco.
Muito pouco. Demasiadamente pouco a meu ver, e na opinião de muitos outros além de
mim”.8” (p.107)

HISTÓRIA POLÍTICA DE 1945 A 1968/70

“Para o período pós-45 adotamos uma periodização ampla e já bastante conhecida: as décadas
que antecedem e se sucedem aos anos 1968/70. Grosso modo, poder-se-ia localizar no
período de 1945 a 1968/70 a crise final da “história política tradicional” e, no período
seguinte, a progressiva constituição da “nova história política”. No caso da história política,
essa periodização tende a exagerar as diferenças e mudanças em detrimento das permanências
e semelhanças em termos das realidades de cada período.” (p.109)

“quanto à relativização, necessária, da noção de “declínio”, pensamos que é possível entendê-


la de duas maneiras: como dado historiográfico e como fato editorial. Historiograficamente, o
ponto crucial é a diferença entre universos historiográficos: a sentença em que os Annales
condenaram a “história política tradicional” teve curso muito restrito fora da França. A idéia
de uma história política em vias de extinção, presente no balanço de Glénisson12 em relação à
França, não se pode aplicar à Grã-Bretanha, Itália, Alemanha e EUA (e ao Brasil também).
Como fato editorial, tampouco o declínio é real. Neste particular, aliás, Mommsen e Julliard,
apesar de suas diferenças, são acordes quanto à persistência da história política. O primeiro
autor lembra que boa parte do que se leu (e editou) nesse período pelo mundo afora sob o
rótulo de “história” foi, na verdade, algum tipo de história política. Julliard, por sua vez, para
demonstrar que “a história política não desapareceu”, assinala que “como narrativa, biografia,
estudos psicológicos, (a história política) continuou a representar quantitativamente uma
fração importante, provavelmente dominante, da produção de livros consagrados ao
passado”.13 Peter Burke, ao recordar seus tempos de estudante, declara: “Quando entrei em
Oxford, de 1957 a 1962, o ponto de vista histórico que predominava na época era o da história
política.”” (p.109-110)

MOVIMENTO DE RENOVAÇÃO DA HISTÓRIA POLÍTICA

“Vimos assim que diversas tendências, todas elas, aliás, com algum tipo de reflexo sobre a
história annaliste, convergiram no sentido de desqualificar de uma forma ou de outra qualquer
pretensão científica que se pudesse nutrir ainda em relação à história política de estilo
tradicional. A bem da verdade, negava-se até mesmo sua pertença à história. Observe-se, no
entanto, que o mesmo movimento desqualificador portava em si uma nova história política.
Contraditória como possa parecer tal constatação, o fato é que não faltam exemplos desta
ambivalência. Já em 1958, por exemplo, Braudel lamentou a confusão que se estabelecera
entre a história tradicional e a história política, chegando mesmo a afirmar: “A história
política não é forçosamente événe-mentielle nem está condicionada a sê-lo.”” (p.116)

“Caberia no entanto somente à terceira geração dos Annales tomar a sério essa advertência de
Braudel. Isto decorreu em parte do próprio rumo que se imprimiu à produção histórica a partir
da nouvelle histoire. Esta, como escreve Teixeira, abandonou ou foi obrigada a abandonar
alguns dos paradigmas centrais dos Annales: a unidade de método(s) com as ciências sociais e
humanas e a unidade do objeto — o homem. Inviabilizou-se assim a possibilidade concreta de
uma história total. Cada vez mais o global deixará de ser pensado em termos de totalidade
mas, sim, como espaço de dispersão de múltiplas unidades.19 Tudo que se tem agora são
unidades parciais, locais, definidas por procedimentos específicos.20 Não existe mais a
história, a grande história, mas somente as múltiplas histórias. Ora, se esta era a Nova
História” (p.116)

“Além de seu encontro com o estruturalismo, origem da história estrutural, a nouvelle histoire
possibilitou a abertura para concepções novas e variadas a respeito de temas pouco
freqüentados pela historiografia: os poderes, os saberes enquanto poderes, as instituições
supostamente não-políticas, as práticas discursivas. Foucault, pois foi este o autor que
revolucionou a compreensão desses novos objetos, colocou em destaque a relação entre as
diferentes práticas sociais e a pluralidade e onipresença não do poder, mas dos poderes. A
historiografia política passou a enfocar, nos anos 70, a Microfísica do poder,26 na realidade
as infinitas astúcias dos poderes em lugares históricos pouco conhecidos dos historiadores —
família, escola, asilos, prisões, hospitais, hospícios, polícia, oficinas, fábricas etc.; em suma,
no cotidiano de cada indivíduo ou grupo social.” (p.117-118)

“Poder e política passam assim ao domínio das representações sociais e de suas conexões com
as práticas sociais; coloca-se como prioritária a problemática do simbólico — simbolismo,
formas simbólicas, mas sobretudo o poder simbólico, como em Bourdieu.29 O estudo do
político vai compreender a partir daí não mais apenas a política em seu sentido tradicional
mas, em nível das representações sociais ou coletivas, os imaginários sociais, a memória ou
memórias coletivas, as mentalidades, bem como as diversas práticas discursivas associadas ao
poder.” (p.119)

“Estratégias à parte, a possibilidade efetiva de uma nova história política, obra hoje ainda em
curso, resultou de condicionantes muito diversos, aos quais poderia chamar de históricos,
epistemológicos e disciplinares. Os fatores históricos mais mencionados compõem uma
estrutura explicativa em três etapas: o advento da sociedade pós-industrial, cuja lógica se
baseia no domínio tecnológico, consubstanciado na informática, sobre um conjunto de seres
humanos massificados e manipulados pela mídia; o retorno do acontecimento como notícia e
a percepção aguda do caráter eminentemente político das decisões governamentais
compreendidas na designação políticas públicas; a universalização da burocracia (Weber) e a
programação de vastos setores das atividades sociais. Como conseqüência disso, as decisões
propriamente políticas recobram importância, adquirem um peso específico muito grande,
levando a uma politização inevitável dos acontecimentos, atitudes, comportamentos, idéias e
discursos. “Não se trata mais de saber se a história política pode ser inteligível, mas de saber
se, agora, pode haver uma inteligibilidade da história fora da referência ao universo
político.”31 Houve entretanto que superar os obstáculos epistemológicos até então expressos
de maneira antagônica: “tudo é política” versus “a política não existe”. A primeira proposição,
típica da tradição oitocentista, é idealista e conduz, no máximo, ao “jurisdicismo” formalista e
narrativo; a segunda deriva de uma certa visão marxista das coisas (equivocada, é bom frisar)
em cujo nome se opera a redução dos fenômenos de consciência e de vontade a simples
reflexos de forças econômicas e sociais. A política, neste caso, não passaria de um problema
econômico mal colocado. Superar tais obstáculos, nos anos 70, foi trabalho historiográfico
mas também foi o resultado de desenvolvimentos então havidos na sociologia e na ciência
política, cujos novos modelos teóricos e metodológicos vieram permitir a superação da
confusão entre o político e o factual. O historiador irá assumir as implicações desse fato e será
a partir deste dado que poderá viabilizar-se uma nova história política.” (p.121)

“As discussões, entre historiadores, acerca das possibilidades, natureza e perspectivas dessa
nova história política marcaram os anos 70 e 80. Dentre os mais interessantes cabe mencionar
ou relembrar: Mommsen, Sobre a situação da história política nas ciências sociais (1971);
Barret-Kriegel, História e política ou a história ciência dos efeitos (1973); Julliard, A política
(1974); Vandermeer, The new political history (1979); Blokmans, La nouvelle histoire
politique (1980); Salvadori, Le molte storie (1988); Le Goff, A política será ainda a ossatura
da história (1986); Rémond, Por que a história política? (1993). Esses textos, em conjunto,
traçam com alguma precisão o perfil da história política que se quer agora nova ou renovada.
Sem descer aos pormenores de cada um deles, observemos que a visão prospectiva
predomina, se bem que aqui e ali se encontrem explicações acerca dos erros e equívocos que
teriam conduzido a história política ao descrédito. A tônica mais geral no entanto é a da busca
e afirmação de uma história política realmente nova, capaz de articular o retorno do
acontecimento com as exigências de possíveis paradigmas e modelos teóricos” (p.122)

“Seria possível então definir-se uma problemática própria? Reconhece-se que é fundamental
que o historiador político passe do estudo institucional do Estado para o estudo do poder; e
também que devem ser eliminadas as pseudoquestões tradicionais — como a do conceito de
soberania. O essencial é o conceito de acontecimento político a ser revisto, ponto de partida
para uma história política compreensiva (Vandermeer), embasada em conceitos como sistema
partidário, períodos críticos, além de maior abertura aos elementos culturais tidos até aqui
como extrapolíticos.” (p.124)

“Em resumo, como nota Rémond,34 o importante é deixar claro que o político existe,
distingue-se de outros tipos de realidades, constitui algo específico, é irredutível a outras
realidades, pode ser determinante ou determinado, é dotado de certa autonomia e é capaz de
imprimir sua marca e influir no curso da história; ou ainda, como em Julliard, é o
acontecimento político que deve ser revisto, pois nem é autônomo, nem é simples
subproduto.” (p.125)

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