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REVISTA DE EDUCAÇÃO DO GRUPO

DE BUSCA E DIFUSÃO DO SABER


Daniel Francisco Quinito (Coord)
Hamilton Werneck
Victor Riva
Paulo Dumbo

EDITORA

GBDS
GRUPO DE BUSCA E DIFUSÃO DO SABER
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

REVISTA DE EDUCAÇÃO DO GRUPO


DE BUSCA E DIFUSÃO DO SABER

Daniel Francisco Quinito (Coord)


Hamilton Werneck
Victor Riva
Paulo Dumbo

1ª Edição; Vol. I., 2018

EDITORA

GBDS
Título Original:
Revista de Educação do Grupo de Busca e Difusão do Saber
Autor:
Grupo de Busca e Difusão do Saber
Coordenação:
Daniel Francisco Quinito
Capa:
Daniel Francisco Quinito
© Edidora GBDS, 1ª Edição, Vol. I, 2018.
Blog: “www.gbdsangola.blogspot.com”
Email: “gbdsangola@gmail.com”;
“dep.investigacao.gbds@gmail.com”
SUMÁRIO

1. De Edgar Faure à Edgar Morin.........................................................................................pág. 5


Prof. Doutor Hamilton Warneck
2. Como ter uma educação liberal no ensino superior....................................................pág. 11
Prof. Victor Riva
3. Ciência e desconstrução científica na Universidade..................................................pág. 16
Daniel Francisco Quinito
4. A educação escolar como garantia do respeito pelas diferenças individuais...........pág. 37
Paulo Ezequiel dos Anjos Dumbo
DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DO GBDS REV EDUC, Nº 1, 2018.

DE EDGAR FAURE A EDGAR MORIN

Prof. Hamilton Werneck


pedagogo, escritor e conferencista.
www.hamiltonwerneck.com.br
Hamilton.werneck66@gmail.com
55.27.99989.6286

Educadores, formados ao final dos anos sessenta, conheceram o relatório Faure, resultado dos
trabalhos da comissão internacional da UNESCO para o desenvolvimento da educação, criada em 1971.
Soavam bem aos ouvidos os nomes dos integrantes da comissão como Felipe Herrera, do Chile, Ab-
dul-Razzak Kaddoura, da Síria, Arthur Petrovski, da URSS e Frederick Champion Ward , dos Estados
Unidos, representante da Fundação Ford.
Surge o relatório denominado “Aprender a Ser”, considerado por Jean-Pierre Clerc como a obra
que preparava o choque do futuro. (Clerc, 1972).
Na visão de René Maheu, até então, não se produzira um inventário definindo a educação atual
de acordo com uma concepção tão global tendo em vista a educação do futuro. E, esse futuro, percebe-
se perfeitamente, como o final do século XX e início do século XXI, na concepção do governo francês,
ao convidar Edgard Morin através de um interlocutor, Claude Allègre, no dia 15 de novembro de 1997,
para organizar um grupo de especialistas capazes de rever as grandes linhas das ações humanas. (Mo-
rin,1999).
O relatório Faure inicia seus trabalhos poucos anos após a tomada da Sorbonne pelos insurgen-
tes da primavera de Paris, dada a insatisfação, sobretudo da juventude, com os sistemas de ensino da
época, seus modelos e métodos. A comissão entende, portanto, ser tarefa imediata dos países de todos
os mundos, conforme a classificação do desenvolvimento (primeiro, segundo e terceiro mundo), mergu-
lhar na análise e síntese dos principais problemas porque,

“onde quer que exista um sistema educativo tradicional, de há muito experimentado...


este sistema suscita uma avalancha de críticas e sugestões que chegam até, freqüente-
mente a pô-lo em causa, no seu conjunto”. (Faure, 1972 a).

As grandes falhas na educação ou as “grandes sombras” que cobrem o mundo agravam as dispa-
ridades econômicas, impedem ascender a níveis de bem estar, de instrução e de democracia. As transfor-
mações exigem ações mais abrangentes e profundas, nada semelhantes a ações meramente filantrópicas.

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Outra preocupação para a comissão nas relações entre os países desenvolvidos e os menos de-
senvolvidos era o binômio “brain-drain”, essa espécie de drenagem de “cérebros”, pessoas mais capazes
que acabam migrando para os países mais desenvolvidos, abandonando as áreas mais necessitadas pela
acanhada evolução das mesmas.
Este relatório escrito já dentro da era da comunicação, após várias obras de Herbert Marshall
Mcluhan revolucionando esses meios, definindo o meio como sendo a mensagem, certamente conside-
rou “os meios de comunicação como extensões do homem” onde Mcluhan expõe de maneira clara seu
humanismo da era eletrônica. Para ele não era absurdo considerar um Shakespeare antevendo a televisão
como em Romeu e Julieta:
“Mas veja! Que luz é aquela, que passa pela janela? Ela fala – e não diz nada”. (Mcluhan,
1964 a).
Ou ainda, diante da crescente consciência que se passa a ter da ação dos meios, independente de seu
conteúdo, quando apresenta uma quadrinha de autor anônimo:
“No pensamento e (nos fatos) de hoje
Tudo induz e conduz ao ato e à ação,
De forma que só é digno de elogio
Falar da queda e não da contusão”.
(Mcluhan, 1964 b).

O entretenimento através dos meios de comunicação da época: cinema, rádio e TV levam a


comissão que produz o relatório Faure a entender o rádio e outros meios de comunicação, muito mais
como canais para entreter que, propriamente, para ensinar e educar, permitindo a existência de enormes
fossos entre países e dentro dos próprios países.
É, de certa forma, incrível constatar que este relatório fala de maneira tão atual sobre reformas
do ensino, propondo a “cidade educativa”. Aproximação da escola à vida das pessoas e à necessidade de
se compreender o mundo nas suas múltiplas formas de oferecer oportunidades de conhecimento, fazem
parte das considerações preliminares do próprio relatório.
Recordo-me, com tristeza, de alguns fatos que presenciei numa cidade do interior do Brasil
quando uma Secretária Estadual de Educação usando a linguagem macluhaniana de comunicação e o
princípio do relatório Faure propôs que se “fizessem a praça” dentro das escolas, na esperança de que a
mensagem de aprender com a cidade e o meio que tem muito a oferecer, fosse assimilado. Nada disso
aconteceu. O que vi, naqueles tempos, em torno de 1975 foi a pilhéria, a transformação dos espaços es-
colares em terreiros de festa junina sem a devida percepção que se podia aprender com aquelas pessoas,
sejam os músicos da banda, sejam os saltimbancos, sejam os engraxates. Estávamos há mais de dez anos
das obras de Mcluhan e há três anos da publicação do relatório Faure e muitos colegas meus já tinham
lido “O choque do futuro”de Alvin Toffler. (Werneck, 1987).

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Um dos pontos relevantes desse trabalho da comissão formada pela UNESCO é a preocupação,
àquela época, com a “sociedade que rejeita produtos da educação”, da sociedade que não consegue as-
similar o jovem formado por uma universidade e, ao mesmo tempo, incapaz de se adaptar às rápidas
transformações ou aos rápidos choques desse futuro já presente. A educação “pela primeira vez na histó-
ria empenha-se, conscientemente, em preparar homens para tipos de sociedade que não existem ainda”.
(Faure, 1972 b).
Se analisarmos, hoje, a reação das camadas sociais mais conservadoras, elas continuam rejei-
tando a “cidade educativa”, elas rejeitam o ensino e as experiências voltadas para uma visão abrangente
do mundo, continuam confundindo esse tipo de visão com o holismo esotérico e procuram escolas que
preparam para o passado, onde a disciplina é rígida porque não sabem fazer outra coisa senão ensinar
o mandonismo despótico em detrimento da democracia participativa. E, pior que tudo isso, embora
condenem Darwin e a seleção das espécies, aceitam escolas praticantes de um darwinismo social, onde
a avaliação é a mais seletiva de todas. Desde o relatório Faure há sinais claros da necessidade da maior
unidade ao se ensinar. Dicotomizar ao modo cartesiano já era considerado uma falha grave para os trinta
anos que precediam o século XXI. Lutam, hoje, entre si, até escolas dentro de seus próprios sindicatos
patronais porque, enquanto algumas propõem uma busca de formação do ser humano integral e expli-
citam isso nos seus objetivos e missão educativa, outras desejam continuar praticando o instrucionismo,
separando informação da educação.
Portanto, como conclusão prática, preparar educandos para o exame vestibular, esquecendo-se
da formação humana é propor um estelionato pedagógico. E, se formos ao relatório, encontraremos algo
a nos espantar após quarenta anos de sua publicação:

“durante muito tempo o ensino teve por missão preparar para funções-tipo, para si-
tuações estáveis; para um momento da existência; para um ofício determinado ou um
tipo de emprego... Esta concepção prevalece ainda com demasiada freqüência. Contu-
do, é obsoleto o objetivo de adquirir na juventude uma bagagem intelectual ou técnica
suficiente para a duração de toda a existência. É necessário aprender para viver; apren-
der a aprender, de maneira a adquirir conhecimentos novos ao longo de toda a vida;
aprender a pensar de maneira livre e crítica; aprender a amar o mundo e a torná-lo
mais humano; aprender a desenvolver-se pelo trabalho criador”. (Faure, 1972 c).

Nós estamos lutando no Brasil deste início de século, mais de quarenta anos após a publicação
desse relatório pela formação continuada muito além dos estudos a serem feitos em determinada época
e inserido no contexto etário da vida da pessoa. Pois bem, o relatório assim se expressa:

“O processo educativo tornado contínuo, as noções de êxito e fracasso mudarão de

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significado. O indivíduo que for mal sucedido em determinada idade, ou sobre um
dado plano, no seu cursus, encontrará outras ocasiões. Não será afastado da vida no
ghetto de seu fracasso”. (Faure,1972 d).

Quanto às relações entre professores e alunos, recomenda o relatório abolir a palavra mestre por-
que o professor é chamado a tornar-se, cada vez mais um conselheiro e um interlocutor. O papel prin-
cipal não será o de ensinar como o que detém conhecimentos, mas o que é capaz de interagir, discutir,
animar, compreender e encorajar.
Como decorrência, o ato educativo deveria passar por uma urgente mutação: o processo de
aprendizagem (learning) tende, cada vez mais, a sobrepor-se ao processo de ensino (teaching). A escola
tradicional brasileira ainda pensa que se pode ensinar alguma coisa a alguém e, portanto, insiste no (te-
aching) e não consegue entender que os alunos estão cada vez menos motivados porque não se dá a eles
a oportunidade de praticar o (learning).
Pelo menos, para não sermos exagerados, são quarenta anos de atraso. Nós estamos falando tudo
isso sem sairmos do relatório Faure. Já se pode imaginar o que será questionar a educação brasileira ou
de outros países em desenvolvimento na ótica de Edgar Morin, se os desafios propostos pelo relatório
Faure já arrepiam nossos cabelos apesar da idade de quarenta e seis anos.
Às vezes me pergunto sobre o porquê da reação dos educadores às propostas de reforma, de mu-
dança de postura e até de intransigência, apesar dos meios de comunicação serem muito mais difundidos
em relação aos anos setenta. É verdade que o relatório Faure fala de TV a cabo e cita os Estados Unidos
como o país que já estava com 1/10 de suas transmissões a cabo em 1970. Qual, pergunto-me, a origem
de toda essa resistência? E devo confessar que encontrei a explicação em C.G. Jung.

“Todo Romano era cercado de escravos. O escravo e a sua psicologia inundaram a


Itália antiga, e todo Romano se tornou interiormente – é claro, inconscientemente
um escravo. Vivendo constantemente na atmosfera dos escravos, ele se contaminou
de sua psicologia, através do inconsciente. Ninguém consegue evitar essa influência.
(Yung, 1928).

Acordei, então, desse meu sono letárgico, vez porque o “Aprender a Ser” é um dos livros de ca-
beceira e um dos responsáveis por mudanças radicais em minha vida profissional. Os momentos das
rupturas ou essa mente disruptiva que tenho, lembrando Pedro Demo, vieram da consciência de que
estava, de fato, envolvido por uma escravidão inconsciente e que precisaria libertar-me dela. Foi esse o
sinal para agir e para mudar radicalmente. Não foi por acaso que usei como carro-chefe de um programa
educacional quando de minha passagem por uma Secretaria de Educação por quatro anos (1997-2000),
o Aprender a Aprender. Lembro-me das respostas às inúmeras perguntas: O que é isso? De onde você
tirou isso? E pensar que essa idéia já completava vinte e cinco anos naquela época!

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Mas, por que muita gente não reage? Por que preferem a acomodação, à não participação e à não
atualização? A resposta está em Yung: é questão de escravidão. Estou convicto de que os que desejam
permanecer como estão, fazendo as mesmas coisas que fazem durante os últimos vinte anos de magis-
tério são escravos inconscientes do meio. E, como diria Mcluhan, o meio é a mensagem, certamente
estarão captando do meio em que vivem os códigos da permanência e da não transformação.
Numa das conclusões finais desse relatório fala-se de romper a questão da limitação da educação
ao tempo e espaço, do incremento à educação infantil e das relações entre a família e a escola:

“... ultrapassar uma concepção de uma educação limitada no tempo (idade escolar)
e fechada no espaço (estabelecimentos escolares); considerar o ensino escolar não
como um fim, mas como um componente fundamental do ato educativo total, nas
suas dimensões escolares e não escolares... conceber a educação como um continuum
existencial, cuja duração se confunda com a duração da própria vida... desenvolver
particularmente a educação das crianças em idade pré-escolar, procurando e desen-
volvendo as formas mais positivas da família e da comunidade na educação da peque-
na infância... desenvolver por todos os meios convencionais e não convencionais a
educação elementar”. Faure, 1972 e).

Embora, num segundo momento, seja tratada a visão de Edgar Morin sobre a educação, compa-
rando-a a este relatório, ora analisado, iniciar alguns tópicos poderá antecipar a curiosidade do leitor.
De Platão, em O Sofista, retira Morin um dos textos de introdução ao seu relatório.

“O estrangeiro: Distinto amigo esmerar-se em separar tudo de tudo é algo não somen-
te discordante, como também é prova de desconhecimento das Musas e da filosofia.
Teeteto: Por que?
O estrangeiro: É a mais radical maneira de aniquilar toda argumentação, esta de sepa-
rar cada coisa de todas as outras, pois a razão vem da ligação mútua entre as figuras.

Enquanto o relatório Faure, reunido no texto “Aprender a Ser” chama a atenção para a visão do
todo que envolve a pessoa e a educação, Morin já dá a primeira pincelada, com base em Platão, para cri-
ticar o cartesianismo, essa separação doentia que a escola insiste em manter. Essa prática de tudo separar
pode ter relação com algumas passagens da história humana, porém, algumas delas trazem náuseas ao
serem lembradas:

“Divide et impera”. Dividi e governarás. Princípio romano


“Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa” Ditado popular. Deveria estar su-

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perado há muito tempo.
“Uns são pagos para pensar, outros são pagos para fazer”. Ditado à época da coloniza-
ção inglesa do século XIX.

Existem escolas dentro das escolas? Quantas escolas fecham-se no espaço deixando as famílias
do portão de entrada para fora? Quantas vezes falamos na necessidade da solidariedade e da unidade e,
a nossa prática, é a separação?
APRENDER A SER, quarenta e seis anos de vida, uma realidade para nossa educação.

BIBLIOGRAFIA:

CLERC, Jean Pierre, Le Monde, 05/09/72, Paris, France.


FAURE, Edgard, Aprender a Ser, Livraria Bertrand, Lisboa, Portugal, 1972.
JUNG C.G., Contribution to Analytical Psychology, London,1928.
MCLUHAN, Herbert Marshall, Os Meios de Comunicação como extensão do Homem. Cultrix, São
Paulo, Brasil, 1964.
MORIN, Edgar, A Religação dos Saberes, Bertrand do Brasil, Rio de Janeiro, 1999.
WERNECK, Hamilton, Ensinamos Demais, Aprendemos de Menos, EditoraVozes, Petrópolis, Estado
do Rio de Janeiro, Brasil, 1987.

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COMO TER UMA EDUCAÇÃO LIBERAL NO ENSINO SUPERIOR

Victor Riva
26 anos, professor e colunista.

O termo “educação” pode ser considerado nos dias de hoje como um dos mais mal compreen-
didos dentro de toda a sociedade civil, inclusive dentro das Universidades. Há uma má compreensão
generalizada do significado da educação, de sua essência, de suas finalidades e de seus meios. Portanto,
antes de iniciar qualquer reflexão, devemos estabelecer – ou restabelecer – uma definição, pois não se
pode falar a respeito de algo sem antes definir o que seja esse algo.
Pois bem, a educação então é a formação integral da pessoa humana em todas as suas dimensões,
e isso inclui – além da dimensão intelectual – a dimensão moral, religiosa, psicológica, estética, imagina-
tiva e até mesmo física da pessoa. Esse processo se inicia desde a mais tenra infância e perdura durante
toda a vida, até o momento da morte. Este sempre foi o entendimento geral do que é a educação em sua
essência: a soma de esforços por parte da Igreja, da família e da sociedade civil com a clara intenção de
formar a pessoa em sua totalidade, sem deixar de lado nenhuma das dimensões da vida humana. O Papa
Pio XI, em sua Carta Encíclia “Divini Illius Magistri”, documento magisterial que trata especificamente
sobre o tema da educação do ponto de vista cristão católico, deixa claro já nos primeiros parágrafos que a
essência da educação consiste na “formação do homem como ele deve ser e portar-se, nesta vida terrena,
em ordem a alcançar o fim sublime para que foi criado”.
Esse documento foi publicado no ano de 1929, e desde então muito mudou. A idéia de formação
integral foi reduzida para uma espécie de “formação parcial”, onde somente se valoriza a formação da
dimensão intelectual da pessoa, deixando de lado todas as outras facetas do prisma educacional. Isso sig-
nifica que a formação moral, religiosa, psicológica, e outras mais, tudo isso foi simplesmente erradicado
do conceito de educação e, conseqüentemente, do currículo escolar. A formação moral e religiosa, bem
como a parte psicológica, estética, imaginativa e física são agora tratadas como partes acidentais da edu-
cação, ou seja, são dimensões que podem ou não ser trabalhadas sem nenhum prejuízo para a criança
ou jovem a ser educado. No entanto, foi justamente a eliminação destas dimensões dentro do processo
de educação o que levou-nos a níveis tão baixos, se compararmos aos níveis dos séculos anteriores, espe-
cialmente no país em que vivo, o Brasil.
O resultado dessa redução onde a educação passou a ser vista como uma mera formação inte-
lectual, totalmente desligada de qualquer formação moral, religiosa, psicológica ou de qualquer outra
coisa, ocasionou uma distorção grave no entendimento das finalidades da educação. Quando falo em
finalidades, uso o termo em seu sentido aristotélico. Finalidade é aquilo para o qual uma coisa tende.

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Anteriormente, podia-se dizer que as finalidades da educação eram três: o Bem, a Verdade e a
Beleza, e objetivo final do processo educacional era formar pessoas boas, que conhecessem a verdade e
soubessem contemplar o belo. Os educadores modernos, no entanto, tentam fazer o impossível: disso-
ciar a tripla finalidade da educação, eliminando o Bem e a Beleza e ficando somente com a Verdade, e
mesmo esta é buscada com finalidades torpes, tais como a obtenção de um diploma, status, emprego,
dinheiro, etc. Fato é que essas três finalidades são perfeitamente unidas, tais como as Pessoas da Santís-
sima Trindade, o que impossibilita uma boa formação sem que as três sejam buscadas simultaneamente,
da maneira correta e com intenções puras.
As conseqüências dessa empresa foram catastróficas. O que antes era a busca pelo Bem, Verdade
e Beleza hoje se tornou a busca por um diploma ou por uma certificação, por status social, reconheci-
mento acadêmico, emprego, promoção, dinheiro. As pessoas não estudam mais por amor à Sabedoria e
para se tornarem pessoas melhores, mas para ascenderem profissionalmente e ganharem mais dinheiro.
A corrupção dos fins gerou a corrupção dos meios.
A educação se tornou, por fim, algo obrigatório para aqueles que pretendem participar da socie-
dade civil exercendo alguma profissão. É mais uma das exigências a serem cumpridas na busca por uma
ascensão social. Essa obrigatoriedade mata uma das condições mais essenciais para o aprendizado: a de
que ele deve ser livre e desinteressado.
Quando uso a expressão “educação liberal”, refiro-me à educação em sua verdadeira essência, a
educação livre, ou ainda, a educação que busca libertar o homem de seus grilhões, os grilhões da igno-
rância, do pecado e de si mesmo. É preciso voltar para as reais finalidades da educação, para restabelecer
sua verdadeira essência, que é a de formar integralmente o ser humano.
Tentativas para isso não faltaram nas últimas décadas. Uma grande quantidade de escolas clássi-
cas surgiu nos Estados Unidos em tempos recentes com a iniciativa de tentar voltar às raízes da educa-
ção, os estudos das sete artes liberais. Talvez essas tentativas falhem em alguns pontos, mas ao menos a
iniciativa deve ser louvada. Uma das mais notáveis foi a da Irmã Miriam Joseph, que inclusive escreveu
um maravilhoso livro sobre o Trivium, as três artes liberais da linguagem e da mente humana.
Outra forma de tentar restabelecer esta busca sincera pela formação integral clássica pode ser
realizada em âmbito particular, isto é, um esforço pessoal para integrar – ou reintegrar – esses elementos
essenciais da educação que foram retirados e direcionar o processo educacional de si mesmo para as
retas finalidades. Seria como adotar a visão clássica liberal da educação em seus estudos pessoais. É jus-
tamente este o objetivo deste texto: ajudar os estudantes universitários a corrigir as deficiências de suas
formações por si mesmos, através de um processo de auto-educarão segundo os princípios da educação
clássica.
A educação possui uma contradição interessante. Em certo sentido, não existe nenhum tipo de
educação a não ser a educação de si mesmo, isto é, não podemos educar ninguém além de nós mesmos,
afinal nós somos livres e responsáveis pelas nossas escolhas, e ninguém pode nos ensinar absolutamente

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nada se não houver de nossa parte um interesse real e uma inclinação da vontade. Em contrapartida, não
é possível aprender nada que não lhe seja ensinado por outra pessoa, e aqui mesmo os mais autodidatas
devem concordar. Mesmo assim, a educação não deve ser entendida como um direito, como é costume
afirmar hoje, e sim como um dever, uma obrigação de cada um de nós para conosco. É evidente que o
início da formação de uma pessoa depende de outras pessoas, mas a partir de certo momento, a respon-
sabilidade pela educação dessa pessoa passa a ser exclusivamente dela e de mais ninguém.
Se isso não for compreendido e se esse compromisso não for assumido, uma educação liberal ja-
mais será possível em qualquer lugar que seja, dentro ou fora da universidade. Se continuarmos a pensar
na educação como um direito, esperando-a passivamente cair das mãos do Estado ou de qualquer outra
entidade, isso será impossível. Primeiramente deve-se, então, assumir a responsabilidade pela própria
educação, e entender que o aprendizado deve ser ativo, e não passivo.
Mais do que assumir o controle e a responsabilidade pela própria educação, deve-se entender que
a vida intelectual é uma vocação para a qual devemos orientar todos os nossos esforços e toda a nossa
vida. Poucos autores trabalharam esse tema com tamanha maestria quanto o padre Antonin Sertillanges
em seu livro “A Vida Intelectual”. Esse é, sem sombra de dúvida, o primeiro livro que toda pessoa que
pretende iniciar uma educação clássica liberal deve ler. Trata-se de um verdadeiro manual de instruções
para a vida de estudos, onde o leitor pode aprender como ler corretamente um livro, como redigir ade-
quadamente as notas de estudo, como fazer bom uso da memória, e outras coisas relacionadas à vida
intelectual, tais como o repouso entre as horas de trabalho intelectual e a seleção de autores. Sertillanges
trata de todas as orientações básicas para que seja possível a consagração da vida do estudante, sempre
tendo diante dos olhos a busca por uma vida mais virtuosa. Isso é tão verdadeiro que, antes de tratar so-
bre qualquer aspecto técnico sobre os estudos, Setillanges fala da importância das virtudes do estudioso.
Dentro da visão dele, é impossível dissociar a busca pelo conhecimento da busca pela bondade.
O segundo livro que traz uma orientação fundamental sobre a vida intelectual e a educação clás-
sica liberal é o Didascálicon, de Hugo de São Vítor. Neste livro é possível entender como era a formação
educacional das pessoas antes do surgimento da indústria dos diplomas, responsável pela corrupção das
finalidades da educação. Hugo de São Vítor apresenta toda a divisão das ciências como ela era entendi-
da naquele tempo. Uma forma de compreender essa divisão de maneira mais fácil é utilizando a tripla
finalidade da educação, que já foi discutida neste texto. Na busca pelo Bem temos a filosofia da moral,
ou ética, e suas ciências decorrentes, como a política, que é a busca pelo bem comum na sociedade civil.
Na busca pela Beleza temos a filosofia da beleza, que é a estética. Na busca pela Verdade temos a divisão
entre a física, onde se encontram as ciências naturais, e a metafísica, ou ontologia.
Mas antes de iniciar os estudos em qualquer uma das ciências acima citadas, existia uma for-
mação básica, que eram as sete artes liberais. Essas sete artes constituem as ferramentas básicas para o
aprendizado, ou seja, aquilo que será usado para decifrar a realidade. De certa forma, é através do estudo
das sete artes liberais que nós aprendemos a aprender. O próprio Hugo de São Vítor diz em seu livro que
uma pessoa não poderia ser chamada de mestre sem dominar essas sete artes, que são as três artes do

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Trivium (gramática, lógica e retórica) e as quatro artes do Quadrivium (aritmética, música, geometria e
astronomia). Essa era a parte fundamental da formação medieval, à qual se seguiam estudos de ciências
mais específicas, tais como a teologia e a filosofia, e que produziu os maiores gênios de toda a humanida-
de, e o maior de todos eles, a saber, Santo Tomás de Aquino.
O livro da Irmã Miriam Joseph chamado “O Trivium” é um excelente primeiro passo para forta-
lecer as bases da formação intelectual, aprimorando as artes da linguagem e da mente humana, que serão
as ferramentas para compreender melhor os estudos que virão depois. Não é possível compreender bem
um livro sem dominar as artes da linguagem, sem compreender profundamente a gramática, a lógica e a
retórica. A ausência desta formação básica é o que explica a extrema dificuldade que os estudantes uni-
versitários têm para ler e interpretar textos que estejam fora do campo das ciências e técnicas nas quais
se especializaram.
Por fim, para ajudar na compreensão desses mesmos textos e livros, outro autor de extrema
importância deve ser lembrado: Mortimer Adler. Falo especialmente de seu livro chamado “Como Ler
Livros”, onde ele ensina passo a passo as técnicas e os níveis de leitura, partindo dos mais baixos em di-
reção aos mais elevados.
São quatro os níveis de leitura: elementar, inspecional, analítico e sintópico. O nível de leitura
elementar é o nível que distingue uma pessoa alfabetizada de uma pessoa não alfabetizada, isto é, a
capacidade de reconhecer as palavras e entendê-las, ainda que isoladamente. O problema é que nesse
nível não é possível haver uma compreensão da totalidade do texto, mas somente de palavras ou trechos
isolados, o que compromete a capacidade de interpretação de textos mais longos ou mais elaborados. O
nível de leitura inspecional é um nível intermediário entre o elementar e o analítico, mais utilizado como
ferramenta para examinar grandes quantidades de texto e avaliar qual deles merece uma leitura mais
dedicada. O nível analítico é o nível de leitura dos intelectuais, onde o livro sofre um processo de análise,
como o próprio nome já o diz, isto é, ele é dividido em partes que são estudadas isoladamente, a fim de
que a compreensão do todo seja maior. Por fim, a leitura sintópica é o nível mais elevado. Trata-se da
leitura filosófica por excelência, onde não se lê um livro, mas diversos livros que orbitam um problema
maior.
Não é nem um pouco exagerado dizer que, ao menos aqui no Brasil, a maioria dos estudantes
universitários possui apenas o nível de leitura elementar, ou seja, não são capazes de ler um livro utili-
zando os níveis superiores de leitura, onde se dá a compreensão profunda da obra do autor.
É difícil apresentar dados a respeito da situação no mundo todo, mas dentro da realidade bra-
sileira o número de analfabetos funcionais cursando nível superior é assustador. O filósofo brasileiro
Olavo de Carvalho várias vezes alertou sobre este problema, inclusive o fez recentemente numa palestra
na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, durante o Brazil Conference. A classe que deveria ser
tida como a elite intelectual de um país mal consegue ler e interpretar um texto sem fugir dos jargões de
suas áreas técnicas. Isso se dá por causa de uma má formação das técnicas básicas de aprendizado, um

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conhecimento muito superficial das artes da linguagem, coisa que deveria ser feita ainda no curso primá-
rio. As Universidades, obviamente, não têm o dever de corrigir as deficiências dos alunos, principalmen-
te quando se tratam de deficiências em coisas tão elementares, tal como o domínio do próprio idioma e
da capacidade de comunicação através dele, pois presume-se que os alunos já devam chegar lá sabendo
o que foi ensinado antes.
O mínimo que se deve exigir de qualquer estudante universitário é que este saiba o que de fato
é a educação, que ela se trata de uma formação integral e que deve englobar todas as faces do prisma
que é a vida humana. Também deve-se exigir que este domine as ferramentas de aprendizagem, as artes
da linguagem e da mente humana, especialmente a gramática, a lógica e a retórica, e que, por fim, saiba
fazer ao menos a leitura analítica de um livro. Infelizmente não é o que ocorre. Não é raro que estudantes
universitários se formem nas mais variadas disciplinas sem sequer terem lido os livros essenciais corres-
pondentes às suas áreas de formação.
O estudo dessas quatro obras que citei é um bom início para quem pretende adotar essa aborda-
gem mais clássica e liberal aos estudos, direcionando-os à verdadeira finalidade da educação. Aliar isso
ao estudo na Universidade fará o aluno compreender muito mais sua disciplina e a sua relação com as
demais ciências e técnicas, mas combinar um estudo clássico, liberal e autodidata com a Universidade só
é possível se – e somente se – resgatarmos primeiro a verdadeira finalidade da educação. Os estudos de-
vem imediatamente deixar de ser somente uma busca por ascensão social e sucesso profissional e passar
a ser algo muitíssimo mais elevado, isto é, a formação integral de seu próprio ser, algo que definirá sua
própria essência.

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DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA DO GBDS REV EDUC, Nº 1, 2018.

CIÊNCIA E DESCONSTRUÇÃO CIENTÍFICA NA UNIVERSIDADE


“para uma compreensão do progresso do conhecimento científico”

Daniel Francisco Quinito


Estudante da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola.
Director do Departamento Científico da associação científica GBDS.
Email: danielfranciscokinito@gmail.com.

AGRADECIMENTOS AO PROFESSOR DALA LINHA PELO CONVITE FEITO

Esta apresentação que agora vocês testemunham tem como causa o Senhor Dala Linha, pro-
fessor da Faculdade de Ciências Humanas e da Faculdade de Economia, da Universidade Católica de
Angola.
O Professor Dala Linha, como é fluentemente chamado, é um homem da ciência. Nas suas
divagações tem transmitido aquilo que sabe aos novos peregrinos, que com ele, alguns, já trabalham
em vários projectos. Com o intuito de criar uma visão múltipla da ciência, no dia 28.07.2017, recebi o
grandioso convite para brindar os seus estudantes com diálogos sobre método científico. O Professor
não me restringiu a abordagem, por isso fiz uma reunião dos tópicos, que eu acho essenciais, para se
falar de ciência numa perspectiva anarquista.
Claro está que me sinto honrado pelo convite. E devo agradecer ao Professor Dala Linha pela
oportunidade. Pese embora tenha o receio de não conseguir exaurir de forma cabal os tópicos que no
sumário enumerei. Entretanto, com a aglutinação das ideias poderemos dar um passo para o engran-
decimento do conhecimento científico.
Ainda iremos trabalhar, com certeza, em vários projectos. Por este facto, Professor Dala Linha,
para mim este é apenas um iniciar de uma grandiosa digressão que ainda faremos juntos em torno do
inalcançável “conhecimento científico”.
Muito Obrigado Professor Dala Linha pelo ensejo.
Cassenda: Luanda
30.10.2017

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INTRODUÇÃO

“Qual é a causa do insucesso escolar ou universitário?”. Uma questão que já consumiu rios de
tinta em virtude das possíveis respostas em torno dela.
Vou transcrever em primeira linha a posição de um professor “Amílcar Mário Quinta” , se não
mesmo um dos poucos, que reconheceu a culpa dos professores em torno da aprendizagem dos estu-
dantes:
Com efeito, não é normal que alguém cuja ocupação principal seja o estudo, para-
doxalmente não saiba estudar. Um taxista deve saber conduzir; um agricultor, saber
lavrar a terra; um padeiro, saber fazer o pão. Como pode, então, um estudante não
saber estudar!
A culpa, em todo o caso, não é dos estudantes. A verdade é que nunca ninguém os
ensinou a estudar. Nem em casa, nem tão pouco na escola. É tão simples quanto isso.
Resultado: os estudantes chegam à universidade sem saber estudar. Eles geralmente
confundem o “estudar” com “ler”, processos que, em rigor, não são necessariamente
sinónimos. Aliás, foi assim que fomos educados lá em casa: estudar é abrir os cader-
nos ou livros e ler. Ponto final.
Ciente do desconhecimento das técnicas de estudo, de algum tempo à está parte,
tenho me dedicado a transmitir aos mais novos algum conhecimento sobre o assun-
to. É surpreendente a ignorância que os próprios estudantes revelam para responder
acertadamente questões tão cruciais para qualquer processo de aprendizagem.
Para ilustrar o que precede, vou dar-vos apenas alguns exemplos. Ora, a maioria dos
estudantes: 1º. Não respeita o seu bioritimo durante o processo de estudo; 2º. Não
tem um horário/plano (escrito) individual de estudo; 3º. Não conhece que se estu-
da do mais complexo ao mais simples; 4º. Não conhece o fenómeno da “curva do
esquecimento” e como contrariar a sua tendência; 5º. Não conhece a “pirâmide da
aprendizagem” e como ela nos revela as atitudes capazes de maximizar a retenção de
conhecimentos; 6º. Não conhece como extrair notas ou apontamentos com eficiên-
cia; 7º. Não sabe fazer leituras e extrair delas o devido esquema quer sob a forma de
resumos ou de mapas mentais.
Enfim, a lista é longa e reitero a culpa não é dos estudantes. Simplesmente ninguém
os ensinou a estudar. Ou melhor, ninguém os ensinou a estudar de forma eficiênte, o
que é completamente diferente.
Há, por conseguinte, que se inverter esse quadro e isso desde muito cedo. Afinal “é
de pequeno que se torce o pepino”

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Professor Amílcar Mário Quinta.
Somente homens corajosos conseguem empunhar a faca contra o próprio coração. No entanto,
o Professor Quinta, ao referenciar essa triste realidade, acaba por empunhar a faca contra o seu próprio
coração e aos de outros professores, que nunca tiveram a coragem de fazê-lo. Não se vê individualidades
como a do Professor Quinta a reconhecer a culpa do professorado no ensino de técnicas de estudo. Mas,
nós temos reiterado essa problemática, quando asserimos:

“Devemos compreender que o problema não é inteiramente dos estudantes inician-


tes. Existe uma série de problemáticas carregadas do ensino médio, senão mesmo do
ensino de base, que, como sabem, todos fomos alvos ou vítimas” .
“No fundo, o que ocorre nas nossas instintuições é um autêntico “salve-se quem
poder!”. Aqui podemos concluir que o fracasso das instituições poderá ser imputado
aos professores, em parte”. “Quantos professores estariam dispostos a parar com o
programa durante um mês, só para ensinar método de estudo?” .

Em um diálogo, a Professora da Uniamérica Fabiana Carvalho lamentara a problemática da


passividade estudantil que é corolário, como sabem, da não criticidade. Vejam as palavras da Profes-
sora Fabiana:

“A passividade só atrapalha, e vejo muitas vezes que a postura dos alunos é de não
questionamento. Sem um pensamento crítico desenvolvido, não vislumbram algo
melhor, infelizmente. E como esse tipo de pensamento não é fomentado na acade-
mia, o ciclo vicioso perpetua-se” .

O leitor poderá questionar-se, o insucesso escolar só atinge os países como Angola e Brasil
(não disse, mas a Professora Fabiana é brasileira)? Será que essa preocupação não é sentida em outras
fronteiras? Senão mesmo nos países dirigentes da educação mundial?
A resposta será dada mediante o trecho da obra de Mortimmer Adler e Charles Von Doren
“How to read a book”. Citam, os autores, James Murshell, do “Teachers College da Columbia Univer-
sity”:
“O aluno que completa o ensino médio leu bastante, e se for para a Universidade lerá
mais ainda; mas é provável que ele venha a ser um leitor ruim ou incompetente. Ele
consegue ler uma obra simples de ficção e gostar dela. Mas coloque-o diante de uma
exposição sucinta, de um argumento formado com concisão e cuidado, ou de uma
passagem que demande consideração crítica, e ele estará perdido. Já se demonstrou,
por exemplo, que o aluno médio é espantosamente incapaz de indicar a ideia central

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de uma passagem, ou os níveis de ênfase e subordinação em um argumento ou ex-
posição. Para todos os fins e propósitos, ele continua a ser um aluno do sétimo ano
mesmo quando já está na Universidade”.

Falamos de estudantes dos Estados Unidos de América! Mas, não é tudo. Vamos vislumbrar as
lamentações e propósitos de Pascal Ide. Diz o autor:

“A ambição desta obra não é tornar você mais erudito, e sim mais inteligente, isto é,
fazer frutificar sua inteligência. Não se trata de acrescentar um livro à sua biblioteca,
mas de fazer você ler os livros que já estão nela e, antes de mais nada, se for preciso,
dar-lhe o gosto pela leitura. O homem, muito frequentemente, dá a impressão de
que a sua inteligência é um veículo que, tendo esquecido que possui cinco mar-
chas, se arrasta em primeira. Foi repetido nos últimos anos que exploramos apenas
10% de nosso cérebro; seria mais correcto 10% de nosso espírito. De facto, todos
nascemos com uma inteligência, mas ninguém nasce com o manual de instruções
para utilizá-la. Cabe à educação fornecê-lo. Mas jamais vi, nem na escola nem na
faculdade, um curso intitulado arte de pensar ou como administrar seus recursos
intelectuais. É lamentável. Este livro gostaria, no limite das competências do seu
autor, de preencher essa lacuna”.

Deixo a valoração destas posições ao leitor, melhor, aos estudantes que irão participar das au-
las que eu irei ministrar.
Essa ideia, “causa do insucesso escolar”, poderá estar ligada com aquilo a que alguns denomi-
nam “mesmice do diploma”. Em nossos círculos a pretensão primária dos estudantes está na “meta” e
não “como fazer a meta ou fazer bem o trajecto”. Pretensão essa que acaba por esvanecer a competên-
cia estudantil. Porquanto, a aplicação da mente para os estudos é uma questão que poucos, lamenta-
velmente, querem engrenar; desejando, a mais das vezes, o acelerar do processo. Outros pensam que o
estudo termina com o recebimento do diploma de licenciatura, quando muito devia marcar o começo
dos estudos e não do fim!
O reinventar do estudante demanda estudo constante, “na nossa convivência com os pais, es-
posas e filhos”. Como é que 4 ou 5 anos de graduação iriam demarcar períodos de estudos?
Acredito que o estudo nos vai acompanhar até ao culmino da experiência da respiração.
O Padre Ivan Illich escreveu sobre esse assunto, dizendo:
“Muitos estudantes, especialmente os mais pobres, percebem intuitivamente o que
a escola faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Al-
cançado isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, me-

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lhores os resultados; ou, então, a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo,
“escolarizado” a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com edu-
cação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo
novo.

Depois de apreciarmos as mais variadas posições, acredito que podemos introduzir o leitor sobre
o material que está a emprestar a sua atenção. O mesmo surgiu de um convite feito pelo Professor Dr.
Dala Linha (Professor da faculdade de ciências humanas e da Faculdade de economia, da Universidade
Católica de Angola). Com a necessidade de polarizar o conhecimento o Professor Dala tem criado uma
ambiência diversificada com vista a alargar o horizonte dos seus estudantes.
Pedimos a compreensão do leitor, pois no momento da feitura deste trabalho foram usados dois
sistemas de citação, esperamos que isso não infade o leitor. Também, pedimos para que o leitor aproveite
ao máximo e que estamos à espera da sua crítica.

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CIÊNCIA E MÉTODO CIENTÍFICO

Neste item, consulente, iremos abordar sobre o entendimento que se deve ter sobre ciência; fa-
lar sobre a existência de método científico; falar sobre o processo de interrogação científica, ou atitude
filosófica na ciência; mais tarde, iremos abordar sobre a problemática da conciliação entre ciência e
atitude filosófica.
É característico dos humanos a actividade do pensamento, ou seja, a eles e a elas, homens e
mulheres de todos os tempos e continentes, pertence à habilidade do pensar. Assim, como todos os
humanos são intuitivos, emocionais e espirituais, todos os humanos são intelectuais .
No fim do parágrafo pretérito, disse-se que “todos os seres humanos são intelectuais”. Como
citado, Pascal Ide questiona a cerca da criação de um livro onde se poderá transmitir “como usar e
fazer fluir a nossa inteligência”. Algo em que muitos se apartam e alguns já se encontram em deses-
pero constante. Mesmo assim, a multiplicidade de saberes faz com que se demande o conhecimento
de técnicas para poder acompanhar a evolução e desconstrução constante do saber, em geral, e, em
particular, do saber científico.
Os cultores criaram três perspectivas de saberes. Irei enumerar tendo em linha de conta o
critério da aparição. Em primeiro lugar, surge o conhecimento religioso, aquele que se reveste de um
transcendentalismo grande, na medida em que se revelam verdades em torno de uma figura que se
chama “DEUS” e a relacionalidade com a imagem desta Figura, ou seja, o relacionamento com os
“homens”. Claro está que o pensamento religioso nunca descartou a perspectiva relacional entre os
homens.
No quadrante mediano, temos o conhecimento filosófico ou especulativo. Aquele cuja base é
o questionamento das causas últimas , dos motivos através dos quais as coisas existem, e, também, do
como existem. Amor pela sabedoria é a sua definição etimológica da filosofia. Mas, em que consiste
esse amor pela sabedoria? Será um sentimento assimilável ao amor que eu tenho pela minha mãe?
Será um sentimento temporal? Será um sentimento que aparece de qualquer forma? Será uma forma
de abraçar alguém? Qual será, então, a diferença deste amor com os restantes sentimentos amorosos
que existem?
Um filósofo não é um intelectual. Não é um especialista, um sábio, professor, nem sequer um
estudante de filosofia. É uma pessoa que sente amor pela sabedoria, que deseja conquistá-la e trabalha
nesse sentido com toda a sua alma. Não são necessários grandes conhecimentos, estudos prolongados
ou diplomas sonantes para se ser filósofo. A filosofia não é um saber mas uma actividade acessível a
todos, e a partir da infância. Não consiste em fazer discursos abstractos ou em dominar doutrinas,
mas em utilizar a razão para se tornar mais sábio e, assim, ser mais feliz durante a sua vida. (…). A fi-
losofia não é uma disciplina escolar. É uma aventura espiritual. Não é uma profissão ou especialidade,
mas um interesse, um gosto, uma paixão .

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O método de que se serve a filosofia, diz Mondin, é diferente. Melhor, a filosofia tem método
diferente, o da justificação lógica, racional. Das coisas que estuda, a filosofia deseja oferecer explicação
conclusiva e, para consegui-la, se serve somente da razão, isto é, daquilo que os gregos chamaram “lo-
gos”. Com efeito, quanto ao objectivo, a filosofia não busca fins práticos e não tem interesses externos
como a ciência, a arte, a religião e a técnica, (…). A filosofia tem finalidade puramente teorética ou
contemplativa.
Agora, temos a missão de discorrer sobre o conhecimento científico, que faz problema nessa
secção desta sebenta.
Começo, desde logo, com o paradigma da informática como área privilegiada da transforma-
ção e inovação permanente dos fazedores dos computadores. A ciência se tornou o meio através do
qual se obtêm resultados coerentes, pragmáticos e verificáveis empiricamente. Nesta ordem de ideia se
diz que a ciência se constitui como um mar sem fim, onde cada vez urgem cardumes de ideias, todas
elas provisórias ou substituíveis por outras que serão feitas para serem substituídas por outras, e assim
por diante.
Os resultados que a mesma nos fornece no campo da medicina são estrondosos. A cada dia
o médico se eleva num patamar de constante desafio, na medida em que, para um paciente um novo
exame, e uma nova fórmula de cura por procurar. No entanto, isso não se faz com argumentos autori-
tários, sim com discutibilidade constante e uma perspectiva de questionamento constante.
A ciência pressupõe um conjunto de conhecimentos formulados ou sistematizados, com o
objectivo de proporcionar soluções aos problemas que lhe dão azo. Ou seja, a ciência parte de um
embaraço (por isso a asserção, onde existir problema lá estará à ciência com a sua sistematicidade
para empregar e dar clareza às ideias) formulando hipóteses, levantando dados ou informações, que
somente depois irão ser analisados de modo racional e publicados. Claro está que tal publicação de-
verá ser vista como “pretensão de verdade” até ser mais uma vez problematizada. Na esteira de Pedro
Demo, “a vida académica autêntica é um processo permanente de construção científica”.
“A ciência é, ao mesmo tempo, uma enorme caixa de ferramentas e, mais importante que suas
ferramentas, um saber de como se fazem as ferramentas. O uso das ferramentas científicas que já
existem pode ser ensinado. Mas a arte de construir ferramentas novas, para isso há de saber pensar. A
arte de pensar é a ponte para o desconhecido. Assim, tão importante quanto a aprendizagem do uso
das ferramentas existentes – coisa que se pode aprender mecanicamente – é a arte de construir ferra-
mentas novas. Na caixa de ferramentas, ao lado das ferramentas existentes, mas num compartimento
separado, está a arte de pensar”.
Para nós a ciência é a arte da desconstrução constante, ou seja, a quebra de paradigmas para,
ulteriormente, serem quebrados.
Falamos que a ciência serve-se de uma via que se dá o nome de “método científico”.
A metodologia científica será, por conseguinte, o meio através do qual se alcança “ a descons-

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trução constante”. Tal método se chama “questionamento reconstrutivo”. Em nossa perspectiva.
O método científico está ligado com ideia de formalismo, que deverá atravessar todo o conhe-
cimento que se pretende achar-se como tal “científico”.
Vislumbremos a definição de outro autor “método científico é o processo racional que se em-
prega na investigação” .
A apreensão desta via racional de estudar a realidade circundante tornou-se propedêutico ne-
cessário para se ser alfabetizado. Melhor, temos visto os cultores a falar em “educação científica” que
todo e qualquer estudante deve possuir para no mínimo se considerar alfabetizado, cientificamente
falando.
“Quem não sabe pensar”, diz Demo, “acredita no que pensa. Quem sabe pensar autoquestiona
o que pensa. Não precisa forçar, berrar, vilipendiar, agredir, falsificar, plagiar; precisa argumentar, para
convencer sem vencer. Quando o estudante, sob orientação e avaliação de professores ‘maiêuticos’,
aprende metodologia científica, pode aprender, no mesmo processo, a argumentar com fundamen-
to esmerado, sempre aberto, discutível, mantendo-se discutível, negociando ‘verdades’ questionáveis,
ouvindo outros pontos de vista com devida atenção, retrucando civilizadamente e com fundamento
redobrado, procurando construir uma esfera pública do diálogo irrestrito. Poucos procedimentos aca-
démicos são mais pedagógicos que esse”.
A postura socrática assume hoje uma verdadeira espinha dorsal do progresso científico. Pese
embora só obtenhamos tal progresso, em nossas Universidades e escolas, com o auxílio de professores
socráticos. Aqueles que não se acham detentores do saber ou detentores “da metodologia”, como vere-
mos mais adiante, “ter método significa fazer o método sempre”.
“O impacto mais forte”, diz outra vez Demo, “encontra-se no reconhecimento de que questio-
nar começa, para ser coerente, com questionar-se. A coerência da crítica está na autocrítica. Do que
decorreria que só é científico, o que for discutível” . Fundamenta o autor, “nenhum argumento lógico
termina qualquer discussão, pois, na verdade, apenas a faz continuar e recuperar” .
Está compreensão de metodologia científica resgata, ao mesmo tempo, o papel insubstituível
da Universidade e da escola, como lugares privilegiados da construção do conhecimento e da for-
mação da competência inovadora. Significa, entretanto, também crítica radical aos vezos (costumes)
actuais, perdidos na mera transmissão, nas aulas copiadas para ensinar a copiar, na transmissão de-
corada dos cursinhos de vestibular, nos treinamentos domesticadores que reduzem a todos a meros
objectos de aprendizagem .
Em poucas palavras “a desconstrução é constante que o que importa não é seguir o caminho,
mas sim fazer o seu caminho, tendo em linha de conta os caminhos já existentes. Porquanto, não se
pode partir sem princípio, não obstante não existirem princípios, no sentido rígido do termo”.
Falamos atrás sobre a “postura socrática ou maiêutica socrática”.
Esclarece, o próprio Sócrates, segundo a descrição que dá da sua actividade numa passagem do

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Teeteto, dado que estabelece uma aproximação inesperada entre a sua função e aquela que exerce sua
mãe, que é parteira: “Ora, ao meu ofício de fazer os partos ‘maieuseôs’ pertencem todas as outras coisas
que pertencem às parteiras, mas difere pelo facto de assistir homens e não mulheres, por zelar pelas
suas almas em vias de dar luz, mas não pelos seus corpos. E isto é o mais importante no nosso ofício,
ser capaz de sentir, por todos os meios, se o pensamento do jovem homem dá nascimento ao imaginá-
rio, (…) a saber, que questiono os outros, mas que não respondo nada de nada porque em mim nada
há de sábio (…)”.
Em nosso entender “Sócrates nada sabia, mas por recurso as questões que fazia conseguia atrair
a sabedoria às memórias das pessoas que dela careciam”.
Então, podemos concluir, nessa secção, que a ciência não se compadece com metodologias
mecanicamente elaboradas, mas, pelo contrário, se enquadra num ciclo de uma verificabilidade cons-
tante, mediante o questionamento. Claro está que não deve existir “verdades em ciência”, mas soluções
temporais que deverão ser verificadas e falseadas, regularmente.

PROGRESSO CIENTÍFICO FEYERABENDIANO

O problema que agora nos vai ocupar prende-se com o estabelecimento das perspectivas de Paul
Karl Feyerabend , um dos mais insignes filósofos da ciência que o mundo já conheceu. Pela sua vivacida-
de e perspectiva extremada, Paul foi muitas vezes mal interpretado. Só para que conste, Paul foi discípulo
de dois grandes nomes sonantes na filosofia. Primeiro, saiu da Áustria para estudar com uma das melho-
res mentes autodidatas que o mundo conheceu Ludwig Wittgenstein (um dos grandes contribuintes da
filosofia da linguagem) . Com efeito, com a morte do mestre, Paul vai continuar os seus estudos com Karl
Popper (um dos grandes defensores do progresso científico, por intermédio do falseamento das contri-
buições científicas e um dos grandes teóricos crítico do autoritarismo Platónico, Comunismo Marxista e
Historicismo Hegeliano) . Feyerabend possui variadas obras publicadas, entretanto, aquela que nos inte-
ressa para a nossa reflexão é o “Contra o método” (que evoluiu de artigo para livro, conforme se pode ler
no livro. Devemos lembrar que o manual seria uma discussão dialética que o autor pretendia fazer com
Imre Lakatos, no entanto, com a morte de Lakatos o livro deixou de ter a base bilateral de discutibilidade
que possuia aquando da sua feição).
O autor parte da seguinte ideia base, “a ciência é um empreendimento essencialmente anárquico:
o anarquismo teorético é mais humanitário e mais susceptível de estimular o progresso do que suas alter-
nativas representadas por ordem e lei” . Fundamentando a sua tese na variedade histórica de factos revo-
lucionários em que se deu determinado derrube de uma convicção científica, por intermédio do desligar
a regras pré- estabelecidas. Explica o próprio Paul «‘Duas importantes conclusões práticas decorrem daí
[do caráter do processo histórico]’, escreve Lenine,…. ‘Em primeiro lugar, a de que, para cumprir sua
tarefa, a classe revolucionária [isto é, a classe daqueles que desejam alterar seja uma parte da sociedade,

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como a ciência, seja a sociedade em seu todo] deve estar em condições de dominar, sem excepção, todas
as formas ou aspectos de atividade social [deve compreender e saber aplicar não apenas uma particular
metodologia, mas qualquer metodologia e qualquer de suas variações imagináveis]...; e, em segundo
lugar, deve estar preparada para saltar de uma à outra, da maneira mais rápida e mais inesperada» . Con-
forme já nos elucidou Dewey “o homem gosta de pensar em termos de oposições extremadas, de pólos
opostos. Costuma formular suas crenças em termos de (um ou outro), (isto ou aquilo), entre os quais
não reconhece possibilidades intermediárias” . Complementando a posição de Dewey com os gradiosos
contributos da teoria das revoluções, quando um determinado sistema político, cultural, económico ou
jurídico se instala cria por parte dos entes que professam tal sistema uma espécie de “dogmatização das
posições”, que somente poderá ser derrubada por um sistema oposto que de per si também se vai con-
siderar “dogmatizado”. Adequando a explanação, o progresso educacional faz-se com sistemas opostos,
ou como se assere recorrentemente “a mudança ou o progresso faz-se pela diferença”. Vamos retirar um
exemplo um pouquinho banal, entretanto, oportuno para explicitar essas afirmações. «Se numa aldeia
(comunidade tradicional) estiverem reunidas determinadas pessoas, munidas de emoções, crenças, dog-
mas, sistema juridico-costumeiro e uma forma empírica de produtividade, essas pessoas possuem uma
vivência que se pode contextualizar espacial e temporal. Agora imagine que todas as pessoas possuem
alturas e idades iguais, como saberão elas quem é o mais velho e quem é a pessoa de estatura mais ela-
vada? Se vier ao mundo uma pessoa que tenha uma altura inferior aos demais se vai inferir que todos
são altos excepto aquele que nesceu recentemente. Consequentemente, está pessoa que veio ao mundo
será a pessoa com menor idade no grupo (que é homegéneo nesses termos). Vamos ir mais ao fundo da
questão, reparem que essa mesma comunidade é constituida por pessoas negras. Afinal, como saberiam
elas que existem pessoas de côr diferente? Claro que a resposta para o nosso exemplo é simples, vendo
uma pessoa de côr diferente da sua (deles, para o exemplo em causa) ».
Voltamos ainda a explicar as interecções de pólos de pensamento. Para o desenvolvimento inte-
lectual o estudioso deverá inalcançavelmente ir sempre à busca do diferente, pois o igual em nada nos
acresce. Nesta senda, a passagem de um pólo para o outro deveria ser feito com certa liberdade, que
será entendida como sendo “a ausência de injunções de regras”. É oportuna a asserção de Umberto Eco,
advertindo que “todo o modo de pensar é sempre considerado irracional pelo modelo histórico de um
outro modo de pensar, que se considera a si próprio racional” . Para o desenvolvimento há esse salto
pelas racionalidades e irracionalidades do pensar, que, diga-se, são circunstâncias que ninguém poderá
abdicar.
Imaginem um estudante de 10 anos (vive numa comunidade rural), que ia todos os dias à escola
e admirava bastante o repertório de conhecimentos do seu professor. O professor sabia uma boa parte
das capitais do mundo, sabia nome de presidentes de alguns países, e possuia a capacidade de passar a
matéria ao quadro (esse exemplo foi inspiradoo em virtude de um exemplo semelhante formulado por
Mário Sérgio Cortella, em uma das suas palestras). Como é que esse menino deixará de ter uma admira-

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ção cega ao seu professor? Claro, deparando-se com alguém mais douto do que o seu professor, poderia-
mos aventar um professor catedrático, que tanto leu e interpretou que parece-se com um “homem-sábio”.
Mas será oportuno questionar “como é que esse menino agora encantado com o professor catedrático
poderá deixar de ter encanto por ele? A resposta é simples, quando atingir o mesmo nível de maturidade
e ver que aquilo que o mesmo fazia não era um dom secreto dado pelos deuses!
Não é por acaso que Rubem alves uma vez disse em pleno programa “provocações” as seguintes
palavras: “eu cometi a pior heresia da igreja ou seja cometi o pecado capital da igreja, que é, pura e sim-
plesmente, o facto de se pensar diferente”. Os não conformistas diferem dos conformistas pelo simples
facto de os primeiros duvidarem e questionarem ao passo que os segundos terem uma e única vocação
“seguir as regras existentes”. Vamos questionar mais uma fez: como é possível mudar de ideias sobre uma
forma de governo eraizada em um estado?
A resposta está em Alexis de Tocqueville. O grande francês que teceu elogios rasgados ao sistema
democrático, que encontrara nos Estados Unidos da América. Por sinal oposto ao sistema que o envol-
veu por muito tempo em França. (deixo para a curiosidade do leitor se deleitar com este autor mencio-
nado).
Nesta ordem de ideias, o anarquismo epistemológico de Feyerabend traduz, afinal, uma pers-
pectiva a cerca da ciência segundo a qual não há nenhum conjunto de regras de método que permaneça
invariável face à diversidade dos contextos concretos da investigação e à mudança das condições histó-
ricas em que ela se desenrola . Por conseguinte, ao ente que faz o uso do método científico se estabelece
uma margem de fuga, retorno ou, mesmo, inversão das metodologias quando o intento for o progresso
da ciência. Os anarquistas profissionais se opõem a qualquer tipo de restrição e exigem que ao indivíduo
seja permitido desenvolver-se livremente, desembaraçado de leis, deveres e obrigações . Feyerabend pro-
põe como princípio metodológico a palavra de ordem “vale tudo”,…, a investigação científica seria um
empreendimento completamente anárquico, desprovido de quaisquer regras.
Da nossa parte, a expressão “desprovido de quaiquer regras” não é sinónimo de “inexistência de
regras”. Na medida em que até os criativos do mundo tiveram que começar com um princípio (regra an-
terior), que os impulsionou a chegar a resultados invejáveis. Por outro lado, o simples facto de se afirmar
que a “pesquisa científca não deverá possuir regras fixas”, já se consubstancia em uma regra. Podimos a
cautela do leitor no sentido de que a nossa interpretação não é literal, mas buscando a essência da expres-
são “tudo vale” está subjacente à ideia de que até as regras fixas poderão ser tomadas em linha de conta
para a feitura de novas regras. Por conseguinte, formulando de outro modo “não se deixar prender por
regras, significa princípio de liberdade e materialização do vale tudo”.
Deixo no final desta secção algumas questões provocantes para nós pensarmos um pouco. Como
é o teu professor? E como é o professor de Oxford ou Harvard? Eles matam-se e ditar matérias em pape-
litos? Ou, pelo contrário, estão sempre se reinventando com a pesquisa? Como são os estudantes destas
universidades? Será que são aqules que requerem ao professor que lhes dê a definição que irão colocar

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na prova? Ou estão preocupados em por em causa às definições dos seus mestres? Será que o professor
idóneo é aquele que volvidos 20 ou 30 anos de docência possui a mesma aula, o mesmo exemplo, a mes-
ma piada sem graça, a mesma injunção à decoração mecânica? Como é que acontece com os professores
destas Universidades que citei neste período de tempo?
Gostaria que o leitor empresta-se um pouco a sua atenção!

A UNIVERSIDADE DA CIÊNCIA

Uma das questões que temos debatido prende-se com o conceito de Universidade. Melhor di-
zendo, procuramos saber quando é que uma instituição se torna uma verdadeira Universidade. Numa
reflexão por nós encaminhada inferiu-se sobre a trilogia universitária, ou seja, para se definir uma uni-
versidade cumpre alinhar os três blocos de actuação. São eles a pesquisa, ensino e extensão . Conforme
diz a temática “a universidade da ciância” é aquela em que a pesquisa é encarada, tanto pelos professores
como pelos estudantes, como meio idóneo de renovação e actualização constante.
Nesta senda, para se falar de universidade da ciência cumpre falar do seu currículo. Claro, dos
aspectos transversais dos currículos. Não se entende, e nunca se vai entender, que uma determinada
unidade orgânica não tenha disciplinas instrumentais, ou seja, disciplinas que imprimam no estudante
uma postura de pesquisa. O exemplo cabal é o método científico. Que para muitos seria o propósito da
educação .
A Universidade vê-se comprometida a esclarecer os seus estudantes sobre o seu propósito: “edu-
cação”. Um conceito distorcido pela burocracia que dita o currículo académico. Em decorrência das
perspectivas que já foram delineadas teremos a Universidade como entidade destinada a transmitir uma
série de tipologias de educação. Dentre elas, científica, técnico-profissional e ética. Vamos emprestar a
nossa atenção a primeira.
Não sei se o leitor conhece John Dewey. Mas, este ensigne pensador é tido como um dos melho-
res filósofos da educação do século passado. Do seu pensamento educacional retiramos lições valiosas
que muitas entidades de ensino superior deveriam ter em linha de conta. Dewey interpreta a educação
como “método científico por meio do qual o homem estuda o mundo e adquire cumulativamente co-
nhecimento de significados e valores, não sendo, entretanto, estes resultados da ciência dados para se
conduzir uma vida inteligente e de continuado estudo crítico. A tendência da busca científica é para a
conquista de um corpo de conhecimentos que, devidamente compreendidos, se fazem meios para a
direcção de novas buscas e pesquisas. Daí não dever o educar- cientista limitar-se à investigação dos pro-
blemas à medida que são descobertos, mas proceder ao estudo da natureza dos problemas, da época em
que surgiram, e das suas condições, importância e significação. (…) o estudo científico guia e aprofunda
a experiência, mas essa experiência somente será educativa na medida em que se apoia sobre a continui-
dade do conhecimento relevante e na medida em que tal conhecimento modifica ou modula a

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perspectiva, a atitude e a habilitação do aprendiz ou aluno”.
Com esta perspectiva de Dewey inferimos que a Universidade da ciência é uma Universidade de
pesquisa e ensino. Nesta senda, todos os elementos que a informam deverão seguir a lógica da pesqui-
sa e do ensino, ou seja, tanto professores como estudantes deverão pesquisar e ensinar circularmente.
Disse uma vez Rubem Alves « em minha cabeça moram ideias de dois tipos. Primeiro, as ideias que
não são de ninguém e são de todos, os saberes da ciência, o teorema de Pitágoras, a regra de três, …,
força= massa x aceleração, as informações sobre a história, sobre a filosofia, sobre a geografia, sobre a
teologia – tudo isso está gravado e organizado nos arquivos de minha memória de saberes. Congelados.
Paralisadas. Aparecerão quando eu precisar delas e as chamar. Não tenho nenhum afecto especial por
tais informações. Eu as uso como uso martelos e barbantes: pela utilidade. Estão na minha cabeça, mas
podem ser encontradas em livros. Se a memória me falhar, vou a um livro e lá estão elas à minha espera.
Os educadores deveriam ter isso como moto: mais importante que saber é saber onde encontrar. Se eles
soubessem disso, o ensino e os vestibulares seriam totalmente diferentes”. Uma reflexão muito acertada
de Rubem Alves, entretanto, iremos acrecer um aspecto à passagem negritada. Acrecendo: “… mais im-
portante que saber é saber onde encontrar e como encontrar”. A última parte transparece o aspecto do
método científico.
Um dos elementos essenciais para esse processo de transmissão da chamada educação científica
é o Professor. Atenção, leitor, não vos falo de termos uma disciplina de metodologia científica e um pro-
fessor não pesquisador que irá dirigir a mesma. No entanto, vos falo de termos uma educação científica,
que deveria ser trabalhada em dois ou três anos. Desde os métodos qualitativos e quantitativos. Dados
sem pressa. Esgotando no mínimo dois ou três anos. Voltando ao assunto do professor, este ente possui
uma missão nobre, sengundo a nossa visão, “tornar as coisas perceptíveis para os estudantes”. Reconhe-
cer que nada sabe e chamar sempre o estudante para que juntos encaminhem esse grande empreendi-
mento científico. Entretanto, a pragmática nos mostra uma circunstância completamente diferente. Na
realidade, “todo o professor incompetente escuda-se no autoritarismo, esquecendo-se que a vocação
do estudar é duvidar, questionar e pesquisar”. Não é preciso demonstrar com exemplos comcretos por-
quanto acreditamos que o leitor desse artigo sofre com este regime, mesmo que for apenas a menor
grau. Então, da nossa parte o professor de uma Universidade da ciência é o professor – pesquisador. Essa
nossa afirmação possui uma razão de ser, pois “o estudante de hoje será o professor de amanhã” . Como
poderemos ter professores pesquisadores se os nossos não são? Claro que o esforço será maior. As coisas
se tornam fáceis para o filho que quer ser um Dj quando o pai também é.
Não vamos apenas queimar o professor, ou seja, vitimizar o professor como se o mesmo fosse
o integral culpado pela não materialização da “Universidade da ciência”. A resistência do estudante e a
sua, consequente, perdição no mundo académico contribuem para a não materialização da tão almejada
universidade da ciência. Não nos esqueçamos de que o estudante tem em suas mãos uma tripla função
por percorrer, são elas: “duvidar, questionar e pesquisar”. Vendo as coisas do jeito que estão, acreditamos

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que o mesmo tenha perdido a sua essência. Aceitando tudo que ocorre. E vejamos que a única preocu-
pação do estudante actualmente é a seguinte “e qual é a resposta certa? O que vou colocar na prova?”.
Depois de concluir o curso não sabemos se irá perguntar isso a quem, estamos certo que essa questão
não fará ao seu chefe. Já sabemos que este tipo de estudante estará completamente perdido.
O último pressuposto da Universidade da ciência seria “lançar estudantes internacionais”. Signi-
fica ter estudantes que passem pela Universidade e possam trilhar em qualquer Universidade do mundo.
Acredito que estão a se questionar “como seria isso?”. Muito simples, em toda Universidade haveria um
programa de educar os estudantes em dois principais idiomas. São eles o inglês e o francês. Claro que
a instituição teria uma certa liberdade de escolher como iria ministrar. Entretanto, da nossa parte, se
ministrar em dois anos cada um dos idiomas seria fantástico. Um ano de inglês geral ou francês geral e
o outro ano seria dedicado ao inglês ou francês técnico da área de formação. Existem mesmo cursos que
não devem ser dados em Língua portuguesa, vos falo do curso de economia e engenharia. A Universida-
de poderia dar esses cursos em inglês ou adoptar o sistema de duas línguas.
Reparem já que esse sistema privilegia a contratação de professores renomados das escolas supe-
riores mais cobiçadas do mundo. Sem o mesmo sistema continuaremos com a importação de professo-
rado que só fala portugues.
Portanto, seriam três os grandes pilares da Universidade da ciência: 1º Educação cienífica; 2º
Professores pesquisadores e 3º Lançamento de estudantes internacionais.

FONTE: Mapa conceitual ela-


borado pelo autor.

Uma provocação é requerida agora. “quantos dos seus professores são pesquisadores?; Quanto
conteúdo desactualizado ainda se dá aos estudantes? Quantos estudantes se preocupam com o mé-
todo científico?”. Leitor, por favor, responda para si mesmo esses quesitos, pois, da nossa parte é uma
constante.

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O ESTUDANTE DA CIÊNCIA

Já tentamos falar um pouquinho sobre o estudante da ciência. Entretanto, aqui iremos exaurir
o olhar analítico. Afinal de contas quem é o estudante da ciência?
Se perguntassem ao Adam Grant vos diria, provavelmente, que é um “original”. São as consi-
derações desse autor sobre a originalidade: “original: coisa de carácter único ou singular; pessoa que
é diferente de outras, de um modo apelativo ou interessante; pessoa com iniciativa ou capacidade in-
ventiva” . A questão de ser diferente, isolar-se do comum, fugir da mesmice do geral, tornar-se único
tem sido um dos grandes dilemas dos estudantes.
Normalmente, os estudantes estudam da mesma forma, revisam com a mesma intensidade,
com a mesma falta de vontade, com o mesmo livro (em situações piores, com os ditados do professor
– imperador), faz a mesma coisa todos os dias, abdicou da função questionadora, não duvida, ama a
facilidade, não explora fora da sua área de actuação, enfim, “é um ente verdadeiramente perdido…”.
O estudante da ciência é um ente que comunga os seguintes qualificativos: original (diferente), curio-
so, duvidoso, inquiento, questionador , pesquisador, amante da mudança!
O pensamento reflexivo, que é consequência dos atributos naturais do estudante, é uma das
grandes armas do estudante. Comportando o domínio da lógica, que culminará com o raciocínio
apurado e crítico. Conforme esclarece Dewey, “lo que constituye el pensamiento reflexivo es el exa-
men activo, persistente y cuidadoso de toda creencia o supuesta forma de conocimiento a la luz de
los fundamentos que la sostienen y las conclusiones a las que tiende” . Acresceu-se com essa definição
os qualificativos: examinador, peristência e cautela (cuidado). O pensamento reflexivo é de certa for-
ma um pensamento oriundo do questionamento. “Questionar”, diz Nigel Sanitt, “e estar sedento de
conhecimento são uma característica natural que age enquanto motivação principal para aqueles que
estudam ciência” . Da nossa parte, efectivar questões é um pressuposto do entendimento, quem não o
faz arrisca-se a ruina e infelicidade académicos. Como diz Gadamer “perguntar é mais difícil do que
responder… mas, para perguntar, é preciso querer saber, isto é, saber que não se sabe” . Por muitas
razões vemos estudantes e professores preocupados em responder ou dar respostas, quando muito de-
viam interrogar o objecto que está a ser conhecido. No entanto, como questionar é mais difícil do que
responder o estudante mediano responde muito e o estudante de top sabe que a pergunta lhe vai levar
a uma resposta “provisória”, que será, posteriormente, questionada. Assim sucessivamente. Esperamos
que o leitor desse artigo venha desenvolver a arte da questão.
Outra questão interessante é aquela que estabelece que o estudante da ciência é aquele que de-
senvolve uma actividade árdua, fatigante, que não é materialmente recompensável, mas que tende ao
prazer. Não sei se o leitor já se deleitou com a grande Ostra de Rubem Alves , se não fique descansado,
pois, iremos transcrever aqui.
A Ostra feliz não faz pérola.

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Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos
gastrónomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas,
sopas. Sem defesas – são animais mansos –, seriam uma presa fácil dos predadores.
Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras,
dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas
ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas
conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gre-
goriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária
que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto
muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão...”.
Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne
e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era pos-
sível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia
lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com
uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o
seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia,
passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras,
inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua
mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus
dentes bateram num objeto duro que estava dentro de uma ostra. Ele o tomou nos de-
dos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora
fizera uma pérola. Ele a tomou e deu-a de presente para a sua esposa.

Esclarece o autor “as ostras felizes não fazem pérolas… As pessoas felizes não sentem a neces-
sidade de criar. O acto criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que
seja uma dor dorida… Por vezes a dor aprece como aquela comichão chamada curiosidade. Este livro
está cheio de grãos de areia pontiagudas que me magoaram. Para me livrar da dor, escrevi” .
Ao leitor deste artigo, qual é a sua dor? O acto de estudar envolve sacrefícios que nem todos
estão dispostos a ceder. De outro lado, estou esperançoso, pois, acredito que o leitor deste artigo possui
uma dor, por isso está a lê-lo.
Sintentizando a secção, o estudante da ciência é: original (diferente), curioso, duvidoso, in-
quiento, questionador, pesquisador, amante da mudança, examinador, peristente e cauteloso (cuida-
doso), paciente, criador.
Agora, o leitor possui essas qualidades? Reflita e emita uma resposta para si mesmo.

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CURIOSIDADE

Vou vos falar do meu sobrinho “Daniel da Silva Quinito”. O grande malandro. É um menino
que não se pode perder de vista, pois, se assim acontecer será estrago com certeza. Possui as suas obras
maquiavélicas. Destruiu dois telefones do seu pai e um da sua mãe, partiu um vaso lindo que a sua
mãe comprara, foi o primeiro a riscar no meu código civil, partiu o DVD da sala, enfim, é um menino
inquiento. Mas, a sua maior habilidade é perguntar, ou seja, pergunta tanto que já me sinto irritado, às
vezes.
O que levaria esse menino a partir as coisas ou questionar bastante? Esta é uma das questões
que todo o pai deveria fazer-se com vista a alcançar um entendido sobre os seus filhos. Caro leitor
não é a primeira vez que me deparo com meninos deste tipo. Um grande malandro é o Victor (meu
sobrinho também), este é faiscinado por tv, entretanto, possui uma grande capacidade de fala, funda-
mentação e questão. É uma dor de cabeça ter que responder todas as questões dele.
Reparem que a capacidade ou a habilidade da curiosidade reside em todos. Quando estamos
dispostos a seguir alguém para saber o que ela realmente está escondendo, podemos chamar a causa
desta operação de curiosidade. Existem circunstâncias em que pretendemos descobrir qual é o lugar
em que o pai ou a mãe guardou o objecto x ou y. Esta pretensão chama-se, também, curiosidade.
Nas escolas, os curiosos são os incoformistas. Aqueles que não aceitam de imediato uma coisa
dita pelo Professor, àqueles que amam questionar e estão sedentos de dúvidas. Porquanto, somente se
pode avistar a clareza no meio da dúvida, ela nos faz abrir caminhos para o conhecimento.
Adam Grant fala dos meninos-prodígio e a sua grande capacidade de absorção de conheci-
mentos, por um lado, e a sua inércia pela inovação ou criação (originalidade). Diz o autor «… Embora
os meninos-prodígio sejam muitas vezes ricos tanto em talento como em ambição, o que os retrai
de progredir no mundo é não aprenderem a ser originais. À medida que tocam no Carnegie Hall,
que vencem as Olimpíadas de Matemática e se tornam campeões de xadrez, acontece algo trágico: a
perfeição faz a prática, mas não faz algo novo. Os dotados aprendem a tocar magníficas melodias de
Mozart e belas sinfonias de Beethoven, mas nunca compõem as suas partituras originais. Concentram
a sua energia a consumir o conhecimento cientifico que já existe, e não a produzir ideias novas. Con-
formam-se às regras codificadas dos jogos existentes, em vez de inventarem as suas próprias regras dos
seus próprios jogos».
Repare que a pessoa curiosa é sobretuto duvidosa, aquela que não vê a realidade como finaliza-
da, mas sempre por finalizar. Aquele estudante curioso passa a vida em questionar, o porquê disto ou
daquilo? Procura sempre colocar as coisas em causa! Não se contenta com meras respostas, portanto,
com uma boa dose de vontade parte em busca de algo novo e inovador.
Continuamos ainda com Adam Grant . « quando nos tornamos curiosos sobre as coisas por
defeito que não nos satisfazem no nosso mundo, começamos a reconhecer que a maioria tem origens

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sociais: regras e sistemas criados por pessoas. E essa consciência dá-nos a coragem para pensar no
modo como podemos mudá-las. Antes das mulheres conseguirem o direito ao voto na América, mui-
tas “nunca tinham pensado na injustiça desse estatuto como sendo algo anormal”, comenta a historia-
dora Jean Baker. À medida que o movimento sufragista foi ganhando dinâmica, “um número cada vez
maior de mulheres começou a ver que o costume, o preconceito religioso e a lei eram, de facto, feitos
pelo homem e, por isso, reversíveis».
Temos uma realidade fixa, o homem se acomoda com ela (falamos do homem comum), e a assi-
mila e não questiona o mérito, a causa, e o intento daquela realidade. Se conseguirmos delinear melhor
o raciocínio, veremos que somente existe mudança quando as pessoas questionam a situação actual.
Depois da questão as pessoas vão forjando um novo modelo por instituir. É o caso de um estudante de
direito ser informado sobre o sistema administrativo francês, tendo como objectivos: assimilá-lo e de-
pois reproduzí-lo. Esse é um estudante médio. O curioso diria “por que estamos ainda vinculados a esse
sistema? Por que não criamos um que garanta os direitos dos particulares? Mas ir reclamar a um órgão
que proferiu determinado acto seria perder tempo, visto que as possíbilidades de revogabilidade são
ínfimas, por que não ir directamente ao tribunal? Não nos esqueçamos de que a mera passividade, que
consiste na ingerência de conhecimentos, é completamente descartável!
Já viram que uma vez pedi ao meu sobrinho “Daniel da Silva Quinito” para que tomasse conta
dos meus livros enquanto eu ia pegar o meu carregador. Simplesmente, ele questionou “posso escrever?”
eu disse: não! Quando regressei ele tinha riscado tudo para a minha desilusão. Reparem que quando nós
proibimos algo, criamos uma curiosidade imensa à pessoa que está a ser restringida. Se eu não o proibis-
se, provavelmente ele não teria a ideia de riscar nos livros.
Já viram aquelas placas “é proibido passar aqui!”. Dentro de mim “por quê? O que me vai aconte-
cer? O que tem dentro?...”. A proibição leva a que as pessoas questionem sobre as consequências de uma
atitude positiva.
Então, a inquietação é uma dádiva a que todos possuem, mas apenas 1% usa. Conforme identi-
fica Dewey “ uma curiosidade não intelectual que no seu nível mais inferior é demostrado por animais
com a sua abundante energia orgânica incenssantemente a agarrar, escavar, emboscar e perseguir. Num
nível social mais elevado, uma criança pequena irá perguntar constantemente: porquê? E o que é?,… o
nível mais elevado de curiosidade intelectual reflecte um interesse por problemas e é totalmente orienta-
do para a linguagem”.
Vamos complementar e adequar a últimar parte do pensamento de Dewey “o nível mais elevado
de curiosidade intelectual reflecte um interesse por problemas e não por soluções”. Não é atoa que se diz
que “a capacidade de questionar, de formular uma pergunta pertinente sobre o que se está a passar é a
essência da inteligência” . Portanto, caro leitor qual é o seu nível de curiosidade e originalidade? Não nos
responda, apenas responda a si mesmo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos até ao ponto em que as conclusões que retirar será (poderão ser) base de outra
investigação científica. As questões dos estudantes são marcadas por um dilema o da “revolução”.
Entretanto, esta mesma revolução se faz com dor, pois, só na amargura o espírito inventivo consegue
emergir e dar a sua tónica. No outro quadrante, o estudante vê-se amarrado pelo autoritarismo ins-
titucional e do professorado que o impõe uma postura de aceitabilidade do paradigma dominante.
Coisa que faz emergir uma questão pertinente: “como sair da masmorra?”. Inventando-se, buscando o
diferente, pois o semelhante já nos invade e em nada nos acresce.
Com isso, retiramos mais um propósito estudantil “a busca da diferença”. Ser diferente é uma
das coisas que todo o estudante devia, minimamente, tender. Mas essa diferença consegue-se com o
recurso ao chamado “método”. Portanto, ser diferente significa “ser metódico”. Somente com diferença
e método poderemos alcançar uma verdadeira desconstrução universitária. Não nos esqueçamos de
que aquilo que aprendemos na Universidade é para ser esquecido, mas aquilo que aprendemos para
aprender melhor nunca será esquecido, pois sempre será exercitado e reinventado, com o recurso a
“pesquisa” metodicamente encaminhada.

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A EDUCAÇÃO ESCOLAR COMO GARANTIA DO RESPEITO


PELAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS

Paulo Ezequiel dos Anjos Dumbo


estudante do 5º ano de Psicologia do Trabalho
da Universidade Católica de Angola e
membro do Grupo de Busca e Difusão do Saber (GBDS)
Tel.: 929961263;
e-mail: pauloezequiel189@hotmail.com
Morada: Corimba/Luanda

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, o seu título é, naturalmente, fruto de uma miscelânea de vocábulos con-
gregados. Por esta razão, vão-nos desculpar a meninice, quer na confecção de tal título, quer no con-
teúdo de sua alçada.
Neste minúsculo trabalho, que se intitula por “A educação escolar como garantia do respeito
pelas diferenças individuais”, e que o conteúdo parece sugerir a abordagem sobre uma educação li-
beral, vamos, primeiramente, falar sobre a antiguidade do conceito de educação, fazendo menção de
alguns protagonistas, sem esquecer os contemporâneos.
A seguir, vamos analisar os diversos âmbitos em que se usa o conceito de educação; vamos
entender o que é educação escolar. Posteriormente, analisaremos se a educação escolar é, deveras,
garantia do respeito pelas diferenças individuais ou não.
Por fim, vamos propor algumas soluções para uma educação que venha preencher certas lacu-
nas da educação em curso.
Certos de que, quiçá, este assunto já tenha sido analisado ( e com mais rigor), estamos abertos
a críticas e sugestões, para podermos melhorar, nas próximas vezes.

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O conceito de educação é polissémico e reporta épocas muito remotas, desde a Grécia antiga
com Aristóteles, Sócrates, Platão e tantos outros, que são considerados como sendo os clássicos nestas
e noutras matérias, até estudiosos contemporâneos, de países europeus, latino-americanos, tais como:
Paulo Freire, Pedro Demo, Augusto Cury, José Carlos Libânio e tantos outros.
Na África, também, encontramos figuras preocupadas com a educação e, especificamente, em
Angola, temos a citar o professor Pedro Peterson, o professor Carlinhos Zassala, o professor Paulo de
Carvalho e tantos outros.
Recuando um pouco, convém-no erigir esta pergunta: porquê é mister afirmar que o conceito de
educação é polissémico?
Como tentativa de dar resposta a esta pergunta, que parece ser singela, mas não, é pertinente
percebermos de que a todo um processo de transmissão de conhecimentos, de valores, de princípios,
que, obviamente, provoca ou, pelo menos, devia provocar uma forma diferente, porquanto correcta, de
pensar, de agir, de se relacionar, de olhar para o mundo, podemos atribuir o nome de educação. Deste
modo, não resta dúvida de que há educação na igreja, quando o presbítero ou o pastor anuncia a “Boa-
nova”; não resta dúvida de que há educação na família, quando o pai ou a mãe ou o irmão mais velho,
ou até mesmo o irmão mais novo transmite qualquer conhecimento ou valor a outrem; há educação
quando, no supermercado, no táxi, na praça, na rua ou noutro sítio, alguém se ocupa de ensinar outrem,
quer sobre conhecimentos científicos, quer sobre valores cristãos e/ou morais. Mas sobre que educação
pretendemos discorrer, neste trabalho?
Embora a educação possa ser vista como um todo, é míster afirmarmos que pretendemos anali-
sar a educação escolar.
A ser assim, em nosso entender, a educação escolar é uma educação institucionalizada, que se
reveste de regras e formalismos onde, logicamente, há um professor ou mestre e alunos ou estudantes,
em que o professor transmite conhecimentos que são ou devem ser assimilados pelos alunos, e estes,
por sua vez, também, transmitem conhecimentos que são ou deviam ser assimilados pelos professores.
Mas, porquê dizer que deviam (…)? Porque há uma imensidão de professores que defendem um tipo de
educação em que o aluno só ouve, sendo mero espectador, não podendo questionar, nem dar nada ao
professor, porquanto este último pensa que já está esgotado de todo o conhecimento.
Ora, nesta lógica, o que demais, eventualmente, poderá suceder?
Quando ao aluno ou estudante é impedida a liberdade de se expressar, “o aluno apenas executa
as prescrições que lhes são fixadas”, (Peterson, 2000, p. 37).
Este tipo de educação tem a tendência de subestimar a reflecção sobre os valores, sobre o amor,
sobretudo, sobre o colocar-se no lugar do outro. Assim, fica-se distante desta célebre proposição “a práti-
ca pedagógica é, por conseguinte, um meio eficaz que conduz o aluno ao saber, ao saber fazer e ao saber
ser do futuro profissional”, (Peterson, 2000, p. 67).
Em nossa análise, o professor Peterson pretende significar que a prática pedagógica não se con

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substancia, apenas, numa mera transmissão de conteúdos científicos, entretanto ela visa, outrossim, for-
mar o aluno, de tal sorte que tenha um agir humano, contribuindo, desde modo, para um mundo onde
reinem a justiça, a paz, o amor ao próximo, a misericórdia, enfim, a humildade.
Depois desta “peregrinação”, é mister levantar uma pergunta que é, naturalmente, o pano de
fundo deste trabalho.
Até que ponto a educação escolar tem garantido o respeito pelas diferenças individuais?
Para responder a esta questão, necessário se torna levantar outra: o que se entende por diferenças
individuais?
A singularidade de cada um implica, necessariamente, a posse de um pensamento e um compor-
tamento próprios, ou seja, que, normalmente, não são confundidos com os de outrem. Por esta razão, as
diferenças individuais existem desde que existe o “um” e o “outro”.
Dentre vários conceitos que podem ser dados, por causa da multiplicidade de autores que há, no
mundo da Psicologia (das Diferenças Individuais), podemos conceituar diferenças individuais como as
“diferentes maneiras que cada pessoa vê, sente, interpreta, e se adapta aos acontecimentos do dia-a-dia de
maneira diferente. Isto ocorre em função das diferenças na formação, vivência, cultura e personalidade
de cada um”, (autor?, s.d. citado por Tchilemo, F., António, M., Dumbo, P. & Dembi, T., 2015, p.13).
Ora, pela análise que podemos fazer da citação acima feita, há diferenças individuais, porquanto,
há pensamentos diferentes, há disposições biológicas diferentes, há heranças genéticas diferentes, há
culturas diferentes, há educações diferentes, há estruturas físicas diferentes, há estatutos sociais e econó-
micos diferentes, há posições políticas e religiosas diferentes, enfim, há preferências diferentes.
Vejamos que estas diferenças individuais são de extrema importância para um tipo de educação
escolar que pretende presar-se por excelente.
Segundo (Cury, 2006, p. 68), “conhecemos o outro a partir de nós mesmos; daí a imensa respon-
sabilidade de construirmos o “outro” condizente ao que o “outro é” e não em relação ao que “nós somos”.
Cury pretende que olhemos o “outro” de acordo com a sua singularidade, respeitando as suas diferenças,
no fundo, a sua maneira de ser.
Segundo (Nussbaum, s.d., citada por Henriques, 2014, pp. 612-613), “é durante os anos decisivos
ao longo dos quais as crianças e os jovens estudantes [… ] poderão aprender a fazer perguntas ou não
[… ] a imaginar a situação em que se encontravam as pessoas que não são iguais a eles [… ] ”.
Com esta perspectiva de Nussbaum, é possível vermos o quanto a educação escolar tem um ta-
manho papel em criar no aluno a capacidade de pensar não só sobre si, mas também sobre o “outro”.
Quem é o outro? Porque o outro não pode ser confundido com o “eu”? Porque o outro deve ser
respeitado tal como é? Qual é a importância de se colocar no lugar do outro sem ser o outro? Como se
doar ao outro?
Não nos vamos ocupar de responder a estas questões, neste trabalho, importa-nos, porém, sa-
lientar que a educação escolar, que está sob a alçada dos professores, devia levar a cabo esta linha de

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estes incessantes questionamentos.
Com isto, queremos que se crie um tipo de educação escolar que pense a condição dos limitados:
psíquica, espiritual, física e economicamente.
Se é assim, com que tipo de educação escolar nos debatemos, mormente, em nosso contexto?
Naturalmente, numa época em que a busca pelo financeiro é a maior preocupação, a grande
corrida prende-se, precisamente, com a multiplicação dos meios de subsistência e adicionando a isto o
eclodir de uma crise espiritual, surge pouca preocupação com um tipo de educação que aponte para os
valores.
Apesar dos grandes méritos que a educação escolar alcançou e tem alcançado, visto que tem pro-
duzido muitos cientistas, e reconhecemos isto, sem sobra de dúvidas, devemos, contudo, por outro lado,
afirmar que temos, também, um tipo de educação que nos ensina o seguinte “cada um por si, Deus para
todos”; que nos ensina que o outro, realmente, só presta, na medida em que nos pode acrescentar um
valor. Ademais, temos um tipo de educação que nos influencia a debochar os outros por serem doutros
grupos étnicos ou nações, por terem uma forma peculiar de falar, por terem outra cor da pele, por te-
rem condição financeira diferente da nossa, por terem ou não boa capacidade de assimilar os conteúdos
transmitidos. Todavia, porquê isto sucede?
As causas desta toda hecatombe no relacionamento entre as pessoas está, exactamente, na inca-
pacidade de certos professores e também alunos conciliarem a teoria com a prática.
Ora, perante este quadro negro, em que professores não respeitam as diferenças e até alunos são
intolerantes entre si mesmos, cumpre-nos apresentar, dentre tanta, uma proposta de solução para, efec-
tivamente, tentar moldar este quadro. Tal segue-se:
i) Rever os critérios de selecção de professores;
ii) Atribuir maior pontuação ao comportamento, quer do professor, quer do aluno;
iii) Democratizar ou liberalizar o ensino;
iv) Libertar o pensamento crítico para pensar a cultura local e transfronteiriça;
v) Formar para os valores éticos, morais e cristãos, ensinando a arte de se colocar no
lugar do outro.

CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, apraz-nos dizer que não é um sonho irrealizável apostarmos numa educa-
ção escolar mais humana. Tudo passa, necessariamente, por apostarmos na cultura de um pensamento
que se desprenda de si mesmo para ver o outro, perceber do outro, tolerar o outro, entendê-lo sob o
ponto de vista da sua cultura, entender e trabalhar as suas limitações; criar condições para um ambiente
académico onde aqueles que são rotulados por imbecis, pobres, feios, chatos possam ser tolerados e in-
cluídos.

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Pelo que, a Psicologia jogou, joga e jogará sempre um papel central na revolução do sistema educativo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cury, A. (2006). Inteligência multifocal: Análise da construção dos pensamentos e da formação de pen
sadores (8ª ed. Rev.). São Paulo: Cultrix.
Dumbo et al. (2015). Teoria do constructo pessoal de George Kelly e diferenças individuais nos interes
ses. Luanda: Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica de Angola.
Henriques, M. (2014). A educação escolar e a justiça social num mundo global. Reflexões acerca da
obra Educação e justiça social de Martha C. Nussbaum. Revista angolana de ciências sociais, 8,
612-613.
Peterson, P. (2003). O professor do ensino básico: Perfil e formação. Lisboa: Instituto Piaget.

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SABER “GBDS”

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